Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9/19.0BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:05/14/2020
Relator:PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:ASILO- PROTEÇÃO SUBSIDIÁRIA- REQUISITOS- PAQUISTÃO;
VIOLAÇÃO SISTEMÁTICA DIREITOS HUMANOS- RISCO DE SOFRER OFENSA GRAVE;
SITUAÇÃO DE CONFLITO ARMADO- AMEAÇA GRAVE CONTRA A VIDA OU INTEGRIDADE FÍSICA.
Sumário:I- A concessão de proteção subsidiária, prevista no art.º 7.º da Lei do Asilo, está dependente da verificação de duas condições:

- denegação da concessão de asilo;

- impossibilidade de regresso do requerente ao país da sua nacionalidade, ou da residência habitual, por aí ocorrer, em alternativa, uma “sistemática violação dos direitos humanos” ou por correr “o risco de sofrer ofensa grave”;

II- No que concerne à “sistemática violação dos direitos humanos”, exige-se que o requerente de proteção subsidiária fundamente o seu pedido “na existência de condições objetivas de desrespeito sistemático pelos direitos humanos no país de origem, que atingem gravidade suficiente para impossibilitar o seu regresso”, sendo que a aferição da gravidade deve projetar-se em moldes atuariais e, de certo modo, idênticos ao conceito de perseguição.

III- A conclusão positiva da ocorrência da aludida “sistemática violação dos direitos humanos” depende, portanto, da avaliação do grau de disseminação do desrespeito dos direitos humanos no país de origem, bem como da gravidade de tal desrespeito, mormente, tendo em atenção o tipo de direitos fundamentais afrontados. Significa isto que a avaliação a realizar no que concerne a esta condição positiva para a concessão de proteção subsidiária assume um carácter quantitativo e qualitativo.

IV- No caso do Paquistão, pese embora os relatos de frequentes afrontas aos direitos humanos, é de realçar que tais ocorrências, para além de estarem em desacordo com as leis paquistanesas, também não são chanceladas pelos poderes públicos, sendo certo que se registam esforços- ainda que, nalguns casos, débeis- no sentido de reverter determinadas práticas originadas por traços socioculturais ou ocasionadas por um certo clima de insegurança que perdurou, especialmente, durante alguns anos em determinadas áreas geográficas do país. Ademais, não é possível afirmar, face à informação internacional disponível e às fontes informativas consultadas, que subsiste no Paquistão um clima disseminado de desrespeito pelos direitos humanos, que atinja a população em geral, assumindo um grau que se situe em patamar de gravidade.

V- Sendo assim, entendemos não ser possível afirmar a verificação de uma situação de “sistemática violação dos direitos humanos” na aceção pressuposta pelo n.º 1 do art.º 7.º da Lei do Asilo.

VI- De acordo com o n.º 2 do art.º 7.º da Lei do Asilo, subsiste “risco de sofrer ofensa grave” nos casos em que, no país de origem:

i) possa vir a ser concretizada a aplicação da pena de morte ou execução;

ii) em que o requerente possa ser submetido a tortura ou a tratamento desumano ou degradante; e

iii) nos casos de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação indiscriminada de direitos humanos, de que resulte ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente de proteção internacional.

VII- Considerando o panorama da situação política e militar atual do Paquistão, entendemos que o status quo hodierno vivenciado no Paquistão e, em especial, na província de Khyber Pakhtunkhwa, não observa os critérios desenhados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão Diakité (processo C-285/12, 30/01/2014), para efeitos de determinação da ocorrência de um “conflito armado”, nem no Acórdão Elgafaji (processo C-465/07, 17/02/2009) para efeitos de preenchimento do que deve entender-se por “violência indiscriminada ou generalizada” e respetivo grau de gravidade.

VIII- A situação político-militar vivida atualmente no Paquistão e na província de Khyber Pakhtunkhwa é muito diversa daquela que o requerente deixou para trás em 2014. Realmente, atentando no esforço de erradicação dos grupos talibanizados e no forte controlo policial e militar, não é expectável ou credível que o requerente, 6 anos após o acontecimento que o levou a fugir do seu país de origem, venha a sofrer represálias de qualquer espécie por banda daqueles grupos no caso de regressar à província de Khyber Pakhtunkhwa.

IX- Adicionalmente, é de salientar que o perfil do requerente não colhe qualquer característica que o possa levar a servir de alvo dos remanescentes ataques que ainda vão ocorrendo, uma vez que provêm de grupos militarizados mais ou menos radicalizados em termos religiosos e, por isso, são direcionados e visam essencialmente as forças de segurança, militares, professores, jornalistas e profissionais na área da saúde.

X- Ora, os considerandos vindos de enunciar, a que se adita os ensinamentos colhidos na jurisprudência urdida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão proferido em 28/06/2011, Sufi e Elmi vs The United Kingdom (Queixas n.º 8319/07 e 11449/07), permitem afastar, no caso versado, a verificação do requisito atinente à existência de violência indiscriminada e/ou à subsistência de condições humanitárias que tornem impossível o regresso do requerente ao país de origem, na aceção do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

XI- Também não se descortina qualquer sucesso no que respeita ao argumento avançado pelo Recorrente de que o risco de vir a sofrer “ofensa grave” provém também das forças de segurança estatais- a polícia-, uma vez que foi procurado por estas em razão da suspeita da pertença a um grupo de talibãs.

XII- É que, ainda que se reconheça que as forças de segurança estatais têm sido objeto de relatos que destacam a violência policial e dos militares, bem como atuações abusivas, mormente, corrupção, arbitrariedade, detenção ilegal e por longos períodos temporais e em local secreto sem validação da mesma por um tribunal, assassinatos, desaparecimento dos detidos, tortura e tratamento desumano de detidos e presos, é de notar que uma boa parte de tais atuações sucederam em contexto de combate do terrorismo e em ambiente social hostil.

XIII- E este tipo de atuação abusiva que vem relatada não tem aprovação nem respaldo nas forças políticas e governativas do país, que assumem postura de censura e de perseguição judicial de tais comportamentos, ainda que, por vezes, com notas de pouca eficácia.

XIV- Por outro lado, valorizando também a circunstância do episódio que terá motivado a perseguição do requerente ter sucedido há já 6 anos, entendemos não ser crível a existência de risco, para o requerente, de sofrer “ofensa grave”, perpetrada pelas forças de segurança estatais, no caso de regresso ao país de origem.

XV- Finalmente, considerando que a atuação do Frontier Corps na província de Khyber Pakhtunkhwa incide substancialmente sobre as zonas mais próximas da fronteira com o Afeganistão e, especialmente, na região atinente aos ex-distritos tribais, e que o distrito natal do requerente- Nowshera- não se localiza em nenhuma dessas regiões de Khyber Pakhtunkhwa, nem nas proximidades da fronteira afegã, antes situando-se nas proximidades de Peshawar, isto é, a capital da província de Khyber Pakhtunkhwa, é de assumir que o regresso do requerente ao seu país e região de origem não o tornam, por si só, num alvo de perseguição para o Frontier Corps.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
I….. (Recorrente), nacional do Paquistão, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Castelo Branco em 14/02/2019, quee julgou improcedente a ação administrativa especial urgente proposta contra o Ministério da Administração Interna- Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrido), com a consequente manutenção do despacho emitido em 14/07/2016 pelo Diretor Nacional daquele Serviço, que indeferiu o pedido de concessão de asilo e de proteção subsidiária ao ora Recorrente.

As alegações de recurso oferecidas pelo Recorrente culminam com as seguintes conclusões:
«V. CONCLUSÕES
A.- O presente recurso é circunscrito unicamente ao indeferimento de pedido subsidiário de permanência e residência efectuado pelo recorrente e que foi igualmente indeferido~
B.- Resumidamente este indeferimento teve por base (fundamento), duas ordens de razões constantes da motivação da matéria de facto dada como provada:
- Por um lado porque o Mm.° Juiz "a quo", considerou que o recorrente apenas é procurado e perseguido nos seu País pelos talibãs, e já não pelas forças militares /policiais como este sempre sustentou;
- por outro considerou que não obstante a referida ameaça, as forças militares do seu País têm controlo sobre a região de Nowshera de onde o recorrente é oriundo e onde tinha estabelecida a sai vida profissional e familiar, pelo .
C.- Quanto à primeira questão supra o Mm.° Juiz "a quo", concluiu que atendendo a que o requerente apresentou uma carta dos talibãs ameaçando-o de morte que o seu documento de identificação que deixara no restaurante onde trabalhava fora encontrado por estes;
D.- Ora é sabido que o Tribunal aprecia a prova livremente segundo a sua convicção, porém esta que ser balizada pelos demais elementos probatórios que resultam dos autos, ex. vi. art.° 94.°/4, do CPTA;
E.- Acontece que o recorrente nas declarações que prestou perante a entidade recorrida, e constante dos autos, sempre afirmou perentoriamente que foram as forças armadas, que designou por FC, que encontraram aquele seu documento de identificação no restaurante, pois aí penetraram logo após o ataque ao restaurante;
F.- Concluindo as referidas forças que o recorrente também era talibã, pelo que de seguida o começaram a procurar, tendo de imediato iniciado a sua busca à casa de seu pai pois naquele documento constava aquela morada!;
G.- Logo a matéria de facto constante dos autos dada como provada exige a sua modificabilidade, no sentido de ser julgado que o recorrente é também procurado e perseguido pelas forças militares do seu país pois estes consideram que o recorrente é um talibã;
H.- Sendo procurado pelas forças militares do seu país designadamente as que se encontram na região de Nowshera, em número significativo face à ameaça talibã, existe igualmente uma situação de perigo para o recorrente, pois caso venha a ser preso nada lhe garante um Julgamento equitativo, sendo pouco provável que consiga sequer provar que não pertence a nenhuma facção talibã;
I.- Ora se assim for as consequências serão dramáticas para o recorrente pois para além das punições físicas, que seguramente sofrerá, será no mínimo condenado em pena superior a 10 anos de prisão, pois nada lhe garante uma defesa justa e isenta, face à dependência do poder judicial relativamente ao poder político e militar do Paquistão que ademais não é um estado democrático!
J.- Tendo o Mm.° Juiz "a quo", aceitado como genericamente credível a descrição dos factos efectuados pelo recorrente, deveria igualmente julgado, que o recorrente também é perseguido pelas forças armadas o que assim constitui uma ameaça para sua vida e liberdade, conforme supra se demonstra, encontrando-se assim violado o princípio da livre apreciação da prova consagrado no n.° 4, do art.° 94, do CPTA, o que se invoca;
L.- Quanto à segunda questão referente ao suposto controlo das forças armadas na região de Nowshera, também, como infra se passa a expor, o recorrente está em absoluta discordância;
M.- Desde logo porque apesar do recorrente já ter saído daquela região há cerca de 4 anos e meio, mantém contacto com concidadãos seus que igualmente são oriundos daquela região e ali estiveram e dali regressaram recentemente, e que lhe confirmam a permanente instabilidade da ameaça talibã naquela região;
N.- Ora independentemente da referência na douta fundamentação dos documentos internacionais sobre a actual situação de perigo terrorista talibã no Paquistão, particularmente na região de Nowshera, a verdade é que não obstante os esforços das forças militares daquele País a referida região continua a manter níveis elevadas da ameaça talibã como aliás é referido no estudo da EASO, uma vez que uma das células dos talibãs o TTP continua activo e perigoso;
O.- É certo que os alvos principais desta célula são a polícia e instituições políticas, educativas e religiosas, porquanto pretendem impor na região a lei da sharia, mas são igualmente seus alvos, como é do conhecimento geral, todos aqueles que estes consideram traidores aos seus princípios designadamente os delatores;
P.- Ora neste grupo (delatores), encontra-se referenciado o recorrente, como aliás é reconhecido pela Tribunal "a quo", ao julgar como assente que o recorrente corre por parte deste grupo terrorista o risco de ofensa grave;
Q.- Dispõe o art.° 7.°, da Lei n.° 27/2008, de 30-06:
1- É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.° e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave;
2- Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
R.- Ora independentemente de o Tribunal "a quo", ter, mal como se alegou, julgado que as forças armadas não constituem uma ameaça ao direito do recorrente, a verdade é que ela existe relativamente aos talibãs que normalmente executam sumariamente todos os que consideram delatores;
S.- Até porque estes atribuem o ataque ao restaurante onde o recorrente trabalhava a denuncia deste, tendo em consequência daquele ataque morrido dois guerrilheiros talibãs;
T.- Portanto prova-se por um lado que a ameaça de risco de vida existe, sendo certo que por outro lado não é verdade, como resulta dos autos, e é do conhecimento do recorrente, que as forças armadas consigam controlar a província de Nowshera;
U.- Ora, salvo sempre o devido respeito por melhor e mais sábia opinião, encontram-se assim preenchidos os pressupostos de que depende a concessão ao recorrente de protecção subsidiária, pois:
- Caso seja capturado pelas forças armadas na região de Nowshera, ou outra do Paquistão, nada lhe garante um julgamento justo pois neste País não existe qualquer respeito pelos direitos humanas, sobretudo havendo suspeita de alguém, como existe relativamente ao recorrente, pertencer aos talibãs, estando assim a sua segurança e liberdade claramente ameaçada correndo o risco de ser condenado, no mínimo em pena privativa de liberdade que poderá inclusive atingir mais de dez anos, à semelhança de punições aplicadas a estes casos!;
- Se for capturado pelos talibãs a sua pena será seguramente a execução sumária conforme melhor supra aludido!;
V.- O Tribunal recorrido ao julgar improcedente o pedido subsidiário de autorização de permanência e residência violou frontalmente o disposto no art.° 7.° da Lei n.° 27/2008, de 30-06, pois é manifesto que o regresso do recorrente ao seu País pressupões grave ameaça à sua integridade física e liberdade, devendo em consequência ser a decisão recorrida substituída por douta decisão de concessão daquele pedido protecção de subsidiária.
X.- Mesmo que se julgue que o recorrente poderá sempre optar por viver numa outra região daquele País, o que sempre pressupõe grave condicionamento à sua autodeterminação e liberdade de escolha, nada garante que não venha a ser capturado quer pelos Talibãs, uma vez que existem células espalhadas por todo aquele país quer também pelas forças armadas que têm, por óbvio, forte presença em todo o território!
JULGANDO CONFORME CONCLUSÕES SUPRA, FARÃO VOSSAS SENHORIAS, EMINENTES E SÁBIOS DESEMBARGADORES, A MAIS ELEMENTAR, JUSTIÇA!”

O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu pronúncia sobre o mérito do recurso, pugnando pelo seu não provimento, em virtude da Recorrente não reunir os requisitos descritos nos art.ºs 3.º e 6.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio.

*
Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

*
Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar se a sentença a quo padece de erro de julgamento no que concerne à verificação, por parte do Recorrente, das condições para beneficiar de proteção subsidiária, nos termos estabelecidos no art.º 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, alterada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio (doravante, apenas Lei do Asilo).


II- FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:
I. FACTOS PROVADOS
Com relevo para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
A) Em 09-10-2014 o Autor requereu um pedido de proteção internacional nos serviços da Entidade Requerida (fls. 6 do processo administrativo);
B) Em 03-11-2014 o Autor foi ouvido nos serviços da Entidade Requerida, tendo prestado as seguintes declarações:
«1. Esta entrevista será realizada em língua Pashtu, língua que compreende e através da qual comunica claramente. Confirma?
R: Sim. Falo e compreendo o Pashtu.
2. Estado Civil?
R: Casado.
3. Escolaridade?
R: Frequentei a escola durante 10 anos. em Kotli Saleh Khana, no distrito de Nowshera.
4.Professa alguma religião?
R: Sou Muçulmano.
5. Antes de chegar a PortugaI onde vivia e tom quem?
R. Vivia em Kotli Saleh Khana, no distrito de Nowshera, com a minha mulher e um filho na casa dos meus sogros, Chateie-me com o meu pai.
6. Trabalhava?
R: Trabalhava num restaurante como empregado ocasionalmente na construção civil e nos pertenciam. O cultivávamos era para consumo próprio.
7. Tem algum documento de identificação que comprove a Identidade que declara?
R: Tenho apenas o meu Bilhete de Identidade emitido pelas autoridades paquistanesas, está caducado desde 2009.
8. Porque não tem o seu bilhete de identidade válido?
R: Eu tinha outro válido que perdi no Paquistão,
9. Qual a razão, ou as razões que o levaram a deixar o Paquistão?
R: Eu trabalhava num restaurante em Kajore a cerca de duas horas de carro de Peshawar há cerca de 13 dias. Durante estes dias, todas as manhãs pelas 08:30, um indivíduo a quem chamavam de Sr. K…. vinha buscar pequenos almoços para cerca de 60 a 70 pessoas. Este homem já me tinha perguntado se queria trabalhar com ele, perguntei-lhe em quê, mas ele dizia que depois veria. No dia 22.08.2014, o Sr. K….. mais dois homens vieram buscar os pequenos almoços. Disse ao meu patrão que precisava de uma pessoa para o ajudar a fui eu. Durante o caminho um dos homens pôs-me um saco na cabeça, quando o tiraram estava num campo com muitos homens armados. Estive a servir os pequenos almoços e depois levaram-me de volta para o restaurante. Disse ao meu amigo F….., que também ali trabalhava e que me tinha arranjado aquele trabalho que queria me ir embora, mas ele disse para continuar ali e ficar calado. Na manhã do dia seguinte quando vieram buscar a comida trouxeram também muitas armas que estavam a descarregar para dentro do restaurante. Nessa altura apareceram vários carros com indivíduos FC, do Exército, e começaram a disparar e os indivíduos que tinham estado a descarregar as armas começaram também a disparar. O meu amigo foi atingido e eu fui para o meu quarto c pela janela fugi do restaurante. Caminhei pela estrada e pedi boleia para Peshawar. Quando cheguei a Peshawar falei com um primo que me disse que era melhor ir para casa e meteu-me num táxi.
No dia 24.08, os militares do FC foram a casa do meu pai, porque tinham encontrado o meu bilhete de identidade no restaurante e queriam falar comigo pois eu estava a trabalhar para os Talibãs. O meu pai ligou-me a dizer que tinha de sair dali e ir para Rawalpindi e foi que fiz. Quando cheguei liguei ao meu sogro e este disse que ainda bem que me tinha ido embora pois os talibãs tinham estado em casa do meu pai à minha procura. Agrediram-no e deixaram uma carta da qual tenho uma cópia que diz que provoquei um grande prejuízo aos talibãs e que fui eu que os denunciei aos FC.
(O requerente apresenta e junto ao processo cópia de carto do Movimento Talibã Paquistanês de 25.08.2014.)
10. Quem são os FC?
R: São militares que combatem os talibãs. São chamados de FC. Não sei o que quer dizer FC.
11. Se você não morava com o seu pai porque razão foram a casa dele?
R. Porque era a morada que constava no Bilhete de identidade.
12. Indica que quer os FC, quer os talibãs foram a casa do seu pai por causa da morada?
R: Sim.
13. Porque razão não tentou explicar o que aconteceu naquele dia aos FC ou a outra força de segurança?
R: Porque não tive tempo. Primeiro fui logo para Rawalpindi e depois saí do Paquistão.
14. Mas pensou sequer em justificar a situação?
R: Não. Para os FC, quando encontraram a minha identificação e as minhas coisas, eu trabalhava para os talibãs.
15. Foi para Rawalpindi porquê?
R: Porque temos ali familiares, primos,
16. O que aconteceu depois?
R: Os meus primos disseram que eu estava ruma situação muito complicada porque estava a ser procurado pelas autoridades e pelos talibãs, pelo que o melhor era sair do Paquistão. O meu primo falou com alguém que conhecia e no dia seguinte, dia 27.04.2014, de manhã alguém me iria buscar para me levar para fora do país e trouxeram pelo Irão, Turquia, Grécia, Itália, França, Espanha e Portugal. Cheguei a Portugal no dia 10.08.2014 e no dia seguinte vim pedir asilo.
17. Indica que perdeu o seu bilhete de identidade?
R: Sim, deixei-o no restaurante quando fugi.
18. Como é que recebeu a carta dos talibãs?
R: Foi enviada ao meu primo por email que me deu.
19. Diz que vivia em casa do seu sogro. Há quanto tempo?
R: Cerca de treze dias antes de tudo ter acontecido.
20. Como é possível se você diz que estava a trabalhar no restaurante há treze dias?
R: Estive em casa do meu sogro cerca de 5 dias e depois arranjei o trabalho no restaurante.
21. Se, como diz estava a ser procurado, pelos militares e os talibãs, como é que estes não sabiam que já não estava a morar com o seu pai?
R: Porque foram atrás da morada que tinha no meu bilhete de identidade. As pessoas não sabiam que eu estava a viver com o meu sogro.
22. Onde está a sua mulher e o seu filho?
R: Em casa do meu sogro.
23. Qual a distância entre a casa do seu pai e a casa do seu sogro?
R: Cerca de 50 minutos a pé.
24. Os FC ou os talibãs foram a casa do seu sogro à sua procura?
R: Não sei porque não voltei a falar com eles.
25. Não voltou a falar com a sua família? O seu sogro tem telefone?
R: Tem telefone. Mas não lhes liguei.
26. Qual o telefone do seu sogro?
R: …...
27. Porque não lhes ligou?
R: Porque o telefone está desligado.
28. Mas ligou para a sua a família ou não?
R: Liguei mas está desligado.
29. Tentou falar com o seu primo?
R: Tentei mas não consegui, está desligado.
30. Sabe o que aconteceu ao seu amigo F…..?
R: Nunca mais soube nada dele.
31. Porque razão depois do que aconteceu no restaurante não foi ter com as autoridades, assim que chegou a Peshawar?
R: Estava muito preocupado e fiz o que o meu primo me disse.
32. Porque não pediu protecção nos outros países por onde passou?
R: Não foi eu que escolhi.
33. Quem é que financiou a sua viagem?
R: Foi o meu primo que organizou, foi ele que pagou.
34. O que faz o seu primo?
R: Ele tem uma mercearia. Ele tinha dinheiro guardado.
35. Porque escolheu Portugal?
R: Não fui eu que escolhi, foram os passadores que me trouxeram para Portugal.
36. É, ou alguma vez foi, membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social?
R: Não.
37. Alguma vez teve problemas com as autoridades do seu país ou de outro onde tenha estado?
R: Não, nunca.
38. O que pensa poder acontecer caso regresse ao Paquistão e porquê?
R: Se regressar ao Paquistão vou morrer. Os FC e os talibãs estão à minha procura, se me encontram matam-me.
39. Autoriza que seja comunicada ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no n.º 3, do artigo 17.º, da lei n.º 27/08 de 30.06, alterada pela Lei n.º 26/14 de 03.06, das suas declarações e da decisão que vier a ser tomada?
R: Sim, autorizo,
40. Quer acrescentar mais alguma coisa?
R: Não.
(conforme auto de declarações, de fls. 12 a 15 do processo administrativo);
C) Em 01-12-2014 a Entidade Requerida admitiu o pedido de proteção internacional apresentado pelo Autor, emitiu a autorização de residência provisória, recolheu informação sobre a situação atual no Paquistão e sobre a situação que o Autor invocou e, em 23-03-2016, propôs que fossem recusados os pedidos de asilo e de proteção subsidiária requeridos pelo Autor (conforme informação n.° …..., decisão e notificação de fls. 17 a 25; autorização de residência provisória a fls. 55 e 56; e informação n.° ….. [cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido], todas do processo administrativo);
D) Em 04-12-2014 e em 09-06-2016, o Conselho Português para os Refugiados apresentou parecer e pronúncia relativamente ao processo do Autor, tendo solicitado, nesta última, a reformulação do projeto de proposta de recusa de concessão de proteção internacional elaborada pela Entidade Requerida (de fls. 28 a 51 e de fls. 94 a 117 do processo administrativo, respetivamente, cujos conteúdos aqui se dão como integralmente reproduzidos);
E) Em 14-07-2016 o Secretário de Estado da Administração Interna recusou o direito de asilo e de concessão de autorização de residência por proteção subsidiária (conforme despacho a fls. 120 do processo administrativo);
F) Em 20-09-2018 o Autor tomou conhecimento da decisão proferida pela Entidade Requerida (conforme ofício de notificação a fls. 121 do processo administrativo);
G) Em 25-09-2018 o Autor requereu proteção jurídica nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono (conforme recibo comprovativo de entrega e requerimento, de fls. 124 a 128 a do processo administrativo);
H) Em 07-01-2019 o Autor propôs a presente ação (conforme carimbo aposto a fls. 1 do requerimento inicial - documento n.° 006575730 [1] do SITAF);

II. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem outros factos, com interesse para a presente decisão, que importe destacar como não provados.

E. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Relativamente à matéria de facto dada como provada, o Tribunal fundou a sua convicção no processo administrativo junto em apenso, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»



III- APRECIAÇÃO DO RECURSO
O Recorrente propôs no Tribunal Administrativo de Castelo Branco a presente ação administrativa de natureza urgente, demandando o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do Ministério da Administração Interna, de modo a obter a anulação do ato administrativo que indeferiu o pedido de asilo apresentado no Gabinete de Asilo e Refugiados, bem como a concessão de proteção subsidiária. Peticionou o Recorrente, também, a condenação do agora Recorrido a reconhecer-lhe o direito a beneficiar de proteção internacional, na modalidade de direito ao asilo e, subsidiariamente, de proteção subsidiária.
O Tribunal Administrativo de Castelo Branco julgou a ação improcedente e absolveu o agora Recorrido Ministério da Administração Interna dos pedidos.
Discorda o Recorrente do julgado na Instância a quo, imputando-lhe erro de julgamento, pois que, no seu entendimento, é merecedor de proteção internacional na modalidade de proteção subsidiária.
É de ressaltar, de resto, que o Recorrente apenas dirige a vertente impetração ao segmento da decisão a quo que lhe denega a concessão de proteção subsidiária. O que delimita o objeto desta instância recursiva, impondo a averiguação do acerto da decisão recorrida somente no tocante à questão da verificação do preenchimento dos requisitos para a concessão da proteção subsidiária, nos termos exigidos no art.º 7.º da Lei do Asilo.
Examinemos, então, a sentença recorrida.

A decisão do Tribunal a quo, no que respeita à apreciação das condições de que depende a concessão de proteção subsidiária ao Recorrente, ancora-se no seguinte discurso fundamentador:
“(…)
2) Da concessão da autorização de residência por proteção subsidiária.
Prescreve o artigo 7o, n.° 1 da Lei do Asilo que “É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.° e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave”.
Quanto a este aspeto, adere-se ao entendimento que a jurisprudência expressava e manteve posteriormente, perante o quadro legal anterior à atual Lei do Asilo, no sentido de que "... constitui jurisprudência uniforme do STA e deste TCA que “a autorização de residência por razões humanitárias, prevista no artigo 8o da Lei n° 15/98, de 26/3 [hoje, artigo 7o da Lei n° 27/2008, de 30/6, sob a epígrafe “protecção subsidiária”], só pode ser concedida se, no país de origem do interessado, existir «grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos» que, em concreto, impeça [“pulsão objectiva”] ou impossibilite [“pulsão subjectiva”] o regresso [e permanência] do requerente ao país da sua nacionalidade”, sendo que “recai sobre o requerente de autorização de residência o ónus da prova dos factos em que baseia a sua pretensão” [cfr., neste sentido, os acórdãos do STA, de 29-10-2003, proferido no âmbito do recurso n° 0151/03, e deste TCA Sul, de 24-5-2007, proferido no âmbito do processo n° 02543/07, e de 24-2-2011, proferido no âmbito do processo n° 07157/11] (conforme acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.° 09098/12, de 04-10-2012, disponível em www.dgsi.pt).
Deste modo, há que atender à situação concreta relatada pelo Requerente, a fim de determinar qual a circunstância que, em concreto, se encontra em causa para efeitos do Tribunal apreciar o pedido de proteção subsidiária efetuada pelo mesmo.
E o Requerente alegou que caso regresse ao Paquistão será morto, dado que tanto os talibãs como as autoridades militares do país (que designou de FC sem, contudo, conseguir especificar o que essas iniciais representavam: diga-se, desde já, que se trata dos Frontier Corps, uma força militar auxiliar sob a tutela do Ministro do Interior do Paquistão, mas comandada por oficiais do exército, os quais ajudam as forças locais a manter a ordem, efetuam o controlo fronteiriço e lutam contra o crime organizado - conforme página 19 do EASO Country of Origin Information Report - Pakistan - Security Situation, adiante referido) andam à sua procura com esse intuito.
Em concreto e em suma, os factos relevantes que mencionou a este respeito são os seguintes: tendo-se chateado com o pai, o Requerente foi viver para casa dos sogros (a cerca de 30 minutos a pé da casa do pai, a qual se situa no distrito de Nowshera), juntamente com a sua mulher e o seu filho; após cinco dias, foi trabalhar para um restaurante em Kajore e, após oito dias a estar lá a trabalhar, especificamente no dia 2208-2014, foi seleccionado para ajudar um senhor a distribuir comida num campo com muitos homens armados; no dia seguinte, esses homens, quando foram buscar comida ao restaurante onde trabalhava, começaram a descarregar armas para dentro do mesmo quando apareceram os militares, havendo uma troca de tiros entre ambos; o Requerente conseguiu fugir, mas como deixou o bilhete de identidade no restaurante que foi encontrado pelos talibãs, estes responsabilizaram-no pelo sucedido, acusando-o de os ter denunciado às autoridades e foram a casa do seu pai ameaçando que o iam matar; igualmente os militares encontraram a sua identificação e pensam que o Requerente trabalhava para os talibãs, pelo que andam também à sua procura; antes desta situação, nunca tinha tido quaisquer problemas com as autoridades do Paquistão.
Estas declarações têm de ser avaliadas atendendo ao benefício da dúvida que deverá ser concedido ao Requerente, nos seguintes termos: “podem existir declarações que não sejam susceptíveis de prova. Em tais casos, se a declaração do requerente parecer crível, deverá ser concedido ao solicitante o benefício da dúvida, a menos que existam boas razões para pensar o contrário” [parágrafo 196]; “Todavia, o benefício da dúvida apenas deverá ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tiverem sido obtidos e confirmados e quando o examinador estiver satisfeito quanto à credibilidade geral do solicitante. As declarações do solicitante deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos fatos conhecidos” [parágrafo 204] (conforme consta do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados, elaborado pela Agência da ONU para os Refugiados em dezembro de 2011).
Deste modo, o Tribunal, de um modo geral, aceita como credível a descrição dos factos efetuada pelo Requerente (muitos dos quais, aliás, são corroborados pelos elementos que o Tribunal recolheu nos três documentos mencionados à frente, por exemplo, a referência aos Frontier Corps ou aos talibãs em Nowshera), exceto num ponto que não parece plausível: é que o Requerente sustenta que tanto os talibãs como as autoridades militares encontraram o seu documento de identificação após a troca de tiros que se verificou. Ora, o Requerente refere que apenas tinha um documento de identificação, pelo que apenas um desses grupos poderá ter encontrado o mesmo.
E atendendo que o Requerente apresentou uma carta dos talibãs ameaçando-o de morte (a qual foi junta como documento n.° 2 da petição inicial) e que nunca antes tinha tido quaisquer problemas com as autoridades do Paquistão, afigura-se mais verosímil que tenham sido os talibãs a encontrar esse documento de identificação, pelo que, o Tribunal dá como assente que o risco de ofensa grave ao Requerente advirá dos talibãs e não das autoridades militares do Paquistão.
Encontra-se em causa, então, o conceito de ofensa grave para efeitos de concessão de proteção subsidiária previsto no artigo 7o, n.° 2, alínea c) da Lei do Asilo, ou seja “considera-se ofensa grave, nomeadamente: A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos”.
A este respeito, importa igualmente ter em conta que a violência física é considerada um ato de perseguição (conforme artigo 5o, n.° 2, alínea a) da Lei do Asilo) e que os talibãs devem ser considerados como um agente de perseguição na aceção do artigo 6o, n.° 1, alínea c), primeira parte da Lei do Asilo, nestes termos: “São agentes de perseguição: Os agentes não estatais, ...” (artigos aplicáveis por força da remissão do artigo 7o, n.° 3 da Lei do Asilo).
E neste âmbito dos agentes de perseguição, há que atentar que os talibãs apenas serão assim qualificados, caso o Estado Paquistanês seja incapaz ou não queira proporcionar proteção contra a perseguição, ou seja, não adote "... medidas adequadas para impedir, de forma efetiva e não temporária, a prática de atos de perseguição ...” (conforme decorre da conjugação do artigo 6o, n.° 1, alínea c), segunda parte e n.° 3 da Lei do Asilo).
Em suma, conjugando o quadro normativo citado com a situação relatada pelo Requerente, há que averiguar se o Requerente sofre o risco de ser executado pelos talibãs caso regresse ao Paquistão e se o Estado Paquistanês é incapaz de lhe fornecer uma proteção adequada.
Das pesquisas que o Tribunal efetuou, afiguraram-se conter elementos relevantes para a presente decisão (nos termos que foram delimitados) três documentos elaborados por entidades internacionais de modo a, precisamente, fornecerem dados atualizados sobre a situação dos países de maneira a auxiliar estas decisões (os quais foram retirados da internet, em ficheiro pdf, em 12-02-2019, dos sites www.refworld.org [o primeiro] e www.easo.europa.eu [o segundo e terceiro]: as citações serão traduzidas livremente [em paráfrase], indicando-se a página do original em inglês).
São eles:
1) o “Pakistan: Country Report- The situation in Pakistan”, elaborado pelo Asylum Research Centre (ARC), em 18-06-2018, contendo informação sobre o Paquistão desde setembro de 2016 até 15-03-2018 (embora não seja feita nenhuma citação deste documento, o mesmo corrobora muita da informação que é citada: vejam-se as páginas 27 e 55/56, principalmente);
2) o “EASO COI Meeting Report - Pakistan, 16-17 October 2017, Rome”, elaborado pelo European Asylum Support Office em fevereiro de 2018;
3) o EASO Country of Origin Information Report - Pakistan - Security Situation”, elaborado pelo European Asylum Support Office em Agosto de 2017.
Assim, dos quatro maiores grupos armados que operam no Paquistão, o maior é o Tehrik-e-Taliban Pakistan (doravante, TTP), o qual foi fundado em 2007 e cujos objetivos iniciais eram a implementação da lei da sharia e a expulsão das forças da coligação do Afeganistão; em janeiro de 2016 tinha 35.000 combatentes, a maioria da etnia Pashtun oriundos da fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão; as suas operações centram-se nas províncias de Kunar, Nuristan, Paktika, Gardaiz, Nangarhar e Paktia no Afeganistão e, a partir daí, lança ataques dentro do Paquistão; financia as suas atividades através da extorsão e do contrabando; em 2016 foi responsável por 106 ataques terroristas, comparado com 2012 em 2015; há que ter em atenção, que o Pakistani Institute for Conflict and Security Studies (PICSS) reportou que muitos desses ataques foram igualmente reclamados por outros grupos armados; contudo, apesar da sua capacidade operacional ter diminuído, continua a representar uma ameaça séria ao Paquistão (conforme EASO Country of Origin Information Report - Pakistan - Security Situation, páginas 21 e 22); OU seja, O maior ator dos ataques violentos é o TTP, o qual encontra-se fragmentado, mas continua ativo e perigoso; os principais alvos são a polícia, os funcionários governamentais e instituições educativas e religiosas (conforme EASO COI Meeting Report - Pakistan, 16-17 October 2017, Rome, página 47).
Feita esta caraterização dos talibãs que operam no Paquistão, importa relevar a situação relatada pelo Requerente nesse contexto.
E esta denota que o mesmo se viu envolvido num evento que, apesar de ser extremamente violento, não deixa de ser delimitado no tempo e no espaço.
De facto, o Requerente não tinha uma ligação forte nem prolongada no tempo com o local onde sucederam os eventos que relatou: não era o dono do restaurante onde sucedeu a troca de tiros e apenas encontrava-se a trabalhar lá há oito dias, sendo que esse restaurante situava-se num local que não era o sítio onde o Requerente habitualmente residia com o pai.
Acresce que esses acontecimentos já ocorreram em agosto de 2014 (há cerca de quatro anos e meio atrás, portanto) e, atualmente, os talibãs (pelo que o Tribunal conseguiu apurar) não se encontram permanentemente no Paquistão, antes tendo as suas bases no Afeganistão e, daí, efetuem as suas operações dentro do Paquistão, além de que a sua capacidade operacional encontra-se relativamente diminuída e visa, essencialmente, a polícia, os funcionários governamentais e instituições educativas e religiosas.
Daí que, sopesando todos estes elementos, não se afigura que as circunstâncias relatadas sejam de molde a, neste momento, potenciar um risco sério de execução do Requerente por parte dos talibãs caso o mesmo regresse ao Paquistão.
Resta averiguar se as autoridades do Estado Paquistanês encontram-se em condições de proporcionar uma proteção adequada ao Requerente.
O Requerente vivia no Distrito de Nowshera, o qual pertence à província de Khyber Pakhtunkhwa, situada no norte do Paquistão e cuja capital é Peshawar (veja-se o mapa das províncias do Paquistão, na página 13 do EASO Country of Origin Information Report - Pakistan - Security Situation); essa província uma população estimada (em 2015) de 26,7 milhões de habitantes, sendo que a maioria dos habitantes fala Pashtu; em 2009, o exército Paquistanês iniciou uma série de ataques militares contra o TTP nesta província, a qual provocou uma grande quantidade de deslocados; em 15-06-2014 foi lançada a operação Zarb-e-Azb pelo Estado Paquistanês nessa província, a qual continuou em 2015; essa operação reduziu o nível de violência e contribuiu para garantir maior segurança à província, sendo que muitas das áreas foram limpas dos grupos armados, exceto algumas bolsas de resistência e células adormecidas; em 22-02-2017, foi lançada a operação Radd- Ul-Fasaad por todo o Paquistão, com o objetivo de eliminar a ameaça terrorista e consolidar os ganhos obtidos com a operação Zarb-e-Azb, além de pretender assegurar a segurança na fronteira do Paquistão; o Exército mantém um controlo rigoroso atendendo que a ameaça dos grupos armados mantém-se; de salientar que, em 2016, o Distrito de Nowshera registou o menor número de mortes e feridos (11) de todos os Distritos da Província de Khyber Pakhtunkhwa e que, no primeiro trimestre de 2017 houve um declínio em quase 40% de mortes e feridos nessa Província comparado com o mesmo trimestre de 2016 (conforme EASO Country of Origin Information Report - Pakistan - Security Situation, páginas 32, 58 e 61); ou seja, tendo sido a província que sofreu mais com os grupos armados, foi preciso uma grande operação militar a fim de controlar novamente essa área; a redução da violência é acentuada e real, mas a zona continua vulnerável à violência dos grupos armados (conforme EASO COI Meeting Report - Pakistan, 16-17 October2017, Rome, página 21).
Em suma, em geral o nível de violência encontra-se a baixar em todo o Paquistão comparado com os anos anteriores e melhorou significativamente nos últimos três anos, especialmente após o Governo ter lançado as operações Zarb-e-Azb e Radd-UI-Fasaad (conforme EASO COI Meeting Report - Pakistan, 16-17 October2017, Rome, página 46).
De referir igualmente, que desde 2008 aproximadamente 5,3 milhões de pessoas tiveram que se deslocar devido à violência no Paquistão, sendo que em 2016 houve progressos no retorno dessas pessoas: assim, nesse ano, cerca de 700.000 pessoas regressaram às suas casas e, desde 2008, 4,8 milhões de pessoas o fizeram igualmente (conforme EASO Country of Origin Information Report - Pakistan - Security Situation, página 44); além de que, em fevereiro de 2017, a UNOCHA não reportou nenhum conflito que provocasse deslocados na Província de Khyber Pakhtunkhwa, a qual é identificada como uma área de acolhimento (conforme EASO Country of Origin Information Report - Pakistan - Security Situation página 61).
Ora, o que estes dados revelam é que, desde 2014 (data em que ocorreram os eventos relatados pelo Requerente e que o levaram a sair do Paquistão) a situação mudou substancialmente no Paquistão: de facto, foram realizados pelo Governo Paquistanês duas operações militares de grande envergadura que limitaram em muito a capacidade operacional dos talibãs e diminuíram a violência e a insegurança que aí se vivia.
Acresce que, apesar de a situação não se encontrar totalmente estabilizada, a zona onde o Requerente vivia encontra-se sob proteção do exército paquistanês, que exerce um controlo sob esse território, o que permitiu que muitos deslocados já tivessem regressado a essa zona, a qual é, aliás, identificada como zona de acolhimento.
Deste modo, constata-se que as autoridades paquistaneses encontram-se a encetar esforços no sentido de garantir a segurança dos seus cidadãos, tendo a situação melhorado significativamente nesse âmbito desde que o Requerente deixou o Paquistão.
Conclui-se, desta forma - e prejudicadas demais questões e considerações - que não se verificam os requisitos previstos para a concessão da autorização de residência por proteção subsidiária, pelo que deve o mesmo improceder (nos termos do já citado artigo 19°, n.° 1, alínea e) da Lei do Asilo).
(…)”.

Ora, sopesando a fundamentação espraiada na sentença recorrida, e concatenando a mesma com a argumentação recursiva do Recorrente, desde já se adianta ser nosso entendimento de que esta não merece acoito.
Vejamos porquê.

A Lei do Asilo nacional contempla a possibilidade de concessão de proteção subsidiária no respetivo art.º 7.º. Este preceito dispõe, concretamente, o que se segue:
“1- É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu País de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.”
Por conseguinte, a concessão de proteção subsidiária está dependente da verificação de algumas condições, sendo a primeira a denegação da concessão de asilo.
Ademais, o requerente deve demonstrar a impossibilidade de regresso ao país da sua nacionalidade, ou da residência habitual, por aí ocorrer, em alternativa, uma “sistemática violação dos direitos humanos” ou por correr “o risco de sofrer ofensa grave” (sobre a natureza alternativa das condições prescritas no n.º 1 do art.º 7.º, bem como sobre a maior favorabilidade do regime nacional de proteção subsidiária por comparação com a Diretiva 2011/95/EU do Parlamento e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, ver A. SOFIA PINTO OLIVEIRA e ANABELA RUSSO, Lei do Asilo, Anotada e Comentada, dezembro, 2018, Petrony Editora, pp. 54 a 62).
A primeira das elencadas condições está preenchida no caso vertente, uma vez que foi negada a concessão de asilo ao agora Recorrente.
Relativamente à segunda das condições cuja necessidade de verificação é incontornável, importa notar que a situação do Recorrente, atenta a factualidade concreta que invocou, e que o Tribunal a quo credibilizou, é potencialmente enquadrável, precisamente, no risco de vir a sofrer “ofensa grave”.
Efetivamente, no que concerne à “sistemática violação dos direitos humanos”, exige-se que o requerente de proteção subsidiária fundamente o seu pedido “na existência de condições objetivas de desrespeito sistemático pelos direitos humanos no país de origem, que atingem gravidade suficiente para impossibilitar o seu regresso”, sendo que a aferição da gravidade deve projetar-se em moldes atuariais e, de certo modo, idênticos ao conceito de perseguição (A. SOFIA PINTO OLIVEIRA e ANABELA RUSSO, ob. cit., p. 56).
A conclusão positiva da ocorrência da aludida “sistemática violação dos direitos humanos” depende, portanto, da avaliação do grau de disseminação do desrespeito dos direitos humanos no país de origem, bem como da gravidade de tal desrespeito, mormente, tendo em atenção o tipo de direitos fundamentais afrontados. Significa isto que a avaliação a realizar no que concerne a esta condição positiva para a concessão de proteção subsidiária assume um carácter quantitativo e qualitativo.
No caso do pais da nacionalidade do Recorrente, o Paquistão, anotamos que, de modo reiterado e continuado, têm sido relatados episódios concretos de violação dos direitos humanos, bem como ilustradas determinadas práticas afrontadoras desses direitos por banda, designadamente, de forças de autoridade paquistanesas, v.g., os militares, a polícia estadual, a polícia provincial e outras forças paramilitares criadas com o fito concreto do combate ao terrorismo e aos movimentos separatistas e nacionalistas. Igualmente, têm sido reportadas práticas decorrentes da existência de tráfico de influência e corrupção nas instituições públicas paquistanesas e que afetam, entre outras instituições, os tribunais estaduais. Tais relatos encontram-se exarados no Relatório de 2020, elaborado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos da América- 2019 Country Reports on Human Rights Practices: Pakistan (consultado em 30/04/2020 no sítio www.state.gov/reports/2019,)- bem como na nota informativa Pakistan Travel Advisory (consultado em 30/04/2020 no sítio www.travel.state.gov/content/travel,). Do mesmo modo, o Relatório elaborado em outubro de 2019 pelo European Asylum Support Office (EASO, em diante)- Pakistan Security Situation- sobre as condições de segurança no Paquistão, indica falhas no funcionamento do Estado de Direito, especialmente relacionadas com a atuação policial e militar, com o acesso ao direito e à justiça e com o funcionamento dos tribunais (pp. 49 a 53 do Relatório citado, consultado em 02/05/2020 no sítio www.easo.europa.eu).
Sucede, todavia, que tais afrontas aos direitos humanos, para além de estarem em desacordo com as leis paquistanesas, também não são chanceladas pelos poderes públicos, sendo certo que se registam esforços- ainda que, nalguns casos, débeis- no sentido de reverter determinadas práticas originadas por traços socioculturais ou ocasionadas por um certo clima de insegurança que perdurou, especialmente, durante alguns anos em determinadas áreas geográficas do país. Ademais, não é possível afirmar, face à informação internacional disponível e às fontes informativas consultadas, que subsiste no Paquistão um clima disseminado de desrespeito pelos direitos humanos, que atinja a população em geral, assumindo um grau que se situe em patamar de gravidade.
Sendo assim, entendemos não ser possível afirmar a verificação de uma situação de “sistemática violação dos direitos humanos” na aceção pressuposta pelo n.º 1 do art.º 7.º da Lei do Asilo.
Afastada esta condição positiva, interessa então averiguar se o Recorrente corre o “risco de sofrer ofensa grave” no caso de regressar ao Paquistão.
Para este efeito, cumpre recordar que o Recorrente invoca que, devido a um evento ocorrido em agosto de 2014 no restaurante onde trabalhava, é perseguido quer pelos talibãs, quer pelas forças estaduais de segurança Frontier Corps, sentindo um profundo receio de vir a ser torturado e/ou morto pelos talibãs ou pelas forças estatais referidas. Mais importa ressaltar que o Recorrente, exprimindo-se em Pashtu, declarou ser muçulmano e que nasceu, estudou e vivia em Kotli Saleh Khana, no distrito de Nowshera, na província de Khyber Pakthtunkhwa, tendo ido trabalhar para um restaurante a cerca de 2 horas de carro de Peshawar. Relatou o Recorrente que trabalhava há cerca de 13 dias no dito restaurante, quando sucedeu um tiroteio entre talibãs e os Frontier Corps, que resultou na morte de diversas pessoas, tendo conseguido fugir a pé para Peshawar. Finalmente, contou que, porque foi procurado na casa do seu pai por talibãs e pelos Frontier Corps, que o ameaçaram- por suspeitarem que foi ele que efetuou uma denúncia ao Exército no caso dos talibãs, e por suspeitarem que ele seria apoiante dos talibãs no caso dos Frontier Corps-, acabou por fugir para Rawalpindi e, logo depois, sair do Paquistão.
Vejamos, então, se a concreta situação do Recorrente deve enxertar-se no conceito de “risco de sofrer ofensa grave”.

De acordo com o n.º 2 do art.º 7.º da Lei do Asilo, subsiste “risco de sofrer ofensa grave” nos casos em que, no país de origem, i) possa vir a ser concretizada a aplicação da pena de morte ou execução; ii) nos casos em que o requerente possa ser submetido a tortura ou a tratamento desumano ou degradante; e iii) nos casos de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação indiscriminada de direitos humanos, de que resulte ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente de proteção internacional.
Ora, é certo que, nos últimos anos, especialmente após o 11/9, o Paquistão tem sido fustigado por conflitos provocados por uma diversidade de forças militarizadas, com conotações religiosas, étnicas, separatistas ou independentistas, que assolaram de modo mais ou menos intenso algumas regiões. É de ressaltar, a este propósito, que vários movimentos e grupos talibanizados, provenientes do Afeganistão, procuraram refúgio e acoito na região paquistanesa fronteiriça, mormente na província de Khyber Pakhtunkhwa e, no seio desta, nos ex-distritos tribais federalizados. Efetivamente, de acordo com a informação internacional citada e considerada na sentença recorrida, tal status quo conduziu a que, na aludida província, fossem registados inúmeros ataques de índole terrorista especialmente a partir de 2009, o que motivou a repressão e combate ao terrorismo por banda das forças militares e de autoridade paquistanesas a partir de 2014. De destacar neste contexto a operação militar denominada Zarb-e-Azb, que reduziu significativamente os níveis de violência na província, seguida, em fevereiro de 2017, pela operação Raad-Ul-Fasaad, que se estendeu por todo o Paquistão. No que toca aos ex-distritos tribais da província de Khyber Pakhtunkhwa, anote-se que os mesmos foram destinatários, em julho de 2017, da operação militar Khyber IV, que visou essencialmente erradicar a ameaça do Estado Islâmico na mencionada província.
Na sequência destes esforços militares e políticos, o Paquistão logrou fundir, em 31 de maio de 2018, os distritos tribais e integrá-los, em termos políticos, na província de Khyber Pakhtunkhwa. Assim, mesmo os distritos atualmente correspondentes aos ex-distritos tribais têm vindo a registar um considerável decrescimento, incluindo no ano de 2019, do número de ataques e de mortos e feridos, civis e militares, conformemente com a análise estatística e qualitativa levada a cabo no relatório do EASO anteriormente citado (Pakistan Security Situation, pp. 43 a 46, 58 a 60 e 63 a 72). Aliás, no mesmo sentido aponta o a nota informativa elaborada pelo Home Office, United Kingdom em janeiro de 2019 (Country Police and Information Note- Pakistan: Security and humanitarian situation, including fear of militant groups”, consultado em 02/05/2020 no sítio www.gov.uk).
Considerando este panorama da situação política e militar atual do Paquistão, especificamente da província em apreciação, entendemos que o status quo hodierno vivenciado no Paquistão e, em especial, naquela província de Khyber Pakhtunkhwa, não observa os critérios desenhados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão Diakité (processo C-285/12, 30/01/2014), para efeitos de determinação da ocorrência de um “conflito armado”, nem no Acórdão Elgafaji (processo C-465/07, 17/02/2009) para efeitos de preenchimento do que deve entender-se por “violência indiscriminada ou generalizada” e respetivo grau de gravidade.
Com efeito, como bem assinala a sentença recorrida, as forças estatais de segurança, incluindo militares, detêm o controlo do território paquistanês (salvaguardando as devidas especificidades da região de Caxemira, região esta que se exclui das presentes considerações), incluindo a província de Khyber Pakhtunkhwa, precisamente donde é oriundo o ora Recorrente, sendo que, nesta província, regista-se uma enorme diminuição dos conflitos armados e de ataques terroristas, bem como, inerentemente, do número de vítimas mortais e feridos, quer civis, quer militares.
Dito isto, e revertendo ao caso posto, somos levados a concluir que, em boa verdade, a situação político-militar vivida atualmente no Paquistão e na província de Khyber Pakhtunkhwa é muito diversa daquela que o Recorrente deixou para trás em 2014. Realmente, atentando no esforço de erradicação dos grupos talibanizados e no forte controlo policial e militar, não é expectável ou credível que o Recorrente, 6 anos após o acontecimento que o levou a fugir do seu país de origem, venha a sofrer represálias de qualquer espécie por banda daqueles grupos no caso de regressar à província de Khyber Pakhtunkhwa.
Adicionalmente, é de salientar que o perfil do Recorrente não colhe qualquer característica que o possa levar a servir de alvo dos remanescentes ataques que ainda vão ocorrendo, uma vez que provêm de grupos militarizados mais ou menos radicalizados em termos religiosos e, por isso, são direcionados e visam essencialmente as forças de segurança, militares, professores, jornalistas e profissionais na área da saúde (neste sentido, nota informativa elaborada pelo Home Office, United Kingdom em janeiro de 2019- Country Police and Information Note- Pakistan: Security and humanitarian situation, including fear of militant groups”, consultado em 02/05/2020 no sítio www.gov.uk; Departamento de Estado dos Estados Unidos da América- 2019 Country Reports on Human Rights Practices: Pakistan- consultado em 30/04/2020 no sítio www.state.gov/reports/2019; relatório do EASO anteriormente citado- Pakistan Security Situation, pp. 39 a 48). Efetivamente, de acordo com as declarações do próprio, o Recorrente não exerce nenhuma das funções de risco, sendo certo que, ainda por cima, é muçulmano e, muito provavelmente, Pashtun, o que o inclui na maioria étnica e religiosa que vive em Khyber Pakhtunkhwa.
E, seja como for, também de acordo com as fontes internacionais já nomeadas, nos anos de 2018 e de 2019 assistiu-se ao retorno de milhares de deslocados internos para a província de Khyber Pakhtunkhwa, em virtude do amainar dos surtos de violência e do decréscimo evidente do número de vítimas tomadas pelos ataques terroristas.
Ora, os considerandos vindos de enunciar, a que se adita os ensinamentos colhidos na jurisprudência urdida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão proferido em 28/06/2011, Sufi e Elmi vs The United Kingdom (Queixas n.º 8319/07 e 11449/07), permitem afastar, no caso versado, a verificação do requisito atinente à existência de violência indiscriminada e/ou à subsistência de condições humanitárias que tornem impossível o regresso do Recorrente ao país de origem, na aceção do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Em reforço desta conclusão, convoca-se a Jurisprudência editada por este Tribunal de Apelação no processo n.º 394/17.9BELSB, em Acórdão prolatado em 06/12/2017. Com efeito, nestes autos discutiu-se, precisamente, um caso similar ao agora em escrutínio, tendo esta Instância alcançado o veredito de que, pese embora as específicas e difíceis condições de vida no Paquistão, mormente as que respeitam à existência de violência decorrente de ataques terroristas e de outra natureza, a situação de violência e os conflitos em causa não atingiam o patamar de gravidade necessário para que o regresso ao Paquistão, e em concreto à província de de Khyber Pakhtunkhwa, pudesse consubstanciar a violação do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
O Aresto em causa, sendo certo que data já de dezembro de 2017, mantém a sua atualidade e adequação à realidade paquistanesa atual, especialmente se considerarmos a melhoria evidente da situação política e de segurança do país.
O Acórdão em causa reza, na parte que releva, assim:
“(…)
Considerou-se na decisão recorrida que no Paquistão, o país de onde o Recorrido é originário, os “direitos humanos são objecto de reiterada violação, e por isso, oferece para aqueles que sejam forçados a regressar, os quais serão sujeitos a colocar em risco a sua integridade física, tal como o A. se forçado a regressar ao Paquistão.
(…) Donde que, o acento tónico das razões de facto que motivam a concessão de residência por protecção subsidiária, residem na situação objectiva existente no país de origem ou de residência habitual do A., a qual in casu é passível de colocar a vida do A. em risco, o que nos permite concluir pela existência de razões e motivos suficientes para a concessão de protecção subsidiária ao A., mediante a atribuição de asilo humanitário, o que se mostra patenteado no parecer emitido pelo CPR que denota bem as condições e riscos do Paquistão.”
Diga-se, desde já, que esta decisão não é para manter.
No que concerne ao parecer emitido pelo CPR, de fls. 310 a 336, ali se referem várias ocorrências avulsas que foram divulgadas no site da Amnistia Internacional, em jornais e outros meios de comunicação e designadamente a verificação de ofensivas militares paquistanesas contra grupos armados não estatais, terroristas talibans, nas zonas tribais – FATA - das províncias de Khyber Pakhtunkhwa, ou de atentados bombistas e suicidas, que implicaram a morte de civis, ou de prepotências, abusos, detenções arbitrárias e de torturas pontuais das forças militares estatais, relacionadas com activistas políticos e terroristas, assim como da existência de condenações em pena de morte. São igualmente mencionadas nas notícias ali elencadas, as características tribais e ligadas ao fundamentalismo talibã do grupo étnico Pashtu e ao refúgio que foi concedido nas zonas Pashtu aos talibans afegãos. Nesses relatos coligidos pelo CPR, é também mencionado o desenvolvimento actual do Paquistão, associado à grande corrupção também ai existente, ao conflito de Caxemira, à liderança das forças militarizes do Governo, aos conflitos com os talibans paquistaneses, à falta de liberdade de expressão e à perseguição de minorias religiosas.
Da simples leitura daquele parecer do CPR, resulta, no entanto, evidente, que dali não consta qualquer indicação coerente e completa da realidade político-económica-social do Paquistão. Diversamente, o indicado parecer é uma amálgama de notícias, com relatos sucessivos e incompletos, que não servem, manifestamente, para que a partir dali se possa retirar uma consideração séria sobre a indicada realidade paquistanesa. Da mesma forma, apesar de, no caso em apreço, se estar a falar de um requerente de protecção internacional que é proveniente da zona de Mardan e que fará parte do grupo Pashtu, no parecer do CPR não se considera especificamente essa factualidade, nem se explica as especificidades que podem derivar face ao restante território do Paquistão.
(…)
Assim, não obstante incumbir ao A. – através da sua defensora oficiosa – alegar e provar as actuais condições politico-económico-sociais do Paquistão, para dessa forma fazer valer o pedido de protecção subsidiária que formulou na acção, é também certo que, nesta matéria, incumbe igualmente ao SEF colaborar nessa investigação, trazendo primeiro ao procedimento administrativo e depois, se necessário, aos autos, os elementos que forem pertinentes e que estejam ainda em falta, face à alegação que tenha sido feita pelo requerente. Na mesma lógica, nesta sede, o juiz goza de um mais vasto poder de investigação jurisdicional dos factos em causa, devendo abrir lugar às diligências instrutórias que se mostrem necessárias, a fim de averiguar, quando necessário, acerca daquelas condições do país de origem (cf. a este respeito OLIVEITA, Andreia Sofia Pinto de - Quem faz o que pode, a mais não é obrigada?: sobre a medida e o ónus da prova nos processos de asilo. CJA, Braga, n.º 70 (Jul.-Ago.2008), pp. 63-66 e CORTÊS, Jorge - Poderes de instrução e de cognição do juiz em matéria de asilo, in CEJ - O contencioso do direito de asilo…, ob. cit., pp. 273-281).
(…)
No caso do Paquistão, existem diversos relatórios recentes, feitos por organismos oficiais e internacionais, que são públicos, que facultam a informação necessária. Entre tais relatórios encontramos os da EASO, da Amnistia Internacional, da Human Rights Watch, ou do ACNUR, ora indicado nos factos 11) a 14).
Assim, relativamente à actual situação do Paquistão, de forma bem mais completa e coerente, na recente publicação do EASO, de Agosto de 2017 (…) é referido que os atentados terroristas têm vindo a decrescer por força das intervenções estatais e que Mardan é uma das zonas mais atingidas por esses ataques. Quanto ao grupo Pashtu, tal como ocorrerá com os Afegãos, segundo aquela publicação, têm sido visados pelas intervenções militares estatais para combater o terrorismo talibã, havendo críticas pela indiscriminação dos visados.
De forma semelhante, as publicações da Amnistia Internacional (…), da Human Rights Watch (…) e do ACNUR (…), referenciam situações de ataques terroristas no Paquistão, sobretudo junto à fronteira com o Afeganistão, a violência contra afegãos (civis) refugiados nessas zonas de fronteira, pelas forças militarizadas estatais e pelos grupos armados de cariz terrorista – de afegãos talibãs - a violação de direitos relativamente a diversos grupos e minorias - v.g, com relação às mulheres, aos homossexuais, às minorias religiosos, a jornalistas e políticos – a existência de restrições na liberdade de expressão, assim como, referenciam a existência de leis tribais, de cariz religioso, ou da pena de morte.
No entanto, as indicadas publicações dizem, também, que as forças militares e estatais vêm tentando desde há vários anos controlar o terrorismo dos grupos talibans. Ali indica-se a dificuldade nesse controlo por força do conflito no Afeganistão e do ingresso dos refugiados nas fronteiras entre os dois países. Igualmente, refere-se a diminuição da prática terrorista ao longo dos últimos anos, por força da intervenção militar estatal.
Por seu turno, no que concerne ao relato do A. e Recorrido, mostrou-se inconsistente quando se alicerçou em perseguições talibans, de que se dizia alvo. Nesse relato, o Recorrido afirmou, também, que nunca esteve detido pelo grupo de que se dizia alvo, assim como, admitiu que nunca ficou privado de procurar outro local para viver, mais seguro, dentro do seu próprio país. Quanto às alegadas ameaças e rapto do seu irmão, ou às ameaças à sua própria vida, a história que narrou não foi verosímil.
Do relato feito pelo Recorrido retira-se, igualmente, que nunca exerceu actividades que o pudessem colocar num grupo de risco – com relação a ataques talibans ou das próprias forças militares do Estado - ou que fizesse parte de um grupo mais vulnerável. Diversamente, o Recorrido será um “cidadão comum” no seu país, que antes de sair do Paquistão – o que fez de carro – passou por vários outros países seguros - Itália, Grécia e Espanha – sem que tivesse ali pedido asilo.
Relativamente a pedidos de protecção subsidiária quando se esteja frente à invocação de conflitos armados internos, é de referir a jurisprudência do TJUE e designadamente a adoptada no Proc. C-285/12, Aboubacar Diakité contra Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides, Ac. do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 30-01-2014, Pedido de decisão prejudicial: Conseil d'État – Bélgica, quando aí se julgou o seguinte: “a existência de um conflito armado interno apenas poderá levar à concessão da proteção subsidiária na medida em que se considere, excecionalmente, que os confrontos entre as forças regulares de um Estado e um ou mais grupos armados, ou entre dois ou mais grupos armados, estão na origem de ameaças graves e individuais contra a vida e a integridade física do requerente da proteção subsidiária, na aceção do artigo 15.ª, alínea c), da diretiva, por o grau de violência indiscriminada que os carateriza atingir um nível tão elevado que existem motivos sérios para acreditar que um civil expulso para o país em causa ou, eventualmente, para a região em causa, poderia correr, pelo simples facto de se encontrar no território destes, um risco real de sofrer tais ameaças (v., neste sentido, acórdão Elgafaji, já referido, n.º 43).
A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que quanto mais o requerente puder eventualmente demonstrar que é especificamente afetado em razão de elementos próprios da sua situação pessoal, menos elevado será o grau de violência indiscriminada requerido para poder beneficiar da protecção subsidiária (acórdão Elgafaji, já referido, n.º 39)”.
Igualmente, o TJUE, no Proc. C-465/07, Meki Elgafaji e Noor Elgafaji contra Staatssecretaris van Justitie, Ac. do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 17-02-2009, Pedido de decisão prejudicial: Raad van State - Países Baixos, refere o seguinte: “38 - O carácter excepcional desta situação é igualmente confortado pelo facto de a protecção em causa ser subsidiária e pela economia do artigo 15.° da directiva, dado que as ofensas definidas nas alíneas a) e b) deste artigo pressupõem um grau de individualização claro. Embora seja verdade que há elementos colectivos que desempenham um papel importante para efeitos da aplicação do artigo 15.°, alínea c), da directiva, no sentido de que a pessoa em causa pertence, como outras pessoas, a um círculo de vítimas potenciais de violência indiscriminada em caso de conflito armado internacional ou interno, não é menos verdade que esta disposição deve ser objecto de interpretação sistemática, tendo em conta as duas outras situações objecto do artigo 15.°, e, portanto, deve ser interpretada em relação estreita com esta individualização.
39- A este respeito, importa salientar que quanto mais o requerente puder eventualmente demonstrar que é especificamente afectado em razão de elementos próprios da sua situação pessoal, menos elevado será o grau de violência indiscriminada requerido para poder beneficiar da protecção subsidiária.
40 - Além disso, cabe acrescentar que, ao proceder à avaliação individual de um pedido de protecção subsidiária, prevista no artigo 4.°, n.° 3, da directiva, podem designadamente ser tidos em conta:
– a dimensão geográfica da situação de violência indiscriminada bem como o destino efectivo do requerente em caso de expulsão para o país em causa, como resulta do artigo 80.°, n.° 1, da directiva, e
– a eventual existência de um indício sério de risco real como o mencionado no artigo 4.°, n.° 4, da directiva, indício perante o qual a exigência de uma violência indiscriminada requerida para poder beneficiar da protecção subsidiária é susceptível de ser menos elevada.” (relativamente a situações em que o risco generalizado de violência se verificava, v.g, abrangendo o Zaire ou Síria, vide os Acs. do TEDH, L.M. e outros v. Rússia, n.º 40081/14, 40088/14 e 40127/14, de 15-10-2015, TEDH, N. v. Finlândia, n.º 38885/02, de 26-06-2005. A este propósito vide, também, Sofia Pinto Oliveira, “Introdução ao Direito de Asilo”, in CEJ - O contencioso do direito de asilo…, ob. cit., pp. 55-56).
No que concerne à jurisprudência nacional sobre a matéria, “afastando o direito de asilo em situações em que apenas é invocada a existência de uma guerra civil e de insegurança no país da nacionalidade do requerente, sem que esteja rotulada de grave, referem-se os Acs. do STA n.º 042793, de 18-03-1999 (Relator: Cruz Rodrigues), n.º 043797, de 17-11-1998 (Relator: Ferreira Neto), n.º 043477, de 30-09-1998 (Relator: Angelina Domingues), n.º 041416, de 15-04-1999 (Relator: Gonçalves Loureiro) e n.º 043511, de 27-10-1998 (Relator: Rosendo José).
Na concessão de autorização de residência por razões humanitárias tem sido entendido pelos tribunais administrativos que não enquadra uma situação de «grave insegurança devida a conflitos armados» a existência no país da nacionalidade do interessado de uma situação de paz, mesmo que precária, ou com existência de um clima de tensão. Neste sentido, indicam-se, os Acs. do STA n.º 01397/04, de 09-02-2005 (Relator: Angelina Domingues), n.º 0151/03, de 29-10-2003 (Relator: Jorge de Sousa) e n.º 01840/02, de 18-06-2003 (Relator: Jorge de Sousa). Entendendo que é legítimo o indeferimento do pedido de autorização de residência em situações em que o conflito armado se circunscreve a uma zona do respectivo país, que não é a da residência do respectivo requerente, assinala-se o Ac. do STA n.º 042928, de 06-10-1998 (Relator: João Belchior).
(…) Considerando haver uma alteração na situação do país de origem do requerente da protecção subsidiária - por se ter restabelecido a normalidade político-militar e de vida, ou por, entretanto, esse país ter beneficiado de uma intervenção internacional que permitiu essa estabilização, em virtude a presença das forças internacionais no terreno - foi também mantido o acto que denegou o pedido de autorização de residência por razões humanitárias nos Acs. do STA n.º 0996/03, de 01-07-2004 (Relator: Adérito Santos), n.º 046290, de 22-02-2001 (Relator: Pais Borges) e do TCAS n.º 01410/06, de 09-03-2006 (Relator: Fonseca da Paz).” (in Sofia David, Tendências recentes da jurisprudência dos tribunais nacionais em matéria de asilo à luz da jurisprudência do tribunal de justiça da união europeia e do tribunal europeu dos direitos do homem - CEJ - O contencioso do direito de asilo…, ob. cit., pp. 359-360).
Assim, tendo presente a situação do Paquistão, tal como vem relatada nos supra-indicados Relatórios e a jurisprudência internacional e nacional, antes referida, no caso em apreço não haveria que ter sido concedida protecção subsidiária a A....... K......., ora Recorrido.
Face ao constante daqueles Relatórios, o Paquistão - e mais especificamente a zona de onde o Recorrido provêm, Mardan, ou a zona e grupo em que se insere, Pashtu - apresentará condições de vida muito difíceis, com diversos conflitos, armados, sociais e religiosos, uma cultura ainda muito tribal, não conforme com a cultura de um mundo mais ocidental ou da Europa.
Porém, dali não resulta que se possa afirmar que o Recorrido, A....... K......., uma vez regressado ao seu país de nacionalidade, o Paquistão – ou à zona de Mardan, ou ao grupo e zona Pashtu – venha a correr risco de sofrer ofensa grave, por naquele país ou naquelas zonas existirem sistemáticas violações dos direitos humanos, que o atingiriam.
Dos indicados Relatórios não é possível concluir que no Paquistão, ou naquelas especificas zonas, haja um grau de violência tão elevado que qualquer cidadão possa sofrer o risco de ver a sua vida ou integridade física ameaçada. Desses Relatórios também não deriva que naquelas zonas não haja, na maioria das vezes, “paz civil”, ou um clima “normal” para as concretas circunstâncias, que permita uma vivência diária sem assinalável violência. À contrário, dos Relatórios retira-se que as forças militares estatais têm vindo a debelar os ataques terroristas e a controlar cada vez mais o território.
A violência que vem relatada, como se assinalou, está focada em certos grupos, relativamente circunscritos, de pessoas mais “vulneráveis” (…).
Como se disse, o Recorrido é um cidadão “normal” do seu país, que não se integra num dos grupos vulneráveis, que conforme as indicações constantes dos Relatórios acima referidos possa ver a sua vida e integridade física ameaçadas, quer pelos grupos armados terroristas, quer pelas forças militares nacionais. O Recorrido, voltando ao seu país, não enfrentará nenhuma pena de tortura, pena de morte, nem nenhuma outra pena criminal.
A violência que haja na zona em que vivia – Mardan – e que possa ser rotulada de muito grave e “indiscriminada”, será a que é exercida pelos grupos talibãs ou terroristas, que têm sido combatidos pelas forças estatais. Quanto às ameaças que o Recorrido sofra relativamente a este tipo de violência, ela não existirá apenas no seu país, mas será uma violência que se espalha à escala mundial e que não pode ser imputada ao Estado paquistanês. No demais, no Paquistão e na zona de Mardan,ou para os grupos Pashtu, não haverá uma violência indiscriminada por banda das forças militares nacionais. As situações de violência que são relatadas, oriundas dos conflitos internos e do combate ao terrorismo, focam-se nos afegãos refugiados, quando associados a afegãos talibans. Não é este o caso do Recorrido, que não é afegão, mas paquistanês, não é refugiado e que não se assume taliban.
Em suma, da conjugação do que vem indicado nos supra-referidos Relatórios com o relato feito pelo Recorrido, não decorre que se deva atribuir a A....... K....... protecção subsidiária, nos termos do art.º 7.º, n.ºs 1 e 2, da Lei nº 27/2008, de 30-06.
(…)”
Examinando a fundamentação do Aresto antecedentemente transcrito, é mister concluir, no que tange ao caso posto nos presentes autos, que não subsiste atualmente no Paquistão, e em concreto na província de Khyber Pakhtunkhwa, uma situação de conflito armado grave, nem uma situação de violência generalizada e indiscriminada igualmente grave, que impossibilite o regresso do Recorrente à sua cidade natal, ou a outra região paquistanesa para onde pretenda viajar, nos termos do exigido no art.º 7.º, n.ºs 1 e 2 da Lei do Asilo para efeitos de concessão de proteção subsidiária.
Acrescente-se que, ponderando o que se consignou relativamente ao enfraquecimento dos grupos militarizados talibãs ou radicais no Paquistão e ao fortíssimo controlo de segurança, e em particular na província de Khyber Pakhtunkhwa, não é expectável, nem credível, que o Recorrente corra o risco de sofrer pena de morte ou execução, ou tortura, às mãos destes grupos, no caso de regressar ao seu país de origem e ao local da sua residência.

Por outro lado, também não se descortina qualquer sucesso no que respeita ao argumento avançado pelo Recorrente de que o risco de vir a sofrer “ofensa grave” provém também das forças de segurança estatais- a polícia-, uma vez que foi procurado por estas em razão da suspeita da pertença a um grupo de talibãs.
Realmente, um dos motivos da impetração do Recorrente reside, precisamente, na circunstância do Tribunal a quo não se ter debruçado sobre o risco do Recorrente de vir a sofrer “ofensa grave” por banda das forças de autoridade estatais, pois que estas consabidamente assumem práticas desrespeitadores de elementares direitos fundamentais.
Sucede, todavia, que a tese do Recorrente está também votada ao insucesso.
É que, ainda que se reconheça que as forças de segurança estatais têm sido objeto de relatos que destacam a violência policial e dos militares, bem como atuações abusivas, mormente, corrupção, arbitrariedade, detenção ilegal e por longos períodos temporais e em local secreto sem validação da mesma por um tribunal, assassinatos, desaparecimento dos detidos, tortura e tratamento desumano de detidos e presos (conforme referências do EASO, Pakistan Security Situation, ob. cit., pp. 50 a 52 e do United States Department of State, 2019 Country Reports on Human Rights Practices: Pakistan, ob. cit.), é de notar que uma boa parte de tais atuações sucederam em contexto de combate do terrorismo e em ambiente social hostil. Pelo que, sem desculpabilizar a atuação indevida das forças de segurança paquistanesas, importa, contudo, enquadrar tal atuação, por forma a compreender e valorizar adequadamente o cenário conjuntural subjacente.
Seja como for, e como já assinalamos anteriormente, o tipo de atuação abusiva que vem relatada não tem aprovação nem respaldo nas forças políticas e governativas do país, que assumem postura de censura e de perseguição judicial de tais comportamentos, ainda que, por vezes, com notas de pouca eficácia.
Sendo assim, e valorizando também a circunstância do episódio que terá motivado a perseguição do Recorrente ter sucedido há já 6 anos, entendemos não ser crível a existência de risco, para o Recorrente, de sofrer “ofensa grave”, perpetrada pelas forças de segurança estatais, no caso de regresso ao país de origem.
E esta conclusão escora-se, ainda, num outro facto.
É que, de acordo com a narração do Recorrente, em 2014 foi procurado pelos Frontier Corps e não pela polícia, seja a estatal ou a provincial, nem pelos militares. Ora, os Frontier Corps (FC, no relato do Recorrente) constituem uma força paramilitar auxiliar, que atua sob a alçada do Ministério do Interior em tempo de paz e sob a jurisdição do Exército paquistanês em tempo de conflito. São constituídos por duas divisões, uma colocada na província do Baluquistão e outra na província de Khyber Pakhtunkhwa. A sua função é a de auxiliar a manutenção da ordem e o cumprimento da lei, bem como controlo da fronteira com o Afeganistão e o combate ao crime organizado (conforme relatório do EASO, Pakistan Security Situation, ob. cit., p. 23).
Sendo assim, é de fácil verificação que a atuação do Frontier Corps na província de Khyber Pakhtunkhwa incide substancialmente sobre as zonas mais próximas da fronteira com o Afeganistão e, especialmente, na região atinente aos ex-distritos tribais. O distrito natal do Recorrente- Nowshera- não se localiza em nenhuma dessas regiões de Khyber Pakhtunkhwa, nem nas proximidades da fronteira afegã, antes situando-se nas proximidades de Peshawar, isto é, a capital da província de Khyber Pakhtunkhwa. Desse modo, é de assumir que o regresso do Recorrente ao seu país e região de origem não o tornam, por si só, num alvo de perseguição para o Frontier Corps.
De resto, em última ratio, devemos admitir que o Recorrente pode eliminar o risco de perseguição por banda do Frontier Corps deslocando-se para uma província que não seja o Baluquistão ou Khyber Pakhtunkhwa. Com efeito, o recorrente sempre poderá buscar abrigo seguro na província de Punjab- onde se regista um número bastante pequeno de incidentes violentos comparativamente com a província de Khyber Pakhtunkhwa-, ou mesmo na capital do país, Islamabad, fortemente vigilada e controlada por forças de segurança estatais.

Quer tudo isto significar, ponderando e sopesando a factualidade invocada pelo Recorrente, bem como todo o manancial informativo sobre a situação política e social atual da República Islâmica do Paquistão, que não se apresenta viável a formulação de um juízo positivo no que toca à existência de risco, para o Recorrente, de sofrer “ofensa grave” em caso de regresso ao Paquistão.

Face ao que vem de se explanar, resulta forçosa a conclusão de que o Recorrente não reúne nenhuma das condições positivas exigidas pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 7.º da Lei do Asilo para poder beneficiar de proteção subsidiária.

Desta feita, atenta a factualidade provada e o enquadramento legal em que se movimenta o caso em análise, apresenta-se inequívoco que a sentença a quo não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, antes revelando um acerto insuscetível de ser abalado pelo vertente recurso jurisdicional.

Pelo que, em conformidade, terá de negar-se provimento ao presente recurso, na parte que cumpre conhecer, e confirmar-se a sentença recorrida.



IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar na íntegra a sentença recorrida.


Sem custas, atenta a gratuitidade prevista no art.º 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio.

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Remeta cópia do presente acórdão ao Conselho Português para os Refugiados.


Lisboa, 14 de maio de 2020,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro

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Jorge Pelicano

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Celestina Castanheira