Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:823/08.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO.
CASO JULGADO MATERIAL E FORMAL.
ÂMBITO DO CASO JULGADO.
ÀS NOTIFICAÇÕES A EFECTUAR NO ÂMBITO DO PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO APLICAM-SE AS REGRAS CONSTANTES DO C.P.P.T.
ARTº.70, Nº.2, DO R.G.I.T.
NOTIFICAÇÕES AOS INTERESSADOS QUE TENHAM CONSTITUÍDO MANDATÁRIO.
ARTº.40, Nº.1, DO C.P.P.T.
Sumário:1. Após a reforma do processo civil de 1995/96, o caso julgado passou a ser uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso pelo Tribunal, que obsta à apreciação do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (cfr.artºs.576, nº.2, 577, al.i), e 578, todos do C.P.Civil, “ex vi” do artº. 2, al.e), do C.P.P.Tributário).
2. Versando a decisão judicial sobre a matéria de fundo da acção, a sua força obrigatória não se limita ao processo em que foi proferida, igualmente se manifestando fora dele, de tal modo que constitui impedimento a que outra acção idêntica (com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir) seja proposta. Esta obrigatoriedade dentro do processo e fora dele caracteriza o caso julgado material, assim se impondo a todos os Tribunais e a quaisquer outras autoridades (cfr.artºs.621 e 625, do C.P.Civil). Pelo contrário, se a decisão judicial apenas incidir sobre a relação processual (v.g.absolvição do réu da instância), então a sua força obrigatória limita-se ao processo em que foi proferida. É o que se designa por caso julgado formal o qual se resume, em última análise, à simples preclusão dos recursos ordinários (cfr.artº.620, do C.P.Civil).
3. O impedimento do Tribunal de conhecer ou apreciar, novamente, a causa e após a prolação da sentença apenas se circunscreve à decisão de fundo e nos precisos termos em que julgou (cfr.artº.621, do C.P.Civil; artº.48, do R.G.I.T.), assim nada impedindo a apreciação e decisão, nomeadamente, de causas de extinção do procedimento contra-ordenacional, como é o caso da prescrição, a qual, a declarar-se, gera o consequente arquivamento do processo (cfr.artºs.61, al.b), e 77, do R.G.I.T.).
4. Às notificações a efectuar no âmbito do processo de contra-ordenação aplicam-se as regras constantes do C.P.P.T. (cfr.artºs.36 e seg. do C.P.P.T.), tudo conforme estatui o artº.70, nº.2, do R.G.I.T.
5. Nos termos do C.P.P.T., as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário devem ser efectuadas na pessoa deste e no seu escritório, conforme resulta do artº.40, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.artº.247, nº.1, do C.P.Civil), normativo que tem aplicação, tanto no âmbito do procedimento gracioso, como no processo judicial tributário, tal se concluindo da epígrafe da Secção IV do C.P.P.T., “Dos actos procedimentais e processuais”, em que a norma está inserida.
6. De acordo com a lei a notificação aos mandatários constituídos presume-se realizada no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, presunção esta que somente pode ser ilidida pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis (cfr.artº.254, nº.4, do C.P.Civil, na versão anterior à Lei 41/2013, de 26/6; artº.248, do C.P.Civil, na versão da Lei 41/2013, de 26/6).


Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho proferido pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarado a fls.76 a 78 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através do qual declarou a prescrição do procedimento contra-ordenacional e ordenou o arquivamento do processo de contra-ordenação nº…..-2007/….., o qual corre seus termos no 3º. Serviço de Finanças de Lisboa.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.82 a 84 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Resulta dos autos que em 2012-03-11 foi proferido douto despacho decisório final, que manteve a condenação da arguida, devidamente notificado à arguida, na pessoa do seu mandatário, via postal com registo nº RM835462699PT, de 2012-04-18, sendo que, não tendo sido devolvida, presumiu-se notificada em 2012-04-23;
2-Pelo que transitou em julgado em 2012-05-15;
3-Ora, nos termos do art. 613° do CPC proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa;
4-Nestes termos, o despacho agora proferido padece de ilegalidade por violação do disposto no art. 613° do CPC;
5-Termos em que, deve o despacho recorrido ser revogado e, em consequência, ser mantida a decisão proferida em 2012-03-11.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual pugna pelo não provimento do recurso (cfr.fls.101 e 102 do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
Visando a decisão do presente recurso, este Tribunal considera provada a seguinte matéria de facto:
1-Em 11/03/2012, no âmbito do presente processo de recurso de contra-ordenação, foi lavrado despacho, ao abrigo do artº.64, nº.2, do R.G.C.O., o qual termina julgando o salvatério improcedente, mais mantendo a decisão que aplicou a coima na ordem jurídica (cfr.documento junto a fls.36 a 43 do processo físico);
2-Em 18/04/2012, através de carta registada remetida para o seu domicílio profissional, o douto mandatário da sociedade arguida, "P….. - Comunicação Integrada, L.da.", foi notificado do despacho identificado no nº.1, do qual se juntou cópia (cfr.documento junto a fls.46 do processo físico);
3-Em 15/10/2014, foi lavrado termo de remessa dos presentes autos à conta (cfr. documento junto a fls.47 do processo físico);
4-Em 31/10/2014, os doutos mandatários da sociedade arguida juntaram aos presentes autos declaração de renúncia ao mandato lavrada ao abrigo do artº.47, do C.P.Civil (cfr. documento junto a fls.57 do processo físico);
5-Em 6/04/2016, o Tribunal “a quo” lavrou despacho a declarar a prescrição do procedimento contra-ordenacional, mais ordenando o arquivamento do processo de contra-ordenação nº…..-2007/…., ao abrigo do artº.61, al.b), do R.G.I.T., tudo devido a falta de notificação da sociedade arguida do despacho identificado no nº.1, o qual não transitou em julgado, sendo que a mesma arguida não é notificada no âmbito do processo desde Setembro de 2008 (cfr.documento junto a fls.76 a 78 do processo físico).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto provada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, o despacho recorrido declarou a prescrição do procedimento contra-ordenacional e ordenou o arquivamento do presente processo (cfr. nº.5 do probatório).
X
Antes de mais, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O apelante defende, em sinopse, que o despacho elaborado ao abrigo do artº.64, nº.2, do R.G.C.O., e que manteve a condenação do arguido, foi devidamente notificado ao douto mandatário da sociedade arguida e transitou em julgado. Que o despacho recorrido viola o caso julgado previsto no artº.613, do C.P.Civil, pelo que deve ser revogado (cfr. conclusões 1 a 5 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Após a reforma do processo civil de 1995/96, o caso julgado passou a ser uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso pelo Tribunal, que obsta à apreciação do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (cfr.artºs.576, nº.2, 577, al.i), e 578, todos do C.P.Civil, “ex vi” do artº. 2, al.e), do C.P.P.Tributário).
Na base do caso julgado, tal como da litispendência, está o fenómeno da repetição de uma causa. Conforme a causa se repete durante a pendência da acção anterior ou já depois de esta estar finda, assim o fenómeno dá origem ao aparecimento da excepção de litispendência ou do caso julgado (cfr.artº.580, nº.1, do C.P.Civil). As referidas excepções visam evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (cfr.artº.58 0, nº.2, do C.P.Civil), devendo o Juiz absolver o réu da instância na acção proposta em segundo lugar, a qual como que desaparece devido à actuação da excepção e assim ficando somente de pé a primeira. A excepção de caso julgado visa, pois, evitar um duplo dispêndio (desnecessário) de tempo, de dinheiro e de esforços, igualmente tentando obviar ao risco de grave dano para o prestígio da Justiça, derivado da eventual reprodução ou contradição de julgados.
A excepção de caso julgado não deve abranger os fundamentos de direito da decisão, mas tão-somente esta. Versando a decisão judicial sobre a matéria de fundo da acção, a sua força obrigatória não se limita ao processo em que foi proferida, igualmente se manifestando fora dele, de tal modo que constitui impedimento a que outra acção idêntica (com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir) seja proposta. Esta obrigatoriedade dentro do processo e fora dele caracteriza o caso julgado material, assim se impondo a todos os Tribunais e a quaisquer outras autoridades (cfr.artºs.621 e 625, do C.P.Civil).
Pelo contrário, se a decisão judicial apenas incidir sobre a relação processual (v.g.absolvição do réu da instância), então a sua força obrigatória limita-se ao processo em que foi proferida. É o que se designa por caso julgado formal o qual se resume, em última análise, à simples preclusão dos recursos ordinários (cfr.artº.620, do C.P.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/12/2012, proc.6134/12; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª.edição, 1985, pág.701 e seg.; Manuel A. Domingos Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.304 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, o impedimento do Tribunal de conhecer ou apreciar, novamente, a causa e após a prolação da sentença apenas se circunscreve à decisão de fundo e nos precisos termos em que julgou (cfr.artº.621, do C.P.Civil; artº.48, do R.G.I.T.), assim nada impedindo a apreciação e decisão, nomeadamente, de causas de extinção do procedimento contra-ordenacional, como é o caso da prescrição, a qual, a declarar-se, gera o consequente arquivamento do processo (cfr.artºs.61, al.b), e 77, do R.G.I.T.).
Haverá, agora, que saber se a decisão identificada no nº.1 do probatório supra, transitou em julgado.
Ora, às notificações a efectuar no âmbito do processo de contra-ordenação aplicam-se as regras constantes do C.P.P.T. (cfr.artºs.36 e seg. do C.P.P.T.), tudo conforme estatui o artº.70, nº.2, do R.G.I.T.
Nos termos do C.P.P.T., as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário devem ser efectuadas na pessoa deste e no seu escritório, conforme resulta do artº.40, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.artº.247, nº.1, do C.P.Civil), normativo que tem aplicação, tanto no âmbito do procedimento gracioso como no processo judicial tributário, tal se concluindo da epígrafe da Secção IV do C.P.P.T., “Dos actos procedimentais e processuais”, em que a norma está inserida (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7780/14; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, I Volume, Áreas Editora, 2011, pág.394).
De acordo com a lei a notificação aos mandatários constituídos presume-se realizada no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, presunção esta que somente pode ser ilidida pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis (cfr.artº.254, nº.4, do C.P.Civil, na versão anterior à Lei 41/2013, de 26/6; artº.248, do C.P.Civil, na versão da Lei 41/2013, de 26/6).
No caso concreto, de acordo com o probatório supra (cfr.nºs.1 e 2 da matéria de facto), a notificação (ao mandatário constituído da sociedade arguida) do despacho, lavrado ao abrigo do artº.64, nº.2, do R.G.C.O., ocorreu através de carta registada em 18/04/2012, pelo que se presume a notificação no dia 23/04/2012 (segunda-feira).
O prazo de interposição do recurso da mesma decisão é de vinte dias, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados (cfr.artº.80, do R.G.I.T.; artº.60, do R.G.C.O.), pelo que o despacho identificado no nº.1 do probatório supra transitou em julgado no pretérito dia 23/05/2012 (quarta-feira).
Tendo transitado em julgado a dita decisão verifica-se um vector de interrupção da prescrição (cfr.artº.28, nº.1, al.a), do R.G.C.O., “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), o qual impede a prolação do despacho objecto do presente recurso em 6/04/2016 (cfr.nº.5 do probatório).
Arrematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que se consubstancia na violação do regime previsto no artº.70, nº.2, do R.G.I.T., ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO;
2-REVOGAR O DESPACHO RECORRIDO E ORDENAR A BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL DE 1ª. INSTÂNCIA, para que continue o procedimento de contagem de custas do processo.
X
Sem custas (cfr.artº.94, nº.4, do R.G.C.O.).
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 14 de Março de 2019


(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Vital Lopes - 2º. Adjunto)