Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03275/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/25/2009
Relator:José Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL –IRC- MÉTODOS INDICIÁRIOS. ERRO NA QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL. ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I) -De acordo com o princípio da legalidade administrativa, tal como é hoje entendido, incumbe à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas desfavoráveis ao destinatário, como sejam a existência dos factos tributários e a respectiva quantificação, quando o acto praticado se fundamente nessa existência do facto tributário e na sua quantificação.
II) -Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes bem como a sua contabilidade ou escrita quando esta estiver organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal - artigo 75.° n.° l da LGT.
III) -Mas podem aplicar-se métodos indirectos quando ocorram anomalias e incorrecções da contabilidade e não seja possível a comprovação e a quantificação através do método directo ou seja através de simples correcções técnicas –cfr. artigos 51.° n.° 2 do CIRC , 87.° alínea b), 88.° e 90.° n.° l, estes da LGT.
IV) -Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação e ao contribuinte a prova do excesso na sua quantificação (artigo 74.° n.° 3 da LGT).
V) -Estando verificados os pressupostos para recurso a tal método de tributação a administração tributária, dentro da sua margem de liberdade e sindicabilidade encontrou uma margem e apurou o imposto em falta, sendo que neste método de apuramento de imposto há sempre uma margem de discricionariedade e de indeterminação que lhe está subjacente que se prende com a natureza sancionatória que tal regime acarreta, sendo inclusive um incentivo para os sujeitos passivos cumpridores porquanto, o recurso a este mecanismo de tributação tem como meio de combate à fraude e à evasão fiscal, incentivando os contribuintes a procederem com maior rigor na verdade da determinação da matéria tributável e no cumprimento dos deveres de colaboração e nas regras do ordenamento fiscal em vigor.
VI) -A AT viu-se assim impossibilitada de proceder ao cálculo da matéria colectável através do método directo uma vez que não existiam elementos que o permitissem, não tendo a impugnante, logrado provar que a mesma se afasta significativamente dos valores que correspondem à sua realidade empresarial, limitando-se a afirmar que não concordava com os valores apresentados, e, que deveria ser tributada pelos valores constantes na sua contabilidade.
VII) -Assim, impõe-se concluir que a administração tributária cumpriu, acatando o princípio da legalidade Administrativa e em termos correspondentes ao disposto no art° 342° do CC, o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação e que o contribuinte não alcançou provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.
IX) -A eventual dificuldade que possa resultar para a impugnante de provar que o valor escriturado corresponde ao real verificando-se excesso na quantificação levada a efeito pela AF com recurso à avaliação indirecta, não constitui obstáculo à atribuição daquele ónus à impugnante, pois essa dificuldade de prova não está legalmente prevista como determinando uma inversão do ónus de prova, como se extrai do disposto no artigo 344°, do Código Civil.
X) -Se a impugnante se arroga o direito à dedutibilidade de custos que diz terem sido desconsiderados pela AF, é sobre si que recai o dever de comprovar esses custos - artigo 74°, n°1, da LGT e sobre a AF apenas recairia o dever de corrigir os custos por via da correcção presumida dos proveitos se tivesse havido lugar a correcção nas vendas (número de imóveis vendidos), que não apenas dos valores declarados (contabilizados) das vendas.
XI) -Dado que a impugnante não comprovou despesas para além das consideradas pela AF, não havia lugar a qualquer correcção nos custos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul:

I-RELATÓRIO

I – J... - Sociedade de Construção, Ldª., com os sinais identificadores dos autos, inconformada com a sentença do TT de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação adicional de IRC relativo ao ano de 2001 interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. A Douta decisão tomada pelo tribunal "a quo" determinando a improcedência da impugnação apenas e só baseada no facto de a liquidação impugnada não se encontrar ferida dos vícios que lhe são assacados.
2. A questão controvertida pendente nos presentes autos consiste em provar se os montantes reais de venda são os presumidos pela Administração Fiscal.
3. Até porque a Administração Fiscal apenas apurou valores para algumas fracções autónomas e parte para valores médios de venda de todas as fracções, sem qualquer justificação legal.
4. Bem sabendo que nem todas as fracções são iguais e os valores de venda também variam em função do mercado.
5. Não presumindo também custos e ou tendo aceitado o custo total do terreno que a apelante levou ao conhecimento da Administração Fiscal.
6. Ora o tribunal "a quo" decidiu confirmando a posição da Administração Fiscal.
7. Conclui não haver lugar a presunção de custos porque não há variação de imóveis vendidos.
8. O Tribunal recorrido deixou de pronunciar-se sobre questões importantes que tinha obrigação de apreciar,
9. O Tribunal recorrido violou o princípio da repartição do ónus da prova
10. A sentença recorrida violou as seguintes disposições legais, art° 48° e segs., do Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas e art° 341° e segs., do Código Civil.
Termos em que ao presente recurso deve ser dado provimento, revogando-se a decisão recorrida. COMO ALIÁS É DE JUSTIÇA
Não houve contra -alegações.
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2. - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- DOS FACTOS:
Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão de mérito:
1. A impugnante dedica-se à actividade de construção de edifícios, CAE 45.211;
2. Com referência ao exercício de 2001, foi, a impugnante, sujeita a uma acção de inspecção externa abrangendo o IRC, a qual teve o seu início em 06/07/2005;
3. A referida acção de inspecção culminou com elaboração do relatório de 21/10/2005, que constitui fls. 35 e ss. do apenso instrutor e aqui damos por integralmente reproduzido face à sua extensão.
4. Do referido relatório consta que o recurso a métodos indirectos assenta, nomeadamente, nos seguintes factos: fracção "G" - o adquirente declarou que a fracção foi adquirida por 46.500.000$00, não pelo valor declarado na escritura e contabilizado de 28.000.000$00 e não foram contabilizados em conta corrente os pagamentos efectuados pelo adquirente através de cheques emitidos como sinal da fracção, no valor de 2.500.000$00 e um outro, no valor de 16.000.000$00 endossado ao sócio gerente da impugnante; fracção "N" - Foram contabilizados na conta 255 "empréstimos de sócios", os montantes de 9.500.000$00 e 8.300.000$00 referentes a pagamentos efectuados pelo adquirente Manuel Inácio Veladas Dias, conforme talões de depósito anexos e na conta corrente do cliente não foi registado o pagamento efectuado pelo adquirente no montante de 17.800.000$00, correspondente àqueles depósitos; fracções "AG", "AD", "AÃ", "AM", "AN", "AH" e "AJ", os adquirentes declararam, no procedimento de inspecção, que o valor real não corresponde ao declarado nas escrituras de compra e venda; fracções "R", "AF", os adquirentes declararam, no procedimento de inspecção, que o valor real não corresponde ao declarado nas escrituras de compra e venda, bem como o valor dos empréstimos bancários por eles contraídos é superior ao valor declarado; fracção "P", o valor dos empréstimos bancários contraídos é superior ao valor declarado; fracção "J", o adquirente declarou que o valor real de aquisição foi superior ao declarado na escritura de compra e venda e foi contabilizada na conta 255 - "empréstimos de sócios", o montante de 17.500.000$00 referente ao pagamento efectuado pelo adquirente, conforme talão de depósito anexo não tendo sido contabilizado o pagamento efectuado na conta corrente do cliente.
5. Na explicitação dos "critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos", vem referido no relatório, expressamente, o seguinte:
«Por se ter verificado a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, artigo 87° e 90° da LGT - Lei Geral Tributária e dado a insuficiência de elementos de contabilidade e existência de manifesta discrepância entre os valores de compra e venda declarados em escrituras notariais e o valor efectivamente pago, iremos determinar o lucro tributável com recurso à aplicação de métodos indirectos, de acordo com o definido no artigo 51° do CIRC.
Refere-se ainda que o próprio contribuinte assumiu que os valores contabilizados não são os correctos, apresentando novos valores que considerou como os valores reais das fracções autónomas. No entanto, os valores apresentados são muito inferiores aos apurados por nós por métodos indirectos, conforme mapa em anexo I.
Para obtermos o preço médio presumido, entramos em linha de conta com os valores apurados através dos termos de declarações dos adquirentes, dos valores dos mútuos contraídos e dos elementos recolhidos na contabilidade da empresa, anteriormente justificado.
Segundo os mapas em anexos I, o valor médio apurado para as fracções esquerdas foi de 41.300.000$00 e para as fracções direitas foi de 35.750.000$00.
Para determinação dos valores de venda presumidos, para as fracções em que o adquirente declarou um valor de venda inferior ao valor médio, consideramos o valor médio por nós apurado.
Do exposto resulta uma correcção proposta por métodos indirectos no montante de 291.300.000$00, conforme mapa anexo I.
Tendo em atenção as correcções propostas por métodos indirectos 291.300.000$00 (1.4 52.998,27€), o lucro tributável declarado de 34.872.406$00 (173.942,83€) é alterado para 326.172.406SOO (1.626.94l,10€)».
6. A impugnante reclamou da matéria tributária fixada com recurso a métodos indirectos para a Comissão de Revisão, a qual, na falta de acordo, manteve os valores propostos pela inspecção (fls. 367 do apenso instrutor);
7. Em sequência, foi efectuada a liquidação de IRC/2001, n° 2006 8310000026, de 02/01/2006, na importância de € 626.255,43, com data limite de pagamento em 13/02/2006 (demonstração de liquidação e demonstração de compensação, fls. 43 e 44);
8. A impugnação foi apresentada em 11/05/2006, conforme carimbo aposto a fls. 2;
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Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante.
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Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada.
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2.2. – DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS

É atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso que passamos a conhecer deste.
As questões colocadas pela Recorrente são as de saber se estão, in casu, verificados os pressupostos para que a administração tributária pudesse recorrer ao apuramento do imposto com recurso a avaliação indirecta, normalmente chamados métodos indiciários e, se existe errónea quantificação dos factos tributários.
Tais questões foram decididas desfavoravelmente no Tribunal recorrido.
Quanto à aplicação dos falados métodos a que se reconduzem os fundamentos do recurso, pronunciou-se a sentença nos seguintes termos:
“Nos termos do artigo 77°, n°4, da LGT, a decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exactas da matéria tributável.
Os motivos da decisão do recurso a métodos indirectos estão suficientemente explicitados no relatório de inspecção tributária, como ressalta supra, dos números 4 e 5 do probatório, pois possibilitam a um destinatário médio aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido na prática do acto, bem como tomar uma decisão esclarecida de aceitação, ou impugnação, do acto lesivo do procedimento.
Diferente da falta de fundamentação, é a correcção dos fundamentos invocados.
De harmonia com o disposto no n°1 do artigo 75°, da LGT, "presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal".
Cessa a presunção de veracidade quando "as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo " - seu n°2, alínea a).
Para fazer cessar a presunção de veracidade dos elementos declarativos e de escrita do sujeito passivo e, sendo o caso, recorrer à avaliação indirecta, a Administração fiscal tem de recolher prova indiciária bastante de que aqueles elementos não reflectem, ou impedem, o conhecimento da matéria tributável real do contribuinte e demonstrar os factos a partir dos quais concluiu pelas deficiências da contabilidade ou escrita - artigo 74°, n° l, da LGT.”
Vejamos.
Na senda do Acórdão deste TCAS de 07/03/06, tirado no recurso nº 993/06 e cuja fundamentação data vénia iremos seguir, quanto ao vício de falta de fundamentos legais para a determinação do rendimento com recurso a métodos indiciários e aos critérios utilizados para a quantificação do imposto importa, antes de mais, fixar o ordenamento jurídico então em vigor.
No quadro legal, da Lei Geral Tributária posterior ao Código de Processo Tributário, e nos códigos da reforma de 1989, que começou com a aprovação do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), está firme o propósito legislador de tributar rendimentos reais e efectivos e de reforçar as garantias dos contribuintes, nomeadamente, em sede de recurso para a comissão de revisão e ónus da prova.
Tal resulta do primado da declaração dos contribuintes, art° 78° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e art° 70° e 71° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), às hipóteses em que administração tributária podia avaliar a matéria colectável, art° 38° e 66° do CIRS e art° 51° do CIRC, aos critérios que administração tributária tinha de utilizar aquando a avaliação seja legalmente possível, art° 52° do CIRC e, por remissão, art° 38° n° 5 e 66° al. b) e c) do CIRS.
Sob a epígrafe métodos indiciários, O art°51° n° l do CIRC, reza assim: " l. A determinação do lucro tributável por métodos indiciários verificar-se-á sempre que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a) "Inexistência de contabilidade, falta ou atraso de escrituração dos seus livros e registos e, bem assim, irregularidades na sua organização ou execução;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades com propósito de dissimular a realidade perante a administração fiscal;
d) Erros e inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido", (sublinhado nosso).
O art° 52° preceitua ainda que a determinação do lucro tributável por métodos indiciários deverá basear-se em todos os elementos de que a administração tributária disponha, nomeadamente em:
a) Margens médias de lucro bruto ou líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos e serviços de terceiros;
b) Taxas médias de rendibilidade de capital investido;
c) Coeficientes técnicos de consumo ou utilização de matérias-primas ou de outros custos directos:
d)Elementos declarados à administração fiscal, incluindo os relativos a outros impostos, e bem assim, os obtidos em empresas ou entidades que tenham relações com o contribuinte
Acrescenta o n° 2 que no caso de existência de anomalias e incorrecções da contabilidade, só poderá recorrer-se a aplicação destes métodos quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com o estabelecido nas disposições da secção II deste capítulo.
Só nos termos deste quadro legal, podia a administração tributária através do Director Distrital de Finanças, alterar ou fixar rendimentos colectáveis atendendo ao art° 52° do CIRC, em valores diferentes portanto, dos declarados ou não declarados de todo.
Destes actos tributários de alteração ou fixação dos rendimentos podiam os sujeitos passivos reclamar no prazo de 30 dias, com efeitos suspensivos, para as comissões distritais de revisão dos artigos 54° do CIRC e/ou 84° do Código de Processo Tributário.
Dispunha, por sua vez, o art. 78° do CPT: “Quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramento decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte".
Previa-se ainda a consagração legal expressa da impugnabilidade contenciosa de uma errónea quantificação do rendimento colectável art° 55° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e 89° do Código de Processo Tributário.
Os artigos 510 e 52° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas foram alterados pela Lei n° 109-B/2001 de 27/12, e no art0 52° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, passou a estipular-se que a aplicação de métodos indirectos efectua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87° a 89° da Lei Geral Tributária.
A Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n° 398/98 de 17 de Dezembro, que entrou em vigor a partir de 01/01/99.
Este diploma, na sequência do processo legislativo atrás enunciado veio definir "os princípios gerais que regem o direito fiscal português e os poderes da administração tributária e garantias dos contribuintes, e quanto à questão de direito controvertida, consagrou o regime de avaliação indirecta, quanto aos pressupostos nos artigos 87°, 88°, 89° e 89 - A da LGT, aos critérios no art° 90° e quanto ao procedimento nos artigos 91° a 94° da Lei Geral Tributária e, no seu regime transitório, manteve, a possibilidade de os sujeitos passivos, continuarem a reclamar para a comissão de revisão prevista no art° 84° do Código de Processo Tributário.
No art° 91° procedimento de revisão, passou poder-se apreciar e decidir os fundamentos e para aplicação do métodos indiciários, o que não era possível até aí.
O artigo 88° 2°, sob a epígrafe Impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável estipula o seguinte: A impossibilidade de comprovarão e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a rabões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como da sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a Administração Tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal;
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente menor que a declarada".
Trata-se aqui de um reforço das garantias dos contribuintes, nomeadamente, se atendermos ao disposto no n°1 do art° 81° da LGT que refere que a avaliação indirecta só pode ocorrer nos casos e nas condições previstas na Lei.
Constata-se pelas situações descritas de a) a c) do art° 88° da LGT que a impossibilidade não é uma impossibilidade absoluta de avaliação directa da matéria tributável mas sim, a impossibilidade de tal avaliação no momento em que ela deve ser efectuada.
Por isso, nos casos de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução, basta que as deficiências não sejam supridas no prazo legal para se utilizar o método de avaliação indirecta, não sendo necessário, para afastar a sua aplicação, a eventualidade de as deficiências serem supridas posteriormente.
Contudo, o sujeito passivo poderá posteriormente pedir a revisão da matéria colectável, art. 91° da LGT, e, neste procedimento, tanto o acordo como a decisão da entidade competente, poderão tomar em consideração os elementos que sejam apresentados após aquele prazo.
No entanto, não será obrigatório fazê-lo, pois, nos casos anteriormente descritos, a contabilidade e escrita perderam a credibilidade que, em princípio, lhes é atribuída, deixando de se presumir verdadeiras e passando a presumir-se não verdadeiras (art° 75°, n°s l e 2 da LGT).
De referir que neste procedimento de revisão se passou a poder conhecer dos fundamentos para a aplicação dos métodos indiciários, no âmbito do Código de Processo Tributário só era possível apreciar a quantificação do rendimento.
Considera-se na alínea d) do art° 88° do LGT, aditada pela Lei 30-G/2000 de 29/12, que haverá necessidade de identificar factos e situações que levem a presumir uma capacidade contributiva superior à declarada pelo sujeito passivo, consubstanciando mais uma anomalia que leva à impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria colectável.
Embora, a subjectividade aqui referida continue próxima dos indícios referidos no anterior art° 51° o CIRC.
No art° 90° da Lei Geral Tributária enumeraram-se os critérios para apurar a matéria tributável consistente na reprodução dos elementos que com tal função legal estavam consagrados no art° 52° do CIRC, com manifesta ampliação de novos elementos nomeadamente nas alíneas e) a g).
O n°1 do artº 90° fixa os factores a atender nos casos de aplicação de impossibilidade de comprovação e quantificação.
A lista de factores tem carácter taxativo, contudo, não será obrigatório atender a todos esses factores em todas as avaliações indirectas, devendo recorrer-se apenas aos que, caso a caso, se afigurem mais seguros para permitir apurar com rigor a matéria tributável.
O n° 2 do art° 90° remete para indicadores objectivos de actividade de base técnico -cientifica, que ainda não forma publicados.
A propósito, convém reiterar a necessidade de fundamentação da decisão administrativa de recorrer à avaliação indirecta que terá de especificar os motivos da impossibilidade da comprovação exacta e directa da matéria tributável bem como identificar os factos através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente menor do que a declarada, porquanto esse ónus recai sobre a AF, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, n.° 3 do art° 74° da LGT.
Sobe pena de, em sede de impugnação, o acto vir a ser anulado "sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário", nos termos descritos no art° 100° do CPPT.
Do exposto resulta que:
O recurso a este método de tributação está previsto e, apresenta duas vertentes a preventiva e repressiva.
Na vertente preventiva, a utilização de métodos indirectos será potencialmente dissuasora de comportamentos tendentes à evasão fiscal, incentivando os contribuintes a procederem com maior rigor e verdade nas suas declarações.
Na vertente repressiva, o recurso a métodos indirectos, se utilizados com rigor e bom senso, permitirá apurar uma matéria tributável real, presumida e será mais próxima da efectiva do que a declarada pelo contribuinte "prevaricador".
Pode-se dizer que o recurso a tal método de avaliação tem subjacente o princípio da subsidiariedade, considerando-se que a aplicação de métodos indirectos é subsidiária em relação à avaliação directa ou seja, a que resulta do princípio da veracidade da declaração (acórdão do STA no processo n° 024959 de 24-01-01 www.dgsi.pt)
Não se descorando a necessidade da fundamentação do recurso a tal método da avaliação e quantificação do imposto, como garantia legal do contribuinte.
Vejamos a jurisprudência.
Vem sendo reiterado pela jurisprudência em relação à quantificação do imposto com recurso a este método que não se pode exigir a mesma precisão que o valor apurado com base na declaração do contribuinte e, cabe ao contribuinte a prova de que à excesso de quantificação ou de que os elementos ou método utilizados na mesma estão errados, (veja-se entre outros Acor. do TCA no processo n° 000574/04 de 15/05/05, no processo n° 01076/03 de 01076/03, www.dgsi.pt).
A tributação por métodos indirectos, visando, embora, o lucro real, tem em vista o presumido, alcançado mediante índices, e só por mera coincidência pode apurar uma matéria colectável igual à que resulta da contabilidade da contribuinte, julgada não reveladora da sua real situação e, portanto, imprestável para servir de base à tributação, (Acórdão do STA no processo n° 0471/04 de 26/06/04 www.dgsi.pt)
No caso de utilização de métodos indiciários, o próprio método de quantificação, baseado em presunções e estimativas, nunca pode garantir a correspondência entre a quantificação e a realidade, pelo que, pela sua própria natureza, não pode deixar de conduzir a uma situação de dúvida sobre aquela quantificação.
Por isso, é de concluir que, à face do art. 121.°, na redacção inicial, não bastavam, para anular a liquidação baseada em quantificação por métodos indiciários as dúvidas referidas, as existentes sempre, mesmo na falta de qualquer prova positiva sobre a existência de erro na quantificação da matéria tributável, só se estando perante uma situação de fundada dúvida quando positivamente se prove que tal quantificação é errada ou, pelo menos, que haja indícios de que o seja. (Acórdão do STA no processo n° 026679 de 24/04/02 www.dgsi.pt)
Nos casos em que o contribuinte, por dolo ou negligência, não forneça à AT os elementos necessários à liquidação do imposto, ou os elementos fornecidos se revelem inexactos, e se verifique a impossibilidade de calcular com exactidão a matéria tributável (com base em elementos objectivos, como a contabilidade e respectiva documentação), a lei permite que a AT possa avaliá-la indirectamente, ou seja, com base em indícios, presunções ou outros elementos de que disponha.
IV - Tendo a AT recorrido a métodos indiciários para determinar o lucro tributável do contribuinte, compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem o afastamento dos elementos declarados pela Contribuinte e a impossibilidade de determinar a matéria tributável com base nos mesmos.
V - Tendo a AT feito essa prova, porque em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, não basta a este criar uma dúvida razoável, antes se lhe exigindo a prova de que os elementos utilizados pela AT ou o método que utilizou são errados (cf. artº 121.° do CPT, aplicável à situação sub judice), (Acórdão do TCA no processo n° 07025/02 de 05/05/05 www.dgsi.prt.
Só há dúvida sobre o facto tributário se da prova produzida resultar fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.
Cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito. (Acórdão do STA de 14/01/2004, processo n° 01480/03 www.dgsi.pt).
Aplicando tal doutrinação ao caso concreto, constata-se que a Administração fiscal concluiu pela omissão de proveitos, com base no testemunho de vários compradores de fracções autónomas transaccionadas pela impugnante, no sentido de que o preço declarado nas escrituras de compra e venda e reflectido na contabilidade, não correspondia ao real, mas era substancialmente superior; no facto de outros tantos compradores terem contraído empréstimos, garantidos por hipotecas sobre as fracções adquiridas, por quantias superiores às que constam das atinentes escrituras de compra e venda, não tendo feito prova de que as quantias mutuadas em excesso tivessem outro destino para além do de aquisição da fracção; na existência, em alguns casos, de cheques dos compradores depositados na conta dos sócios quando os mesmos não tiveram qualquer transacção para além da verificada com a sociedade (fls. 77 e 78 do apenso) e, ainda, quantias contabilizadas nas contas empréstimos de sócios, sem registo na conta corrente dos adquirentes (fls. 190 e 191 do apenso).
Em concordância com a AT e o Mº Juiz, entendemos que os factos descritos, no seu conjunto, constituem indícios seguros de omissão de proveitos e de que a contabilidade não reflecte o resultado efectivamente obtido.
Nesse sentido, deve enfatizar-se, como o fez o Mº Juiz «a quo» a existência, em alguns casos, de cheques dos compradores depositados na conta dos sócios e cujo valor não está reflectido na contabilidade, não tendo a impugnante demonstrado a existência de qualquer transacção para além da verificada com a sociedade, bem quantias contabilizadas nas contas empréstimos de sócios, sem registo na conta corrente dos adquirentes.
Assim, é forçoso concluir que a AF cumpriu os pressupostos vinculativos da sua actuação, passando, pelo que se deixou dito, a recair sobre o contribuinte o ónus da prova do excesso de quantificação (artigo 74º, nº3, da LGT).
E, na verdade, a impugnante nada demonstra a esse respeito antes se escudando no argumento de que é de realização impossível a prova de que as transacções se fizeram pelos valores escriturados e não pelos corrigidos, o que reconduz à prova de um facto negativo.
E também neste passo é assertiva a sentença: a eventual dificuldade que possa resultar para a impugnante de provar que o valor escriturado corresponde ao real verificando-se excesso na quantificação levada a efeito pela AF com recurso à avaliação indirecta, não constitui obstáculo à atribuição daquele ónus à impugnante, pois essa dificuldade de prova não está legalmente prevista como determinando uma inversão do ónus de prova, como se extrai do disposto no artigo 344°, do Código Civil.
É que, quanto aos fundamentos para a aplicação do questionado método de avaliação, eles resultam claramente do probatório, nomeadamente das irregularidades da contabilidade.
Tendo em conta a factualidade supra, a administração tributária por impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria entendeu, e bem, que estavam verificados os pressupostos para a tributação com, recurso a métodos indiciários, art° 51° al. a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e 87° da Lei Geral Tributária.
Por isso não colhe o afirmado pela recorrente (conclusões 2ª a 7ª) de que a questão controvertida pendente nos presentes autos consiste em provar se os montantes reais de venda são os presumidos pela Administração Fiscal até porque a esta apenas apurou valores para algumas fracções autónomas e parte para valores médios de venda de todas as fracções, sem qualquer justificação legal, bem sabendo que nem todas as fracções são iguais e os valores de venda também variam em função do mercado.
E também não procede a sua alegação de que, não presumindo também custos e ou tendo aceitado o custo total do terreno que a apelante levou ao conhecimento da Administração Fiscal, o tribunal "a quo" decidiu confirmando a posição da Administração Fiscal concluindo não haver lugar a presunção de custos porque não há variação de imóveis vendidos.
Ou seja: a impugnante pretende que deveria haver lugar a correcção dos custos contabilizados uma vez que foram corrigidos os proveitos contabilizados.
Mas também não merece censura a solução dada pela sentença a esta questão.
Com efeito, nos termos do n°1 do artigo 23°, do CIRC, "consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou par a manutenção da fonte produtora... ".
Ora, se a impugnante se arroga o direito à dedutibilidade de custos que diz terem sido desconsiderados pela AF, é sobre si que recai o dever de comprovar esses custos - artigo 74°, n°1, da LGT e sobre a AF apenas recairia o dever de corrigir os custos por via da correcção presumida dos proveitos se tivesse havido lugar a correcção nas vendas (número de imóveis vendidos), que não apenas dos valores declarados (contabilizados) das vendas.
E o exemplo dado pelo Mº Juiz é lapidar: Um exemplo esclarecedor do que dizemos pode resumir-se assim: se a AF, num negócio de restauração, corrige o número de cafés vendidos, terá necessariamente de corrigir a quantidade de açúcar vendido (isto é, os custos), mas não assim se corrige unicamente o preço por que é vendido o café (60 cêntimos, em vez dos 50 declarados).
Dito de outro modo e com rigor: se a impugnante não comprovou despesas para além das consideradas pela AF, não havia lugar a qualquer correcção nos custos.
Conforme se referiu e resulta da lei de da jurisprudência firmada, na avaliação indirecta há sempre uma margem de discricionariedade.
No apuramento do imposto, tem-se como ponto de partida da contabilidade, mas, posta em crise, a administração tributária recorre aos critérios que a lei lhe permite, entre eles do utilizado no caso.
Não pode depois vir o sujeito passivo requerer ser tributado pelo valores declarados, e, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte.
Ou seja, a impugnante, limitou-se quanto à quantificação, como fez quanto à qualificação a tecer considerações genéricas e vagas, não se pronunciando em concreto, sobre os valores apurados pela administração tributária.
Concluindo:
In casu, verificou-se que estando verificados os pressupostos para recurso a tal método de tributação a administração tributária, dentro da sua margem de liberdade e sindicabilidade encontrou uma margem e apurou o imposto em falta.
Neste método de apuramento de imposto há sempre uma margem de discricionariedade e de indeterminação que lhe está subjacente que se prende com a natureza sancionatória que tal regime acarreta, sendo inclusive um incentivo para os sujeitos passivos cumpridores.
Porquanto, o recurso a este mecanismo de tributação tem como meio de combate à fraude e à evasão fiscal, incentivando os contribuintes a procederem com maior rigor na verdade da determinação da matéria tributável e no cumprimento dos deveres de colaboração e nas regras do ordenamento fiscal em vigor.
A impugnante, não logrou provar que aquela matéria se afasta significativamente dos valores que correspondem à sua realidade empresarial.
A impugnante nos autos limitou-se a afirmar que não concorda com os valores apresentados, e, que deveria ser tributada pelos valores constantes na contabilidade, mas, a mesma pelas múltiplas irregularidades, deu azo, a que estivessem reunidos os pressupostos para este método de tributação.
À administração tributária cumpre, apenas, tendo em conta o princípio da legalidade Administrativa e em termos correspondentes ao disposto no art° 342° do CC, o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação. Por outro lado, cabe ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, (Acórdão do STA de 08/10/03 processo n° 0453/03).
E, competia à impugnante o ónus da prova dos factos que traduzem a ilegalidade do acto sob a cominação da improcedência da impugnação, (neste sentido, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão em anotação ao referido art° 100°, em Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, pag. 239, Almedina e Ac. do, STA de 05/05/7, Acs. Douts, n° 176-177, pag 1141, Ac. do, STA de 15/11/78, Acs. Douts, n° 206, pag 244 e Ac. do STA de 09/02/77, recurso n° 768).
A impugnante contesta a quantificação administrativa da matéria tributável, mas não apresentou prova bastante que fosse credível, por coerente e adequada à quantificação dos valores declarados de forma a contrariar a quantificação apurada pela administração tributária.
A prova produzida revela-se contraditória, obscura e insuficiente, incapaz de, justificadamente, ao menos gerar uma dúvida fundada sobre a quantificação da matéria tributável, nos termos do art° 100° do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Conclui-se, pela legalidade da liquidação e a consequente improcedência da impugnação e, consequentemente, do presente recurso.
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3. - DECISÃO:
Face ao exposto acordam os Juízes deste TCA em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
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Lisboa, 25/11/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Manuel Malheiros)