Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:132/08.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:12/13/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:PROCEDIMENTOS DE INSPEÇÃO E DE INFORMAÇÃO E DE VERIFICAÇÃO. EFEITOS.
Sumário:1. O n.º 3 do art.º 63º da LGT proibia mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, [salvo algumas exceções que não se verificam].
2. O facto de as ações de inspeção destinadas a consulta, recolha ou cruzamento de elementos terem todas âmbitos, extensão, duração e funcionários diferentes, não permitindo configurar qualquer identidade entre elas, não afasta aquela regra.
3. Outras classificações do procedimento de fiscalização [fins, âmbitos e extensões] para além da “externa”, não se encontram previstas na hipótese legal, para que se possa ter em consideração como elemento restritivo do âmbito da previsão normativa (o atual n.º 4 do art.º 63º LGT já não permite esta interpretação).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I-RELATÓRIO.

recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira.

RECORRIDO: J........ - P.........., Lda.

OBJETO DO RECURSO: Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, constante de fls. 200 a 209 dos autos do presente processo, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo recorrido contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2007 8500017…., relativa ao ano de 2005, no montante de € 5.087,31.

CONCLUSÃO DAS ALEGAÇÕES:

“A - Ao invés do proclamado na sentença recorrida, o procedimento inspetivo de que resultou a liquidação adicional de IRC impugnada não teve duração superior a um ano, conforme decorre da análise da prova documental, que atesta ter-se o mesmo iniciado em 2007-08-09, com a assinatura pelo contribuinte da respectiva ordem de serviço (n.º OI 200701...), finalizando a 2007-10-15, com a notificação postal do relatório final de Inspeção Tributária.

B - Também não está escorada por elementos probatórios suficientes a conclusão de que teria a inspecionada suportado quatro procedimentos de fiscalização externa ao mesmo exercício de 2005, todos susceptíveis de afetar a definição da sua situação tributária.

C - Resulta sim dos documentos juntos aos autos que as três ações credenciadas por despacho, destinadas a consulta, recolha ou cruzamento de elementos, tiveram, todas elas, âmbito, extensão, duração e funcionários credenciados diferentes, não permitindo configurar qualquer identidade entre elas.

D - Identidade que, por maioria de razão, também não se verifica relativamente ao procedimento inspetivo externo, credenciado por ordem de serviço e destinado à confirmação e indagação da situação tributária da impugnante e do qual resultaram as correções à matéria tributável, prévias à emissão do acto tributário em crise.

E - Circunstâncias que não permitem concluir estarmos perante uma única ação inspetiva com duração superior a seis meses, sem prorrogação expressa e devidamente fundamentada, ou terem ocorrido várias ações inspetivas, com idênticos fins e motivações, incidentes sobre o mesmo inspecionado.

F - Sempre se dirá, que os despachos apenas visaram credenciar/legitimar a deslocação dos Técnicos da Administração Tributária às instalações da sociedade impugnada para a recolha de informação.

G - Por conter erros substanciais quanto à apreciação e valoração da prova documental carreada para os autos e também por carecerem do adequado suporte probatório as conclusões alcançadas no aresto recorrido, enferma este de erro na apreciação da matéria de facto e de insuficiência de fundamentação de facto.

H - As leis tributárias legitimam que ao mesmo sujeito passivo, e quanto a idêntico período de tributação, se façam vários procedimentos inspetivos de consulta, recolha e cruzamento de elementos, quando os mesmos se destinem apenas a reunir dados sobre o próprio ou sobre terceiros com quem tenha relações económicas.

I - Nos termos dos artigos 2º e 46º do RCPIT, os procedimentos inspetivos realizados ao abrigo de ordem de serviço dirigem-se à análise da atividade do sujeito passivo inspecionado, implicando uma tomada de posição expressa da Administração Tributária, concretizada através da elaboração do relatório preconizado no art.º 62º do diploma.

J - Já não assim quando a credenciação para o procedimento é efectuada por meio de despacho, conforme os n.ºs 2, 4 e 5 do RCPIT (consulta, recolha e cruzamento de elementos; controlo de bens em circulação; controlo de sujeitos passivos não registados), de que não resultarão a confirmação ou definição da situação tributária dos inspecionados.

K - Ao não se ter verificado, não sendo demonstrado na sentença recorrida, o preenchimento dos requisitos cumulativos da identidade do inspecionado, do âmbito das inspeções efectuadas e da sua extensão, inexiste aqui a violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento inspetivo externo, consagrado no art.º 63º, n.º 4 da LGT.

L - A ratio da norma procura garantir a proporcionalidade e a adequação entre os incómodos gerados ao contribuinte pela realização dos procedimentos inspetivos e os fins visados por tais procedimentos, com a necessidade daquele ver a sua situação definida pela tomada de posição da Administração Tributária.

M - De igual modo, resultando dos elementos dos autos que o procedimento inspetivo externo destinado à confirmação e indagação da situação tributária da inspecionada teve duração inferior a seis meses, não ocorre a violação do prazo de duração geral do procedimento que vem estipulado no art.º 36º, nº. 2 do RCPIT.

N - Esta patente insuficiência da sentença recorrida em alcançar, de modo cogente e pleno, a adequada subsunção dos factos relevantes às normas jurídicas que nela se invocam reputa- se constituir vício gerador de erro na interpretação e aplicação do Direito, o que para todos os efeitos se invoca.

O - Por último, ainda que efectivamente se tivesse verificado uma violação ao princípio da irrepetibilidade dos procedimentos de inspeção ou ao prazo geral de duração da ação inspectiva, não se especifica na decisão ora impugnada qual a concreta norma jurídica que dita a anulação do acto tributário sequente.

P - Incorrendo assim a sentença recorrida em vício de omissão de fundamentação legal, ao cominar com anulabilidade, sem precisar o preceito sancionatório que determinaria, de modo necessário, a remoção da ordem jurídica da liquidação adicional de IRC contendida.

Q - Tudo razões que se afiguram bastantes para conduzir à prolação de um juízo que determine a revogação da decisão aqui recorrida e, do mesmo passo, venha confirmar a valia do acto tributário impugnado e anulado pelo Tribunal a quo.

Nestes termos e nos demais de Direito que o distinto Tribunal Coletivo entender por bem suprir, propugna a Representação da Fazenda Pública que seja dado provimento ao presente recurso, acarretando a revogação da sentença recorrida e, de igual modo, julgar improcedente a impugnação judicial interposta pela ora recorrida, J......... - P..........., Lda., fazendo-se assim Justiça!”

CONTRA ALEGAÇÕES.

Não houve

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a impugnação deduzida contra liquidação adicional de IRC/2005.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 536 a 541 dos presentes autos):

“1. Até 23.7.2007, a Impugnante tinha a denominação "J........ - P.........., Lda.", sendo que de 23.07.2007 a 10.08.2007 a denominação passou a ser "C........ - I........, Lda.". Em 10 de Agosto de 2007, a denominação voltou a ser "J......... - P.........., Lda" - cfr. fls. 5 do relatório de Inspecção tributária que consta do PAT a fls. 43 a 135,cujo conteúdo se dá por reproduzido;

2. No dia 07.03.2006, a Impugnante foi notificada, na pessoa do sócio gerente, do procedimento de inspecção n.º DI200600.... para consulta, recolha e cruzamento de elementos relativamente aos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005 - cfr. informação a fls.40 do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

a. O procedimento foi iniciado em 07.03.2006 e foi concluído em 09.08.2007 - cfr. fls. 32 do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

b. No dia 07.3.2006 foram recolhidas as bases de dados do software relativas ao período anterior a 30.06.2005 - cfr. fls. 12 do relatório de inspecção tributária, que consta a fls. 54 do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

c. No mesmo dia, os Serviços de Inspecção Tributária efectuaram o termo de entrega junto a fls. 32 do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

d. Consta do termo terem sido efectuadas duas cópias em CD não regravável - cfr. fls. 12 do relatório de inspecção tributária, que consta a fls. 54 do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

e. Com data de 10.03.2006 foi lavrada informação referente aos elementos recolhidos nesta acção - cfr. fls. 39 a 44 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido.

3. Em 12.06.2006, foi proferido o despacho n.º 201200601... para procedimento de Inspecção nos termos dos n.º 4 e 5 do artigo 46.º do RCPIT, "para consulta, recolha e cruzamento de elementos" - cfr. fls. 37 do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

a. Este procedimento teve início em 12.06.2006 - cfr. fls. 37 do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido:

b. E foi concluído em 09.08.007 - cfr.fls.38 do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

4. Em 05.06.2007, foi emitido o despacho n.º DI200701... também para "consulta, recolha e cruzamento de elementos” dos exercícios de 2004 e 2005 - cfr. fls. 48 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

a. Este procedimento teve início em 23.07.2007, antes de estarem concluídos os procedimentos iniciados pelo despacho DI200600.... de 06.03.2006 e DI200601... de 12.06.2006;

b. No âmbito desta Dl200701..., em 18.10.2007, foi o sócio gerente da Impugnante notificado para prestar esclarecimentos relativamente às aquisições de pescado registadas na conta 2212…- cfr. fls. 49 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

c. Até à data da apresentação da petição inicial não foi a Impugnante notificada da conclusão do procedimento iniciado com a DI200701...;

5. Em cumprimento da OS OI200701..., de 27.07.2007, foi a Impugnante notificada na pessoa do seu gerente da carta aviso mencionando que «a muito curto prazo se deslocará à morada acima referenciada, técnico dos Serviços de Inspecção Tributária» - cfr. fls. 30 e 31 do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

a. A carta aviso foi emitida com data de 31.03.2007 - cfr. fls. 31do PAT cujo conteúdo se dá por reproduzido;

b. O procedimento de inspecção foi iniciado em 09.08.2007 (cfr. fls.34 do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido) e concluído em 16.08.2007 (cfr. fls. 53 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido);

c. O relatório é constituído por 27 páginas e vários anexos.

6. Foram efectuadas correcções técnicas nos termos que constam do relatório, tendo sido realizadas correcções ao prejuízo fiscal declarado em sede do IRC no exercício de 2005.

Factos não provados

Não se vislumbram outros factos alegados cuja não prova releve para a decisão da causa.


*

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e do PAT constam, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.”

*

ALTERAÇÃO DE FACTOS:

No facto constante da alínea b) do n.º 5 dos factos provados consta que o procedimento de inspeção [relativo à OI200701...] foi concluído em 16/8/2007 quando na verdade esta é a data da conclusão dos actos de inspeção [art.º 61º/1 RCPIT]. O procedimento de inspeção conclui-se com a notificação do relatório da inspeção [art. 62º/1 RCPIT] e esta ocorreu com a notificação através do ofício n.º 10..., de 12/10/2007 [fls. 43 do PA], o que em vista da presunção estabelecida no n.º 1 do art. 39º CPPT implica a conclusão [presumida] de que o termo do procedimento ocrreu em 15/10/2007, como refere o Exmo. Representante da Fazenda Pública.

Altera-se, por isso, a alínea b) do n.º 5 dos factos provados que passa a ter o seguinte teor:

O procedimento de inspeção foi iniciado em 09.08.2007 [cfr. fls. 34 do PAT, cujo conteúdo se dá por reproduzido] e concluído em 15.10.2007 [cfr. fls. 43 do PA, cujo conteúdo se dá por reproduzido];

IV-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A IMPUGNANTE deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2005, alegando em síntese, ter sido alvo de várias inspeções relativas ao exercício de 2005 (e outros), mostrando-se excedido o prazo legal para conclusão da inspeção de onde resultou a liquidação impugnada, a qual, por isso, é ilegal.

Extraído dos factos provados, o quadro seguinte resume o conjunto das inspeções efetuadas ao Impugnante iniciadas em 2006 e 2007, mas visando entre outros, o exercício de 2005.
CredenciaçãoInício Âmbito-FinalidadeConclusão
DI200600....7/3/2006Consulta, recolha e cruzamento de elementos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 20059/8/2007
DI200601...12/6/2007Consulta, recolha e cruzamento de elementos exercício de 20059/8/2007
DI200701...23/7/2007Consulta, recolha e cruzamento de elementos dos exercícios de 2004 e 2005Não concluída (até à data da sentença em 1ª instância)
OI200701...9/8/2007Ação inspetiva parcial relativa a IRC e IVA de 200515/10/2007

O MMº juiz julgou a ação procedente baseando-se em duas linhas argumentativas: (i) o n.º 3 do artigo 64º da LGT impede a realização de mais do que uma inspeção externa ao mesmo sujeito passivo e período de tributação, salvo decisão fundamentada com base em factos novos, que não foi proferida. (ii) Mesmo que se entenda que as ações inspetivas de informação são meras ações preparatórias, no caso dos autos tal não acontece, pois na elaboração do relatório final foram utilizados elementos recolhidos ao abrigo da DI200600.... que durou cerca de 7 meses, sem qualquer despacho de prorrogação.

A AT defende que a sentença errou no julgamento da matéria de facto ao dar como provado que o procedimento inspetivo a coberto da OI 200701… terminou em 16/8/2007, quando o mesmo efetivamente foi concluído em 15/10/2007 (Conclusão A).

E não há elementos probatórios suficientes para concluir que a Impugnante suportou quatro procedimentos de fiscalização externa ao mesmo exercício (B);

Acrescenta que as três ações destinadas a consulta, recolha ou cruzamento de elementos tiveram âmbito, extensão, duração e funcionários credenciados diferentes sem qualquer identidade entre elas. Identidade que também não existe com o procedimento de confirmação. Além disso, a as leis tributárias legitimam que o mesmo sujeito passivo seja sujeito a vários procedimentos de consulta e recolha de informação, referentes ao mesmo período de tributação. O procedimento de confirmação teve duração inferior a seis meses, pelo que não ocorre violação do prazo geral estipulado no art.º 36º/2 RCPIT (C a N).

Mas ainda que se verificasse uma violação ao princípio da irrepetibilidade dos procedimentos de inspeção, ou ao prazo geral de duração da ação inspectiva, a sentença não especifica qual a concreta norma jurídica que dita a anulação ao acto tributário (O a Q).

Enunciadas as principais questões que nos são submetidas, passemos agora à sua análise. Registe-se que a questão alegada na conclusão A) foi objecto de correção, o que permite considerar estabilizada a matéria de facto.

O procedimento de inspeção classifica-se, quanto aos fins, em (i) procedimento de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações fiscais dos sujeito passivos, e (ii) procedimento de informação, visando o cumprimento dos deveres legais de informação ou de parecer dos quais a inspeção tributária seja legalmente incumbida (art.º 12º RCPIT).

No primeiro, caso estamos perante um procedimento de comprovação e verificação e no segundo estamos perante um procedimento de informação, necessariamente de âmbito parcial ou univalente como se retira do art.º 14º/1-b) RCPIT.

A escolha de um ou outro procedimento inspetivo compete à AT de acordo com critérios de oportunidade e conveniência por si definidos gozando para tal de uma razoável margem de discricionariedade, desde que observe os limites previstos na legislação tributária.

Assim, numa situação em que os actos materialmente praticados revelem a existência de um procedimento distinto daquele que foi formalmente indicado pela Administração, sem que tenha havido despacho a alterar os fins e o âmbito (cfr. art. 15º RCPIT) deve ter como consequência a invalidade da liquidação daí resultante[1].

Foi com base nestas premissas legais que o MMº juiz "a quo" julgou procedente a impugnação.

Considerou que as ações de inspeção relativas ao mesmo sujeito e ano de imposto não são repetíveis, quer sejam relativas a procedimentos de informação, quer respeitem a procedimentos de comprovação. E ainda que se considerasse que os procedimentos de informação são preparatórios do procedimento de comprovação, no caso dos autos o procedimento de informação foi utilizado na realização do procedimento de comprovação.

No fundo, considerou que a AT se serviu de um procedimento de “informação” (art.º 12º/1-b RCPIT) para realizar um procedimento de comprovação e verificação (art.º 12º/1-a RCPIT), pois assumindo que o procedimento de comprovação e verificação se iniciou em 9/8/2007 e foi concluído em 16/8/2007 (data constante da sentença, sem a correção supra efetuada) à luz da experiência comum verifica-se que o prazo para a elaboração do relatório não é razoável.

Na verdade, tal rapidez, diz a douta sentença, “...só foi possível porque foram utilizados os elementos recolhidos ao abrigo da DI200600.... (que durou cerca de 17 meses) como se conclui de fls. 12 do relatório. Assim, tem razão a Impugnante quando alega que, afinal, a inspecção durou mais de um ano: foi iniciada com a DI200600.... em 07.03.2006, concluindo esta em 09.08.2007, para na mesma data se iniciar a inspecção ao abrigo da OS 01200701..., permitindo a sua conclusão sete dias depois, em 16.08.2007. Isto sem qualquer despacho de prorrogação (cfr. artigo 36.º, n.º2 do RCPIT), e sem que os fins, ou a extensão do procedimento a coberto da DI200600...., tenham sido alterados (cfr. artigo 15.º do RCPIT). Não se pode, pois, defender que os despachos DI200600.... e DI200601... foram apenas meras acções de recolha de informação sem relação com a acção de inspecção realizada ao abrigo da OS 01200701….

Com efeito, ainda que a administração fiscal, nos termos das DI200600.... e DI200601..., tenha procedido à consulta, recolha e cruzamento de informação, a verdade é que tal constitui parte integrante do trabalho de inspecção realizado junto da Impugnante, e que, a final conduziu à elaboração do relatório de inspecção tributária. A adopção de um entendimento distinto permitiria, em tese, que a administração fiscal, com recurso à figura de "acção preparatória' ou "acção para consulta, recolha e cruzamento de elemento” prolongasse indefinidamente as acções de inspecção, o que, naturalmente, não é legalmente admissível.
(...).
A decisão parece-nos correta, em sintonia com as normas aplicáveis na data dos factos, e com a jurisprudência deste TCAS sobre a matéria de que são exemplos os acórdãos n.º 06182/12 23-04-2015 - Relator: CRISTINA FLORA (http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/1D8C0680C0D02B2B80257E3600503FC0) e 05674/12 de 14-04-2015 Relator: ANABELA RUSSO (http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/757FE0B9E76B1F8880257E3000325CE8) cuja doutrina seguimos de perto.

O n.º 3 do art.º 63º da LGT, na redação aplicável, dispunha que o “...procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.” (destaque nosso).

Do exposto resulta a proibição de haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, salvo as exceções aqui previstas que não se verificam.

A AT defende que as ações de inspeção destinadas a consulta, recolha ou cruzamento de elementos tiveram todas âmbitos, extensão, duração e funcionários diferentes, não permitindo configurar qualquer identidade entre elas. Identidade que por maioria de razão também não se verifica em relação ao procedimento de comprovação e verificação credenciado pela OI200701....

Sem razão, a nosso ver, pois o facto de não haver identidade nos procedimentos não afasta a regra de que o sujeito passivo não pode ser sujeito a mais do que uma inspeção [referente ao mesmo período de tributação e imposto].

A aplicação do disposto no n.º 3 do art. 63.º da LGT não dependia da identidade dos fins, âmbitos e extensões dos procedimentos de fiscalização. Desde logo por tal restrição ao conceito de “procedimento externo” não resultar da previsão normativa, e portanto, considerar a interpretação restritiva pugnada pela Fazenda Pública colocaria em causa o princípio da segurança jurídica que a norma visa tutelar.

Devemos ter presente que a tutela visada por aquela disposição legal é a segurança jurídica e a estabilidade da relação fiscal, e não a protecção pelos “contratempos, embaraços e dificuldades provocados” na rotina comercial dos contribuintes, por uma acção de inspecção externa [nesse sentido, cfr. Gustavo Lopes Courinha, Irrepetibilidade das Inspecções, Um Contributo Jurisprudencial, Revista do IDEFF, Ano 7, N.º 1, p. 181].

Outras classificações do procedimento de fiscalização [fins, âmbitos e extensões] para além da “externa”, não se encontram previstas na hipótese legal, para que se possa ter em consideração como elemento restritivo do âmbito da previsão normativa[2].

A proibição sancionada art. 63.º/3 do LGT encontra-se circunscrita ao procedimento externo de fiscalização [por oposição ao procedimento interno] e diz respeito à classificação do procedimento quanto ao lugar [art. 13.º do RCPIT], independentemente da sua classificação quanto ao fim [art. 12.º do RCPIT], âmbito e extensão [art. 14.º do RCPIT].

No Capítulo III do RCPIT dispõe-se sobre as “Classificações do procedimento de inspecção tributária”, e assim, temos o art.12.º “Fins do procedimento”, art. 13.º “Lugar do procedimento de inspecção”, art. 14.º “Âmbito e extensão” e 15.º “Alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento.”

Ora, o legislador do art. 63.º/3 LGT apenas se refere ao procedimento externo, cuja classificação, como já referimos, entronca no “Lugar do procedimento de inspecção” [art. 13.º RCPIT]. Não alude a qualquer outra classificação prevista no Capítulo III do RCPIT, nem faz qualquer subclassificação do procedimento externo por forma a restringir a previsão legal.

Assim, não há razões para crer que o legislador pretendesse restringir o âmbito daquele preceito legal às situações em que ocorre identidade de fins, âmbito e extensão do procedimento. Tal interpretação implica necessariamente uma restrição derivada de subclassificações do procedimento externo, sem que se tenha feito referência expressa na norma legal, o que coloca em causa o princípio da segurança jurídica.

Face ao exposto, não procede a tese defendida pela AT segundo a qual as leis tributárias legitimam que ao mesmo sujeito passivo, e quanto a idêntico período de tributação, se façam vários procedimentos inspetivos de consulta, recolha e cruzamento de elementos, quando os mesmos se destinem apenas a reunir dados sobre o próprio ou sobre terceiros com quem tenha relações económicas.

Para além desta ilegalidade, a sentença desenvolve um segundo argumento que consiste na circunstância de a AT ter procedido à consulta, recolha e cruzamento de informação nos termos das DI200600.... e DI200601... mas estas acabaram por constituir parte integrante do Relatório da Inspeção realizado ao abrigo da OI200701..., como claramente resulta de fls. 12 do RIT[3].

Sobre esta matéria o Exmo. Representante da Fazenda Pública nada diz. Mas parece claro que não tendo havido qualquer despacho a alterar os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de informação, nos termos do art.º 15º/1 do RCPIT, os elementos recolhidos não poderiam integrar o procedimento de verificação.

Por fim, o Exmo. Representante da Fazenda Pública alega que a sentença padece “de omissão de fundamentação legal” ao cominar com anulabilidade a liquidação, sem precisar o preceito sancionatório de determinaria, de modo necessário, a remoção da ordem jurídica da liquidação adicional de IRC contendida.

A este respeito a sentença recorrida refere que “...a ação inspecctiva de onde emerge a liquidação de IRC impugnada é manifestamente ilegal, pelo que ilegal é também a liquidação impugnada”, concluindo a final, pela anulação da liquidação de IRC impugnada.

A nosso ver a sentença também não enferma de falta de fundamentação, porquanto a anulação é a sanção regra para o vício de violação de lei. Com efeito, uma vez que no âmbito do procedimento anterior à liquidação foi violado o disposto no art. 63.º/3 da LGT a liquidação enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, e nessa medida, a consequência jurídica dessa violação é a anulação, nos termos do disposto no art. 135.º do CPA [que corresponde ao actual n.º 1 do art. 163.º]: “[s]ão anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.”

Assim, concluindo, improcedem na totalidade as conclusões das alegações de recurso sendo de confirmar a sentença recorrida.

V. DECISÃO
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda sub secção de contencioso Tributário deste TCA em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida

Custas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Lisboa, 13 de dezembro de 2019.


(Mário Rebelo)


(Patrícia Manuel Pires)


(José Vital Brito Lopes)

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[1] Cfr. ac. do TCAS n.º 02504/08 de 09-12-2008 Relator: JOSÉ CORREIA
Sumário: II) -Decorrendo do conteúdo do relatório e dos fundamentos que serviram de base às correcções efectuadas que o procedimento não visou apenas a recolha de informação, antes se podendo afirmar que foi muito mais do que isso, pois foi nessa informação que se fundamentou toda a acção inspectiva, estamos perante uma inspecção materialmente externa. A dita inspecção «interna» não resultou de uma mera inspecção de análise sobre a correcção formal dos documentos entregues e sua coerência com as declarações apresentadas.
III) -É que, havendo uma sequência de inspecção iniciada com o procedimento de 18/8/2005, que se orientou para a identificação de eventuais infracções e análise de contabilidade da impugnante de modo a que pudessem resultar correcções à matéria tributável, impõe-se concluir que o procedimento de 18 de Agosto de 2005 não foi apenas de recolha de informação, antes tendo dado início à inspecção realiza­da ao sujeito passivo, a qual revestiu carácter externo.
IV) -E visto que não foi notificada ao sujeito passivo e se prolongou por período superior ao prazo previsto na lei (Art° 36 nº 2 RCPIT), sem qualquer despacho de prorrogação, tal configura um vício gerador de anulabilidade das liquidações baseadas em tal procedimento (Art° 135 do CPA).
Cfr. no mesmo sentido, Joaquim Freitas Rocha e outros, RCPIT anotado e comentado, Coimbra Editora, pp. 83.
[2] O actual n.º 4 do art.º 63º LGT já não permite esta interpretação.
[3] Que diz o seguinte: “Na comparação das prestações de serviços com as existências teve-se em conta os elementos relativos a compras e vendas constantes na base de dados de software de facturação e restantes módulos que foi recolhida na empresa de modo que a seguir se descreve: Com base no despacho n.º DI200600426 (...) procedeu à recolha das bases de dados de software de facturação e restantes módulos:-no dia 7-03-2006, as relativas ao período anterior a 30-06-2005; - no dia 17-05-2007, as relativas ao período posterior a 01-07-2005...”