Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:93/19.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores: EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE PROCESSUAL;
REQUISITOS DO TÍTULO EXECUTIVO.
Sumário:1. A falta de requisitos do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal - artº 165º, nº 1, al. b) do CPPT -, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do seu artº2
2. Nos termos do disposto no artigo 163.º n.º1 do mesmo Código, são requisitos essenciais do título executivo, sob pena de carecer de força executiva:
a) Menção da entidade emissora ou promotora da execução;
b) Assinatura da entidade emissora ou promotora da execução, por chancela nos termos do presente Código ou, preferencialmente, através de aposição de assinatura electrónica avançada;
c) Data em que foi emitido;
d) Nome e domicílio do ou dos devedores;
e) Natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante.
3. Não se verificando na certidão de dívida as deficiências que a reclamante/Recorrente lhe aponta, necessariamente soçobra a arguida nulidade insanável do processo por falta de requisitos essenciais do título.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

G…. S…. – Investimentos T…., J…. e L…., S.A., recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, na verificação do erro na forma do processo sem possibilidade de convolação para a forma própria, indeferiu liminarmente a reclamação apresentada do despacho de 25/10/2018, do Órgão da Execução Fiscal, que no processo executivo n.º324720180100…, em que foi citado como responsável solidário pela dívida, lhe indeferiu a nulidade insanável arguida, nos termos do art.º165.º do CPPT, com fundamento na falta de requisitos do título que serve de base á execução.

Juntou alegações que culmina com as seguintes conclusões:

“Texto Integral com Imagem”



».
A Recorrida, Agência para o Investimento e C….. E….. de Portugal, E.P.E., apresentou contra-alegações que remata com as seguintes conclusões:
“Texto Integral com Imagem”
».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa resolver reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela verificação do erro na forma do processo, por não ser a arguição de nulidade, mas sim a oposição à execução, o meio próprio para arguir a nulidade insanável do processo executivo por falta de requisitos essenciais do título.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a decisão, alinham-se os seguintes factos:
1. Foi extraída pela Agência para o I….. C…. E…. de Portugal, E.P.E., a certidão de dívida datada de 19/10/2017 (constitui doc.12 junto à P.I.), cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2. Da referida certidão constam como devedores da dívida as sociedades A….. T….., SG……, S.A.; G….. S…. – Investimentos T…., J…. e L…, S.A. e “C…. – C…. H…. de T…., S.A.”;
3. A certidão referida no ponto anterior encontra-se assinada por M….. e Maria M…., na mencionada qualidade de Administradoras Executivas da AICEP;
4. Autuada a certidão no serviço de finanças competente, foi a reclamante citada como devedora solidária do montante da dívida, de origem contratual;
5. Em requerimento dirigido à execução, veio a reclamante arguir a nulidade do processo por falta de requisitos essenciais do título, nomeadamente, falta de assinatura da entidade emissora do título e falta de indicação dela, reclamante, como devedora.
6. Tal requerimento foi indeferido por despacho da Sra. Chefe de Finanças, datado de 25/10/2018 (doc. 15 junto à P.I.);
7. Da decisão de indeferimento, foi apresentada reclamação judicial para o Tribunal Tributário de Lisboa, que proferiu decisão liminar cujo teor se transcreve:
«







».
Factos não provados: Com interesse para a decisão, não se provou a falta de menção da reclamante como devedora no título que serve de base à execução.

Motivação: A convicção deste tribunal formou-se com base nos documentos juntos ao processo, de que se destacam os indicados a propósito de cada ponto do probatório.

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A questão a decidir reconduz-se a saber se padece de erro de julgamento a decisão recorrida ao julgar que a nulidade insanável por falta de requisitos essenciais do título executivo (al. b) do nº 1 do art. 165° do CPPT) integra fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do n.º1 do art.204.º, não sendo fundamento de arguição de nulidade no próprio processo, meio utilizado pela reclamante.

A questão de saber se a nulidade do título executivo por falta de requisitos essenciais (art.º165º, n.º1 alínea b) do CPPT) serve ou não de fundamento à oposição não foi sempre tratada uniformemente pela jurisprudência do STA. Mas pode afirmar-se que, a partir de certo momento, se formou uma franca maioria de sinal contrário ao que aqui defende a decisão recorrida. E essa corrente jurisprudencial mais se consolidou com o aresto do Pleno da Secção do CT tirado por unanimidade em 23 de Fevereiro de 2005 no processo nº 574/04.


Com efeito, nos termos do art.º204º, n.º1 do CPPT a oposição só poderá ter algum dos fundamentos enunciados nas alíneas a) a i) do mesmo preceito, mas a nulidade do título executivo não é referida em nenhuma delas.

Só na alínea i) pode pretender-se que está contemplada, pois nela cabem «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».

É certo que a nulidade do título executivo pode demonstrar-se, apenas, por meio de prova documental, e não implica apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda nem representa interferência em matéria da exclusiva competência da entidade emissora do título.

Porém, o título executivo a que falte algum dos requisitos apontados nas alíneas do nº 1 do artigo 163º do CPPT só inquina de nulidade insanável o processo de execução fiscal «quando não puder ser suprida por prova documental» (art.º 165º, n.º1 alínea b) do CPPT).

O que vale por dizer que, quando do título não conste a menção da entidade emissora, a data da emissão, o nome e domicílio do devedor, a natureza e proveniência da dívida e o seu montante por extenso, não se segue, necessariamente, a extinção da execução, já que a falta pode ser suprida mediante outro(s) documento(s) que não o próprio título ficando a situação regularizada e podendo a execução prosseguir, mesmo com base num título que, só por si, não teria força executiva, por carecer de requisitos essenciais.

Pode, pois, dizer-se que a falta de requisitos essenciais do título executivo não é causa da extinção da acção executiva, nem, sequer, da sua suspensão; o que leva a essa extinção é o insuprimento da falta por prova documental.

Mas, mesmo nos casos de insuprimento da falta de requisitos essenciais do título, a nulidade/irregularidade do título executivo também não constitui fundamento de oposição, como é jurisprudência do STA assente no Acórdão do Pleno da Secção do CT de 19/11/2008, tirado no proc.º0430/08, Relator: Conselheiro Brandão de Pinho, que expressamente sumariou «A falta de requisitos essenciais do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário -, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na alínea i) do n.º 1 do seu artigo 204.º»

E a fundamentação para tal doutrina é simples.

É que tratando-se de uma nulidade, a lei estabelece igualmente o seu regime de arguição e efeitos: anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos (art.º165º n.º2 do CPPT).

Assim sendo, foi propósito legal desconsiderá-la como fundamento de oposição, ainda que seja a mesma, substancialmente, a consequência resultante: a extinção da execução consubstanciada na nulidade do próprio título - quando não possa ser suprida por prova documental.

Por outro lado, continuando a seguir a doutrina do douto acórdão do STA, a tutela jurídica concedida à nulidade é até mais consistente do que a resultante da oposição à execução, na medida em que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, e não apenas no prazo de 30 dias contados da citação (cf. artigo 203.º, n.º1 do CPPT).

E devendo ser conhecida pelo órgão de execução fiscal, sempre o respectivo processo seria urgente – artigo 278.º/5 CPPT – o que é compatível com a celeridade do processo de execução fiscal, atento a sua finalidade de cobrança de impostos que visam “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento – (art.º 5º, n.º1 da LGT).

Portanto, nenhum argumento jurídico justifica dualidade de meio processuais – nulidade processual da execução fiscal e de fundamento de oposição à mesma -, a qual seria até proibida nos termos do art.º 2.º, n.º2, do CPC.

Conclui-se, assim, na linha do douto acórdão do STA, que a invocada nulidade do processo por falta de requisitos essenciais do título executivo – nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT – não integra fundamento de oposição à execução fiscal por não ser enquadrável na sua alínea i) do n.º 1 do art.º204º do CPPT, constituindo antes o meio adequado à tutela dessa pretensão jurídica, a arguição de nulidade insanável no próprio processo executivo, com posterior reclamação da decisão desfavorável para o tribunal tributário.

Ainda no recente Acórdão de 07/11/2019, tirado no proc.º0860/08.7BEPRT 0349/18, o STA reiterou a sua posição no sentido de que “A falta de requisitos do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal - artº 165º, nº 1, al. b) do CPPT -, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do seu artº204º».

Assim, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir ser a oposição o meio processual próprio para se arguir a nulidade insanável do processo executivo por falta de requisitos essenciais do título que serve de base à execução e, nessa medida, não conheceu da reclamada decisão executiva que indeferiu a arguida nulidade insanável do processo.

Não pode, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica, procedendo este fundamento do recurso.

Aqui chegados e conhecendo em substituição das questões omitidas para que se mostra próprio o processo de reclamação judicial, vejamos se procede a invocada nulidade do processo de execução fiscal com fundamento na falta de requisitos essenciais do título executivo, nomeadamente e a saber, (i) falta de assinatura da entidade emissora do título; (ii) falta de indicação no título da executada (reclamante e ora Recorrente) como devedora, ou se, pelo contrário, é de validar o reclamado despacho executivo, que indeferiu a pretensão da Recorrente.

Os elementos que devem fazer parte da certidão executiva constam do normativo constante do artigo 88.º do CPPT, que tem a seguinte redacção:
«Artigo 88.º
Extracção das certidões de dívida
1 - Findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias, será extraída pelos serviços competentes certidão de dívida com base nos elementos que tiverem ao seu dispor.
2 - As certidões de dívida serão assinadas e autenticadas e conterão, sempre que possível e sem prejuízo do disposto no presente Código, os seguintes elementos:
a) Identificação do devedor, incluindo o número fiscal de contribuinte;
b) Descrição sucinta, situações e artigos matriciais dos prédios que originaram as colectas;
c) Estabelecimento, local e objecto da actividade tributada;
d) Número dos processos;
e) Proveniência da dívida e seu montante;
f) Número do processo de liquidação do tributo sobre a transmissão, identificação do transmitente, número e data do termo da declaração prestada para a liquidação;
g) Rendimentos que serviram de base à liquidação, com indicação das fontes, nos termos das alíneas b) e c);
h) Nomes e moradas dos administradores ou gerentes da empresa ou sociedade executada;
i) Nomes e moradas das entidades garantes da dívida e tipo e montante da garantia prestada;
j) Nomes e moradas de outras pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis;
k) Quaisquer outras indicações úteis para o eficaz seguimento da execução.
3 - A assinatura das certidões de dívida poderá ser efectuada por chancela ou outro meio de reprodução devidamente autorizado por quem as emitir, podendo a autenticação ser efectuada por aposição do selo branco ou, mediante prévia autorização do membro do Governo competente, por qualquer outra forma idónea de identificação da assinatura e do serviço emitente.
4 - As certidões de dívida podem ser emitidas por via electrónica, sendo autenticadas pela assinatura electrónica avançada da entidade emitente, nos termos do Sistema de Certificação Electrónica do Estado - Infra-Estrutura de Chaves Públicas.
5 - As certidões de dívida servem de base à instauração do processo de execução fiscal.
6 - A extracção das certidões de dívidas poderá ser cometida, pelo órgão dirigente da administração tributária, aos serviços que disponham dos elementos necessários para essa actividade».

Nos termos do disposto no artigo 163.º n.º1 do mesmo Código, são requisitos essenciais do título executivo, sob pena de carecer de força executiva:

a) Menção da entidade emissora ou promotora da execução;
b) Assinatura da entidade emissora ou promotora da execução, por chancela nos termos do presente Código ou, preferencialmente, através de aposição de assinatura electrónica avançada;
c) Data em que foi emitido;
d) Nome e domicílio do ou dos devedores;
e) Natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante.
Todavia, a falta de tais requisitos só constituirá nulidade insanável da execução fiscal, quando não puder ser suprida por prova documental, tendo em conta as funções que os títulos executivos têm e que a seguir se indicam.

Os títulos executivos têm duas funções no processo de execução fiscal:
1.Assegurar à entidade perante quem corre a execução a possibilidade de verificar se estão reunidas as condições para prosseguir com o processo;
2.Informar o executado sobre a dívida que se executa de forma a poder organizar a defesa.

Ora, no caso em apreciação, a certidão de dívida extraída pela entidade emissora – Agência para o I…. e C…. E…. de Portugal (doc.12 junto à douta P.I.) – contêm todos os elementos que a lei exige e, nomeadamente, a menção dos elementos que a reclamante/ Recorrente diz terem sido omitidos.

De facto, a Recorrente consta expressamente do título como um dos três devedores da dívida de 3.951.377,60€ que se executa, não relevando em sede de nulidade do processo por falta de requisitos do título, a circunstância de ter sido citada, no seguimento de despacho do órgão da execução fiscal, como devedora solidária ou se aceita, ou não, a responsabilidade pela dívida.

No que em particular diz respeito à assinatura do título executivo, vejamos.

O Decreto-Lei n.º229/2012, de 26 de Outubro, que “Aprova os Estatutos da Agência para o I….. C…. E…. de Portugal, E. P. E.”, estabelece no seu artigo 14.º,
«Artigo 14.º
Representação e vinculação da AICEP, E. P. E.

1 - A AICEP, E. P. E., faz-se representar em juízo ou fora dele pelo presidente do conselho de administração.

2 - A AICEP, E. P. E., obriga-se:

a) Pela assinatura do presidente do conselho de administração;

b) Pela assinatura de dois administradores com funções executivas;

c) Pela assinatura de procurador legalmente constituído, nos termos e no âmbito do respetivo mandato.».

Constata-se que a certidão de dívida datada de 19/10/2017, extraída pela entidade promotora da execução (doc.12 junto à P.I.), está assinada por M….. e Maria M….., ambas na mencionada qualidade de Administradoras Executivas.

Ora, acompanha-se a Recorrida quando refere que a extracção de uma certidão de dívida não requer poderes de representação, sendo bastantes os poderes estatutariamente concedidos de obrigar a AICEP perante terceiros. E para obrigar a entidade emissora do título, nos termos do respectivo estatuto basta a assinatura de dois administradores com funções executivas, o que sucedeu no caso dos autos.

Como assim, não se verificam na certidão de dívida as deficiências que a reclamante/Recorrente aponta, o que vale por dizer que soçobra a arguida nulidade insanável do processo por falta de requisitos essenciais do título, sendo de manter na ordem jurídica o despacho reclamado que no mesmo sentido decidiu.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar a presente reclamação improcedente.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 16 de Setembro de 2019


Vital Lopes


Anabela Russo


Tânia Meireles da Cunha