Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:582/13.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA;
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO;
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO GERENTE;
GERÊNCIA DE FACTO E CULPA.
Sumário:I- Nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, mas, como tem sido entendido pela jurisprudência, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão.

II- O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito, cabendo à Administração Tributária, como exequente, demonstrar o exercício efetivo das funções de gestão.

III- Nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, provada a gerência de facto, cabe ao revertido o ónus da prova da falta de culpa na insuficiência patrimonial
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem H..............., interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a oposição à execução contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº ………………. e aps., instaurado originariamente contra a sociedade “M……….., Lda.”, por dívidas tributárias de IVA e juros compensatórios dos anos de 2007, 2008 e 2009 no montante total de € 3.020,77.

A Recorrente, nas suas alegações, e após convite ao aperfeiçoamento, formulou conclusões nos seguintes termos:

1) “Conforme consta dos autos, a Recorrente apresentou a sua Petição Inicial, nos termos do disposto nos artigos 204° e sgs. do CPPT, alegando o que acima se transcreveu;
2) Citada, a Fazenda Pública apresentou a sua contestação;
3) A Oponente apresentou alegações escritas, nas quais reafirmou o entendimento vertido na sua p.i;
4) Os autos foram a vista ao Digno Magistrado do MP, que emitiu o seguinte Parecer: “...H............... deduziu oposição à execução
Parece assistir-lhe razão. Com efeito, de acordo com os arts. 23° n°2 da LGT e 153° n° 2 do CPPT, a reversão contra os responsáveis subsidiários depende da inexistência, ou fundada insuficiência dos bens da devedora originária para solver as duas dívidas fiscais. Esta fundada insuficiência “deve estar de acordo com os elementos constantes do auto de penhora, e outros que o órgão de execução fiscal disponha”, como se refere na al. b) do n° 2 do art.°. 153° do CPPT. Ora da cópia do despacho de reversão de fls. 56 dos autos, e da informação que o antecede, nada consta quanto a bens da devedora originária. E assim sendo, não resta senão decidir no sentido de que, por violação da lei, deve ser anulado o despacho de reversãoe consequentemente ser procedente a oposição apresentada....”’.
5) Por Sentença de fls., o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” decidiu o seguinte: “...Por tudo o que ficou exposto, e nos termos das disposições legais acima indicadas, julgamos improcedente a presente oposição deduzida por H..................
6) Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com tal decisão;
7) A reversão das dívidas, nos termos dos citados preceitos legais, está dependente da verificação de três pressupostos cumulativos. a saber: a) a gerência efetiva do devedor originário; b) a fundada insuficiência do património do devedor originário para garantir os pagamentos em falta; e que c) tenha sido por culpa do gerente que esse património se tomou insuficiente;
8) Não está demonstrada a fundada insuficiência do património do devedor originário;
9) A falta de fundamentação do despacho de reversão contende com a sua legalidade;
10) O direito à fundamentação dos atos administrativos e tributários que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos é um princípio constitucional com assento no artigo 268.° da CRP e este princípio foi consagrado na legislação ordinária, nos arts. 123.° e seguintes, do CPA, e em matéria tributária foi consagrado em termos muito idênticos no art. 77.°, n os 1 e 2, da LGT;
11) A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram e deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria colectável (art. 77.° n.os 1 e2, da LGT);
12) Analisado o teor do Despacho de reversão, o mesmo não se encontra fundamentado de facto no que se refere à situação patrimonial da Executada Principal;
13) O artigo 23.°, n.° 2, da LGT, dispõe que a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e do Despacho de reversão nada consta relativamente à situação patrimonial da Executada Principal;
14) Na citação consta, na parte referente aos fundamentos da reversão: Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, sendo esta uma afirmação ambígua e contraditória que só pode revelar que, em concreto, não foi averiguado da existência de bens pertencentes ao devedor originário, pois não se consegue decidir se os mesmos são inexistentes ou insuficientes para o pagamento da dívida e esta alternativa, que pressupõe duas realidades claramente distintas, resulta numa omissão de fundamentação relativamente ao património da devedora originária;
15) A fundamentação daquele despacho de reversão mais não é do que a reprodução de normas jurídicas e estas constituem apenas a fundamentação de direito, verificando-se a total ausência de factos concretos que a sustentem, que permitissem, assim, perceber as razões que levaram à tomada daquela decisão, logo, o Despacho de reversão não está fundamentado de facto, constituindo esta omissão uma falta de fundamentação - vide Acórdão de 15/4/2009, da 2.“ secção do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.° 65/09, disponível em www.dgsi.pt);
16) O Despacho de reversão é anulável por falta de fundamentação (arts. 77.°, n.os 1 e2,da LGT e 135.°, do CPA);
17) Quanto à gerência efetiva, a dívida exequenda a impostos referentes aos anos de 2007 em diante, o regime legal da responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas fiscais é regulado pela LGT, no seu art. 24.°, que determina, para efeitos de responsabilização, não basta a mera gerência nominal ou de direito, dependendo a responsabilidade subsidiária da gerência efetiva ou de facto - assim sempre a doutrina entendeu, bem como a jurisprudência;
18) A presunção de que a gerência de facto se infere da gerência de direito, não é uma presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), mas uma presunção simples, natural ou judicial, que tem por base os dados da experiência comum - e, que como se sabe, é admitida só nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal, de acordo com o disposto no art. 351.°, do C.C., logo, não vale a regra inserta no n.° 2, do art. 350.°, do C.C., própria para as presunções legais - as quais, para serem destruídas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário;
19) No caso, a prova da base da presunção seria a sua nomeação como gerente de direito, e errada ilação dela extraída quanto à eventual gerência de facto daí decorrente, segundo a qual, com base na máxima da experiência de todos os dias, de que quem é nomeado para um cargo o irá, em princípio, exercer na realidade;
20) A nossa jurisprudência veio a deixar de aceitar tal ilação, tendo sofrido uma inflexão no sentido de que, só por si, essa nomeação (base da presunção natural) deixou de ser suficiente para poder chegar à conclusão do exercício dessa gerência efectiva (facto desconhecido e complexo a extrair não só de tal nomeação como também das regras da experiência e de outros factos que, em seu seguimento, tenham sido praticados pelo gerente ou administrador nomeado) — vide Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, no Acórdão de 28/002/2007, no Processo n.° 01132/06;
21) Tendo em conta o posterior acatamento desta jurisprudência pelas decisões dos restantes tribunais, é de seguir, tendo em vista, para além do mais, a obtenção de uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como proclama a norma do art. 8.°, n.° 3, do Código Civil;
A Fazenda Pública não logrou, como lhe competia, fazer a prova da gerência efetiva da Executada Principal por parte da revertida e é hoje pacificamente aceite que a gerência nominal não basta para dar como assente o seu exercício efetivo;
22) Os elementos constantes nos autos (ou falta deles) não chegam por si só para dar como provada a gestão efetiva da executada principal nem represente atos relevantes de gestão efetiva e sendo este (a gerência efectiva) um dos requisitos da reversão, resta-nos concluir pela sua ilegalidade em face da sua não demonstração, em concreto;
23) Não foi por acaso que o MP proferiu o Parecer acima transcrito, no qual fez constar que "da cópia do despacho de reversão de fls. 56 dos autos, e da informação que o antecede, nada consta quanto a bens da devedora originária. E assim sendo, não resta senão decidir no sentido de que, por violação da lei, deve ser anulado o despacho de reversão, e consequentemente ser procedente a oposição apresentada.”:
24) Analisando a questão relativa à alínea b) do n° 1 do artigo 204° do CPPT, a oposição à execução fiscal funciona como uma contestação à pretensão do exequente e respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução fiscal, devido à falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adotam as providências executivas, tendo por efeito extinguir o ato tributário corporizado no processo executivo:
25) O regime da responsabilidade subsidiária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor: trata-se da denominada gerência de facto, impendendo sobre a Administração Tributária o ónus da prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos, tratando-se, pois, do ponto de partida para a aplicação do regime da responsabilidade tributária subsidiária dos administradores ou gerentes;
26) Depois de demonstrada esta gestão de facto, aplicar-se-á, então, o disposto no artigo 24°, n° 1 e, consoante o caso em concreto, a alínea a) ou b), logo, a análise da gerência de facto é preliminar à culpa pela falta de pagamento, sendo certo que, a prova dos pressupostos de facto da gerência compete à Administração Tributária, a qual deverá ser evidenciada no Despacho de reversão por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções de gestão da devedora originária, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade e com poder de decisão para o exercício das funções respetivas;
27) No caso dos autos, tal não resulta, de forma alguma, evidenciado;
28) Deveria o Tribunal “a quo” concluir pela verificação do fundamento de oposição à execução fiscal, previsto no artigo 204°, n° 1, alínea b) do CPPT, cuja procedência implicaria, necessariamente, a extinção da execução fiscal quanto à Oponente, aqui Recorrente;
29) A sociedade executada não foi notificada nos termos da Lei para liquidar o imposto em dívida, o que constitui uma nulidade insuprível;
30) A Recorrente respondeu nos termos do artigo 60° da LGT, trazendo novas questões ao processo, e essas que não foram apreciadas no Despacho de Reversão, como: a) que não exerceu a gerência de facto da executada no período tributário; b) não estavam reunidos os requisitos do artigo 24° da LGT, para se poder reverter a dívida da executada contra a mesma; c) o Despacho de Reversão não estava fundamentado;
31) Foi violado o princípio do contraditório previsto na lei, bem como o disposto no n° 7 do artigo 60° da LGT, pelo que teria o Despacho de reversão de ser anulado ou declarado nulo, com todas as consequências legais daí resultantes;
32) A Recorrente não pode ser prejudicada com o comportamento ilegal da Administração Fiscal e Tribunal, tendo obrigatoriamente de se revogar a decisão recorrida;
33) Foi violado o artigo 21° do Código de Processo Tributário;
34) Estamos perante uma ilegalidade insanável, violando-se nesta parte o disposto nas alíneas a), c) e d) do artigo 120° do Código do Processo Tributário, e artigo 77° da LGT e a Constituição da República Portuguesa o não admite, assim como o Código Processo Tributário, LGT, e demais legislação em vigor, também não;
35) Foram violados os artigos 124° e 125° do Código do Procedimento Administrativo;
36) Foi violado o n.° 2 do artigo 266° da C.R.P. e os princípios da igualdade, da proporcionalidade da justiça, da imparcialidade e da boa-fé;
37) Foi violado o n.° 3 do artigo 268° da C.R.P.;
38) O interesse da Recorrente é legalmente protegido, o que faz com que a decisão recorrida seja Inconstitucional;
39) Foi violado o Decreto-Lei n.° 256-A/77 de 17 de Junho;
40) A Decisão que deu causa a este recurso, não está fundamentada como exigem as normas referidas, tendo por esse facto de ser Revogada;
41) O Venerando Juiz do Tribunal a quo, na decisão, sob recurso violou o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 615° do Código do Processo Civil, uma vez que não apreciou a totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nulo;
42) Tanto mais que o direito da Alegante é um direito legal e constitucional.
43) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 205° da C. R. P., uma vez que segundo esta disposição Constitucional, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei”;
44) A decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada.
45) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 204° da C. R. P., uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “os princípios nela consignados”;
46) A decisão recorrida viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos artigos 13° e 20°;
47) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 202° da C.R.P., nomeadamente o n.° 2, uma vez que: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos... e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados” e neste caso não se verifica;
48) O Venerando Tribunal não assegurou a defesa dos direitos da Alegante, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;
49) Cometeu, pois, uma nulidade.
50) Deverá ser REVOGADA a Sentença recorrida, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.
51) A Sentença recorrida viola:
a) O disposto nos artigos 23°,60°, 77°, nos 1 e 2 da LGT;
b) O disposto nos artigos 21° e 120°, alíneas a), c) e d) do CPT;
c) O disposto nos artigos 204°, n° 1, b) da CPPT;
d) O disposto nos artigos 123°, 124°, 125°, 135° e sgs. do CPA;
e) O disposto nas alíneas b), c) e d) do atual 615° do CPC;
f) O disposto no Decreto-Lei n° 256-A/77, de 17 de Junho;
g) O disposto nos artigos 13°, 20°, 202°, 204°, 205°, 266°, n° 2 e 268°, números 1, 2 e 3 da CRP;
h) O princípio do contraditório;
i) O princípio da igualdade;
j) O princípio da proporcionalidade;
k) O princípio da imparcialidade;
l) O princípio da boa-fé.

Termos em que, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a Sentença recorrida ser REVOGADA, por ser de: LEI, DIREITO,E JUSTIÇA”

* *
A Recorrida não contra-alegou.
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre decidir se a sentença recorrida padece:
- Das nulidades previstas nas alíneas b), c) e d) do art. 615º do CPC, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação;
- De erro de julgamento por ter considerado a oponente como parte legítima na execução fiscal;
- E se a decisão recorrida violou as disposições legais e princípios constitucionais invocados.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:
“Com base na documentação junta aos autos, na posição assumida pelas Partes e no depoimento da testemunha inquirida, considera-se provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão:

A. A sociedade M..............., Lda. foi constituída em 27.02.2006, tendo a Oponente, H..............., sido designada gerente - cf. cópia da certidão permanente que consta de fls. 3 a 5 do PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

B. A sociedade referida no ponto A. que antecede obrigava-se pela assinatura de um gerente - cf. cópia da certidão permanente que consta de fls. 3 a 5 do PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

C. Em 24.01.2012, foi instaurado contra a sociedade M..............., Lda. o processo de execução fiscal nº ............... e apensos para cobrança coerciva de dívidas de IVA e juros compensatórios relativas aos exercícios de 2007, 2008 e 2009 - cf. informação que consta a fls. 52 do PAT e os documentos de fls. 6 a 32 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

D. Em data não determinada, foi remetida à Oponente pelo Serviço de Finanças da Marinha Grande notificação relativa ao exercício do direito de audição prévia quanto à reversão contra si do processo de execução fiscal referido no ponto C. supra - cf. informação que consta de fls. 52 e 53 do PAT;

E. Em 10.12.2012, a Oponente apresentou junto do Serviço de Finanças da Marinha Grande requerimento relativo ao exercício do direito de audição prévia - cf. documentos fls. 54 a 63 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidos;

F. Em 24.01.2013, foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças da Marinha Grande relativamente ao requerimento relativo ao exercício de audição prévia pela Oponente na qual, para além do mais, consta o seguinte:
No caso concreto, deverá efectuar-se a reversão das dívidas em causa contra quem exerceu funções de administração à época dos factos de que derivam as dívidas exequendas. Sendo, assim, uma vez que as dívidas em causa provem de factos ocorridos nos anos referidos é de observar o regime da responsabilidade subsidiária.
(...)
São responsáveis subsidiários (...) nos períodos a que a dívida tributária respeita e foi exigível o pagamento ou entrega da dívida em causa:
Nome: H...............
Em face do que antecede, considerando que a Administradora não logrou provar que não exerceu de facto as funções inerentes ao cargo, nem conseguiu fazer prova de que não foi por culpa sua que o património da sociedade originariamente devedora se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos, encontram-se reunidos os pressupostos do direito de reversão.
Gerência de facto que é comprovada através do pacto social da empresa, bem como do processo de insolvência, e da resposta prestada a este SF pela TOC da empresa da qual se anexa cópia.
(...)
A gerência de direito está provada através da Certidão da Conservatória do Registo Comercial, a gerência de facto fica provada pelos documentos que fazem parte do processo pelos quais se verifica que ao contrário do referido pela contribuinte praticou actos na qualidade de administrador único da devedora originária.
Em face desta informação e dos elementos apresentados, sou de opinião de que a reversão deverá prosseguir em nome do contribuinte H............... (...) -cf. documento de fls. 64 a 66 do PEF, que se dá por integralmente reproduzido;

G. Em 24.01.2013, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças da Marinha Grande despacho de reversão contra a Oponente relativamente ao processo de execução fiscal indicado no ponto C. supra, no qual, além do mais, é referido o seguinte:
"Em face da informação que antecede e dos elementos constantes do processo (...)
No caso concreto, deve efectuar-se a reversão das dívidas em causa contra quem exerceu funções de administração à época dos factos de que derivam as dívidas exequendas. Sendo, assim, uma vez que as dívidas em causa provem de factos ocorridos nos anos supra referidos é de observar o regime da responsabilidade subsidiária. Tal responsabilidade é de reportar tanto ao momento do facto gerador do imposto, como ao da cobrança voluntária da respectiva dívida.
São responsáveis subsidiários, por exercício de funções de administração/gestão, nos termos da alínea b), nº 1 do artº 24º da Lei Geral Tributária, nos períodos a que a dívida tributária respeita e foi exigível o pagamento ou entrega da dívida em causa:
Nome: H................
(...)
Assim, face ao exposto e verificando-se que a revertida em causa não veio contrariar os factos invocados no projecto de decisão, e tendo solicitado outras diligências não as cumpriu, decide-se manter os pressupostos em que se apoiou o projecto de decisão, revertendo-se a execução à responsável acima identificada.
Atenta a fundamentação supra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação dos executados por reversão (...)" - cf. documento a fls. 66 e 37 do PEF, que se dá por integralmente reproduzido;

H. Em 20.02.2013, a Oponente foi citada relativamente à reversão do processo de execução fiscal indicado no ponto C. supra, constando no campo relativo aos "FUNDAMENTOS DA REVERSÃO" o seguinte:
"FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsável solidário, sem prejuízo do benefício de excussão prévia (art.s 23/2 da LGT):
Fundamentos de emissão central
Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.s 24/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255º e/ou 399º do Código das Sociedades Comerciais." - cf. informação a fls. 52 e 53 do PAT e os documentos de fls. 68 a 72 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidos;

I. A Oponente assegurava o funcionamento diário do estabelecimento comercial de restauração explorado pela sociedade devedora originária - cf. depoimento da testemunha inquirida;

J. Em 22.03.2013 deu entrada no Serviço de Finanças da Marinha Grande a presente oposição - cf. carimbo aposto a fls. 6 dos presentes autos;
*
Factos não provados
Não se vislumbram outros factos alegados cuja não prova releve para a decisão dos autos.
*
Motivação da decisão da matéria de facto
A decisão da matéria de facto foi realizada com base na análise das informações e dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do PAT e, bem assim, do depoimento da testemunha inquirida, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos dos factos provados.
A respeito da testemunha inquirida cumpre notar que apesar de ser filho da Oponente não demonstrou ter muito conhecimento da atividade da sociedade devedora originária, tendo, contudo, confirmado que era a Oponente quem assegurava diariamente o funcionamento do estabelecimento comercial de restauração.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Tomando em consideração as conclusões do presente recurso importa desde já decidir da alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.

De acordo com o nº 1 do artigo 125.º do CPPT “1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”.

E nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, é nula a decisão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Será nula a sentença por omissão de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, pelo que importa analisar se, no caso concreto foram apreciadas todas as questões invocadas pela Oponente. As questões de que o juiz deve conhecer são, ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

No caso em apreço verifica-se que, não obstante a Recorrente invocar tais nulidades, não as consubstancia, optando por uma formulação genérica e vazia de conteúdo, não sendo indicado minimamente porque considera existir falta de fundamentação da sentença, nem são identificadas as concretas questões que a Recorrente considera não terem sido objeto de conhecimento pelo Tribunal a quo.
Não obstante tal irregularidade, sempre se dirá que a petição inicial é o articulado onde o oponente expõe os fundamentos da ação e formula o pedido correspondente (cfr. art. 147º do CPC e art. 204º do CPPT), e é na petição inicial que o oponente deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de extinção do processo de execução fiscal, com os fundamentos taxativamente enunciados no art. 204º do CPPT, regra que só conhece as excepções previstas nos artigos 264º e 265º do CPC (alteração e ampliação da causa de pedir), bem como o art. 588º do CPC (articulados supervenientes), aplicáveis por força do preceituado na alínea e) do art. 2º do CPPT.

Na sentença ora recorrida o juiz identificou desde logo que a oposição apresentada se fundava na ilegalidade da reversão com base nos seguintes fundamentos:
Ø inexistência de culpa da Oponente na alegada insuficiência/inexistência de bens da sociedade devedora originária para pagamento das dívidas tributárias;
Ø não exercício de funções de gerente, quer de facto quer de direito, na sociedade devedora originária;
Ø falta de fundamentação do despacho de reversão quanto à insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária;
Ø falta de excussão prévia do património da sociedade devedora originária;
Ø falta de notificação da liquidação do tributo que está na base da dívida exequenda;
Ø violação de diversas normas e princípios plasmados na Lei Geral Tributária (LGT) e no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
Ø falta de apreciação pela AT dos argumentos aduzidos pela Oponente em sede de audição prévia.

Compulsado o teor da decisão recorrida resulta que todas as questões suscitadas pela Oponente foram analisadas e decididas pelo tribunal a quo tendo este decidido serem todas elas improcedentes.
Destarte se conclui que a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia, improcedendo assim a alegada nulidade, mais se considerando não terem sido violados os princípios constitucionais invocados pela Recorrente.

Invoca ainda a Recorrente a nulidade da sentença por falta de fundamentação, sem que tenha consubstanciado as razões por que considera que a sentença não está fundamentada.

A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito.

A lei processual exige que a sentença esteja fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação.

Nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, mas, como tem sido entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão (cfr. Ac. do STA de 06/02/2019 – proc. 249/09.0BEVIS).

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que estão elencados os factos provados, deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade, complementada com a expressa motivação da decisão da matéria de facto.

Quanto à fundamentação de direito, de uma leitura atenta da decisão recorrida resultam, claramente, quais as razões que determinaram o julgamento da oposição à execução, tendo sido elencados os normativos legais que alicerçam essa decisão.

Face ao exposto, resulta que foram analisadas, criticamente, as provas e especificados os fundamentos de facto e de direito que foram decisivos para a convicção do julgado.

Acresce que, como referido anteriormente só existe nulidade, em caso de ausência absoluta de fundamentação, ou seja, quando não se conseguir discernir qual o iter cognoscitivo que esteve na base da decisão tomada, o que não é o caso dos presentes autos.

Pelo exposto resulta evidente que a sentença recorrida não padece de nulidade por falta de fundamentação porquanto estão evidenciadas as razões de facto e de direito que conduziram à decisão proferida.

Prosseguindo na apreciação do presente recurso e antes de mais, cumpre salientar que a Recorrente no presente recurso menciona várias normas do Código de Processo Tributário, mas tal invocação só pode resultar de lapso manifesto, porquanto este Código encontra-se revogado com a entrada em vigor do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – cf. art. 2.º, do DL n.º 433/99, de 26 de outubro, além de que não são aplicáveis às decisões judiciais o disposto no Código de Procedimento Administrativo.

Vejamos então os demais fundamentos invocados pela Recorrente que, na sua essência assentam numa discordância genérica pelo decidido, e que se consubstanciam na repetição dos fundamentos apresentados na oposição de execução, a saber:
i) – Quanto aos pressupostos para a reversão da execução considera não se encontrarem preenchidos os requisitos quanto à gerência de facto, quanto à fundada insuficiência do património da devedora originária e invocando não ter sido por culpa sua que o património se tornou insuficiente (cfr. conclusões 7, 8, 17 a 28);
ii) - Falta de fundamentação do despacho de reversão, quanto à situação patrimonial da executada devedora originária (cfr. conclusão 9 a 16);
iii) - Que a sociedade executada não foi notificada nos termos da lei para liquidar o imposto em dívida, o que constitui uma nulidade insuprível (cfr. conclusão 29);
iv) - Que respondeu nos termos do artigo 60° da LGT, trazendo novas questões ao processo, e essas que não foram apreciadas, tendo sido violado o princípio do contraditório (cfr. conclusões 30 e 31).

Vejamos então.

A sentença recorrida considerou estarem preenchidos os pressupostos para a reversão da execução fiscal contra a ora Recorrente aduzindo, neste segmento da decisão, a seguinte fundamentação:
A oposição é o meio processual próprio para conhecer da questão da legalidade da reversão da execução, dado que sem a verificação dos respetivos requisitos falhará a base para efetivação da responsabilidade subsidiária dos gerentes/administradores, uma vez que torna a dívida inexigível ao revertido, tendo em conta o disposto nos artigos 24.° da LGT e 204.°, n.° 1, alínea b) do CPPT.
A oposição à execução fiscal constitui, também, o meio processual adequado para impugnar, contenciosamente, o despacho que, no âmbito do processo de execução fiscal, ordenou a reversão contra os gerentes, na hipótese de estarem em causa vícios do mesmo, como por exemplo, a falta de algum dos pressupostos legais para a efetivação da reversão de forma válida.
Atualmente, no âmbito da vigência da LGT, a matéria da responsabilidade subsidiária dos gerentes vem regulada no n.° 1 do seu artigo 24.°, que estabelece o seguinte regime:
“1 - Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercido do seu cargo ou cujo prasço legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tomou insufiáente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prasço legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercido do seu cargo, quando não provem que não lhesfoi imputável a falta de pagamento.
Alega a Oponente, neste âmbito, em síntese, que não foi gerente de facto ou de direito da sociedade devedora originária.
Vejamos.
Resulta do teor do n.° 1 do artigo 24.° da LGT, assim como da jurisprudência pacífica dos Tribunais superiores, que a responsabilidade subsidiária em sede de processo de execução fiscal só pode operar-se contra quem exerceu a gestão da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado.
Assim, cumpre, pois, determinar se a Oponente exerceu efetivamente o cargo de gerente da sociedade devedora originária no período de ocorrência dos factos tributários que originaram a dívida exequenda, ou seja, in casu, nos anos de 2007, 2008 e 2009, considerando-se como tal, a prática de atos de disposição ou de administração, de acordo com o objeto social da empresa, em nome e em representação desta, vinculando-a perante terceiros, face aos contornos normativos que dela é feita nos artigos 252.°, 259.°, 260.° e 261°, todos do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Ora, resulta de forma clara dos factos provados (cf. ponto A. dos factos assentes) que a Oponente foi nomeada única gerente da sociedade devedora originária, sendo que a sociedade se obrigava com a assinatura do gerente (cf. ponto B. dos factos assentes), tendo este pressuposto da reversão sido vertido no projeto de despacho de reversão, no despacho de reversão e na nota de citação (cf. pontos D., G. e H. dos factos provados).
Cumpre referir que o órgão de execução fiscal encetou diligências no sentido de comprovar a gerência de facto da Oponente na sociedade devedora originária, tendo concluído, com base nos elementos recolhidos (processo de insolvência e informações obtidas junto da TOC da sociedade devedora originária nos anos em questão), que, efetivamente, teve intervenção nas decisões de gestão, em especial no que se refere a questões relacionadas com o cumprimento de obrigações fiscais, da sociedade devedora originária (cf. ponto F. dos factos assentes). De facto, na resposta remetida pela TOC da sociedade devedora originária consta que nos exercícios em referência “foi sempre com essa senhora que eu tratei dos assuntos da referida empresa”’ (cf. documento a fls. 42 do PAT). Acresce que ficou provado nos presentes autos que era a Oponente que assegurava a gestão diária do estabelecimento comercial explorado pela sociedade devedora originária (cf. ponto I. dos factos provados), o que, de acordo com as regras normais de experiência, revela que a Oponente tomava decisões de administração no âmbito da atividade económica prosseguida por aquela.
De resto, não foram alegados e provados factos pela Oponente que permitam ao Tribunal infirmar a conclusão retirada pelo órgão de execução fiscal e concluir que não foi gerente de facto da sociedade devedora originária.”.


Tendo a reversão da execução sido efectuada, nos presentes autos com base na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, para o que ora releva, atenta a alínea que suportou a reversão, os gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, são subsidiariamente responsáveis em relação estas e solidariamente entre si pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

De acordo com este regime, a responsabilidade subsidiária dos gerentes tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente, sendo que, como também bem salientou a sentença recorrida, é à Administração Tributária que compete demonstrar a verificação deste pressuposto, ou seja, é à Exequente, que invoca o direito a reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora que tem, face à disciplina legal contida nos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil (CC) e 74.º, n.º 1, da LGT, que provar os factos com base nos quais julgou ser de reverter contra aquele a obrigação de pagamento da dívida que a devedora originária revelou ser incapaz de pagar.

Quanto ao pressuposto de culpa do gestor pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, que consta da alínea b) em apreço, está, todavia, consagrada uma presunção de culpa, o que significa que é o Oponente, interessado em afastar a qualidade de revertido que lhe é imputada, que cabe provar que essa culpa não existe. Na verdade se o Oponente quer afastar a verificação presumida de que a culpa é sua, terá que alegar e provar em juízo que não foi por força da actuação que desenvolveu enquanto gerente da devedora originária que esta não pagou o tributo em falta ou que não possui bens capazes de garantir esse pagamento.

Assim, o exercício efectivo das funções de gerente e a culpa pela insuficiência patrimonial são dois pressupostos que condicionam indelevelmente a confirmação da validade do despacho de reversão.

Ora atenta a prova produzida nos presentes autos (documental e testemunhal) e tomando em consideração o enquadramento jurídico efectuado pelo tribunal a quo acima transcrito, conclui-se que o mesmo merece o nosso acolhimento, tendo a Fazenda Pública, para além da gerência de direito, logrado provar a gerência de facto por parte da ora Recorrente.

Quanto à questão da culpa, destacamos para o que aqui releva, o seguinte excerto da sentença recorrida:
“No âmbito das reversões de processos de execução fiscal realizadas ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT, cabe ao revertido ilidir a presunção de culpa quanto à insuficiência do património da devedora originária para pagamento das dívidas tributárias.
Exposto o direito aplicável, regressemos, agora, ao caso concreto dos autos.
Resulta de forma clara e inequívoca dos factos provados (cf. pontos D., G. e H. dos factos assentes) que a reversão foi realizada ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT, norma que estabelece, como acima se referiu, uma presunção de culpa do administrador ou gerente quanto à falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo.
Não está agora em causa que a Oponente exerceu a gerência da sociedade no decurso do período de vencimento das dívidas (cf. pontos A., B., F., G. e H. dos factos provados), mas unicamente a inexistência de culpa na não satisfação dos créditos exequendos.
Cabia, assim, à Oponente fazer a prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento dos créditos tributários, afastando a aplicação da presunção de culpa que consta da alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT. Não era, pois, à AT que cabia indicar no despacho de reversão ou na nota de citação factos que permitissem demonstrar a culpa da Oponente quanto ao não pagamento dos tributos em causa. Com efeito, estabelecendo a alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT uma presunção de culpa, cabia à Oponente alegar e provar factos que permitissem ilidir essa presunção. Alegação e prova que a Oponente não fez.”.

Na sequência do que já foi referido a propósito da presunção de culpa prevista na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, mais uma vez acolhemos a fundamentação vertida na sentença recorrida, na medida em que, da prova produzida nos autos, verifica-se que a Oponente não logrou provar que não foi por culpa sua que o património da sociedade devedora originária se tornou insuficiente para o pagamento dos tributos.

ii) Invoca ainda a Recorrente a falta de fundamentação do despacho de reversão.

Sobre a fundamentação do despacho de reversão, a jurisprudência do STA é pacífica, destacando-se o Acórdão do STA, de 29/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0925/13 no qual se afirma o seguinte:
“(…) não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 23.º da LGT) e que este despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (art. 268.º n.º 3 da CRP; arts. 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).
E sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts. 23.º n.º 4 e 24.º n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (art. 23.º n.º 2 da LGT; art. 153.º n.º 2 do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (art. 24.º n.º 1 da LGT), então o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (nº 1 do art. 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art. 23º nº 4 LGT). Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no acórdão do Pleno desta Secção do STA, proferido em 16/10/13, 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os acórdãos desta Secção do STA, de 31/10/2012, proc. n.º 580/12 e de 23/1/2013, proc. n.º 953/12).”.

Perante este entendimento podemos afirmar que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a extensão temporal da responsabilidade que está a ser efectivada.

Quanto à questão da falta de fundamentação da insuficiência patrimonial resulta que, no caso em apreço, como decorre das alíneas F), G) e H) do probatório, foram genericamente descritos os fundamentos da reversão, pelo que a Administração Fiscal satisfez o requisito de fundamentação do ponto de vista formal, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a sua decisão, dado que deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a decisão e considerou reunidos os respectivos pressupostos para a reversão.

Também sob o ponto de vista substancial considera-se fundamentada a decisão de reversão, dado que o património da devedora originária era insuficiente “decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal”.

Na verdade, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito da administração tributária em operar a reversão da execução fiscal recai sobre esta, dado que foi a Administração Tributária quem invocou o pressuposto da inexistência de bens, e tendo sido comprovada a inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade, salientando-se no entanto que o oponente/recorrente nunca invocou a existência de bens da sociedade devedora originária.

Logo, no momento da prolação do despacho de reversão, os dados de que a Administração Tributária dispunha permitiam-lhe concluir pela fundada insuficiência ou inexistência de património da devedora originária, pelo que, o despacho de reversão se encontra igualmente fundamentado do ponto de vista substancial.

Face ao exposto improcede a alegada falta de fundamentação do despacho de reversão quanto à insuficiência patrimonial da devedora originária.

iii) A Recorrente invoca ainda a falta de notificação da liquidação, que, na sua perspectiva constitui nulidade insuprível.

Como bem refere a sentença recorrida, a dívida exequenda reporta-se a IVA, não existindo, nesse caso qualquer dever de notificação da liquidação por parte da administração tributária, dado que estamos perante imposto apurado e entregue pelo próprio contribuinte, como decorre dos artigos 27.° e 40.° do Código do IVA, e não de liquidações adicionais ou oficiosas efectuadas pela administração tributária, razão pela qual improcede a alegada falta de notificação da liquidação à devedora originária.

iv) Por fim a Recorrente invoca que tendo exercido o seu direito de audição quanto ao projecto de reversão, a administração tributária não se pronunciou sobre a sua resposta, violando assim o princípio do contraditório.

O juiz a quo relativamente à questão acima enunciada, expendeu o seguinte discurso fáctico-jurídico “Do cotejo do requerimento apresentado pela Oponente relativamente ao exercício do direito de audição prévia e da informação elaborada pelo órgão de execução fiscal em 24.01.2013 resulta que foram abordadas as questões suscitadas relativamente à legalidade da reversão (cf. pontos E., F. e G. dos factos provados).
Com efeito, as questões suscitadas pela Oponente (normativo aplicável, falta de culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária, falta de notificação da liquidação do tributo, não exercício da gerência de direito ou de facto, ilegalidade da reversão e a falta de norma legal que fundamente a reversão) foram analisadas no âmbito da sobredita informação elaborada pelo órgão de execução fiscal, tendo sido emitida pronúncia quanto às mesmas.
Não se vislumbra, portanto, em que medida é que a Oponente pode sustentar que não foram apreciados pelo órgão de execução fiscal os argumentos apresentados em sede do direito de audição prévia”.

Mais uma vez acolhemos o decidido pelo tribunal a quo porquanto resultou do probatório que a Oponente efectivamente exerceu o direito de audição prévia tendo o órgão de execução fiscal elaborado informação posterior a esse exercício apreciando os argumentos apresentados pela Oponente (cfr. alíneas E e F do probatório), não ocorrendo qualquer violação do princípio do contraditório.

Finalmente importa apenas decidir da alegada violação de princípios constitucionais invocados pela Recorrente. Defende que, nos termos do artigo 266.º, nº2 da CRP, o tribunal a quo está subordinado ao cumprimento dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé que, in casu, os mesmos não foram respeitados.
Porém, o Recorrente limita-se a alegar, de forma conclusiva e sem a devida substanciação, como legalmente se impõe, que o tribunal a quo preteriu os aludidos princípios constitucionais, o que, necessariamente, impõe a sua improcedência. De todo o modo, sempre se dirá que não se vislumbra, de que forma e em que medida o juízo de entendimento do tribunal a quo, possa violar os aludidos princípios uma vez que, como visto, o tribunal a quo fez uma correta interpretação do regime jurídico aplicável ao caso vertente com a devida transposição fática, improcedendo a alegada violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

Face ao exposto conclui-se serem totalmente improcedentes os fundamentos invocados pela Recorrente, inexistindo qualquer violação das normas e princípios elencados no ponto 51 das suas conclusões, mantendo-se a decisão recorrida.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 15 de Abril de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares