Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:787/20.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:RECUSA P.I.
NOTIFICAÇÃO
IRREGULARIDADE PROCESSUAL
Sumário:I-Tendo sido junta procuração forense com expressa indicação do domicílio profissional do Mandatário da Recorrente, ter-se-á de inferir que o domicílio escolhido é o consignado na procuração forense, não relevando as indicações constantes do timbre do papel utilizado nos articulados ou dos carimbos apostos nos mesmos.
II- O Autor não pode ser prejudicado por erros e omissões da secretaria, conforme expressamente preceitua o artigo 157.º, nº6 do CPC
III-Se a recusa da petição inicial não foi remetida para o domicílio escolhido e devidamente evidenciado na procuração forense, e se a carta vem devolvida com a menção de “não reclamado”, tal determina que o mesmo não foi validamente notificado da recusa, o que integra irregularidade processual com impacto e influência no despacho proferido (artigo 195.º, nº1, 2ª parte do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT), impondo-se, por conseguinte, que seja decretada a sua nulidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I-             RELATÓRIO

M….., com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso do despacho prolatado em 31 de março de 2020, que indeferiu a possibilidade de concessão do benefício do prazo contemplado no artigo 560.º, do CPC, e consequente admissão de nova petição de oposição ao processo de execução fiscal nº …...

A Recorrente termina as alegações formulando as seguintes conclusões:

“I-O Recorrente não foi efectivamente notificado na pessoa do seu mandatário da recusa pela secretaria da P.I. por si subscrita;

II-O Tribunal "a quo” persiste em verificar ocorrida uma notificação presumida, que não aceita ver ilidida, face à argumentação apresentada pelo recorrente porque; Alegadamente, na opinião do Tribunal a quo, tal ocorreu por culpa do recorrente ao fazer constar do seu papel timbrado uma outra morada;

III. Tal decisão ofusca o contraditório pois esquece a existência crescente de plataformas judiciais informáticas onde constam os registos dos domicílios profissionais dos mandatários actualizados de forma automática e;

IV. Representando também uma errada interpretação e aplicação quer do Art.° 247° e 248° do CPC;

V. Dado que desvaloriza o factualismo indiciador da possibilidade de ilidir a presunção postal em moldes que deixam mesmo violados princípios constitucionais vigentes -contraditório, jurisdição e processo equitativo;

VI. Presunção que não podia deixar de se considerar ilidida em face da argumentação apresentada e dos factos conhecidos em juízo; Nestes termos e nos melhores de direito que V.a Exas Excelentíssimos Juízes Desembargadores venham a suprir, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, obtido o seu provimento, revogado o despacho recorrido, anulando-se todo o processado a contar da notificação da recusa da P.I. que deve ser repetida na morada correcta do mandatário assim se fazendo uma criteriosa aplicação da Lei e um exemplar momento da realização da sempre pedida e esperada JUSTIÇA.”


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Não foram produzidas contra alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal teve vista nos autos, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Visando a presente decisão, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:
1. A 01 de abril de 2019, M…., apresentou petição de oposição ao processo de execução fiscal nº ….junto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (cfr. fls. 9 e seguintes)
2. O Mandatário subscritor da petição inicial de oposição J…., procedeu à entrega do articulado de oposição referido no número anterior, em folha timbrada, a qual apresentava, em nota de rodapé, os seguintes elementos identificativos:

“….Cascais; fax …., TM ….; ….Vila Viçosa; tel. …., fax …., TM …., ….@adv.oa.pt
(cfr. p.i. a fls. 9 e seguintes);
3. O Mandatário J…., juntou procuração forense com o seguinte teor:

(cfr. fls.24);
4. A 29 de outubro de 2019, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, remeteu a petição de oposição referida no ponto anterior ao Tribunal Tributário de Lisboa, tendo a mesma sido reencaminhada para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, mediante ofício com a mesma data (cfr. fls. 8);
5. A 30 de outubro de 2019, foi expedido email para o endereço eletrónico do Ilustre Mandatário da Recorrente J…. ….@adv.oa.pt, com o seguinte teor:
 


(cfr. fls. 33 e 34 )
6. A 21 de novembro de 2019, a Escrivã Adjunta do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, procedeu à recusa da petição inicial, dela constando o seguinte teor:
1.


(cfr. fls. 35)
7. A 21 de novembro de 2019, foi remetido ofício, mediante carta registada, endereçado para o Mandatário da Recorrente, para a Av. …., Cascais, tendente à notificação referida no ponto anterior (cfr. fls. 35).
8. O ofício de notificação referido no ponto antecedente foi devolvido ao Remetente com a menção “não reclamado”. (cfr. fls 37).
9. A 16 de dezembro de 2019, e na sequência da recusa referida em 4., a petição de oposição evidenciada em 1., foi devolvida ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (cfr. fls. 7).
10. Mediante ofício datado de 16 de dezembro de 2019, a Recorrente tomou conhecimento da devolução da petição ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, tendo, nessa sequência, apresentado Reclamação do aludido ato de remessa, da qual se extrata o seguinte:

 

(cfr. fls. 2 e 3)

11. A 23 de janeiro de 2020, na sequência da reclamação referida no ponto anterior, a Meritíssima Juíza de Direito, em substituição legal do Juiz Presidente, prolatou despacho com o seguinte teor:
     

(cfr. fls. 38 e 39)

12. Na sequência da prolação do anterior despacho, a 14 de fevereiro de 2020, a Recorrente apresentou requerimento a solicitar a concessão do benefício do prazo ao abrigo do artigo 560.º do CPC, e a consequente admissão da oposição, dele se extratando, designadamente, o seguinte:
     
     





 
(cfr. fls.55 a 58)
13. Na sequência do requerimento que antecede, a 31 de março de 2012, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, prolatou despacho com o seguinte teor:
 


 

(cfr. fls. 52 a 54).
14. O domicílio profissional do Mandatário J…., registado junto da Ordem dos Advogados é Rua ….Vila Viçosa (facto alegado pela parte, constante na procuração forense e na p.i., e que se confirma mediante consulta ao portal da Ordem dos Advogados, site:portal.oa.pt, no item pesquisa de advogados e corroborado a fls. 74);


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o despacho recorrido corresponde ao evidenciado no ponto 13. supra, ou seja, aquele que indeferiu a possibilidade de concessão do benefício do prazo contemplado no artigo 560.º, do CPC, e consequente admissão de nova petição de oposição, porquanto tal possibilidade estava dependente dos pressupostos contemplados no aludido normativo, concretamente cumprimento do prazo após a notificação do ato de recusa da petição inicial, cuja notificação se presume validamente efetuada.

Cumpre, assim, aferir se o aludido despacho deve manter-se na ordem jurídica com a consequente manutenção da denegação de concessão do benefício do prazo concedido no artigo 560.º do CPC competindo, nessa medida, aquilatar se o ato de recusa foi ou não validamente efetuado, não obstante a devolução da carta registada com a menção “não reclamado”.

A Recorrente defende que, contrariamente ao evidenciado no despacho reclamado, não foi validamente notificada do ato de recusa da petição inicial, porquanto a notificação não foi remetida para o seu domicílio profissional, razão pela qual a carta registada foi devolvida com a menção “não reclamada”.

Mais defende que não pode considerar-se que, pelo facto de existirem duas moradas impressas num papel timbrado, se possa remeter a correspondência para uma dessas moradas e assumir como devidamente notificado, ainda para mais quando a carta vem devolvida com a menção “não reclamada”.

Conclui, neste âmbito, que a assumir-se tal decisão como legal, a mesma coarta princípios basilares como sejam do contraditório, da jurisdição e processo equitativo.

Como visto, e como dimana do ponto 13 supra, o despacho recorrido assim o não entendeu, tendo assumido que tendo a notificação sido remetida para um dos escritórios que o Ilustre Mandatário subscritor da peça identificou na petição inicial, em ordem ao consignado no artigo 249.º do CPC considera-se validamente notificado, não obstante a carta ser devolvida. Mais relevando, neste particular, que não é exigível que a secretaria judicial face ao volume de trabalho, afira junto da Ordem dos Advogados qual o domicílio profissional.

Apreciando.

Comecemos por convocar o quadro normativo que para os autos releva.

De harmonia com o disposto no artigo 560.º do CPC, com a redação da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho[1]:

 “O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a ação proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.”

De convocar, neste particular, o consignado 247.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT:

“1 - As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.”

Por seu turno, determina o art.º 248.º do CPC que:

"Os mandatários são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132. devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.".

No caso vertente, o Tribunal a quo não fez uso da notificação eletrónica constante na Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro de 2017, devendo, por isso, aplicar-se, com as necessárias adaptações, o regulamentado no artigo 249.º do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, cujo nº 1 preceitua que as notificações são feitas por carta registada dirigida para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, as quais se presumem efetuadas no terceiro dia posterior ao envio ou no primeiro dia útil seguinte a esse quando não o seja.

Ainda neste particular, importa ter presente o consignado no nº2, do citado preceito legal segundo o qual:

“A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita (…) para o domicílio escolhido para o efeito de a receber”.

Visto o direito que releva para o caso dos autos, atentemos no que resulta do acervo fático.

Na petição inicial de oposição o Ilustre Mandatário da, ora, Recorrente em folha timbrada e em nota de rodapé, procedeu à enumeração dos seguintes elementos identificativos:

“Av. ….Cascais; fax …., TM ….; Rua ….Vila Viçosa; tel. …., fax …., TM …., ….@adv.oa.pt”.

Mais dimanando da factualidade fixada que foi junta procuração forense da qual resulta que o Ilustre Mandatário tem escritório na Rua ….Vila Viçosa, o qual corresponde ao domicílio registado junto da Ordem dos Advogados.

Ora, face ao supra aludido tendo sido identificadas duas moradas distintas e tendo sido indicado como domicílio profissional na procuração forense, a morada constante na Rua ….Vila Viçosa, ter-se-á de inferir que o domicílio escolhido é o consignado na procuração forense, aliás reiterado em nota de rodapé da respetiva p.i..

Como se infere no Aresto deste Tribunal, proferido no processo nº 04577/11, de 23 de março de 2011, o domicílio escolhido ter-se-á de entender como o consignado na procuração forense, doutrinando, neste e para este efeito, que em nada releva, designadamente, o facto de uma mandatária já não exercer funções nesse local e sociedade, e isto porque mantendo-se “nos autos como procuradora da impugnante porquanto não foi junto qualquer instrumento de revogação ou renúncia do respectivo mandato outorgado pela procuração junta a fls. 90, devendo então concluir-se que ocorreu a notificação da sentença.”

Acresce que sempre se dirá que, existindo duas moradas -em nota de rodapé- na petição inicial, e suscitando-se dúvidas, sempre deveria a Secretaria ter provido pela dissipação das mesmas mediante contacto com o Ilustre Mandatário, ou alternativamente, mediante diligência junto da Ordem dos Advogados.

De sublinhar, neste âmbito, que o Autor não pode ser prejudicado por omissões da secretaria, conforme expressamente preceitua o artigo 157.º, nº6 do CPC[2].

Ademais, como doutrinado em Aresto deste TCA Sul, proferido no processo nº 08823/15, de 03 de março de 2016: “Não podemos, pois, aceitar como forma válida de comunicar com o tribunal as indicações constantes do timbre do papel utilizado nos requerimentos ou dos carimbos apostos nos mesmos.”

Enfatizando, depois, que “[n]ada na lei exige que o papel utilizado nos requerimentos ou articulados apresentados em juízo seja timbrado ou que as peças subscritas por advogado tenham o carimbo deste, embora o admita como possível (cfr. art. 1.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 112/90, de 4 de Abril). (…)

Bem pode suceder que o advogado tenha mais que um escritório motivo por que a simples indicação, no timbre ou em rodapé de um requerimento ou no carimbo neste aposto, de uma morada diferente da que foi indicada na petição inicial e na procuração não pode valer como comunicação de mudança de escritório.”

Ora, face ao supra aludido ajuizamos que a recusa da petição inicial não foi validamente notificada ao Mandatário da Recorrente, porquanto não foi remetida para o domicílio escolhido e devidamente evidenciado na procuração forense e corroborado na p.i., o que integra irregularidade processual com impacto e influência no despacho proferido (artigo 195.º, nº1, 2ª parte do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT), impondo-se, por conseguinte, que seja decretada a sua nulidade.

Face a todo o exposto, procede o recurso, julgando verificada a nulidade processual secundária por falta de notificação do ato de recusa, anular todo o processado posterior a esse mesmo ato, inclusive, devendo ser repetida a notificação da recusa da petição inicial, conforme peticionado pela Recorrente, em ordem, designadamente e sendo caso disso e a tal nada obste, a poder beneficiar do artigo 560.º do CPC, e subsequente admissão do articulado de oposição.


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IV.- DISPOSITIVO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

Conceder provimento ao recurso, julgar verificada a nulidade processual secundária por falta de notificação do ato de recusa, anular todo o processado posterior a esse mesmo ato, inclusive, devendo ser repetida a notificação da recusa da petição inicial, nos moldes já retratados anteriormente.

Registe. Notifique.

Sem custas.


Lisboa, 19 de novembro de 2020

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

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[1] Redação em vigor na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.
[2] Vide, designadamente, Acórdão da Relação de Coimbra de 31/5/2005, proferido no âmbito do processo 1601/05, acórdãos da Relação do Porto, de 23/5/2006, proferido no processo 0622181, e de 9/10/2006, proferido no âmbito do processo 0654628, acórdão da Relação de Lisboa de 13/4/2010, proferido no âmbito do processo 2288/09.2TBTVD.L1-1.