Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1889/13.9 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
REVERSÃO
PRESUNÇÃO LEGAL DE CULPA, CONSAGRADA NO ARTIGO 24.º Nº 1, ALÍNEA B), DA LGT.
Sumário:I - Para se poder dizer que a ação ou omissão do recorrente foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos parafiscais, deve seguir-se o processo lógico da prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a ação se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante.

II – No caso, o Recorrente, ao invés de alegar factualidade que permitisse concluir que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições, limitou-se a alegar as circunstâncias de facto que determinaram a situação de crise e de dificuldades de tesouraria, não dando conta de quaisquer medidas concretas que o próprio tenha adotado tendentes a obviar o incumprimento e falta de pagamento das dívidas executadas.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

F …………….. vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário (TT) de Lisboa que julgou improcedente a oposição judicial que deduziu à execução fiscal nº…………..285, contra si revertida, depois de originariamente instaurada contra a sociedade “F………….. - Construções ………………. Lda.”, para cobrança coerciva de dívidas de IRS (retenção na fonte), referentes ao período de 2011, no valor total de € 3.841,00.

O Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

“1. Não resulta do exposto, qualquer subsunção da factualidade à previsão sancionada pela douta sentença que se recorre;

2. A douta sentença de que se recorre faz errónea extrapolação dos elementos constantes dos autos, derivando tal circunstância no facto de considerar provados factos que não se inferem ou muito menos se evidenciam desses mesmos autos;

3. Por lado, considera não provados factos que se evidenciam dos elementos constantes dos autos ou resultaram expressamente da prova produzida (documental);

4. Relativamente à dívida fiscal em questão, resulta provado que o ora Recorrente não teve qualquer culpa ou actuou de forma ilícita de forma a impossibilitar o pagamento das dívidas fiscais;

5. Sendo certo que não houve adequação entre a actividade do Recorrente e o resultado insuficiência do património, certo igualmente será que o Recorrente não teve culpa ou actuou ilicitamente, no período em que dirigiu os destinos da sociedade;

6. Não é, pois, a mera falta de mérito da gestão que pode fundamentar a decisão de reversão e, posteriormente, a responsabilização do Recorrente pelas dívidas tributárias;

7. Face aos elementos probatórios constantes nos autos (documental), o ora Recorrente logrou fazer a contra prova da presunção legal de culpa, consagrada no art. 24º nº 1 b) da Lei Geral Tributária.

8. Em consequência, não pode ser assacada ao ora Recorrente qualquer responsabilidade pela insuficiência patrimonial da sociedade, bem como pelo não pagamento das dívidas fiscais.

Nestes termos e demais de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a douta sentença do Meritíssimo Juiz “a quo”, substituindo-a por outra em que seja julgada totalmente procedente a presente oposição judicial.

Para que assim, se faça

JUSTIÇA!!»


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Não há registo de contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser negado provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Em 16/12/2011 com base na certidão de dívida nº 2011/1062785 foi instaurado contra F………. - Construções ………….. Unipessoal Lda., contribuinte fiscal n° ………….., o processo de execução fiscal nº …………..285, por dívidas de IRS do ano de 2011 (Ret-Font-Cjm) com a data limite de pagamento em 2011-20-11 e juros de mora a partir de 2011-11-22, documento de origem 5………………..897 (cf. processo de execução, PEF, apenso que se dá por reproduzido e documentos a fl. 2 e 3 do mesmo);

2. Por registo 19870508 foi constituída a sociedade e designados os membro (s) do (s) órgão (s) social (ais) com a firma- F…………. - Construções ………… Sociedade Unipessoal Lda., contribuinte fiscal n° ……….. e foi inscrita na Conservatória do Registo Predial/Comercial de Loures, tendo como objeto a atividade Construção e Reparação de Frio, com sede na Rua …………., lote MP, …………… –C………..- L………, sociedade por quotas com o capital de 109.927,88€, com a forma de obrigar de um gerente, constando como gerente F ……………., com o NIF ……………., titular de uma quota no valor de (cf. 8 e 9 do PEF (processo de execução fiscal),cópia da certidão que se dá por reproduzida);

3. Por sentença proferida pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, no processo n.º105/13.8YCLSB, foi declarada a insolvência da Sociedade devedora originária. (cf. fl. 2 a 7 do PEF cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Em 02/2/2013 o Chefe do Serviço de Finanças de Loures-4 proferiu despacho de reversão contra o Oponente, relativamente à dívida cobrada coercivamente no processo de execução fiscal identificado no ponto 1, valendo a dívida exequenda o montante de 3.841,00€ (cf. fls. 10 do PEF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. No despacho de reversão consta a seguinte fundamentação FUNDAMENTOS DA REVERSÃO “
Fundamentos da emissão central
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da execução (art.º 23º/n.º 2 da LGT): decorrente da situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (artº 24/1/b da LGT).no terminus do prazo legal para pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de fato, decorrente da remuneração da Categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255º e/ou 399º do Código das Sociedades Comerciais.” (fl. 10 do PEF);

6. Foi emitido documento de CITAÇÃO (Reversão), com forma de citação registada com aviso de receção com fundamentos referidos no ponto anterior referente ao despacho de reversão e tendo por objeto e função do mandato de citação nos seguintes termos “Pelo presente fica citado (a) de que é EXEUCTADO (A) POR REVERSÃO, nos termos do artº 160º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na qualidade de Responsável Subsidiário, para no prazo de 30 (trinta ) dias a contar desta citação, PAGAR a quantia exequenda de 3.841,00 EUR de que era devedor (a) o infra indicado (a), ficando ciente de que nos termos do nº 5 do artigo 23º da Lei Geral Tributária (LGT), se o pagamento se verificar no prazo acima indicado não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.
Mais, fica CITADO de que, no mesmo prazo poderá requerer o PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES, nos termos do artigo 196º do CPPT, e/ou a DAÇÃO EM PAGAMENTO, nos termos do artigo 201º do mesmo código, ou então deduzir OPOSIÇÃO JUDICIAL com base nos fundamentos prescritos no artº 204º do CPPT.
Informa-se ainda que, nos termos do nº 4 do artigo 22º da LGT, a contar da data da citação, poderá apresentar RECLAMAÇÃO GRACIOSA ou deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, com base nos fundamentos previstos no artigo 99º do CPPT, e nos prazos estabelecidos nos artigos 70º e 102º do CPPT” (verso de fl. 8 do PEF);

7-No documento referido no ponto anterior consta como executado a sociedade devedora originária e identificada no ponto 1 (verso de fl. 7 do PEF);

8- O Oponente recebeu o ofício de citação referido no ponto anterior em 04/09/2013, (cf., informação da AT e conjugação do documento de citação com data aposta no aviso de receção a fl. 8 do PEF);

9- Em sede de execução a instância do Tribunal a AT informou que” O processo de execução fiscal n° 3492201101124285, associado à oposição, encontra-se ativo. “Não foi pago, até esta data, qualquer valor reportado à natureza da dívida. E, bem assim, também não foi conhecida, por este Serviço de Finanças, a prescrição da dívida exequenda”. (fl. 93 e 94 do SITAF).

Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.

Quanto aos factos elencados, a convicção do tribunal, baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, não impugnados, conforme indicado em cada número probatório, tudo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.»


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- De Direito

O TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, julgou improcedente a oposição deduzida contra o processo de execução fiscal n.º ……………..285, instaurado originariamente contra a sociedade “F……………..-CONSTRUÇÕES ……………., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA”, tendo por objeto a cobrança coerciva de dívidas referentes a IRS-RF, do ano de 2011, no montante total de € 3.841,00.

Tal decisão motiva a firme discordância do Recorrente.

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Diga-se, desde já, que, pese embora o ora Recorrente, no articulado inicial de oposição, tenha invocado diversos fundamentos e feito assentar a sua defesa na ilegitimidade em diversas perspetivas, a verdade é que neste recurso apenas sindicou a ilegitimidade, enquanto responsável subsidiário, quanto ao pressuposto da culpa (da falta de culpa, melhor dito).

Está, pois, balizado o âmbito deste recurso, importando aferir se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos da reversão, no que respeita à demonstração da culpa.

Vejamos a questão que aqui vem colocada, lançando mão da análise levada a cabo por recente acórdão deste TCA, proferido em 04/05/23, no processo nº 1960/13.7BELRS, no qual era Recorrente, também, Fernando Pires Augusto. Trata-se de acórdão proferido em oposição à execução fiscal relativa a dívidas da mesma devedora originária, a sociedade F............ Tal acórdão visou a apreciação de recurso com conclusões das alegações absolutamente iguais às presentes, tendo apreciado um quadro factual e jurídico idêntico ao que aqui é convocado.

Em tal aresto ficou dito, em termos que merecem a nossa total concordância, o seguinte:

“Importa, desde já, relevar que o Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no artigo 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento, alteração ou supressão ao probatório, apenas se limitando a convocar, ainda que genericamente, a existência de um erro de julgamento de facto, sem qualquer indicação clara e expressa dos factos que considera provados, nem o específico meio probatório em que sustenta o seu entendimento.

Mais cumpre ressalvar, neste concreto particular, que não traduz qualquer impugnação da matéria de facto as alegações contempladas em 1) a 3) das respetivas conclusões, desde logo, porque não basta ao Recorrente defender, globalmente, que a decisão sobre a matéria de facto está incorreta, carecendo, como visto, de indicar que concretos pontos de facto estão incorretamente julgados, que concretos meios probatórios suportam esse entendimento e que concretos factos entendem que devem ser considerados provados ou não provados.

Ademais, in casu, nem tão-pouco se perceciona o alcance do expendido em 3), na medida em que o Tribunal a quo não corporizou qualquer asserção fáctica como não provada.

E por assim ser, face ao supra expendido considera-se a matéria de facto devidamente estabilizada.

Feito este introito, e mantendo-se, como visto, o probatório inalterado, (…), há, então, que aferir da bondade da censura endereçada pelo Recorrente na presente lide recursiva.

Vejamos, então.

O Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que resulta provado que o mesmo não teve qualquer culpa ou atuou de forma ilícita de forma a impossibilitar o pagamento das dívidas fiscais revertidas.

Sufragando, para o efeito, que não houve adequação entre a atividade do Recorrente e a insuficiência do património, desde logo porque foi decretada a insolvência da sociedade devedora originária, e bem assim porque não é a mera falta de mérito da gestão que pode fundamentar a decisão de reversão e, posteriormente a responsabilização do Recorrente pelas dívidas tributárias.

Concluindo, assim, que face aos elementos probatórios constantes nos autos, o Recorrente logrou ilidir a presunção legal de culpa, consagrada no artigo 24.º nº 1, alínea b), da LGT.

Porém, assim o não entendemos, senão vejamos.

In casu, é indisputada a gerência de facto do Recorrente, defendendo, no entanto, que é parte ilegítima ao abrigo do artigo 24.º, nº1, alínea b), da LGT, porquanto não teve culpa na insuficiência do património e na falta de pagamento das dívidas tributárias.

Quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o artigo 204.º, n.º 1, al. b), do CPPT, que a oposição pode ter como fundamento a “[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.

Encontramo-nos, assim, perante uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda. Quanto à questão da legitimidade do responsável subsidiário encontramo-nos face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial.

É, com efeito, pacífica a jurisprudência no sentido da aplicação a cada situação da lei que rege sobre o ónus da prova vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, visto se estar perante norma de cariz substantivo e atento o princípio tradicional da não retroatividade da lei substantiva, consagrado no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil.

In casu, é aplicável o regime constante no artigo 24.º LGT.

Convoquemos, então, o que o referido preceito legal refere.

De harmonia com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, da LGT:

“[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Do teor do normativo legal supratranscrito resultam dois regimes distintos da responsabilidade do gestor, classificados de acordo com o fundamento pelo qual o gestor é responsabilizado, a saber, a responsabilidade pela diminuição do património e a responsabilidade pela falta de pagamento.

Concretizando.

Enquanto, a responsabilidade pela diminuição do património se encontra regulada na alínea a), do nº1, do artigo 24.º da LGT, a responsabilidade pela falta de pagamento está consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT.

O citado artigo 24.º da LGT, introduziu nas suas alíneas a) e b), uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:

- as dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cfr. a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT);

- as demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a AT, ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova de culpa dos mesmos na insuficiência do património social.

Convoque-se, neste particular, o Acórdão do STA proferido no recurso nº 0944/10, de 2 de março de 2011, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que refere que:

“I - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.

II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.

III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.

IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.”

Como doutrinado no citado Aresto, não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, resultando apenas uma presunção legal, mas da culpa do administrador pela falta de pagamento das dívidas tributárias, como visto, plasmada no artigo 24.º, nº1, alínea b), da LGT.

No caso vertente, conforme resulta do recorte probatório dos autos, o despacho de reversão fundamentou-se na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, por estar assente e ser indisputado que o Recorrente exerceu as suas funções de gerente da sociedade devedora originária, quer no período em que as dívidas se constituíram, quer no período em que se venceram, tendo inclusive a insolvência sido decretada em data ulterior ao termo do prazo de pagamento voluntário das mesmas, estando, por conseguinte, o Recorrente onerado com a respetiva presunção de culpa imputando-lhe a falta de pagamento.

Razão pela qual, compete, ora, apurar se o Recorrente logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai nos termos desta disposição legal, da qual resulta ser-lhe assacado o ónus da prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

Dir-se-á, em abono da verdade, que o que se presume é que o gestor não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial as contempladas no artigo 64.º do Código das Sociedades Comercias (CSC), que lhe impõem a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

A culpa, aqui em causa, deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

Competindo, assim, aquilatar, apelando à teoria da causalidade, se a atuação do ora Recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos, quer em omissões, foi adequada ao incumprimento do pagamento das dívidas em cobrança coerciva.

“[o]perando com a teoria da causalidade adequada que se consagra no nosso ordenamento jurídico, para que a atuação do recorrente se pudesse dizer causa do prejuízo era mister que, em abstrato, aquela fosse adequada a produzi-lo, que o prejuízo fosse uma consequência normal típica daquela. E para se poder dizer que a ação ou omissão do recorrente foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos parafiscais, deve seguir-se o processo lógico da prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a ação se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano e que não pode existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excecionais, anormais, Tribunal extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.

” Mas, a verdade é que, conforme já deixamos antever o Recorrente não logrou provar que é parte ilegítima porquanto não ilidiu a presunção de culpa.

Importa, desde já, evidenciar que o Recorrente ao invés de alegar factualidade que permitisse concluir que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições, limitou-se a alegar as circunstâncias de facto que determinaram a situação de crise e de dificuldades de tesouraria, não dando conta de quaisquer medidas concretas que o próprio tenha adotado tendentes a obviar o incumprimento e falta de pagamento das dívidas executadas.

Note-se, neste concreto particular, que não basta alegar que “a acção do ora oponente não só não diminui o património societário, porquanto o propósito de toda a sua acção gestionária visou equilibrar uma situação económica-financeira profundamente deficitária ao nível dos activos societários, quando comparados com o passivo da mesma”, e bem assim que, se viu “confrontado com a grave crise mundial, tentou por todos os meios alcançar a viabilidade e manutenção da devedora originária”.

E isto porque, o que releva e que importaria provar é que o Recorrente encetou todas as diligências e quais as diligências para proceder ao pagamento das dívidas fiscais pendentes, e não limitar-se a remeter para a conjuntura e para as consequências dela decorrentes, competindo-lhe fazer prova positiva de quais as ações em concreto desenvolvidas pelo Recorrente enquanto gerente, nomeadamente se ele desenvolveu todos os esforços que lhe eram exigíveis e se empregou o melhor da sua experiência e conhecimento para ultrapassar tais dificuldades.

De relevar, outrossim, que não pode granjear os efeitos almejados pelo Recorrente a circunstância de ter sido decretada a insolvência, porquanto tal facto, per se, desacompanhado de circunstâncias fáticas relacionadas com as concretas diligências que (Vide Acórdão proferido pelo do TCA Sul, no processo n.º 3267/09, datado de 6 de outubro de 2009.No mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdãos deste TCAS, prolatados nos processos nºs 868/11, de 09.07.2020 e 350/09, de 16.09.2019) encetou para evitar chegar a essa mesma situação de insolvência, é manifestamente insuficiente para afastar a presunção de culpa que impende sobre si.

In casu, nada se provou quanto à desresponsabilização do Recorrente pela criação e manutenção de uma situação de crise financeira, que levou a que ficassem por pagar as dívidas em causa. Assim, é evidente que ficou provar que não foi por culpa do Recorrente que os créditos fiscais não foram pagos.

Carecendo, igualmente, de relevo o aduzido quanto à matéria de facto alegada e provada no processo de insolvência, desde logo, porque não se encontra minimamente substanciada, e bem assim porque se está a atribuir ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui, , visto que os fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respetiva decisão judicial.

Acresce, outrossim, que integram as dívidas objeto de cobrança coerciva, dívidas de retenção na fonte, logo a própria natureza das mesmas imprime uma densidade superior na ilisão da culpa, na medida em que as quantias foram retidas e já se encontravam na posse da devedora originária, logo alocou-as, como visto deliberadamente, para outros campos e circuitos financeiros.

Em face do exposto, conclui-se que do acervo probatório dos autos não é possível ilidir-se a presunção com a qual se encontrava onerado, não tendo sido feita prova positiva por parte do Recorrente que não atuou com culpa na falta de pagamento das dívidas, ora, objeto de cobrança coerciva.

Destarte, estão, efetivamente, reunidos os pressupostos legais para responsabilizar o Oponente, ora Recorrente, pelo pagamento das quantias exequendas cobradas coercivamente no processo de execução fiscal nº3492201201008145. Vide, designadamente, Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 00415/05.8, datado de 09 de fevereiro de 2012, disponível para consulta em www.dgsi.pt. Vide, designadamente, Arestos do STA prolatados nos processos nºs 540/10, de 09.06.2022, 1930/13, de 08.10.2014 e 08/05, de 16.02.2005. Vide, designadamente, Aresto do TCAN, proferido no processo nº 01435/12.1

E por assim ser, a decisão recorrida que assim o sentenciou não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, devendo, por isso, manter-se”. – fim de citação.

Ora, em face do já decidido por este TCA, num circunstancialismo de facto e num quadro legal absolutamente idênticos, nenhumas dúvidas restam que, aqui, tal como no acórdão transcrito, há que concluir que o recurso não merece provimento, sendo, pois, de manter a sentença recorrida.


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III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 18/05/23


Catarina Almeida e Sousa

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Isabel Fernandes

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Lurdes Toscano

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