Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:144/07.8BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:JUNÇÃO DOCUMENTOS;
TRANSAÇÃO;
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA;
NULIDADE CONTRATO/SIMULAÇÃO;
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA;
INEXISTÊNCIA FACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:I. A lei processual civil, concretamente os artigos 425.º e 651.º ambos do CPC, possibilitam a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, e apenas quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância;
II. Do negócio jurídico em que se traduz a transação, não resulta, per se, nem o caso julgado, nem a extinção do processo, os quais advêm apenas da intermediação da sentença homologatória.
III. A sentença homologatória de transação, é uma sentença de mérito, que faz caso julgado material relativamente à matéria do litígio, constituindo título executivo quando condenatória;
IV. Se a transação homologada judicialmente declarou nulo o contrato de compra e venda, por simulação, tal determina a extinção, de forma potestativa, de toda a relação contratual, pelo que, em termos tributários deixou de existir a manifestação de capacidade contributiva que justificava a incidência em termos de IRS, e legitimava a tributação enquanto rendimento de mais valias, donde inexiste facto tributário.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por LUÍS .......... tendo por objeto a liquidação de IRS nº 2006 .........., respeitante ao ano de 2002, no montante de €2.259,01.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

a) Foi violado pela douta sentença o artigo 38/1 da LGT.

b) Nos termos do artigo 38/1 da LGT “a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes”.

c) Na presente impugnação [ponto J) da fundamentação de facto da douta sentença], foi junto aos autos o “termo de transação”, lavrado no âmbito do processo nº 124/05.8TBVLF, acordado entre o ora impugnante e os intervenientes no contrato de compra e venda que teve por objeto o imóvel em causa nos presentes autos, Arminda .........., na qualidade de procuradora do impugnante e da sua então mulher Maria .........., e José .........., o adquirente do imóvel em apreço através da escritura celebrada em 04/07/2002, junta aos autos, o facto tributário que está na origem da liquidação adicional de IRS/2002, do ora impugnante e da sua ex-mulher.

d) Consta nomeadamente do referido “termo de transação” que: “[…] Autores e Réus vêm consignar, nos termos e para os efeitos dos artigos 1248.º e 1250.º do Código Civil e 300º do CPC, o acordo a que chegaram sobre o litígio em causa na presente acção, ao qual, por este meio, pretendem pôr fim. O acordo a que chegaram rege-se pelas seguintes cláusulas: CLÁUSULA PRIMEIRA: Os Réus confessam que é nulo, por simulação, o contrato de compra e venda celebrado entre ARMINDA .......... (na qualidade de representante do A. e da sua mulher) e JOSÉ .........., em 4 de Julho de 2002, no Cartório Notarial de Vila Nova de Foz, do prédio urbano sito no .........., Freguesia e Concelho de Vila Nova de Foz Côa, inscrito na matriz sob o art.º .....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º ..... da dita Freguesia. CLÁUSULA SEGUNDA: O A. com o trânsito em Julgado da homologação da presente transacção, renunciará, sem necessidade de qualquer ulterior declaração nesse sentido, a qualquer direito de indemnização que, considerando os factos alegados na p.i., eventualmente pudesse exercer contra os ora RR.

CLÁUSULA TERCEIRA: A mulher do A. Maria ....., intervém igualmente na presente transacção, com a qual concorda, declarando expressamente nela consentir. […]”.

e) Também conforme explicitado no ponto K) da fundamentação de facto da douta sentença, “a transacção referida na alínea anterior foi objecto de homologação por sentença proferida em 13/06/2007, transitada em julgado, da qual se extrai o seguinte: “A transacção atrás expressa é válida, quer quanto ao objecto sobre o qual incide, quer quanto à qualidade das pessoas que nela intervieram, pelo que a homologo por sentença, condenando ambas as partes a cumpri-la nos seus precisos, nos termos do disposto nos artºs 293.º, nº 2 e 299.º, n.º 1, e 300.º, do Código de Processo Civil, e em consequência declaro extinta a presente instância nos termos do artº 287.º, al. d), do mesmo diploma legal”.

f) O termo de transação supra, contratado entre os litigantes, foi, pois, homologado por sentença no âmbito do processo nº 124/05.8TBVLF, o qual deu entrada no Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa em 04/07/2005, sob a forma “de ação declarativa, em processo comum e na forma ordinária, intentada pelo aqui impugnante contra Arminda .......... e José .........., no âmbito da qual pediu a declaração de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda a que se alude na alínea que antecede e, subsidiariamente, a declaração de ineficácia do referido negócio em relação ao aqui impugnante e à sua mulher Maria ..........” – cfr. ponto C) da matéria de facto da douta sentença.

g) Ora, embora no processo nº 124/05.8TBVLF, entrado no Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa em 04/07/2005, o autor aqui impugnante tenha pedido a declaração de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda do imóvel em apreço nos presentes autos, e, subsidiariamente, a declaração de ineficácia do referido negócio, nele foi enxertado um contrato de transação nos termos dos artigos 1248.º e 1250.º do Código Civil – tal como consignado pelos intervenientes no “termo de transação” –, um dos “contratos em especial” previstos no Título II do Livro II do Código Civil.

h) Estatui o artigo 1248/1 do Código Civil que “transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões”, podendo as concessões “envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido” (nº 2 do mesmo artigo). Prevendo depois o artigo 1250º, também do Código Civil, que “a transação preventiva ou extrajudicial constará de escritura pública quando dela possa derivar algum efeito para o qual a escritura possa ser exigida, e constará de documento escrito nos casos restantes”.

i) Assim, em virtude do “termo de transação” ter a natureza de contrato de direito privado, encontrando-se na livre disponibilidade das partes, para além da sentença homologatória obviar à celebração de nova escritura pública, tal como previsto no artigo 1250º in fine do Código Civil [e artigo 290.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 300º)], uma vez estar em causa um contrato de transação sobre um imóvel, a mesma limitar-se-á a certificar a capacidade das partes e a legalidade do resultado do ato de vontade das partes, tal como previsto no atual artigo 290/3 do Código de Processo Civil (anterior artigo 300º, expressamente mencionado na sentença homologatória), nos termos do qual “lavrado o termo ou junto o documento, examina-se, se, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, a desistência ou a transação é válida, e, no caso afirmativo, assim é declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos”.

j) Assim, tal como explicitado no ponto K) da fundamentação de facto da douta sentença, na sentença que homologou o contrato de transação é expressamente mencionado que “a transacção atrás expressa é válida, quer quanto ao objecto sobre o qual incide, quer quanto à qualidade das pessoas que nela intervieram, pelo que a homologo por sentença, condenando ambas as partes a cumpri-la nos seus precisos, nos termos do disposto nos artºs 293º, nº 2 e 299º, n.º 1, e 300º, do Código de Processo Civil, e em consequência declaro extinta a presente instância nos termos do artº 287º, al. d), do mesmo diploma legal”.

k) E é em virtude do “termo de transação” ter a natureza de contrato de direito privado (e estar em causa um imóvel, sendo o impugnante casado), que o mesmo careceu, para produzir um dos efeitos pretendidos pelas partes – regresso do imóvel à propriedade do impugnante e da sua mulher –, da intervenção e consentimento da mulher do impugnante, tal como consta da cláusula terceira do termo de transação: “A mulher do A. Maria ....., intervém igualmente na presente transacção, com a qual concorda, declarando expressamente nela consentir […].”

l) E tal como salientado na douta sentença na transcrição efetuada do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/05/2016, processo nº 58/12.0TTVLG.1.P1: “Como salienta o Prof. Alberto dos Reis, «[o] conflito de interesses, traduzido na lide ou na relação substancial em litígio, fica resolvido e arrumado mediante qualquer desses actos [desistência do pedido, confissão e transacção]. Sob este aspecto, a desistência do pedido a confissão e a transacção exercem a mesma função que a sentença de mérito: como esta põem termo à causa, compondo-a»… E continua o mesmo Professor, desta feita citando Redenti, «[a] transacção diz ele, implicará, em regra, a substituição do novo acordo, como fonte ou como acto constitutivo ou regulador de direitos ou de obrigações (certas e pacíficas), aos actos ou factos precedentes, de que surgiam pretensões diversas e contrastantes» … No caso da transacção, a lide não é decidida por sentença, mas composta por acordo das partes. A função da decisão que certifica a capacidade das partes e a legalidade do resultado da conciliação, no processo laboral, ou da sentença homologatória que incide sobre a transacção judicial, no processo civil, actos judiciais estes sem os quais o acto de vontade das partes não produz efeito, não é decidir a controvérsia substancial mas, unicamente, fiscalizar os aspectos que a lei (respectivamente o artigo 52.º, n.º 2 do CPT e o artigo 290.º, n.º 3 do CPC) comete ao juiz. Por isso, a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a decisão do juiz que lhe sucede. Mas, em consequência da transacção, a relação jurídica substancial fica com a mesma estabilidade e a mesma certeza que uma relação jurídica definida por sentença transitada em julgado” (sublinhado nosso).

m) Ou ainda, de acordo com o Acórdão da RG 24-05-2007/Proc. 953/07-1 (António Gonçalves), embora concernente à figura da desistência mas transponível para a situação em apreço: “Ao homologar tal declaração de desistência da instância o Juiz, nos termos do disposto no art. 300.º, n.º 3 do C.P.Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade e a verificar a qualidade do objeto desse negócio jurídico e a averiguar a qualidade da pessoa que fez tal declaração. (…) Não toma, porém, o Juiz posição acerca deste negócio, ficando de fora do sentido e alcance desta declaração assim feita. Quer isto dizer que quando a acção termina por desistência da instância, porque a lide atingiu o seu termo por ato único de quem propôs a acção, claramente que não estamos perante uma sentença a solucionar o diferendo trazido a juízo por demandante e demandado; e, se é assim, na falta de uma sentença que tenha resolvido jurisdicionalmente a questão nela posta – a lide não foi decidida por sentença anterior, pois foi concertada apenas por vontade das partes – não pode também conjecturar-se e ficcionar-se a existência de uma sentença para termos de admitir a sua impugnação mediante recurso a decidir sobre algo que só aparentemente tem existência jurídica (…)” (sublinhado nosso).

n) Ou seja, tendo embora no processo nº 124/05.8TBVLF, entrado no Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa em 04/07/2005, o autor aqui impugnante pedido a declaração de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda do imóvel em apreço nos presentes autos, e, subsidiariamente, a declaração de ineficácia do referido negócio, nele foi enxertado um contrato de transação nos termos dos artigos 1248º e 1250º do Código Civil – um novo contrato relativo ao imóvel em apreço nos presentes autos –, o qual não faz, assim, repercutir os seus efeitos, em relação a terceiros e nomeadamente à situação em causa nos presentes autos, à administração fiscal, que mantém o poder-dever de tributar aquele facto tributário, que não desapareceu da ordem jurídica, respeitante ao contrato de compra e venda celebrado em 04/07/2002.

o) Depois, é também de evidenciar que (a) a acção de condenação – acção de processo ordinário com o nº 124/05.8TBVLF – supra explicitada, apenas foi interposta em 14/07/2005, ou seja, apenas mais de três anos após a celebração da escritura de compra e venda em causa nos autos, quando os efeitos económicos pretendidos pelas partes há muito se haviam produzido, quais sejam a transmissão do imóvel e o recebimento do valor de 22.500€, e que fatores externos, como poderá ter sido o caso da interposição do processo de Inventário/partilha de bens em casos especiais nº 30/03.0TBVLF, também interposto pelo impugnante, no qual é atribuído ao imóvel em apreço nos presentes autos um valor muito inferior – 7.953,04€ – relativamente ao constante do contrato de compra e venda celebrado em 04/07/2002 – 22.500€ – cfr. fls. 4 a 13 ora juntas no sentido de melhor fundamentar a argumentação –, poderão ter intervindo na decisão de interposição da referida ação de condenação com base na qual o impugnante pretende ver anulada a liquidação de IRS/2002 em apreço.

p) Ainda no sentido da inoponibilidade do novo contrato concernente ao imóvel em apreço nos autos – contrato de transação – relativamente ao facto tributário ocorrido em 04/07/2002 com a celebração do contrato de compra e venda, chama-se à colação, de forma lateral e no sentido de corroborar a argumentação antes explanada, o artigo 291º do Código Civil, nos termos do qual “a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio (nº 1), e “Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio (nº 3). q) Ora, ainda que a acção de processo ordinário com o nº 124/05.8TBVLF, apenas interposta em 14/07/2005, mais de três anos após a celebração da escritura de compra e venda em causa nos autos, terminasse com a prolação duma sentença sobre o mérito da causa, à luz do artigo 291º do Código Civil, a mesma não iria fazer repercutir os seus efeitos, em relação a terceiros e nomeadamente à situação em causa nos presentes autos, à administração fiscal, que mantém o poder-dever de tributar aquele facto tributário, que não desapareceu da ordem jurídica, respeitante ao contrato de compra e venda celebrado em 04/07/2002.

r) Nos termos do artigo 38/1 da LGT “a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes”.

s) Ora, conforme evidencia Lima Guerreiro na sua “Lei Geral Tributária anotada” em anotação ao artigo 38º da LGT, “1 – O presente artigo consagra, no seu número 1, a eficácia perante a administração tributária dos negócios jurídicos ineficazes no âmbito do direito comum, nos casos em que já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes, de que resulta o direito, em tais circunstâncias, à tributação do negócio jurídico ineficaz. Paralelismo tem o presente artigo com o parágrafo 41º, nº 1 da «Abgabeordnung», que estabelece a irrelevância da ineficácia de um negócio jurídico para efeitos de tributação se e enquanto as partes permitirem que perdure o seu resultado económico. 2 – O direito fiscal português não acolheu, na definição dos tipos de incidência tributária, o princípio da «consideração económica». Se a presente norma não tivesse sido introduzida na Lei Geral Tributária, não poderia, assim, a administração tributária tributar em caso algum os negócios jurídicos ineficazes. A ineficácia em sentido amplo tem lugar sempre que um negócio jurídico não produza, por qualquer impedimento decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir de acordo com as declarações das partes respectivas … A ineficácia compreende a própria invalidade resultante de vícios ou deficiências do negócio contemporâneos da sua formação (sublinhado nosso). O preceito aplica-se, por o legislador não ter distinguido, aos casos de cessação de efeitos negociais – e, portanto de ineficácia em sentido lato – resultantes de resolução, revogação, caducidade ou denúncia dos contratos à ineficácia absoluta ou relativa em sentido restrito. Assim, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes, a administração tributária, para proceder à tributação, não necessita de solicitar judicialmente a declaração de eficácia ou validade dos negócios jurídicos. E é irrelevante, para efeitos fiscais, a destruição retroactiva que as partes pretendam proceder dos efeitos económicos do negócio jurídico susceptível de tributação. 3 – O número 1 do presente preceito atalha em conformidade a chamada «tax evasion» ou evasão do imposto, em que o particular ou particulares praticaram um acto correspondente ao pressuposto de facto de um tributo e posteriormente procuram evitar o pagamento da obrigação correspondente por meio da destruição retroactiva dos efeitos desse acto, o que é uma situação próxima do abuso de direito em matéria fiscal a que se refere o número 2 e justifica sistematicamente a sua inclusão no mesmo artigo (sublinhado nosso). É, assim, nesses casos fiscalmente indiferente a vontade real das partes da erradicação do mundo jurídico do negócio celebrado. Não é fiscalmente relevante a anulação de um negócio jurídico visando evitar a produção de um efeito fiscal associado, desde que o seu resultado económico já tenha sido produzido. Não se produzem nessas circunstâncias os efeitos retroactivos prescritos em direito civil para a anulação dos negócios jurídicos, salvo, obviamente, nas relações entre as partes. 4 – «A contrario» infere-se que a existência real do negócio jurídico no período entre a celebração e a declaração de ineficácia não impõe a tributação se os efeitos económicos ainda não ocorreram. É a única solução conforme com a letra da lei e a função que desempenha a norma do número 1 do presente artigo de combater a evitação fiscal. 5 – Caso os efeitos económicos se tenham produzido, mas não perdurem já no momento da declaração de ineficácia, deve entender-se que se mantêm os efeitos da tributação anteriores a esta. A ineficácia apenas opera então para o futuro, como claramente resulta do número 1 do presente preceito. As correcções a efectuar em virtude da declaração de ineficácia apenas podem ter lugar nos períodos de tributação posteriores e quando a lei o permita, não afectando a validade das liquidações já efectuadas, como é a doutrina do artigo 71º, nº 2 do C.I.V.A., que permite ao fornecedor de bens ou ao prestador de serviços a dedução correspondente ao imposto liquidado em operações anuladas por invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, no ou nos períodos de tributação seguintes, ficando detentor, em conformidade, de um crédito do imposto sobre o Estado, a satisfazer nos termos gerais do funcionamento do IVA”.

t) Referindo ainda mais à frente que “… o disposto no número 1 tinha já algum suporte no actual sistema fiscal. Na verdade, segundo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Abril de 1997, recurso número 21.232, a renúncia ao recebimento de juros feita na transacção judicial não tem por efeito evitar o pagamento de imposto de capitais, pois a disponibilidade dos direitos civis nada tem a ver com a indisponibilidade das obrigações tributárias. O princípio referido no número 1 teria, assim, já assento, pelo menos em parte, na indisponibilidade do imposto, que impediria uma revogação retroactiva do negócio jurídico afectando os direitos da fazenda nacional” (sublinhado nosso).

u) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pelo impugnante/recorrido, quer pela fazenda.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.”


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O Recorrido apresentou contra-alegações concluindo da seguinte forma:

i. O recurso em que ora se contra-alega vem interposto, pela Impugnada, da sentença de 1.ª instância que decidiu julgar a impugnação judicial procedente e, em consequência, anulou o ato de liquidação adicional de IRS e respetivos juros compensatórios;

ii. Conforme refere - e bem - a Recorrente, a sentença homologatória da transação pôs termo ao litígio existente entre as partes quanto à simulação do negócio jurídico, sendo a consequência jurídica dessa transação a nulidade do contrato de compra e venda;

iii. Sucede que a Recorrente acaba, salvo melhor opinião, por interpretar/aplicar incorretamente o disposto nos artigos 291.º do Código Civil e 38.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária;

iv. A Autoridade Tributária não pode ser considerada terceiro de boa fé para efeitos do artigo 291.º do Código Civil, já que esta norma visa a proteção de terceiros de boa fé que tenham adquirido direitos incompatíveis com o negócio simulado, o que não sucede com a Autoridade Tributária que apenas beneficia dos efeitos colaterais do negócio;

v. Entende o Recorrido não se encontrar igualmente preenchida a previsão do artigo 38.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária;

vi. O preço declarado pelos simuladores nunca foi entregue ao Recorrido, já que aqueles nunca receberam ou pagaram quaisquer quantias – nem mesmo o montante declarado na escritura de compra e venda;

vii. Não tendo havido transmissão pelo Recorrido do bem imóvel subjacente à liquidação de IRS, não há lugar ao apuramento de mais-valias;

viii. Donde resulta que o negócio translativo da propriedade sobre o imóvel não operou os seus efeitos económicos (transferência da propriedade e pagamento do preço);

ix. Em face do exposto, deverá o recurso apresentado pela Recorrente ser considerado totalmente improcedente, reiterando-se o mérito da sentença a quo e mantendo-se a decisão.

Em face de tudo o que foi aqui exposto deverá o recurso apresentado pela Impugnada ser considerado totalmente improcedente.


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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:

A) Em 17/07/2001, o aqui impugnante e a sua mulher Maria .........., outorgaram uma procuração a favor de Arminda .........., da qual consta o seguinte:

“Que constituem sua bastante procuradora Arminda .......... […] a quem conferem os poderes para que pelo preço, cláusulas e condições que entender, possa vender o prédio urbano com a Matriz Predial Urbana – Artigo n.º ....., da freguesia e concelho de Vila Nova de Foz Coa, Localizado no .......... de Vila Nova de Foz Coa, outorgando e assinando as respectivas escrituras e contrato-promessa de compra e venda.

Conferem-lhe ainda poderes para, na Conservatória do registo Predial competente, proceder a quaisquer actos de registo, provisórios ou definitivos, seus averbamentos e cancelamentos necessários aos indicados fins.” – cfr. fls. 36/38 do suporte físico dos autos e fls. 4 do processo administrativo apenso.

B) Em 04/07/2002, no Cartório Notarial de Vila Nova de Foz Coa, a fls. 95/96 do livro de notas para escrituras diversas n.º …-C, foi lavrada escritura pública intitulada “compra e venda”, na qual intervieram, como primeira outorgante, Arminda .........., na qualidade de procuradora, em representação do aqui impugnante e sua mulher Maria .......... e, como segundo outorgante, José .........., extraindo-se da mesma, designadamente, o seguinte:

“[…]

PELA PRIMEIRA OUTORGANTE, NA QUALIDADE EM QUE OUTORGA, FOI DECLARADO:

Que, em nome dos seus representados, pelo preço de vinte e dois mil e quinhentos euros, que já recebe e de que dá quitação, vende ao segundo outorgante, livre de quaisquer ónus ou encargos, um prédio urbano composto de casa de rés do chão e dois andares, sito no .........., freguesia e concelho de Vila Nova de Foz Côa, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ....., com o valor patrimonial de € 323,89, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o número ....., da dita freguesia, lá inscrito a favor dos vendedores pela inscrição de aquisição G-um.

DECLAROU O SEGUNDO OUTORGANTE:

Que aceita este contrato, e que o prédio ora adquirido se destina exclusivamente à sua habitação própria e permanente.

[…]” - cfr. fls. 39/42 do suporte físico dos autos.

C) Em 14/07/2005 deu entrada no Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa, uma ação declarativa, em processo comum e na forma ordinária, intentada pelo aqui impugnante contra Arminda .......... e José .........., que correu termos sob o n.º 124/05.8TBVLF, no âmbito da qual pediu a declaração de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda a que se alude na alínea que antecede e, subsidiariamente, a declaração de ineficácia do referido negócio em relação ao aqui impugnante e à sua mulher Maria .......... – cfr. fls. 20/44 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

D) Em 29/06/2006 a Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direção de Finanças da Guarda elaborou o projeto de correções constante de fls. 1 do processo administrativo apenso aos autos, do qual consta, entre o mais:

Rendimento proveniente dos artigos ..... (rústicos/urbanos), freguesia de Vila Nova de Foz Côa, concelho de Vila Nova de Foz Coa, em 04/07/2002.

DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO LÍQUIDO

Da conjugação da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º com o artigo 52.º do Código do IRS, procede-se à correcção dos valores declarados pelo IRS, referente aos rendimentos do ano de 2002.

De harmonia com a alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º e n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, o ganho sujeito a IRS é constituído por 50% da diferença entre o valor de realização 22.500,00 € e o valor da aquisição 249,15 €. Após notificação, e na falta de elementos os serviços consideram com valor de aquisição o valor patrimonial a data em que os referidos bens passaram a estar sujeitos a IRS - 1 de Janeiro de 1989.

Da correcção agora proposta resulta um rendimento conjunto líquido sujeito a tributação de 11.013,31 €, conforme alínea do n.º 2 do artigo 65.º do CIRS

O contribuinte foi notificado nos termos do n.º 3 do artigo 65.º do CIRS, não tendo apresentado DR de substituição incluindo anexo G.” – cfr. fls. 1 do processo administrativo apenso aos autos.

E) Em 16/10/2006 foi elaborado o relatório de correcções constante de fls. 5/6 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:

“[…]

DIREITO DE AUDIÇÃO/FUNDAMENTAÇÃO Foi o sujeito passivo notificado nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, através do ofício n.º ....., de 30/06/2006, para no prazo de 10 dias exercer o direito de audição, tendo-o feito por escrito, argumentando que o negócio deve ser considerado sem efeito, visto ser requerida a anulação no Tribunal, não havendo lugar a mais-valias. No entanto, relativamente aos argumentos apresentados é de referir o seguinte:

Como frequentemente se acentua, o que efectivamente importa ao direito fiscal são as realidades económicas, as situações reais que expressa, a percepção do rendimento e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam exteriormente.

O intérprete da lei fiscal não pode deixar de atender à substância económica dos factos tributários, pelo que o n.º 1 do artigo 38.º da LGT prevê a tributação dos efeitos económicos pretendidos pelas partes que tenham sido produzidos apesar ad ineficácia do negócio. Este preceito integra-se numa certa vertente do chamado “realismo fiscal”.

Caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes, a Administração Tributária, para proceder à tributação, não necessita de solicitar judicialmente a declaração de eficácia ou validade dos negócios jurídicos.

Ainda assim, tal tributação só ocorrerá se tais efeitos, além de existirem, recaiam na previsão de um tipo legal de imposto.

Como sustenta Leite de Campos in “Ineficácia dos actos e negócios jurídicos” – Problemas Fundamentais do Direito Tributário – “ o conceito de ineficácia tem aqui um sentido estrito”. Em sentido estrito a eficácia definir-se-á, como ensina Mota Pinto, pela circunstância de esta “depender, não de uma falta de irregularidade dos elementos internos do negócio, mas de alguma circunstância extrínseca”

Desta forma, mesmo sabendo-se da possibilidade de o negócio de compra-venda do imóvel poder sofrer de algum vício que o torne ineficaz, não pode este facto impedir que do negócio se extraiam os devidos efeitos económicos.

No caso sub judice os efeitos económicos atribuídos à venda do imóvel, são susceptíveis de ser integrados na previsão do art. 10.º, n.º 1 al. a) do CIRS e por conseguinte o facto sujeito a tributação em sede de mais-valias. No entanto, vem o contribuinte, no exercício do direito de audição, pretender que a liquidação em curso seja sustada por ter requerido junto do tribunal judicial a anulação da venda do referido imóvel. Todavia, uma eventual nulidade do negócio jurídico não implica, sem mais, a inexistência do facto tributário. Só se o alegado negócio jurídico vier a ser anulado judicialmente é que a liquidação do imposto poderá ser anulada em impugnação judicial, por deixar de existir o facto tributário.

O contribuinte arguiu na p.i. da acção de anulação que deve o negócio ser anulado com base na simulação da venda, argumentando com o preço irrisório declarado e uma vez que este foi realizado por um representante sem poderes para tal indo em sentido completamente contrário aos seus interesses. No entanto, e de acordo com o art. 39.º da LGT enquanto não existir uma sentença que declare nulo determinado negócio em virtude de uma simulação, este continua a produzir efeitos jurídico-tributários, que carecem de uma decisão judicial, para que cessem os seus efeitos.

Neste sentido mantêm-se os valores inicialmente apurados no projecto de relatório.

[…]”.

F) Sobre o relatório de correções referido na alínea anterior, em 16/11/2006, foi exarado despacho de concordância da autoria do Diretor de Finanças da Guarda - cfr. fls. 5 do processo administrativo apenso aos autos.

G) Através do ofício ....., de 17/11/2006, o aqui impugnante foi notificado do relatório de correções mencionado na alínea que precede – cfr. fls. 17 do suporte físico dos autos.

H) Em 24/11/2006 foi efetuada a liquidação n.º 2006 .........., referente a IRS do ano de 2002 e respetivos juros compensatórios, no montante global de 2.259,01 € - cfr. fls. 16 do suporte físico dos autos.

I) Em 07/03/2007 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco a petição inicial que deu origem aos presentes autos de impugnação judicial.

J) Em 12/06/2007, no âmbito do processo n.º 124/05.8TBVLF foi lavrado “termo de transacção”, do qual se extrai o seguinte:

“[…]

Autores e Réus vêm consignar, nos termos e para os efeitos dos artigos 1248.º e 1250.º do Código Civil e 300.º do CPC, o acordo a que chegaram sobre o litígio em causa na presente acção, ao qual, por este meio, pretendem pôr fim.

O acordo a que chegaram rege-se pelas seguintes cláusulas:

CLÁUSULA PRIMEIRA

Os Réus confessam que é nulo, por simulação, o contrato de compra e venda celebrado entre ARMINDA .......... (na qualidade de representante do A. E da sua mulher) e JOSÉ .........., em 4 de Julho de 2002, no Cartório Notarial de Vila Nova de Foz, do prédio urbano sito no .........., Freguesia e Concelho de Vila Nova de Foz Côa, inscrito na matriz sob o art.º .....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º ..... da dita Freguesia.

CLÁUSULA SEGUNDA

O A. com o trânsito em Julgado da homologação da presente transacção, renunciará, sem necessidade de qualquer ulterior declaração nesse sentido, a qualquer direito de indemnização que, considerando os factos alegados na p.i., eventualmente pudesse exercer contra os ora RR.

CLÁUSULA TERCEIRA

A mulher do A. Maria ....., intervém igualmente na presente transacção, com a qual concorda, declarando expressamente nela consentir.

[…]” – cfr. fls. 59/61 do suporte físico dos autos.

K) A transacção referida na alínea anterior foi objecto de homologação por sentença proferida em 13/06/2007, transitada em julgado, da qual se extrai o seguinte:

“A transacção atrás expressa é válida, quer quanto ao objecto sobre o qual incide, quer quanto à qualidade das pessoas que nela intervieram, pelo que a homologo por sentença, condenando ambas as partes a cumpri-la nos seus precisos, nos termos do disposto nos artºs 293º, nº 2 e 299º, n.º 1, e 300º, do Código de Processo Civil, e em consequência declaro extinta a presente instância nos termos do artº 287º, al. d), do mesmo diploma legal”. – cfr. fls. 59 e 62 do suporte físico dos autos.


***

O Tribunal a quo considerou como factualidade não provada :

“Para além dos acima elencados, não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.”


***

No concernente à motivação da matéria de facto ficou consignado o seguinte:

“A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes do suporte físico dos autos e do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.

O depoimento da testemunha ouvida, que se revelou isento e credível, corroborou, no essencial, o que resulta da prova documental carreada para os autos.”


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

L) A 01 de junho de 2009, foi requerida junto da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a inscrição do seguinte registo: “Registo de propriedade a favor de Luís .........., com base na Certidão do Termo de Transação e da Sentença Homologatória proferida no âmbito do Processo nº 124/05.8TBVLF, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa, e declarou a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda celebrado entre Arminda .......... e José ........... Consequentemente, a propriedade do prédio em causa passou, novamente, a pertencer a Luís .......... e à sua mulher, Maria ...........” (cfr. fls. 114 a 116 dos autos);


***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS nº 2006 .........., referente ao ano de 2002, no montante de 2.259,01€.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, indagando, para o efeito, se a transação homologada por sentença determina a inexistência do facto tributário, conforme decidiu o Tribunal a quo ou se o mesmo não tem relevância para efeitos fiscais como defende a Recorrente, tendo sido incumprido o artigo 38.º da LGT.

Sem prejuízo do que fica exposto, importa como questão prévia aferir da admissibilidade dos documentos juntos aos autos pela Recorrente com as alegações de recurso.

Vejamos.

A lei processual civil, concretamente o artigo 425.º e bem assim o normativo 651.º do CPC, possibilita a junção de documentos ao processo em fase de recurso apenas quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior (artigo 425.º, nº1, do CPC) ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (artigo 651.º, nº.1, do CPC);

O STA, por Acórdão proferido em Recurso de Revista(1) julgou que “são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância”.

Sendo certo que, a verificação das circunstâncias supra identificadas têm, necessariamente, como pressuposto basilar que os factos documentados sejam pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, da circunstância dos documentos cuja junção se pretende visarem a prova dos fundamentos da ação e/ou da defesa e, bem assim da circunstância de o juiz se encontrar vinculado a ordenar o desentranhamento do processo dos que sejam impertinentes ou desnecessários(2).

Mais importa ter presente, neste particular, que o advérbio “apenas”, utilizado no artigo 651.º, nº 1, do CPC significa, tão-só, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. É entendimento unânime jurisprudencial que deve ser recusada a junção de documentos que visem a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, sendo certo que não pode servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado(3).

In casu, quanto aos três documentos juntos com as alegações de recurso os mesmos devem ser objeto de recusa, pelos motivos que passamos a enumerar.

No concernente ao documento 1(4), o mesmo respeita ao contrato de compra e venda celebrado em 04 de julho de 2002, cujo documento já se encontrava junto aos autos em 1ª instância, donde, como é bom de ver, não carece de qualquer admissibilidade posterior. Aliás, atentando na sentença recorrida, verifica-se que o Tribunal consignou na alínea B), factualidade atinente a tal documento e fez a devida ponderação para a decisão da causa.

Quanto aos outros dois documentos, concretamente, a relação de bens e a ata de conferência de interessados proferida no processo nº 30/03.0TBVLF-A, encontramo-nos perante documentos que ainda que tenham data posterior ao encerramento da discussão em primeira instância em nada relevam para a presente lide. Ademais, sempre importa ter presente que os aludidos documentos visam a prova de factos que já antes da sentença a Recorrente sabia estarem sujeitos a prova, não se visualizando, outrossim, a necessidade da sua junção em virtude do conteúdo da decisão recorrida e em conformidade com o consignado no artigo 651.º, nº1, do CPC.

Note-se que atentando na conclusão O) do recurso infere-se que a mesma mais não representa que um juízo de prognose sem qualquer relevo para a presente lide, atentando, desde logo, na expressão que utiliza no sentido de que a interposição do processo de inventário/partilha de bens e o valor de atribuição do imóvel “poderão ter intervindo na decisão de interposição da referida ação de condenação com base na qual o impugnante pretende ver anulada a liquidação de IRS/2002 em apreço.”

Concluindo, dada a sua impertinência e desnecessidade, devem os documentos juntos a fls.162 a 168 dos autos ser desentranhados e restituídos à Recorrente, com a consequente condenação em custas pelo incidente anómalo a que deu causa, nos termos do artigo 527.º do CPC e 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) ao que se procederá no dispositivo do presente acórdão.

Atentemos, ora, na questão do ERRO DO JULGAMENTO.

Apreciando.

A Recorrente defende que a sentença recorrida violou o artigo 38.º, nº1, da LGT, sustentando, para o efeito, que pese embora no processo nº 124/05.8TBVLF, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa, o Recorrido tenha pedido a declaração de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda do imóvel visado nos autos e, subsidiariamente, a declaração de ineficácia do referido negócio, certo é que nele foi enxertado um contrato de transação nos termos dos artigos 1248.º e 1250.º do Código Civil.

Razão pela qual, sustenta que o “termo de transação” tem a natureza de contrato de direito privado, encontrando-se na livre disponibilidade das partes, sendo que a sentença homologatória para além de obviar à celebração de nova escritura pública a mesma limita-se, tão-só, a certificar a capacidade das partes e a legalidade do resultado do ato de vontade das partes, tal como previsto no atual artigo 290.º, nº3 do CPC.

Conclui, desta feita, que o contrato de transação não faz repercutir os seus efeitos em relação a terceiros, concreta e especificamente à Administração Tributária, que mantém o poder-dever de tributar aquele facto tributário, que não desapareceu da ordem jurídica, respeitante ao contrato de compra e venda celebrado em 04 de julho de 2002.

Acrescenta, outrossim, que a aludida ação de condenação apenas foi interposta em 14 de julho de 2005, ou seja, apenas mais de três anos após a celebração da escritura de compra e venda em causa nos autos, quando os efeitos económicos pretendidos pelas partes há muito já se haviam produzido, quais sejam a transmissão do imóvel e o recebimento do valor de 22.500,00€.

Dissente o Recorrido alegando, para o efeito, que a Recorrente interpreta incorretamente o disposto nos artigos 291.º do CC e 38.º, n.º 1, da LGT, pois, por um lado, a Administração Tributária não pode ser considerada terceiro de boa fé para efeitos do artigo 291.º do CC, e por outro lado, o negócio translativo da propriedade sobre o imóvel não operou os seus efeitos económicos.

O Tribunal a quo entendeu que através da transação, homologada por sentença judicial, transitada em julgado, pôs-se termo ao litígio existente entre as partes quanto à simulação do negócio jurídico, sendo a consequência jurídica dessa transação a nulidade do contrato de compra e venda, razão pela qual ajuizou que a Administração Tributária tinha de retirar desse facto as devidas ilações no que respeita à liquidação impugnada.

Pondera, nesse particular, que sendo os negócios jurídicos simulados, nulos para o Direito Civil, não podem, necessariamente, produzir efeitos fiscais enquanto tais. Mais enfatizando que será tributado o negócio jurídico real, o que foi efetivamente celebrado e oculto sob a aparência, desde que tal negócio exista e subsista produzindo efeitos que recaiam, enquanto tais, na previsão de uma norma tributária.

Convoca, a final, o princípio da realização, e conclui pela inexistência de capacidade contributiva, e pela anulação da liquidação.

E, de facto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo valorado correta e adequadamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição fática.

Senão vejamos.

Importa, desde já, evidenciar que a matéria de facto dos autos se encontra devidamente estabilizada, não tendo a Recorrente procedido à sua impugnação, apenas evidenciando, sem concretizar como legalmente se impõe, quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa. Com efeito, atentando nas suas alegações de recurso, o que se infere é que a Recorrente aquilata, tão-só, que a realidade factual não permite extrapolar a consequência jurídica da inexistência do facto tributário.

Apreciando.

Comecemos por convocar o quadro normativo que releva para o caso dos autos.

De harmonia com o disposto no artigo 10.º, nº1, alínea a) do CIRS:

“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”.

Com relevo para os presentes autos importa, ainda, convocar o disposto no artigo 44.º do CIRS, nº1, alínea f), que sob a epígrafe de “Valores de realização”, dispunha que: “1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: [o] valor da respectiva contraprestação”.

Da leitura conjugada dos aludidos preceitos legais resulta que os ganhos obtidos com a alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis que não constituam rendimentos empresariais, profissionais, de capitais ou prediais, são tributados como mais valias, correspondendo o valor de realização ao valor da respetiva contraprestação.

Porém, para existir tributação é preciso que tenha existido um ganho efetivo e não potencial, por os ganhos constituírem manifestação da capacidade contributiva traduzidos num aumento inesperado do valor dos ativos patrimoniais.

O CIRS adota o conceito de rendimento acréscimo, constituindo, assim, a base de incidência deste tributo todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias.

“No IRS, a incidência supõe a realização da mais-valia. Não é o simples aumento do valor dos activos em que se materializam que constitui o facto gerador. Este é, sim, a respectiva alienação onerosa, ou operação equiparada.(5)

Com efeito, “[s]ó há lugar a tributação quando a mais valia é realizada, ou seja, quando o activo é transacionado. A imposição das mais valias está assim subordinada ao princípio da realização, segundo o qual estão excluídas da tributação as valorizações dos activos que não tenham sido vendidos-ou melhor, que não tenham sido objecto de alienação onerosa-pelo respectivo titular. A alienação onerosa do activo é, pois, condição da tributação da mais-valia, que só então se diz “realizada”(6).

Visto o direito que releva para os presentes autos, vejamos, então, o que resulta do acerto probatório dos autos.

Do recorte probatório dos autos resulta que na sequência da outorga de procuração mandatada pelo Recorrente e cônjuge a favor de Arminda .......... a mesma alienou, em 04 de julho de 2002, a José .......... prédio urbano sito no .........., freguesia e concelho de Vila Nova de Foz Côa, inscrito na matriz sob o artigo ....., pelo preço de €22.500,00.

Mais dimana assente que em 14 de julho de 2005, foi interposta ação declarativa, em processo comum, no Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa pelo Recorrido contra Arminda .......... e José .........., que correu termos sob o n.º 124/05.8TBVLF, no âmbito da qual pediu a declaração de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda referente ao prédio urbano supra identificado, e, subsidiariamente, a declaração de ineficácia do referido negócio em relação ao Recorrente e à sua mulher Maria ...........

Tendo, em consequência, a 12 de junho de 2007, sido lavrado “termo de transação”, no âmbito do qual ficou clausulado que:

“Os Réus confessam que é nulo, por simulação, o contrato de compra e venda celebrado entre ARMINDA .......... (na qualidade de representante do A. E da sua mulher) e JOSÉ .........., em 4 de Julho de 2002, no Cartório Notarial de Vila Nova de Foz, do prédio urbano sito no .........., Freguesia e Concelho de Vila Nova de Foz Côa, inscrito na matriz sob o art.º .....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º ..... da dita Freguesia.

E adicionalmente que: “O A. com o trânsito em Julgado da homologação da presente transacção, renunciará, sem necessidade de qualquer ulterior declaração nesse sentido, a qualquer direito de indemnização que, considerando os factos alegados na p.i., eventualmente pudesse exercer contra os ora RR.

Ficando, outrossim, clausulado o consentimento da mulher do Recorrente Maria ......

Dimanando, in fine, que a aludida transação foi objeto de homologação por sentença proferida em 13 de junho de 2007, transitada em julgado.

Ora, em face da factualidade supra expendida, resulta manifesto que não obstante ter sido celebrado um contrato de compra e venda, a verdade é que o mesmo foi declarado nulo, e em consequência do mesmo o Recorrido acabou por reaver o prédio urbano objeto do contrato compra e venda, pelo que, conforme bem decidiu o Tribunal a quo inexiste qualquer facto tributário suscetível de tributação enquanto mais valias.

Aliás, conforme consta da alínea L) da factualidade assente, em resultado e com fundamento na transação devidamente homologada por sentença judicial, em 04 de junho de 2009, foi requerido junto da 3ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, o registo de propriedade a favor do Recorrente.

É certo que a Recorrente põe em causa a natureza e o alcance da sentença homologatória relevando, para o efeito, que o “termo de transação” tem a natureza de contrato de direito privado, e que a sentença homologatória se limita a certificar a capacidade das partes e a legalidade do resultado do ato de vontade das partes.

Porém, tal argumentação não pode lograr provimento. Senão vejamos.

Ainda que a transação seja, efetivamente, um negócio jurídico (contrato) que, naturalmente, está submetido às normas substantivas que regulam essa matéria, a verdade é que não procede a argumentação da Recorrente relativamente aos efeitos da transação e sua oponibilidade à Administração Tributária, desde logo, pelo alcance e extensão da sentença que a homologa.

A transação, bem como a confissão ou desistência, encontra-se sujeita à disciplina do direito substantivo, podendo ser declarada nula ou anulada segundo o regime dos artigos 285.º e seguintes do Código Civil, por falta de vícios da vontade, em conformidade com o consignado nos artigos 240.º e seguintes do mesmo diploma legal.

Com efeito, a transação “substitui a incerteza sobre a questão controvertida pela segurança que para cada uma das partes resulta do reconhecimento dos seus direitos pela parte contrária, tal como ficam configurados depois da transação”(7), porém sobre a transação judicial terá de recair uma sentença homologatória, sob pena do acordo das partes não produzir efeito, conforme dimana expresso do artigo 290.º, nº3 do CPC (anterior 300.º, n.º 3 do CPC)

Como doutrinado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo nº 51/15.0YLPRT.L1-Z, datado de 17 de março de 2015:

“I - A sentença homologatória da transacção é uma sentença de mérito, porque absorve o conteúdo do negócio jurídico em que se traduz a transacção, condenando e absolvendo nos termos exactamente pretendidos e resultantes das concessões recíprocas das partes em que aquela se traduz. II - Não é do negócio jurídico em que se traduz a transacção que resulta a extinção da instância mas da sentença que a homologa que, por outro lado, confere autoridade de caso julgado aos efeitos substantivos decorrentes daquele negócio jurídico.”

No mesmo sentido, convoque-se o Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo nº 3462/11.7TCLRS-A.L1-7, datado de 15 de outubro de 2013, cujo sumário se transcreve na parte que para os autos releva:

“1. A sentença homologatória de transação, é uma sentença de mérito, que faz caso julgado material relativamente à matéria do litígio, constituindo título executivo quando condenatória, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (art.º 703.º, n.º 1, al. a), na redação da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), embora sujeita à disciplina estabelecida pelo art.º 301.º, do mesmo código (art.º 291.º, na redação da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho).

2. Ao outorgarem uma transação em que substituem anteriores obrigações cartular e subjacente por uma nova obrigação, as partes procedem a uma novação objetiva, extinguindo as obrigações anteriores e criando uma nova (art.ºs 857.º e 861.º, n.º 1, do C. Civil).”

Dir-se-á, portanto, que do negócio jurídico em que se traduz a transação, não resulta, per se, nem o caso julgado, nem a extinção do processo, os quais advêm apenas da intermediação da sentença homologatória.

Ora, em face do supra exposto tendo sido declarada nula, por transação homologada judicialmente, a venda ocorrida no ano de 2002, a mesma tem efeito retroativo, em conformidade com o consignado no artigo 289.º do Código Civil, “devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.

Mais importa ter presente que não procede a alegação da Recorrente no sentido de que é aplicável o artigo 291.º do CC, o qual não obstante consagrar um desvio do princípio geral sobre nulidade ou anulabilidade expresso no artigo 289.º do CC, quando esteja em causa a restituição de bens imóveis ou de móveis sujeitos a registo, a verdade é que tem subjacente a proteção dos interesses legítimos de terceiros estando dependente dos seguintes requisitos: (i) declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo; (ii) aquisição onerosa; (iii) por um terceiro de boa fé; (iv) registo da aquisição a favor do terceiro; e (v) anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da ação de nulidade ou de anulação(8).

Ora, como é bom de ver, e conforme bem evidencia o Recorrido a Administração Tributária não assume a posição de terceiro adquirente de boa fé, não sendo, por isso, de convocar o citado normativo.

Não logrando, outrossim, provimento a alegação de que a Administração Tributária tem o poder/dever de tributar aquele facto tributário, o qual, contrariamente, ao defendido pela Recorrente desapareceu da ordem jurídica.

É certo que o artigo 38.º, nº1 da LGT estatui que “1 - A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes”, porém, conforme veremos, entende-se que a situação fática dos autos não se subsume no aludido normativo.

Comecemos por atentar no conceito de ineficácia. O regime tributário não fornece um conceito próprio de ineficácia, pelo que ter-se-á de aplicar a conceção que esse conceito tem no direito civil, por força do disto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT.

A ineficácia lato sensu desdobra-se em três grandes categorias: invalidade, inexistência e ineficácia stricto sensu.

Este conceito de ineficácia, em sentido lato, abrange todas as situações em que “um negócio não produz, por impedimento decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir, segundo o teor das declarações respectivas”(9), abrangendo não só as situações de invalidade, mas também as de ineficácia em sentido estrito, que depende, “não de uma falta ou irregularidade dos elementos internos do negócio, mas de alguma circunstância extrínseca que, conjuntamente com o negócio, integra a situação de facto (fattispecie) produtiva de efeitos jurídicos”.

A invalidade é, portanto, uma das fontes da ineficácia, por ser fator impeditivo da conformidade dos efeitos do ato com o seu significado. Invalidade significa não valer, não ter força jurídica, por desconformidade com um valor jurídico, sendo certo que a invalidade desdobra-se em duas modalidades: a nulidade e a anulabilidade.

No citado artigo 38.º, nº1 da LGT entende-se que o legislador adotou um conceito de ineficácia em sentido estrito.

Neste particular, importa chamar à colação o doutrinado por Diogo Leite de Campos(10) “A ineficácia em sentido amplo é um género vasto que compreende a invalidade: um negócio “não produz, por impedimento decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir, segundo o teor das declarações respectivas”.

Não pode ser este o sentido aqui utilizado, por duas ordens de razões.

Primeiro, porque uma das formas de ineficácia em sentido amplo está prevista no artigo 39.º ao tratar este da simulação. Os negócios simulados são inválidos, logo ineficazes no sentido amplo. E não se compreenderia que se estivesse a tratar de um caso de “ineficácia” no artigo seguinte àquele que estabelecia o princípio.

Depois, porque a ineficácia do número 2 do artigo 38.º é também necessariamente uma ineficácia em sentido estrito. O negócio não produz os efeitos que tenderia a produzir por uma circunstância intrínseca que juntamente com o negócio (válido) integra o tipo legal: o “único ou principal” objectivo de reduzir a carga fiscal. Portanto, dá-se por demonstrado que, como se afirmou, a ineficácia é tomada em sentido estrito.

O artigo 38.º, 1, recebe o conceito de ineficácia tal como este é preenchido no Direito Civil, com o respectivo regime jurídico-civilistico.”

Com efeito, no regime tributário, é regulamentada a prevalência da ontologia dos factos económicos sobre a fenomenologia da aparência das formas jurídicas sendo assegurada na LGT, mormente nos artigos 38.º e 39.º, com três tipos de normas:

-As que estabelecem a tributação dos chamados negócios ineficazes, sempre que produzem efeitos económicos (38.º, nº1, da LGT);

-As que consagram a ineficácia de atos ou negócios com uma configuração formal, atribuída pelas partes, diferente da sua substância real quando tendo um fim económico idêntico, tenham sido celebrados ou praticados com a intenção de afastar a sujeição a imposto (38.º, nº2 da LGT);

-A tributação dos negócios subjacentes e reais, em caso de simulação de negócio com o intuito de evitar a sujeição a imposto (39.º da LGT)(11).

Ora, aplicando os considerandos de direito ao caso fático dos autos, entende-se que a decisão recorrida não incorreu em erro de julgamento, visto que a situação fática não se subsume no aludido normativo, desde logo, porque o negócio jurídico em causa foi declarado nulo e não ineficaz, sendo, como visto, realidades não confundíveis.

Ademais, contrariamente ao aduzido pela Recorrente, in casu, não foram produzidos os efeitos económicos do contrato de compra e venda. Efetivamente, com a transação homologada judicialmente foi declarado nulo o contrato de compra e venda, extinguindo-se, assim e de forma potestativa, toda a relação contratual. Pelo que, em termos tributários tem, necessariamente, de regressar-se ao statu quo ante, deixando de existir a correspondente manifestação da capacidade contributiva.

Mais importa relevar que, nos presentes autos não existe qualquer suporte documental que ateste que o Recorrido recebeu o valor de €22.500,00, sendo certo que este sempre negou tal realidade e foi reconhecida judicialmente a simulação, ou seja, foi reconhecido o conluio entre o declarante e o declaratário, no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganar terceiros, no caso o Recorrido, e não no sentido de defraudar o Estado.

“O negócio jurídico absolutamente simulado é nulo. Consequentemente, as transferências patrimoniais que decorram de negócio com aquelas características, porque jamais verdadeiramente desejadas pelas partes, não se operarão juridicamente. De igual forma, a garantia que eventualmente se tenha dado em prejuízo de credores não terá eficácia, de maneira a afetar a execução que se ajuíze numa indevida continuação do fingimento. Não é lícito aos simuladores, aliás, a confirmação do negócio simulado, porque a tal pretensão se opõe a peremptoriedade da invalidade(12).”

De relevar, ainda neste particular, que se atentarmos no Relatório de Inspeção Tributária a própria expressamente reconhece que: “[s]e o alegado negócio jurídico vier a ser anulado judicialmente é que a liquidação do imposto poderá ser anulada em impugnação judicial, por deixar de existir o facto tributário”.

Mais evidenciando que “[d]e acordo com o art. 39º da LGT enquanto não existir uma sentença que declare nulo determinado negócio jurídico em virtude de uma simulação, este continua a produzir efeitos jurídico-tributários, que carecem de uma decisão judicial de anulação por um tribunal judicial, para que cessem os seus efeitos”.

Assim, conforme bem conclui o Tribunal a quo, “[r]esultando provado que o contrato de compra e venda cessou os seus efeitos jurídicos, na decorrência da homologação judicial da transação celebrada no âmbito da ação declarativa intentada com vista à declaração de nulidade do negócio jurídico, por simulação, temos de concluir pela inexistência de capacidade contributiva”.

Neste particular importa chamar à colação o Aresto do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo nº 536/12, em 28 de novembro de 2012, o qual a propósito da capacidade contributiva doutrina expressa e claramente que a “ [“d]estruição” de um negócio jurídico e suas consequências em matéria fiscal, escreveu António Lobo Xavier – Efeitos de um acordo anulatório em impostos periódicos – Revista de Direito e Estudos Sociais, Out/Dez 1992, Ano XXXIV, nº 4, págs. 275 e segs.: “ … as leis fiscais não exigem que a celebração de um negócio seja considerada como “caso julgado”, para efeitos tributários, admitindo antes que a posterior ocorrência de acidentes jurídico-civilísticos possa ser acompanhada das correspondentes correcções do imposto. E o princípio que justifica este razoável funcionamento do sistema não pode ser outro senão o princípio da capacidade contributiva.

Na verdade, um negócio jurídico pode traduzir-se na manifestação de capacidade contributiva, que merece a incidência de um imposto ou vários impostos; mas, tornado ineficaz esse negócio, o sistema é forçado a admitir que, também em termos fiscais, se regresse ao statu quo ante: destruída a manifestação da capacidade contributiva, fica desprovido de causa o imposto que lhe correspondia”. (destaques e sublinhados nossos).

Assim, tudo visto e ponderado, conclui-se que com a nulidade do contrato de compra e venda deixou de existir a manifestação de capacidade contributiva que justificava a incidência em termos de IRS, e legitimava a tributação enquanto rendimento de mais valias, donde inexiste facto tributário. Destarte, a sentença que assim o decidiu deve ser confirmada, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-Ordenar o desentranhamento e restituição à Recorrente dos documentos juntos a fls.162 a 168 dos autos.

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Condenar a Fazenda Pública nas custas do incidente reportado à junção indevida de documentos em sede de instância recursória e nesta instância, fixando-se, quanto àquele primeiro, a taxa de justiça em 1 UC.

Registe. Notifique.


Lisboa, 30 de setembro de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Mário Rebelo)

(Anabela Russo)




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(1)Cfr. Acórdão de 27-5-2015, proferido no processo n.º 570/14; Vide, igualmente, o Acórdão do TCA Sul proferido no processo nº 07915/14, de 08 de junho de 2017.
(2)Vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.229 e seg.
(3)Cfr. Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 312/17.4 BEBJA, de 25 de janeiro de 2018; Vide Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230.
(4)Embora a Recorrente não numere os documentos apenas faça alusão à junção de 13 folhas, os mesmos respeitam a três documentos perfeitamente identificáveis, razão pela qual o Tribunal ad quem assim os elenca e analisa enquanto tal.
(5)José Guilherme Xavier de Basto:Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos: Coimbra Editora, p.397
(6)In ob.citada-p.385
(7)Rodrigues Bastos, Dos Contratos em Especial, vol. III, 1974, pág. 221.
(8)Vide neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo nº 1155-15.5T8LSB.L.1-8, de 26 de janeiro de 2017.
(9)MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 1980, página 466.
(10)In Problemas Fundamentais do Direito Tributário-Ineficácia dos Actos e Negócios Jurídicos:Vislis-Edição 1999:pp187 e 188.
(11)Vide José Maria Fernandes Pires e outros-Lei Geral Tributária comentada e anotada:Almedina:2015, p.322.
(12)André Barbosa Guanes Simões-Tese Mestrado FDUL-Os efeitos da Simulação, outubro de 2016, p.83.