Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08104/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/21/2015
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores: IRC, IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, TRANSCRIÇÃO DA GRAVAÇÃO DE DEPOIMENTOS.
Sumário:I. Às partes que cabe o ónus de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, tal como resulta do art. 5.º, n.º 1 do CPC, sendo certo que “[o] juiz não pode considerar, na decisão, factos principais diversos dos alegados pelas partes (em articulado ou em resultado da instrução da causa).”;
II. É certo que o juiz também pode considerar para além daqueles factos essenciais, os instrumentais, os que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado, e ainda os notórios (cfr. art. 5.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPC), mas, sublinhe-se, é às partes que cabe o ónus de alegar os factos essenciais (n.º 1);
III. A fundamentação do acto tributário é escrita e contemporânea ao mesmo, por isso é inadmissível obter “esclarecimentos” sobre as razões subjacentes às correcções por meio de audição do autor do acto em sede de audiência de inquirição de testemunhas;
IV. Para efeitos do cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto previsto no art. 640.º do CPC não basta apresentar a transcrição do depoimento, uma vez que, por um lado, da alínea a) resulta que a obrigação de “indicar com exactidão as passagens da gravação” é “sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, o que apenas significa que a indicação das passagens da gravação não prejudica o direito do Recorrente de transcrever os excertos;
V. Deste modo a transcrição dos excertos nos termos do art. 640.º do CPC é facultativa, como se depreende do vocábulo “querendo” contido na alínea b), mas não é alternativa à obrigação de indicar as passagens da gravação como se retira da conjunção “e”, com efeito, dispõe aquele preceito legal: “Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”;
VI. Não é violado o princípio da verdade material (art. 6.º do RCPI), nem o princípio do inquisitório (art. 58.º da LGT) que norteiam o procedimento de inspecção, quando a correcção se fundamenta no disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC (encargos não devidamente documentados) e a AT não efectua diligências junto dos fornecedores AT de modo à sua comprovação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 8104/14

I. RELATÓRIO

A Impugnante Sociedade …………………., LDA. vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, que julgou improcedente a impugnação apresentada pela ora recorrente, do acto de liquidação de IRC dos exercícios de 2003,2004 e 2005 no montante de €132.447,87.

A Recorrente ………………………, LDA., apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

“ CONCLUSÕES:
a) Salvo o devido respeito e melhor opinião, a douta Sentença recorrida preconizou um erróneo julgamento da matéria de facto e uma incorreta interpretação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que padece de erro de julgamento, impondo-se o presente recurso.
b) Ao abrigo do preceituado no n° 1 do art. 662° e nos termos das als. a), b) e c) do n° 1 do art. 640º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis nos termos da al. e) do art. 2° do CPPT, se requer a V. Exas., a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Porquanto,
c) Atendendo à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e à prova documental junta aos autos, constante do Relatório de Inspeção (fls. 7/25, 11/25 e 13/25), devem ser aditados ao probatório da Sentença em crise, por se afigurarem determinantes para a solução da causa, sendo dados como provados, os seguintes factos, conforme melhor explanado nos pontos 1 a 23 das presentes Alegações:
A. A sociedade ora Recorrente, sempre esteve coletada para o exercício da atividade de comércio por grosso de sucatas, sendo que nos exercícios em causa, consistiu essencialmente no comércio de sucatas ferrosas.
B. Neste ramo de atividade operam grandes compradores de sucata, médios ou intermediários e ainda pequenos operadores, os quais na maior parte dos casos, são operadores não registados que existem em grande número.
C. Antes da entrada em vigor da Lei n° 33/2006, de 28 de Julho, nos casos em que os operadores económicos adquiriam sucata a particulares ou operadores não registados, ficavam sem documentos para contabilizar.
D. A entrada em vigor desta Lei que permitiu a autofacturação, veio legalizar a situação que até então existia, garantindo a contabilização desses custos.
E. A ora Recorrente suportou custos com aquisições de sucata a operadores não registados.
F. Confrontada com as margens de lucro e resultado fiscal constantes do relatório de inspeção,
G. A recorrente apresentou para os anos em causa, margens brutas de negócio e um resultado fiscal muito acima das médias (45%, 40% e 18%), quer do distrito (16,19%, 8,57% e 6,07%), quer a nível nacional (11,46%, 12,36% e 9,75%) para o seu sector de atividade.
H. Consta do Relatório de Inspeção "(...) entende-se serem razoáveis os valores declarados pela sociedade" (pág. 13/25, 2° paragrafo, in fine).
I. Mais se explicando no Relatório de Inspeção que "(...) chegando-se à conclusão de que as margens efetivas são bem mais baixas (ver anexo 1) pelo que a razão apontada de existirem muitas compras não documentadas, justificará a disparidade entre as margens declaradas e as margens efetivas" (pág. 13/25, 3° paragrafo).
J. Em sede de Inspeção Tributária não obstante constarem do Anexo 12 do Relatório de Inspeção, os nomes/firmas dos fornecedores em causa, não foi confirmado junto destes se tais custos foram suportados,
K. Por se ter considerado que a tal a Administração Tributária não estava obrigada, por tal ser obrigação da Recorrente.
L. Foi referido em sede de inquirição de testemunhas, pelo autor do Relatório de Inspeção, que não era possível com base nos nomes da sociedade, encontrar o respetivo número de identificação fiscal e morada, no âmbito da Inspeção Tributária.
M. Estando em causa entidades sobejamente conhecidas como as sociedades "………………………. S.A."; "……………. Lda."; "…………………, Lda."; "…………., Lda " e "………………., Lda.".
d) Em sede de IRC a prova da existência dos custos suportados, pode ser feita por qualquer meio (neste sentido, vide, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05/07/2012, tirado no Recurso n° 0658/11 e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 09/03/2006, tirado no Recurso n° 00132/04, entre outros).
e) Tal prova foi in casu efetuada, perante o Tribunal e em momento prévio perante a própria Inspeção Tributária que considerou os custos apresentados como razoáveis,
f) Apenas não os tendo aceite, por não se encontrarem documentados com as respetivas faturas, como consta do ponto 8 do Probatório da douta Sentença recorrida (conforme melhor explanado nos pontos 24 a 38 das presentes alegações).
g) Assim, a douta Sentença recorrida, ao ter entendido que a "(...) impugnante não efetuou nenhuma prova que possa de modo algum abalar o Relatório inspetivo", preconizou um incorreto julgamento da matéria de facto e uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, pelo que não pode permanecer na ordem jurídica .
h) Acresce que, não foi feita qualquer diligência junto dos fornecedores, no intuito de comprovar a realidade dos custos suportados,
i) Em desrespeito pelos princípios da verdade material e do inquisitório, que obrigam a Administração Tributária a realizar todas as diligências necessárias para averiguar da verdade material,
j) Mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração (neste sentido, vide os ensinamentos de Prof. Diogo de Leite Campos e dos Juízes Conselheiros Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa e, entre outros, Acórdão desse TCA Sul de 3 de Julho de 2012, proferido no Recurso n° 04397/10).
k) Razão pela qual, as liquidações em causa nos presentes autos, por decorrerem de ação inspetiva concluída em desrespeito pelas normas e princípios a que a Administração Fiscal se encontra vinculada, são ilegais impondo-se a sua anulação (conforme melhor explanado nos pontos 39 a 54 das presentes alegações).
I) Assim, por todo o exposto, ao ter decidido em sentido contrário, a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.
m) A douta Sentença recorrida ao não considerar verificada a existência de fundada dúvida sobre a existência do facto tributário e sobre a sua própria quantificação, preconizou uma errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que padece de erro de julgamento , não podendo em consequência, também pelo ora exposto, permanecer na ordem jurídica (conforme melhor explanado nos pontos 55 a 68 das presentes alegações).

Finaliza com o seguinte pedido:
“Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso interposto ser julgado procedente, pelas razões expendidas, e em consequência, revogada a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais dai advindas.”
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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:
_ Erro de julgamento de facto, designadamente, aferir se há que aditar factos nos termos do art. 662.º, n.º 1 do CPC [conclusões a) a c)];
_ Violação do princípio da verdade material e do inquisitório pela AT [conclusões h) a l)];
_ Erro de julgamento de direito, por errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis [conclusões d) a g)];
_ Erro de julgamento por não considerar verificada a existência de fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário [conclusão m)].

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“A)– DOS FACTOS PROVADOS

Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão de mérito:

1. Em 19/04/2007 foi a Impugnante notificada do início da inspecção externa em sede de IVA e IRC aos exercícios de 2003 e 2004, com base na Ordem de Serviço nº……………… (cfr. doc. junto a fls. 209 do processo de reclamação junto ao processo instrutor junto aos autos)
2. Por despacho de 28/08/2007 foi determinado o alargamento da inspecção externa identificada no ponto anterior pela necessidade de a mesma abranger o exercício de 2005 (cfr. doc. junto a fls. 210 do processo de reclamação junto ao processo instrutor junto aos autos);
3. A Impugnante foi notificada do alargamento a que se refere o ponto anterior em 29/08/2007 (cfr. doc. junto a fls. 210 do processo de reclamação junto ao processo instrutor junto aos autos);
4. De ambas as ordem de serviço identificadas nos pontos 1 e 2 consta que o critério de selecção foi regional (cfr. docs. junto a fls. 209 e 210 do processo de reclamação junto ao processo instrutor junto aos autos);
5. A acção inspectiva iniciou-se em 19/04/2007 e terminou em 30/08/2007 (cfr. doc. junto a fls. 209 e 211 do processo de reclamação junto ao processo instrutor junto aos autos);
6. Em 02/10/2007 foi elaborado o Relatório da Inspecção tributária do qual resultaram correcções à matéria colectável de IRC dos exercícios de 2003, 2004 e 2005, bem como que a acção inspectiva decorreu entre 19/04/2007 e 31/08/2007 (cfr. doc. junto a fls. 33 a 55 do processo de reclamação junto ao processo instrutor junto aos autos);
7. Do Relatório Inspectivo identificado no ponto anterior constam correcções relacionadas com a tributação autónoma de encargos com viaturas, despesas de representação e ajudas de custos e deslocações, correcções a amortizações efectuadas relativas a um veículo ligeiro de passageiros cuja amortização excedeu os limites legais, nos três anos em análise (cfr. doc. junto a fls. 33 a 55 do processo de reclamação junto ao processo instrutor junto aos autos);
8. Do mesmo Relatório Inspectivo consta ainda correcções efectuadas em sede de IRC por, no ano de 2004, se terem contabilizado na conta 69 – Custos Extraordinários -, e na sub- conta 69.7.2. – correcção de custos de exercícios anteriores – um saldo de € 398.458,36 que correspondia a um único movimento registado por contrapartida da conta 26.8.8 – Regularizações de Balanço – pelo que pedido o extracto desta conta se verificou que aquele saldo correspondia a Pagamentos de encargos supostamente de exercícios anteriores, mas que não se encontravam documentados com a respectiva factura, pelo que devem ser acrescidos e ainda Regularizações de saldos de contas de balanço, nomeadamente de contas de disponibilidade e de fornecedores, sem qualquer suporte documental que demonstre a efectividade do custo inerente àquele lançamento, pelo que os mesmos não podem igualmente ser aceites fiscal, ao abrigo do disposto no art. 42º, nº 1, al. g) do CIRC. Verificou-se ainda que estas regularizações estavam quase na sua totalidade relacionadas com contas de fornecedores pelo que se entendeu não serem as mesmo objecto de tributação autónoma. (cfr. doc. junto a fls. 33 a 55 do processo de reclamação junto ao processo instrutor junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
9. A impugnante foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia antes do Relatório Final identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 196 doc. junto a fls. 210 do processo de reclamação junto ao processo instrutor junto aos autos);
10. A impugnante não exercer o direito de audição prévia;
11. Em 07/11/2007 foi emitida a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2003 nº………………… da qual resultou um imposto a pagar no montante de € 5.469,81 (cfr. doc. junto a fls. 60 a 64 dos autos);
12. A impugnante foi notificada da liquidação identificada no ponto anterior em 15/11/2007 (cfr. doc. junto a fls. 60 a 64 dos autos);
13. Em 13/11/2007 foi emitida a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2004 nº …………….. da qual resultou um imposto a pagar no montante de € 123.411,60 (cfr. doc. junto a fls 23 do processo de reclamação junto ao processo instrutor junto aos autos);
14. Em 14/11/2007 foi emitida a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2005 nº ……………… da qual resultou um imposto a pagar no montante de € 3.566,46 (cfr. doc junto a fls. 27 do processo de reclamação junto ao processo instrutor junto aos autos);
15. Em 29/02/2008 a Impugnante deduziu reclamação graciosa dos actos de liquidação identificados nos pontos anteriores (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);
16. A reclamação graciosa identificada no ponto anterior foi indeferida por despacho de 23/05/2008 (cfr. doc. junto a fls. 214 do processo de reclamação graciosa junto aos autos);
17. Em 08/07/2008 a impugnante interpôs um recurso hierárquico do acto de indeferimento da reclamação graciosa por si deduzida (cfr. doc. junto a fls. não numerada do processo instrutor junto aos autos);
18. Em 29/06/2009 foi indeferido o recurso hierárquico identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);
***

A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
***

DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Dos factos constantes da oposição, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.”

2. Do Direito

Conforme resulta dos autos, a Recorrente foi objecto de uma acção de inspecção, no âmbito da qual foram efectuadas várias correcções de natureza meramente aritmética: tributações autónomas, correcções por amortizações excessivas, correcção aos custos extraordinários por não documentados não aceite como custo fiscal ao abrigo do art. 42.º, n.º 1, al. g) do CIRC.

A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação, entendendo, em síntese, que a Recorrente não fez prova de modo a “abalar o Relatório inspectivo, tanto mais que das testemunhas por si arroladas apenas compareceu o técnico da inspecção tributária que se limitou a corroborar o que se encontrava escrito no relatório inspectivo”.

I. Invoca a Recorrente, desde logo, erro de julgamento de facto, designadamente, pretendendo a alteração da matéria de facto ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1 e art. 640.º, ambos do CPC, atendendo ao relatório de inspecção e à prova testemunhal [conclusões a) a c)].

Quanto a este vício que é imputado à sentença, a Recorrente enumera nas alíneas A) a M) [fazendo apelo ao constante das alegações de 1 a 23] os factos que pretende ver dados como provados. Para tanto, junta a Recorrente às alegações a transcrição dos depoimentos prestados no âmbito da audiência de inquirição de testemunhas.

Ora, desde logo sublinhe-se que é às partes que cabe o ónus de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, tal como resulta do art. 5.º, n.º 1 do CPC, sendo certo que “[o] juiz não pode considerar, na decisão, factos principais diversos dos alegados pelas partes (em articulado ou em resultado da instrução da causa).” – cfr. José Lebre de Freitas, Isabel Alexandre, Código de Processo Civil – Anotado, Vol. I, 3.ª ed., 2014, Coimbra Editora, p. 15.

Da leitura da petição inicial resulta que não se autonomizou uma parte na qual se alegassem de forma ordenada e clara os factos, conforme impõem as boas práticas forenses, e como facilmente se daria cumprimento sem margens para dúvidas do disposto no n.º 1 do art. 5.º do CPC. Não obstante, alegam-se alguns, misturados com o direito, com considerações, e com conclusões.

De todo modo, certo é que os 13 factos que neste momento em sede de recurso se alinhavam nas conclusões, não se encontram vertidos na petição inicial (pelo menos de forma a serem facilmente identificados pela Meritíssima Juíza a quo, e por este TCAS), e por isso estranha-se que, subitamente, em sede de recurso, haja tantos factos (não alegados) que são essenciais para a decisão da causa e que não foram dados como provados.

É certo que o juiz também pode considerar para além daqueles factos essenciais, os instrumentais, os que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado, e ainda os notórios (cfr. art. 5.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPC), mas, sublinhe-se, é às partes que cabe o ónus de alegar os factos essenciais (n.º 1).

Como se escreveu no Acórdão do TCAS de 19/02/2015, proc. 07976/14, no qual também fomos Relatora “[a]o inexistirem factos alegados pelo Oponente na sua petição, relativamente à causa de pedir que se encontra formulada em termos completamente genéricos, fica manifestamente afastada a possibilidade de se sequer considerar que um determinado facto não alegado poderá ser complemento ou concretização dos alegados (isto é, facto que, embora necessário para a procedência da pretensão, não têm uma função individualizadora do tipo legal) ou instrumental (isto é, facto que permite a prova indiciária dos factos essenciais) [alíneas a) e b) do n.º 2, do art. 5.º do CPC], uma vez que o juiz não pode considerar, na decisão, factos principais diversos dos alegados pelas partes;”.

Por outro lado, tendo em conta que a testemunha arrolada e ouvida em sede de audiência de inquirição de testemunhas é inspector tributário e participou na inspecção, e atendendo à matéria em causa nos autos, não se vê que relevância poderia ter o seu depoimento, pois saber se foi ou não violado o princípio da verdade material e do inquisitório pela AT havia apenas que considerar que o que se encontra escrito no relatório, pois é com base na fundamentação do acto tributário que se deve aferir a legalidade do mesmo.

Sublinhe-se, que tal como deixamos escrito no Ac. do TCAS de 14/04/2015, proc. n.º 05994/12, no qual também fomos Relatora “[a] fundamentação do acto tributário é escrita e contemporânea ao mesmo, por isso é inadmissível obter “esclarecimentos” sobre as razões subjacentes às correcções por meio de audição do autor do acto em sede de audiência de inquirição de testemunhas.”

Não obstante, o que realmente é decisivo para o caso dos autos é que apesar de se ter indicado quais os factos que pretende ver dados como provados em sede de recurso, e transcrito os depoimentos das testemunhas, a Recorrente não deu cumprimento integral ao art. 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC, porquanto, cabia-lhe “indicar com exactidão as passagens da gravação” em que se funda o invocado erro na apreciação das provas que tenham sido gravadas, e isto, independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal (cfr. alínea b) do n.º 2) [note-se, que apesar de a Recorrente nas conclusões de recurso remeter para as respectivas alegações de 1 a 23, que complementam aquelas, também destas não resulta cumprido o referido ónus], tudo sobre pena de rejeição do recurso, conforme estatui na alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC.

E não se diga que basta apresentar a transcrição do depoimento, como parece ser esse o entendimento da recorrente, uma vez que, por um lado, da alínea a) resulta que a obrigação de “indicar com exactidão as passagens da gravação” é “sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, o que apenas significa que a indicação das passagens da gravação não prejudica o direito do Recorrente de transcrever os excertos.

Ou seja, a transcrição dos excertos é facultativa, como se depreende do vocábulo “querendo” contido na alínea b), mas não é alternativa à obrigação de indicar as passagens da gravação como se retira da conjunção “e”, com efeito, dispõe este preceito legal do seguinte modo:

“Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

Assim, face ao exposto, rejeita-se o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, na parte fundada na prova testemunhal.

No que diz respeito à parte da impugnação da matéria de facto com fundamento no relatório de inspecção tributária, há que realçar que quanto a este documento, a Meritíssima Juíza a quo, para além de ter dado como provado partes específicas do mesmo, teve o devido cuidado de dar como reproduzido todo o seu teor, tal como resulta do ponto 8 dos factos provados, e nessa medida, quanto ao teor integral do relatório este se encontra dado como provado naquele ponto dos factos provados, e assim sendo, torna-se desnecessária a transcrição de qualquer outro elemento que este contenha e levar novamente ao probatório. Assim sendo, também quanto a esta parte, rejeita-se a modificação da matéria de facto.

II. Invoca ainda a Recorrente erro de julgamento de direito, por errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis, na medida em que, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, foi efectuada prova da existência dos custos suportados, desde logo, junto da AT, a não-aceitação do custo deu-se por os gastos não se encontrarem documentados [conclusões d) a g)], sendo que houve violação do princípio da verdade material pela AT ao não ter feito qualquer diligência junto dos fornecedores de modo a comprovar a realidade dos custos [conclusões h) a l)], sendo que, sempre se verifica a existência de fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário [conclusão m)].

Ora, não se vê como a sentença recorrida poderá ter errado ao concluir que a Impugnante, ora Recorrente não fez a prova que devia, aliás, muito bem esteve a Meritíssima Juíza do TAF de Almada que bem enquadrou e tratou a questão jurídica e valorou devidamente os factos pertinentes à decisão.

Decidiu-se que a Impugnante, ora Recorrente, não fez prova de modo a “abalar o Relatório inspectivo, tanto mais que das testemunhas por si arroladas apenas compareceu o técnico da inspecção tributária que se limitou a corroborar o que se encontrava escrito no relatório inspectivo”.

Não se vê bem que prova é que a Recorrente julga ter feito, pois o que resulta dos autos é que não foi junto um único documento por esta, e apesar de ter arrolado várias testemunhas, a verdade é que a única que foi ouvida é o inspector tributário que participou na inspecção, e conforme já referimos, não se vislumbra que prova com interesse para a Recorrente poderia ter feito com a sua audição, pois o modo como a AT actuou, as diligências que efectuou, constam do relatório, e consubstancia a sua fundamentação. É de todo irrelevante qualquer fundamentação a posteriori que possa resultar desse depoimento, pois como supra referido, é inadmissível.

Por conseguinte, não se compreende em que medida seria possível aplicar-se a fundada dúvida prevista no art. 100.º da LGT quando a Recorrente não juntou um único documento à petição inicial que documentasse os gastos ora em causa, e por outro lado, a única testemunha ouvida foi o próprio inspector tributário.

Pelo exposto, improcedem as conclusões d) a g) e m).

Por outro lado, há que sublinhar que resulta claramente do relatório de inspecção que as correcções efectuadas foram todas e unicamente de natureza meramente aritméticas. Todas as considerações que são feitas inicialmente no relatório de inspecção sobre margens, inventários e stocks fazem parte de uma análise económico-financeira que foi efectivamente efectuada, mas que não originaram qualquer correcção por métodos indirectos, e tão-pouco serviram de fundamentação das correcções objecto da impugnação judicial.

Deste modo, para aferir da legalidade das correcções impugnadas são completamente irrelevantes aquelas considerações económico-financeiras que foram efectuadas no âmbito da acção de inspecção. Há que ter presente que nos autos estão em causa correcções referente a tributações autónomas, correcções por amortizações excessivas, correcção aos custos extraordinários por não documentados não aceite como custo fiscal ao abrigo do art. 42.º, n.º 1, al. g) do CIRC.

Relativamente às correcções em concreto, há que esclarecer que a Recorrente, na sua p.i., não invoca concretamente vício de violação de lei relativamente às tributações autónomas e às correcções por amortizações excessivas, nada se invoca em concreto que coloque em causa tais correcções, e de igual modo, também em sede do presente recurso nada é alegado em concreto a respeito destas correcções. Deste modo, resta-nos a correcção aos custos extraordinários por não documentados não aceite como custo fiscal ao abrigo do art. 42.º, n.º 1, al. g) do CIRC, que a Recorrente insiste que foi violado o princípio da verdade material e do inquisitório.

Dispõe o art. 6.º do RCPIT, sob a epígrafe “Princípio da verdade material” dispõe:

“O procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo.”

Por outro lado, dispõe o art. 58.º da LGT, sob a epígrafe “Princípio do inquisitório”:

“A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”

Neste contexto, entende a Recorrente que não foi efectuada qualquer diligência pela AT junto dos fornecedores para comprovar a realidade dos custos suportados.

Sucede que, o que a Recorrente parece esquecer é que a correcção assentou unicamente na falta de documento externo formalmente válido que sustentasse o gasto ora em causa. A AT apurou que não existia factura a documentar, mas apenas documento interno.

Deste modo, ao contrário do que parece entender a Recorrente, a AT, nestes casos, não tem de indagar nada junto de nenhum fornecedor, pois dispõe o art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC que não são dedutíveis para efeitos fiscais os encargos não devidamente documentados, pelo que cabia à Recorrente, se pretendia deduzir aqueles gastos, no momento da sua ocorrência, providenciar pela sua documentação.

Com o devido respeito, é absurdo pugnar no sentido de que cabia à AT fazer o que compete a cada contribuinte, ou seja, manter devidamente documentados os gastos. Na tese da Recorrente a AT deveria ter contactado os fornecedores (que não emitiram a devida factura) e diligenciado na comprovação dos gastos. Agora imagine-se que não era uma ou outra factura, mas centenas ou até mesmo milhares? Facilmente se vê que o princípio da verdade material e do inquisitório não podem ter a dimensão que a Recorrente almeja.

Aliás, à Recorrente foi dada a oportunidade de se pronunciar e até mesmo suprir a documentação em falta, aquando o exercício do direito de audição. Mas não o tendo feito, e apesar de ser uma mera faculdade do contribuinte o efectivo exercício do direito de audição, não pode simplesmente obter guarida através da invocação da violação de princípios procedimentais.

In casu, tratando-se de encargo não devidamente documentado, este não é dedutível para efeitos fiscais nos termos do disposto no art. 42.º, n.º 2, alínea g) do CIRC, não se verificando a violação do princípio da verdade material nem o princípio do inquisitório quando a AT limita-se a efectuar a correcção nos exactos termos da lei.

Face ao exposto, improcedem, de igual modo, as conclusões h) a l), e nessa medida, o recurso improcede in totum.


3. Sumário do acórdão
I. Às partes que cabe o ónus de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, tal como resulta do art. 5.º, n.º 1 do CPC, sendo certo que “[o] juiz não pode considerar, na decisão, factos principais diversos dos alegados pelas partes (em articulado ou em resultado da instrução da causa).”;
II. É certo que o juiz também pode considerar para além daqueles factos essenciais, os instrumentais, os que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado, e ainda os notórios (cfr. art. 5.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPC), mas, sublinhe-se, é às partes que cabe o ónus de alegar os factos essenciais (n.º 1);
III. A fundamentação do acto tributário é escrita e contemporânea ao mesmo, por isso é inadmissível obter “esclarecimentos” sobre as razões subjacentes às correcções por meio de audição do autor do acto em sede de audiência de inquirição de testemunhas;
IV. Para efeitos do cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto previsto no art. 640.º do CPC não basta apresentar a transcrição do depoimento, uma vez que, por um lado, da alínea a) resulta que a obrigação de “indicar com exactidão as passagens da gravação” é “sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, o que apenas significa que a indicação das passagens da gravação não prejudica o direito do Recorrente de transcrever os excertos;
V. Deste modo a transcrição dos excertos nos termos do art. 640.º do CPC é facultativa, como se depreende do vocábulo “querendo” contido na alínea b), mas não é alternativa à obrigação de indicar as passagens da gravação como se retira da conjunção “e”, com efeito, dispõe aquele preceito legal: “Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”;
VI. Não é violado o princípio da verdade material (art. 6.º do RCPI), nem o princípio do inquisitório (art. 58.º da LGT) que norteiam o procedimento de inspecção, quando a correcção se fundamenta no disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC (encargos não devidamente documentados) e a AT não efectua diligências junto dos fornecedores AT de modo à sua comprovação.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 21 de Maio 2015.

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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso