Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1218/09.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/03/2018
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA
SUJEITOS PASSIVOS MISTOS
QUANTIFICAÇÃO DA DEDUTIBILIDADE
DIREITO À DEDUÇÃO DAS OPERAÇÕES NÃO ISENTAS
ÓNUS DE PROVA
Sumário:1. Em regra, apenas conferem direito à dedução do IVA suportado as operações activas não isentas do sujeito passivo (artigos 20/1 CIVA e 19/1 RITI);
2. Tratando-se de um sujeito passivo misto, que pratica simultaneamente operações isentas e não isentas, a dedução é incompleta, sendo a parcela da dedução apurada de acordo com o método da margem, também conhecido por método pro rata, ou da afectação real (art.º23/1/2 CIVA);
3. Se com referência ao período inspeccionado, o sujeito passivo faz constar das declarações periódicas que entregou, operações não isentas “a zeros”, é legítimo a AT concluir que nenhuma praticou e que as aquisições intracomunitárias de bens que efectuou foram integralmente utilizadas/consumidas em operações isentas, face à presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes (art.º75/1 LGT).
4. Se, não obstante o declarado, o sujeito passivo alega que praticou no período considerado operações não isentas para que também está enquadrado em IVA e nelas foram utilizados/ consumidos (total ou parcialmente) os bens adquiridos, cabe-lhe fazer a prova do que alega posto que se arroga o direito à dedução do imposto suportado em tais operações passivas (artigos 74/1 LGT e 341.º e 342/1, Cód. Civil).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO

A. …, S.A., recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos 3.º e 4.º trimestres de 2004 e de todos os trimestres de 2005.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (fls.91).

A Recorrente apresentou alegações que culmina com as seguintes «Conclusões:

«1ª A sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão de ter sido classificada no relatório final da acção inspectiva como um sujeito passivo isento ou que só praticasse operações isentas, em contradição com o contante do Oficio Circulado nº 030101, verificando-se assim omissão de pronúncia o que determina a nulidade da sentença recorrida, nos termos da al.d) do nº 1 do art.668 do CPC;

2ª A sentença recorrida decidiu erradamente ao manter as liquidações de IVA impugnadas porquanto a Recorrente que não está impedida de deduzir imposto, ainda que não totalmente, que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos ainda que utilizados pelo sujeito passivo na realização de operações que quando concretizáveis venham a ser objectivamente isentas, porquanto a isenção concedida pelo nº 31 do art. 9 do CIVA é uma isenção objectiva inerente á natureza da operação e não uma isenção subjectiva inerente á qualidade do sujeito passivo, sendo que o IVA não é um imposto devido pelo exercício da actividade mas sim pelo consumo de bens e serviços;

3ª Na sentença recorrida considerou-se que não estão reunidas os requisitos para o exercício do direito á dedução previsto no art. 20 do CIVA, no entanto não resulta da matéria de facto assente factos provados que sustentam tal conclusão, pelo que a sentença recorrida incorreu em violação de lei, na incorrecta aplicação do art. 20 do CIVA, nem designadamente, conforme se afirma na decisão recorrida, que os bens adquiridos nas transacções intracomunitárias eram materiais para serem incorporados na construção de edifícios;

4ª Efectivamente a existência do facto tributário constitui condição, no caso, para a correcção da matéria tributável e das subsequentes liquidações nos termos em que o foram, constituindo assim tal facto – que os bens adquiridos nas aquisições intracomunitárias se destinaram todos eles a serem incorporados na construção de edifícios - facto constitutivo do direito invocado pela administração tributária, sobre a qual impedia o respectivo ónus de prova, nos termos previstos no artº.74, nº.1, da L.G.T, e que a Administração Tributária efectivamente não cumpriu;

5ª Em conclusão e sendo procedentes as conclusões anteriores deve a sentença recorrida ser revogada, por violação das normas legais citadas, e substituída por outra que julgue a impugnação deduzida pela ora Recorrente procedente e determine a anulação das liquidações impugnadas pois só assim se fará
JUSTIÇA».

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso, por a sentença recorrida não padecer de nulidade por omissão de pronúncia, nem de erro de julgamento ao concluir não estarem preenchidos “in casu” os requisitos de que depende o direito à dedução prevista no art.º20.º do CIVA.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC),são estas as questões que importa resolver: (i) se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento no juízo fáctico formulado de que os bens adquiridos pela impugnante nas transacções intracomunitárias eram materiais para serem incorporados na actividade de construção de edifícios.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se factualmente consignado:
«
(Texto no Original)
(Texto no Original)
(Texto no Original)
(Texto no Original)
(Texto no Original)
(Texto no Original)

(Texto no Original)



(Texto no Original)
».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

As conclusões das alegações delimitam o âmbito e o objecto do recurso – artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC ex vi do 2.º alínea e), do CPPT.

A Recorrente invoca nulidade da sentença por omissão de pronúncia “sobre a questão de ter sido classificada no relatório final de inspecção tributária como sujeito passivo isento ou que só praticasse operações isentas, em contradição com o constante do Ofício-Circulado n.º30.101”, de 24/05/2007, da DSIVA, segundo o qual, “sujeitos passivos que praticam operações exclusivamente isentas são os que constam nessa situação no registo informático da DGCI”, sendo que está em causa questão factual relevante de que pretenderia extrair determinados efeitos jurídicos.

Prevista no art.º125º n.º1, do CPPT e na al. d) do nº 1 do art.º615º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do nº2 do art.º608º deste último diploma: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Como se escreveu, entre muitos outros, no Acórdão do STA, de 28/5/2014, exarado no proc.º0514/14, a omissão de pronúncia só existe “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, [Cfr. Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143.] «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Como se disse, o conceito de «questões» não se confunde com o de «argumentos» ou «razões» aduzidos pelas partes em prol da pretendida procedência das questões a apreciar («Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito». Ou seja, o juiz deve, sob pena de nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (e sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras - nº2 do art.608° do novo CPC), mas já não constituindo nulidade a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes das da sentença, que as partes hajam invocado. [Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 5ª ed., Lisboa, 2007, p. 913 - anotação 10 ao art.125º. Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2°, Coimbra Editora, 2001, pag. 670.].
É claro que isto não significa que a decisão não possa sofrer de erro de julgamento por não ter atendido ou ponderado a argumentação apresentada pela parte.
Todavia, essa é uma outra vertente do julgamento que, podendo eventualmente contender com o mérito da decisão, não contenderá com os vícios formais da sentença.” (fim de citação).

Neste contexto e regressando aos autos, relembra-se, pretende a Recorrente que a sentença não conheceu da invocada questão de ter sido considerada no relatório final de inspecção tributária como “sujeito passivo isento ou que só praticasse operações isentas” ao arrepio do constante no Ofício-Circulado n.º30.101 que considera como tais os sujeitos passivos que praticam operações exclusivamente isentas e constam nessa situação do registo informático da DGCI.

Porém, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

Como expressamente se refere na sentença, “no caso, a impugnante é um sujeito passivo misto, ou seja, realiza, em abstracto, operações sujeitas a IVA e operações isentas deste imposto, situação que, desde logo, cria particularidades em termos de exercício do direito à dedução”.
E noutro passo da sentença, escreveu-se: “…não é pelo facto de a impugnante ter a condição de sujeito passivo misto de IVA que lhe confere, tout cours, o direito à dedução do IVA suportado, apenas por se tratar de AIBS.
(…)
Por outro lado, o artigo 23.º do mesmo Código estabelece que os sujeitos passivos mistos (ou seja, os que, no exercício da sua actividade, efectuam transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução) apenas possam deduzir imposto na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução
Ora, no caso vertente, como resulta da factualidade provada (cfr. alíneas D) e F) do probatório), e não é posto em causa pela impugnante, esta, nos anos de 2004 e 2005, apenas realizou operações isentas”.

Como se alcança dos segmentos transcritos, a sentença não deixou de conhecer da questão factual invocada – e que se prendia com a alegada classificação, no relatório final de inspecção tributária, da impugnante “como um sujeito isento ou que só praticasse operações isentas” – mas para concluir, numa leitura diferente da matéria assente, que integra conteúdo extractado do RIT nos pontos D) e F), que a impugnante era um sujeito passivo misto, ou seja, como explica, “realiza, em abstracto, operações sujeitas a IVA e operações isentas deste imposto”, sendo que, no caso e em concreto nos anos em causa de 2004 e 2005, a impugnante apenas realizou operações isentas de imposto.

Ora, concluindo a sentença, diferentemente da ora Recorrente, que a impugnante foi considerada no RIT sujeito passivo misto que em concreto nos anos em causa de 2004 e 2005 apenas praticou operações isentas, prejudicada ficou a apreciação da questão da eventual desconformidade da sua classificação no RIT como “sujeito passivo isento ou que só praticasse operações isentas”, com as disposições do Ofício-Circulado n.º30.101.

Se o juízo fáctico formulado na sentença de que a impugnante é um sujeito passivo misto que concretamente nos anos em causa de 2004 e 2005 só praticou operações isentas, se mostra errado com base na factualidade assente que integra excertos transcritos do RIT, tal poderá constituir erro de julgamento, mas não integra o vício mais grave da nulidade.

Como assim, improcede a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Prosseguindo na apreciação das demais questões invocadas, segue-se conhecer do apontado erro de julgamento da sentença ao concluir que os bens adquiridos pela impugnante nas transacções intracomunitárias eram materiais para serem incorporados na actividade construtiva, nessa medida, não conferindo direito à dedução. Vejamos.

Em acções inspectivas a que a impugnante foi sujeita com referência aos anos de 2004 e 2005, abrangendo nomeadamente o IVA e que culminaram com os relatórios finais datados de 09/11/2007 que integram os respectivos apensos instrutores, apurou a Administração tributária, de acordo com o relatado, valores significativos de aquisições intracomunitárias de bens (AICB) efectuadas pela entidade inspeccionada não reflectidas nas declarações periódicas de IVA, apesar de sujeitas a imposto pelos artigos 28.º e 18.º do RITI (Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias).

A impugnante não questiona as obrigações declarativas e de liquidação do imposto com relação às aquisições intracomunitárias de bens que efectuou no período em causa e cuja facturação integra os respectivos apensos instrutores. Mas, contrariamente ao sustentado pela AT, entende que lhe assiste o direito à dedução do imposto que, em sede inspectiva, veio a ser liquidado pela prática de tais operações.

Um dos mecanismos do IVA que assegura que este imposto é encargo do consumidor final é o direito à dedução atribuído aos agentes económicos que se situam nas várias fases do circuito económico.

Ao se permitir que um sujeito passivo possa deduzir, ao imposto que liquidou ao seu cliente, o IVA que suportou quando adquiriu bens e serviços para realizar essa operação tributável, garante-se que esse imposto suportado não irá constituir encargo para esse agente.

No ordenamento jurídico nacional as regras de dedução do IVA encontram-se nos artigos 19.º a 25.º do CIVA e 19.º e 20.º do RITI.



Como regra geral, é dedutível todo o imposto suportado pelos sujeitos passivos com bens e serviços adquiridos para o exercício de actividades económicas que para efeitos do imposto sejam tributáveis, isentas com direito à dedução ou, ainda, não tributadas mas que conferem direito à dedução.

No que em particular interessa para os autos, como decorre do n.º1 do art.º20.º do CIVA (redacção vigente ao tempo dos factos), “só poderá deduzir-se imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”, constando da alínea b) as actividades isentas, ou não tributadas em IVA, que conferem direito à dedução.

Por outro lado, dispõe o n.º1 do art.º19.º do RITI, que “para efeitos da aplicação do disposto no artigo 19.º do Código do IVA, poder-se-á deduzir ao imposto incidente sobre operações tributáveis o imposto pago nas aquisições intracomunitárias de bens”.

E diz o n.º2 daquele art.º19.º do RITI que “poderá igualmente deduzir-se, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º1 do artigo 20.º do Código do IVA, o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens isentas nos termos do artigo 14.º”, sendo que este art.º14.º respeita a “isenções nas exportações, operações assimiladas e transportes internacionais”.
A impugnante, ora Recorrente, como vem expressamente relatado e consta do ponto A) do probatório, trata-se de sujeito passivo que desenvolve como actividade principal a construção de edifícios, enquadrada no CAE …. e, como actividade secundária, a compra e venda de bens imobiliários, enquadrada no CAE ….

Como também se menciona nos relatórios finais de inspecção tributária e consta dos pontos D) e F) do probatório, apesar de o sujeito passivo ter dois CAE`s no seu enquadramento, apenas exerceu a actividade do CAE principal – Construção de Edifícios, nos anos em análise.

Essa actividade, como se refere em ambos os relatórios, “porque consiste na construção própria para venda de fracções, está isenta de IVA pelo n.º31.º do art.º9.º do CIVA e, por este motivo, o sujeito passivo não liquida nem deduz imposto nas declarações periódicas apresentadas e não utiliza a Conta 243 – Imposto sobre o Valor Acrescentado, na sua organização contabilística”.

Assim, nada apoia factualmente o entendimento da Recorrente de que foi considerada nos relatórios finais de inspecção tributária como um sujeito passivo isento ou que só praticasse operações isentas.

O que se extrai do relatório é que apesar de se tratar de um sujeito passivo que em termos de enquadramento em IVA pratica operações isentas previstas no n.º31 do art.º9.º do Código (“operações sujeitas a sisa”) e operações não isentas (as compreendidas na sua actividade secundária de compra e venda de bens imobiliários), em concreto nos anos em causa de 2004 e 2005 nenhuma operação não isenta declarou, pois como se refere nos relatórios, “as declarações periódicas de IVA referentes aos exercícios em análise, foram entregues dentro do prazo estipulado por lei, com valores a zeros”.

Salienta-se, a propósito, que de acordo com o disposto no n.º3 do art.º28.º do CIVA, estão dispensados daquela obrigação declarativa os sujeitos passivos que pratiquem exclusivamente operações isentas de imposto, salvo quando tais operações confiram direito à dedução, nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º20.º, situação esta que não é a dos autos, nem aliás vem alegada.

Os sujeitos passivos que face ao disposto no art.º20 do CIVA, no exercício da sua actividade realizam simultaneamente operações tributáveis que conferem o direito à dedução e operações isentas que não conferem esse direito, denominam-se sujeitos passivos mistos.

Para esses sujeitos passivos, o direito à dedução é incompleto, pois apenas podem deduzir o imposto suportado para a realização das operações que lhes conferem esse direito, ou seja, no caso do sujeito passivo impugnante, as operações não isentas, compreendidas em termos de enquadramento fiscal, na actividade económica secundária de compra e venda de bens imobiliários.

Com efeito, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o OE/2008, dispunha o n.º1 do art.º23.º do CIVA que “quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução”.

E de acordo com o n.º2 daquele art.º23.º, “não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação”.

Ou seja, nos casos em que uma empresa pratique operações activas que conferem direito à dedução do IVA suportado e, simultaneamente, operações que não conferem esse direito, as dificuldades práticas associadas à parcela do imposto suportado que pode deduzir faz-se de acordo com o método da margem, também conhecido por método pro rata, ou de acordo com o método da afectação real.

De acordo com o disposto no art.º22.º n.º1 do CIVA,O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período”.

Ora, o imposto, em regra, é devido e torna-se exigível, “nas transmissões de bens, no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente” e “nas prestações de serviços, no momento da sua realização” ou, havendo lugar à emissão de factura por tais operações, no momento da sua emissão ou, findo o prazo em que legalmente deveria ter sido emitida – cf. artigos 7.º, n.º1 alíneas a) e b) e 8.º, do CIVA.

No caso das AICB, em causa nos autos, estabelece o n.º1 do art.º20.º do RITI que “o exercício do direito à dedução do imposto devido pelas aquisições intracomunitárias de bens nasce no momento em que o mesmo se torne exigível, de acordo com o estabelecido no artigo 13.º” e que é, em regra, o 15.º dia do mês seguinte àquele em que os bens são colocados à disposição do adquirente ou na data de emissão da factura se respeitado aquele prazo – cf. artigos 12.º, n.º1 e 13.º, n.º1 alíneas a) e b), do RITI.

Salienta-se, por outro lado, que de acordo com o disposto no n.º1 do art.º28.º do RITI, “o imposto devido pelas aquisições intracomunitárias de bens deverá ser liquidado pelo sujeito passivo na factura ou documento equivalente emitidos pelo vendedor ou em documento interno emitidos pelo próprio sujeito passivo” e conforme estabelecido no n.º1 do art.º2.º do mesmo RITI “são considerados sujeitos passivos do imposto pela aquisição intracomunitária de bens”, nos termos da sua alínea a), “as pessoas singulares ou colectivas mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA que realizem transmissões de bens ou prestações de serviços que conferem direito à dedução total ou parcial do imposto” e, nos termos da sua alínea b), “as pessoas singulares ou colectivas mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA que realizem exclusivamente transmissões de bens ou prestações de serviços que não conferem qualquer direito à dedução”.

Percorridas as normas legais pertinentes e relembrando todo o anteriormente exposto, a impugnante estava obrigada a liquidar imposto pelas aquisições intracomunitárias facturadas pelos operadores externos, bem como a fazer constar tais operações das declarações periódicas de IVA apresentadas com referência àqueles períodos nos termos e prazos fixados no IVA e no RITI.

Não o tendo feito, incumpriu obrigações declarativas e de liquidação.

Por outro lado e como vimos, não resulta da fundamentação vertida nos relatórios finais de inspecção tributária que a impugnante tenha sido tratada do ponto de vista do seu enquadramento em IVA, como sujeito passivo isento, ou, que praticasse exclusivamente operações isentas e esse erro tivesse inquinado todo o raciocínio subsequente da AT quanto à (não) dedutibilidade do imposto corrigido.

O que com meridiana clareza é referido naqueles relatórios é que as declarações periódicas de IVA referentes aos exercícios em análise de 2004 e 2005 foram entregues com valores a zeros.
E se foram entregues sem valores inscritos, face à presunção de veracidade declarativa (art.º75.º, n.º1 da LGT), é legítimo entender-se que a impugnante não praticou, nesses períodos, quaisquer operações activas não isentas de compra e venda de bens imobiliários, para que também está colectada e em cuja actividade pudessem ter sido utilizadas as AICB omitidas à declaração, mas praticou exclusivamente operações isentas no âmbito da sua actividade construtiva e nesta foram utilizadas tais AICB.

Como só relativamente a operações não isentas se mostra possível a dedução do imposto pago nas AICB, conforme o estabelecido no art.º19.º do RITI e 20.º, n.º1 alínea a), do CIVA, logo se alcança que nenhuma tendo sido praticada pelo sujeito passivo impugnante nos períodos em análise desnecessário se mostra lançar mão dos critérios legalmente previstos nos nºs 1 e 2 do art.º23.º do CIVA visando o apuramento do imposto liquidado a deduzir, porquanto pressupõem a utilização dos bens e serviços adquiridos no exercício simultâneo de actividades isentas e não isentas.

Se a impugnante e ora Recorrente entende que o juízo probatório formulado pela AT se mostra errado e afinal as AICB foram efectuadas para serem utilizadas – e foram efectivamente utilizadas – em ambas as actividades, a isenta e não isenta, ou mesmo só na actividade não isenta, não reflectindo afinal as declarações periódicas “a zeros” que apresentou a sua realidade tributária, cumpria-lhe fazer a prova desses factos, posto que se arroga o direito à dedução do imposto liquidado pelas AICB.



Com efeito, estabelece o n.º1 do art.º74.º da LGT que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

Trata-se, de resto, de um princípio geral de direito probatório, como se alcança do n.º1 do art.º342.º do Código Civil, segundo o qual, “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

Ora, nenhuma matéria fáctica consta do probatório que permita concluir pela utilização das AICB no exercício da actividade não isenta para que a impugnante/Recorrente está colectada.

E não se tendo desincumbido desse ónus probatório, fica sem qualquer suporte factual a pretendida dedução do imposto liquidado pelas AICB.

A sentença recorrida que assim também o entendeu, não incorreu em erro de julgamento, merecendo ser inteiramente confirmada.

O recurso não merece provimento.



5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 03 de Maio de 2018



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Vital Lopes




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Benjamim Barbosa




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Anabela Russo