Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3305/06.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/06/2022
Relator: ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:MATÉRIA DE FACTO;
ART. 38º DO CPTA
Sumário:I – Ao dar-se como assente na sentença, em aditamento à resposta à matéria de facto, “tendo contudo resultado comprovada face à prova produzida nos autos”, além de ser um juízo conclusivo, não encontra relação com a matéria de facto alegada por qualquer das partes, nem constitui um facto instrumental; o Tribunal a quo excedeu-se no julgamento de facto.

II - A ilegalidade a conhecer em sede incidental, ao abrigo do art. 38º, nº 1 do CPTA (2002) não pode valer ad aeternum, sendo aferível em face da postura do autor e da sanação dos actos administrativos, não podendo este obter o que poderia ter obtido com a tempestiva acção administrativa de anulação do acto alegadamente ilegal. In casu, o afastamento dos efeitos da decisão proferida em 1996 que exigiu a reposição da verba de €22.278,44€ que, não tendo sido paga voluntariamente pelo Recorrido/Autor, foi objecto de execução fiscal.

III – A inércia do autor colide também com o disposto no nº 2 do art. 38º do CPTA, sendo certo que, nem no processo crime (arquivado) nem no processo fiscal, a questão da (i)legalidade da dívida em causa foi conhecida.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

G... intentou contra o INSTITUTO NACIONAL DE INTERVENÇÃO E GARANTIA AGRÍCOLA (INGA), extinto por fusão no INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS IP (IFAP IP), a presente acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário.
Para tanto, e em síntese, sustenta que tendo recebido legitimamente as verbas respeitantes aos subsídios referentes à produção de cereais na campanha de 1991/92, o Réu (R.) deveria, após o arquivamento dos autos que correram no Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo, ter procedido à devolução ao Autor (A.) das verbas depositadas na Repartição de Finanças de Évora, e que foram creditadas a favor do “FEOGA- Secção Garantia”, acrescidas dos respectivos juros, não o tendo feito deve agora o R. ser condenado a pagar ao A., a quantia de 18.994,22 euros, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento e ainda no pagamento das custas e procuradoria condigna.
Em 23.04.2013, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja – para o qual os autos foram remetidos após decisão de incompetência, em razão do território, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – proferiu sentença julgando a acção procedente e condenou o Réu nos pedidos.
Inconformado o INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. interpôs o presente recurso terminando as Alegações com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem:
1. O A. alegou na sua PI, ter sido notificado do ato administrativo do Instituto documentado no ofício nº 9259, de 19/02/1996, que determinou a devolução da quantia de 22.278,44 €, tida por indevidamente recebida pelo A. relativamente à campanha de 1991/1992 (com fundamento no facto de não ter sido comprovada no quadro do respetivo procedimento a efetiva transação comercial 108.750 Kg de trigo, inscrito na factura n.º 8, supostamente vendido à empresa “R…”);
2. O A. também alegou na sua PI que, por não ter efetuado o pagamento voluntário da quantia em dívida, contra si fora instaurada execução fiscal, tramitada no Serviço de Finanças de Évora, com vista à execução do ato administrativo de que fora notificado pelo Instituto, e na qual acabaria por vir a efetuar o pagamento coercivo da quantia de 18.994,22 €;
3. O A. alegou na sua PI que, em virtude de tais pagamentos, a execução fiscal viria a ser extinta;
4. Em tais circunstâncias, não se vislumbra qual o direito de que o A. seja titular suscetível de, fundadamente, justificar a pretensão do A. em que o Instituto lhe devolva a quantia por si paga na execução fiscal em execução de ato administrativo, entretanto consolidado na ordem jurídica com força de caso decidido;
5. Como tal, afigura-se que a ação administrativa comum a que respeitam os presentes autos deva se julgada improcedente:
· quer por o A. não ser titular do direito (de crédito) que através dela pretende exercer;
· quer por à presente ação não corresponder direito algum;
6. Face ao teor do 1º quesito da BI em que se perguntava “Está comprovada a transacção de 108.750 Kg de trigo, inscrito na factura n.º8, supostamente vendido à empresa “R...caberia ao A. a prova, na ação administrativa comum, de que comprovara (ao Instituto) no quadro do procedimento administrativo relativo à candidatura em causa (1991/1992) que efectivamente vendera o cereal em causa, nomeadamente ao seu cliente R...(porquanto foi, precisamente, essa falta de comprovação que determinou prática pelo Instituto do ato administrativo que determinou a devolução das quantias, por isso, tidas por indevidamente pagas pelo Instituto ao A. e cobradas na execução fiscal a que o A. alude na sua PI);
7. Da resposta restritiva de “provado apenas”, dada pelo Tribunal a quo ao 1º quesito da BI resulta que o A. não provou o facto nele perguntado – que “[estivesse] comprovada a transacção de 108.750 Kg de trigo, inscrito na factura n.º 8, supostamente vendido à empresa “R...(designadamente no quadro do procedimento administrativo relativo à candidatura em causa);
8. A resposta dada pelo Tribunal a quo em 1º da Decisão da Matéria de Facto, na parte em que aí refere que “a transacção de 108.750Kg de trigo, entre o A. e o cliente R...inscrito na factura n.º 8 não foi objecto de comprovação por parte dos serviços do R., na acção de controlo contabilístico realizada à empresa R...no ano de 1995, por referência à campanha de 1991/1992” não corresponde à pergunta formulada em 1º da BI e à qual pretenderia responder – se “Está comprovada a transacção de 108.750 Kg de trigo, inscrito na factura n.º 8, supostamente vendido à empresa “R…”?”;
9. O Tribunal a quo, ao haver respondido em 1º da Decisão da Matéria de Facto que “a transacção de 108.750Kg de trigo, entre o A. e o cliente R...inscrito na factura n.º 8 não foi objecto de comprovação por parte dos serviços do R., na acção de controlo contabilístico realizada à empresa R...no ano de 1995, por referência à campanha de 1991/1992”, conheceu e decidiu sobre
facto não suscitado pelas partes, a saber – que a transacção de 108.750Kg de trigo, entre o A. e o cliente R...inscrito na factura n.º 8 não foi objecto de comprovação por parte dos serviços do R., na acção de controlo contabilístico realizada à empresa R...no ano de 1995, por referência à campanha de 1991/1992” (sublinhado do signatário);
10. O Tribunal a quo, ao haver considerado em Q) da Sentença recorrida, “[ter] contudo resultado comprovada face à prova produzida nos autos:(…) cfr. Doc. n.º 1 a 8 juntos com a PI, e PA;” (sublinhados do signatário), errou no julgamento de tal facto, porquanto em contradição com o julgamento efetuado em 1º da Decisão da Matéria de Facto (e, de mais a mais, quando dos documentos juntos pelo A. à sua PI sob DOC.s 1 a 8, e do PA não resulta que “Está comprovada a transacção de 108.750 Kg de trigo, inscrito na factura n.º 8, supostamente vendido à empresa “R…”);
11. Consequentemente, considerada toda a prova produzida nos autos, deverá ser alterada a resposta dada pelo Tribunal a quo ao 1º quesito da BI no sentido de “não provado”;
12. O Tribunal a quo, ao haver julgado “totalmente procedente a presente ação” fundou-se, exclusivamente e a título principal, em juízo sobre a (i)legalidade do ato administrativo do Instituto que determinou a devolução das quantias tidas por indevidamente recebidas pelo A., relativamente à campanha de 1991/1992, documentado no ofício do Instituto nº 9259, de 19/02/1996, e entretanto
consolidado na ordem jurídica com força de caso decidido;
13. Não tendo o A. suscitado na presente ação administrativa comum a ilegalidade do ato administrativo do Instituto documentado no ofício nº 9259, de 19/02/1996, que determinou a devolução da quantia de 22.278,44 €, tida por indevidamente recebida pelo A. relativamente à campanha de 1991/1992 (com fundamento no facto de não ter sido comprovada no quadro do respetivo procedimento a efetiva transação comercial 108.750 Kg de trigo, inscrito na factura n.º8, supostamente vendido à empresa “R…) não poderia o Tribunal a quo dela conhecer;
14. Não tendo o A. suscitado na presente ação administrativa comum a ilegalidade da execução fiscal contra si instaurada no Serviço de Finanças de Évora, relativamente à qual não deduziu Oposição e na qual efetuou o pagamento coercivo da quantia de 18.994,22 €, não podia o Tribunal a quo conhecer e
apreciar da legalidade da cobrança nela realizada (demais a mais quando o A. se considerou devedor perante o Instituto da quantia de 22.278,44 €, tendo mesmo requerido o seu pagamento no prazo de 5 anos);
15. Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo vertido na Sentença recorrida, o que se não vislumbra é qual seja a norma legal ou outra que, no caso em presença, determine a obrigação de o Instituto ter de devolver ao A. as quantias por si pagas na execução fiscal contra si instaurada com vista á execução de ato administrativo consolidado na ordem jurídica com força de caso decidido desde o ano de 1996, e, entretanto, creditadas pelo Instituto ao FEOGA;
16. Resulta, assim que a presente ação administrativa comum foi utilizada pelo A. para obter o efeito que resultaria da anulação de ato administrativo inimpugnável - administrativo do Instituto documentado no ofício nº 9259, de 19/02/1996, que determinou a devolução da quantia de 22.278,44 €, tida por indevidamente recebida pelo A. relativamente à campanha de 1991/1992 (com fundamento no facto de não ter sido comprovada no quadro do respetivo procedimento a efetiva transação comercial 108.750 Kg de trigo, inscrito na factura n.º 8, supostamente vendido à empresa “R…)
17. sendo que o Tribunal a quo, ao haver julgado “totalmente procedente a presenteação” fundado, exclusivamente e a título principal, na “ilegalidade” do ato administrativo documentado no ofício nº 9259, de 19/02/1996, que determinou a devolução da quantia de 22.278,44 €, tida por indevidamente recebida pelo A. relativamente à campanha de 1991/1992 (com fundamento no facto de não ter sido comprovada no quadro do respetivo procedimento a efetiva transação comercial 108.750 Kg de trigo, inscrito na factura n.º 8, supostamente vendido à empresa “R…) e na “ilegalidade” da cobrança realizada na execução fiscal instaurada contra o A. com vista á execução de tal ato administrativo, errou na aplicação do Direito no caso em presença, designadamente tendo violado o disposto no artº 38º do CPTA, sob pena se, assim se não entender,
Termos em que, na procedência das Conclusões acabadas de extrair, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, por via de tal procedência, deverá ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra que julgue a ação improcedente, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA”.
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O Autor, ora Recorrido, veio manifestar a sua concordância com a sentença recorrida não padecendo dos erros de julgamento de facto e de direito invocados pelo Recorrente.
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O DMMP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não emitiu pronúncia.

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Com dispensa dos vistos, mas fornecida cópia do projecto de acórdão aos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência para decisão.

I.1 Do objecto do Recurso / das questões a apreciar e decidir

Em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Segundo as conclusões do recurso, as questões a resolver incidem em aferir dos erros de julgamento de facto e de direito.


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II – Fundamentação
II. 1 - De facto:

Na decisão recorrida foi fixada a seguinte factualidade que se reproduz, na íntegra:

A) O A. é agricultor e produtor de cereais, com o n.º 110405 de INGA;

B) O R., com base num Relatório de Controlo, realizado pelos seus Serviços de Inspecção e Controlo, considerou como não comprovada a transacção de 108.750 Kg de trigo, inscrito na factura n.º 8, supostamente vendido à empresa “R...cfr. Doc. N.º 9 e Doc. N.º 12 juntos com a Petição Inicial - PI;

C) Assim, relativamente à produção de cereais de 1991/1992 o R. apresentou junto dos Serviços do Ministério Público do TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE MONTEMOR-O-NOVO a denúncia do A., como tendo cometido o crime de fraude na obtenção de subsídio”: cfr. Doc. N.º 9 e Doc. N.º 12 juntos com a PI;

D) O processo correu termos com o n.º 319/96 Inquérito, no TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE MONTEMOR-O-NOVO: cfr. Doc. N.º 9 e Doc. N.º 12 juntos com a PI;

E) Em 1996-02-19, através do oficio n.º 9259, o R. notificou o A. para que este procedesse ao pagamento de €22.278,44, relativo à campanha de 1991/1992: cfr. Doc. N.º 12 junto com a PI;

F) O A. não procedeu ao pagamento voluntário do que lhe era exigido pelo R.;

G) Em 1996-11-13, o R. solicitou ao competente SERVIÇO DE FINANÇAS DE ÉVORA – SF ÉVORA que instaurasse ao A. o correspondente processo de execução fiscal, o qual ai correu termos com o n.º 0914/96/103193.7: cfr. Doc. N.º 1 a Doc. N.º 8, e Doc. N.º 12 juntos com a PI;

H) Em 2001-10-31, foi proferido pelo EMMP junto do TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE MONTEMOR-O-NOVO, despacho de arquivamento do processo n.º 319/96 Inquérito: cfr. Doc. N.º 9 junto com a PI, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

I) Em 2001-11-06, foi o A. notificado do despacho acima melhor identificado: cfr. Doc. N.º 9 junto com a PI;

J) O despacho transitou em julgado;

K) Em 2004-07-07, por despacho do CHEFE DE FINANÇAS DO SF ÉVORA, em substituição, foi anulado o processo de execução fiscal n.º 0914/96/103193.7 – Divida ao INGA: cfr. Doc. N.º 10 junto com a PI;

L) Em 2004-07-14, o A. solicitou ao SF ÉVORA que informasse se o R. tinha, entretanto, requerido a anulação do processo de execução fiscal n.º 0914/96/103193.7 e, bem assim, se tinha procedido à devolução da verba acima identificada;

M) Em 2004-07-26, por oficio n.º 8622, o SF ÉVORA informou o A. de que o R. já havia requerido a anulação do processo executivo e que “… quanto a verbas eventualmente recebidas indevidamente por aquela entidade, não nos foi dado qualquer conhecimento de depósitos efectuados…”: cfr. Doc. N.º 10 junto com a PI;

N) Em 2004-09-29, o A. insistiu junto do SF ÉVORA no sentido de ser informado do destino dados às verbas depositadas a favor do R. no âmbito do supracitado processo de execução fiscal;

O) Em 2004-10-11, por oficio n.º 11331, o SF ÉVORA informou o A. de que a verba em questão tinha sido posta à ordem da DIRECÇÃO – GERAL DO TESOURO – DGT, e que só esta entidade poderia confirmar a entrega da verba ao R.: cfr. Doc. N.º 11 junto com a PI;

P) Em 2005-06-24, e em resposta ao requerido em 2005-04-12 e em 2005-06-08, pelo A., o R. informou-o, por oficio n.º 035636, em síntese, de que: “…. Certo é que, embora o processo-crime acima referido tenha sido arquivado, questão diferente é a não comprovação da efectiva venda do cereal no mercado, a qual não ficou provada. (…) e tendo em atenção as informações prestadas pelo referido Serviço de Finanças, relativamente a este processo, este Organismo deu por findo o processo em apreço. Pelo exposto, indefere-se a pretensão invocada pelo Exmo. Mandatário de V. Ex.ª no último parágrafo do requerimento aqui em análise…”: cfr. Doc. N.º 1 e Doc. N.º 12 juntos com a PI; negrito e sublinhados nossos;

Q) A transacção de 108.750Kg de trigo, entre o A. e o seu cliente R...inscrito na factura n.º 8 não foi objecto de comprovação por parte dos serviços do R., na acção de controlo contabilístico realizada à empresa R...no ano de 1995, por referência à campanha de 1991/1992, tendo contudo resultado comprovada face à prova produzida nos autos: cfr. depoimento de todas as testemunhas arroladas pelas partes e seu confronto com toda a prova documental junta aos autos; cfr. Doc. n.º 1 a 8 juntos com a PI, e PA;

R) Na campanha de 1991/92 o A. obteve um excedente de produção, tendo-o justificado: cfr. Depoimento da segunda testemunha arrolada pelo R., que esclareceu que, pese embora não tenha sido efectuado um controlo das declarações de campo do A., o facto é que o A. entregou ainda cereal colhido de áreas que inicialmente não declarou para efeitos de candidatura e, bem assim, de todas as testemunhas arroladas pelo A. que sublinharam ter sido a campanha de 1991/92 foi muito produtiva;

S) O A. depositou no SF de Évora a quantia de €18.994,22 respeitantes à campanha de 1991/92: cfr. Doc. n.º 1 a 8 juntos com a PI, vide ainda o depoimento de todas as testemunhas arroladas e PA;

T) O valor considerado em divida pelo R. (8.007,40 + juros de 9.191,15 = 17.198,55) respeitante aos subsídios atribuídos ao A., na campanha de 1991/92, foi totalmente recuperado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 09147967103193.7: cfr. Depoimento das testemunhas arroladas pelo R. versus fls. 299 a 304 dos autos, fls. 38 A, 39 B e 38 C do PA, e Doc. n.º 1 a 8 juntos com a PI;

U) O processo de execução fiscal foi instaurado pelo valor de €38.691,61 (correspondendo €22.287,44 ao capital e €16.404,17 aos juros vencidos até 1996-11-13): cfr. PA e depoimento das duas testemunhas apresentadas pelo R.; (vide alínea E) e G) supra);

V) Tendo sido contabilizada e creditada a quantia de €17.198,55 ao FEOGA – Secção Garantia (€4.489,18 pagos pelo A. em 1998-08-13 e €12.709,37 pagos pelo A. em 2001-11-30): cfr. Doc. N.º 12 junto com a PI e PA;

W) Na sequência da reanálise do processo, operada em 2002, entendeu o R. que o valor de capital a repor deveria ser reduzido para a importância de €8.007,40, correspondente ao cereal cuja efectiva transacção não ficou comprovada, acrescido de juros contabilizados à taxa regulamentar de 15% desde a data do pagamento da ajuda até ao efectivo reembolso: cfr. resulta do depoimento da primeira testemunha arrolada pelo R. versus fls. 299 a 304 dos autos, fls. 38 A, 39 B e 38 C do PA, e Doc. n.º 1 a 8 juntos com a PI;

X) A quantia de €17.198,55 recebida pelo R. do A. cobria o montante considerado em divida do A. após a actualização do valor de capital a repor para a importância de €8.007,40: cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelo R. versus fls. 299 a 304 dos autos, fls. 38 A, 39 B e 38 C do PA, e Doc. n.º 1 a 8 juntos com a PI.
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II.2 De Direito


Em conformidade com o delimitado em I.1., cumpre conhecer dos alegados erros de julgamento de facto e de direito.

Ø Do erro de julgamento de facto

Nesta sede, o argumentário recursivo incide sobretudo no excesso de pronúncia pelo Tribunal a quo quanto ao julgamento de facto constante da alínea Q) do probatório da sentença recorrida.
O dissídio assenta em dois pontos. O primeiro de que na resposta à matéria de facto, em sede de audiência final do dia 31.03.2011, que “a transacção de 108.750Kg de trigo, entre o A. e o cliente R...inscrito na factura n.º 8 não foi objecto de comprovação por parte dos serviços do R., na acção de controlo contabilístico realizada à empresa R...no ano de 1995, por referência à campanha de 1991/1992”, não corresponde à pergunta formulada em 1º da Base Instrutória e à qual pretenderia responder – se “Está comprovada a transacção de 108.750 Kg de trigo, inscrito na factura n.º 8, supostamente vendido à empresa “R…”?”.
Nesta parte não lhe assiste razão.
Na selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis para o pleito, que se perfilam, fulcrais e eventualmente instrumentais, segundo as regras de repartição do ónus da prova, se provados por confissão ou documento, colocá-los nos factos assentes, se controvertidos, levá-los à base instrutória, como consta do quesito 1º da BI.
Ao qual, após a prova produzida, o Tribunal a quo respondeu:
Provado apenas que a transacção de 108.750kg de trigo, entre o A. e o cliente R...inscrito na factura nº 8 não foi objecto de comprovação por parte dos serviços do R. na acção de controlo contabilístico realizada à empresa R...no ano de 1995, por referência à campanha de 1991/1992: Cfr. Depoimento de todas as testemunhas arroladas pelas partes e o seu confronto com toda a prova documental junta aos autos” – vide resposta à BI” – acta de 31.03.2011 /fls. 305 e segs. SITAF,
A alegação do Recorrente de que aquela redacção da factualidade relevante não teria sido alegado pelas partes corresponde na verdade ao art. 3º da respectiva Contestação e que no essencial constitui o fundamento de facto da decisão de reposição da quantia em causa.
No segundo ponto, quanto ao “excesso” e contradição face à resposta à matéria de facto, importa atender que tendo sido formulado como facto controvertido se a aludida transacção estava comprovada, o que o Tribunal em sede de resposta à matéria de facto, decidiu que a mesma não foi feita, ao restringir provado “apenas”.
Correlativamente admitiu que o A. não provou o facto nele perguntado – que “[estivesse] comprovada a transacção de 108.750 Kg de trigo, inscrito na factura n.º 8, supostamente vendido à empresa “R...cujo ónus da prova lhe cabia (vide art. 342º, nº 1 do Código Civil).
Logo, quando na sentença recorrida quanto à alínea Q) o Tribunal a quo acrescenta, (…) tendo contudo resultado comprovada face à prova produzida nos autos (…) cfr. Doc. n.º 1 a 8 juntos com a PI, e PA;” (d/n), não só entra em contradição com a resposta à matéria de facto, sem qualquer superveniência ou justificação. Como, na verdade, trata-se de matéria conclusiva.
Com efeito, há que cuidadosamente separar facto de direito, de conclusões, de meras hipóteses, nunca fazendo depender o resultado final da causa da resposta sim ou não a uma determinada pergunta, sempre dando todo o espaço a que cada uma das partes possa fazer a prova do que lhe cabe, podendo, em sede de aplicação do direito, perder ou ganhar. Há que cumprir o disposto nos artigos 510º e 511º, nº 1 do C.P.C (à data).
Deve atender-se à distinção entre factos, direito e conclusão.
Deve acolher-se apenas o facto simples e arredar da matéria de facto os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilação de premissas.
Neste contexto, em sede de sentença o Tribunal a quo veio a aditar matéria de facto que mais não é do que a conclusão de que teria sido feita prova nos autos da aludida transacção.
Mas tal excede o alegado pelo Autor, além de ir mais além e contrariar a resposta à matéria de facto perante a prova produzida e a factualidade relevante (vide art. 653º do CPC/1995).
Efectivamente, ao dar-se como assente uma parte do facto Q) conclusivo “de que se provou nos presente autos”, e que não encontra relação com a matéria de facto alegada por qualquer das partes, nem sendo um facto instrumental, o Tribunal a quo excedeu-se no julgamento da matéria de facto.
Sendo, por isso, de considerar não escrita a parte final do facto Q) do probatório em que se alude “tendo contudo resultado comprovada face à prova produzida nos autos”, ao deixar passar para a peça impressões meramente conclusivas.
Pelo que nesta parte procede parcialmente.

Ø Do erro de julgamento de direito

Vem o Recorrente questionar a sentença recorrida quanto ao fundamento legal e de facto para a condenação do pedido que foi decidido pelo Tribunal a quo.
Tal dissídio assenta sobretudo, por um lado, na falta de imputação de ilegalidades ao acto identificado em E) do probatório, de 1996-02-19, que determinou a reposição do fundo indevidamente recebido conforme relatório (al. B) do probatório), e, por outro, que o próprio Autor admitiu ser devedor da quantia de 4.468.231$00 (equivalente a 22.287,44 €), tendo posteriormente efectuado o pagamento em sede de processo fiscal.
Quanto à alegada confissão do Autor, não foi alegado antes nem consta da matéria de facto, sendo por isso irrelevante.
Atentemos no discurso fundamentador da sentença recorrida, quanto ao primeiro aspecto:
“Resulta do quadro legal traçado pelos Regulamentos (CEE) do Conselho nº 3653/90, de 11 de Dezembro de 1990, Regulamento (CEE) da Comissão 1184/91, de 6 de Maio de 1991 e Despacho Normativo 191/91, de 12 de Agosto, que a ajuda Comunitária aos produtores portugueses de cereais só tem justificação legal quando os produtores procedem à comercialização do cereal, relativamente ao qual formularam o pedido de ajuda.
O que, como decorre dos autos e o probatório elege, ao invés do defendido pelo R., foi o que sucedeu no caso concreto: cfr. alínea A) a X) supra.
Na verdade, o art. 9º n.º 1 e 2 do Reg. (CEE) da Comissão nº 1184/91, de 6 de Maio de 1991 – obrigação de reposição da quantia recebida a título de ajuda, acrescida dos juros legais – não foi, no caso sub judice, correctamente aplicado. Isto porque, resultando, como resulta, dos factos dados como provados que o A. obteve um excedente de produção e que procedeu à comercialização de 108.750Kg de trigo com o seu cliente R...deu cumprimento aos requisitos contidos no art. 3º do Reg. (CEE) nº 3653/90, no art. 2º do Reg. (CEE) nº 1184/91 e ainda no nº 5 do Despacho Normativo nº 191/91, de 4/09, onde claramente se determina que: "… apenas poderão ser objecto de pedido de pagamento as quantidades de cereal efectivamente comercializadas e entregues pelos produtores às entidades compradoras dos cereais abrangidos pela referida ajuda…": cfr. alínea A) a X) supra.
Há assim que concluir pelo recebimento devido da ajuda, não tendo aplicabilidade ao caso concreto o invocado no art. 9º do Reg. (CEE) nº 1184/91 que determina que os montantes em causa sejam recuperados acrescidos de juros de 15%, calculado em função do prazo decorrido entre o pagamento da ajuda e o reembolso da mesma pelo beneficiário: cfr. alínea A) a X) supra.
Deste modo, não se mostrando assente o invocado excedente entre as vendas de cereal declaradas no pedido de ajuda e as vendas efectivamente realizadas pelo A., tendo sido arquivado o acima melhor identificado processo de inquérito e bem assim anulado o processo de execução fiscal supra referido, não existe disposição legal que justifique a conduta do R. ao não devolver as quantias recebidas, pois, como aduzido, não se mostra aplicável a norma que prevê a exclusão do direito à ajuda para a campanha 91/92, na exacta medida em que tendo sido a ajuda recebida (devidamente) não é devida a restituição do montante total da ajuda que lhe foi atribuída: cfr. alínea A) a X) supra.”
Ora, tendo sido afastado da matéria de facto de que o Autor/Recorrido fez a prova da aludida transacção nos presentes autos, então todo o discurso da sentença recorrida baseado em tal pressuposto cai por terra.
Acresce que atenta a causa de pedir constante da petição inicial o Recorrido/Autor pretendeu, através da presente acção administrativa comum, obter a condenação do Instituto no pagamento de 18.994,22€, quantia, esta, correspondente ao montante por si voluntariamente pago no âmbito de execução fiscal que tramitou pelo Serviço de Finanças de Évora, sustentando tal pedido sobretudo no arquivamento do processo crime (vide artigos 7º a 9º, 20º e 21º da p.i).

Donde, segundo a tese do Recorrido não se tendo verificado as presunções que conduziram à apresentação da queixa crime contra o A. (crime de fraude na obtenção do subsídio), correlativamente foram afastados os pressupostos que sustentavam o processo de execução fiscal para pagamento de quantia, que eventualmente teria sido indevidamente recebida.

Ora, a circunstância de ter sido arquivado o processo crime, por falta de indícios de crime na obtenção de subsídio previsto e punido no artigo 36.º (Fraude na obtenção de subsídio ou subvenção) do Decreto-Lei nº 28/84, de 20.01- vide alínea H) do probatório -, não tem a repercussão que o Recorrido / Autor pretende.

Porquanto, não significa que os pressupostos que motivaram a prática do acto administrativo de reposição das quantias fosse ilegal, nomeadamente até porque a própria alínea Q) da sentença confirma que os serviços do Recorrente não tinham a comprovação da realização da operação, à data da prática do aludido acto.

Ou seja, que o A. não lograra comprovar, no quadro do procedimento administrativo referente à sua candidatura de 1991/1992, a efectiva venda do cereal em causa no mercado com as inerentes consequências financeiras, a saber:
- as decorrentes do disposto em 5 do Despacho Normativo nº 191/91, de 22 de Agosto, segundo o qual, apenas poderão ser objecto de pedido de pagamento as quantidades de cereal efectivamente comercializadas e entregues pelos produtores às entidades compradoras dos cereais abrangidos pela referida ajuda;
- as decorrentes do disposto no artº 9º do Regulamento (CEE) nº 1184, segundo o qual, se o controlo dos pedidos de pagamento da ajuda indicar a existência de um excedente o produtor será excluído do regime de ajuda.

Em todo o caso, estamos em sede de acção administrativa comum e como aludem Mário Aroso e Carlos Cadilha, in Comentário ao CPTA, 3ª edição, p. 255, em anotação ao art. 38º:

“Na verdade, a acção administrativa comum não é o meio processual adequado a obter a anulação de um acto administrativo, que deve ser objecto de uma acção administrativa especial, sujeita a prazos próprios de propositura. A possibilidade da invocação, pelo interessado, da ilegalidade de um acto administrativo relativamente ao qual já tenham decorrido os prazos de impugnação, no âmbito de uma acção administrativa comum, só pode, portanto, dirigir-se a obter efeitos jurídicos não coincidentes com os que resultariam da propositura de uma acção de impugnação. Para tanto, é necessário que exista uma norma ou princípio de direito substantivo que permita retirar da ilegalidade do acto uma outra consequência que não seja a da reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, e, portanto, da remoção dos efeitos directamente decorrentes do acto ilegal.”

A ilegalidade a conhecer em sede incidental do art. 38º do CPTA não pode valer ad aeternum sendo aferível em face da postura do autor e da sanação dos actos administrativos, sem que este possa obter o que poderia ter obtido com a tempestiva acção administrativa de anulação do acto alegadamente ilegal. In casu, o afastamento dos efeitos do acto de 1996 que exigiu a reposição da verba de €22.278,44€, que não tendo sido paga voluntariamente pelo Recorrido/Autor, foi objecto de execução fiscal.

Não o tendo feito, também não o pode obter na presente acção, por colidir com o disposto no nº 2 do art. 38º do CPTA.

Pois, como alega o Recorrente nem o processo crime ou o processo fiscal apreciaram a legalidade da dívida de modo a que o Tribunal a quo errou ao assim assumir.

Além de que, não justificou o Tribunal a quo como chega à conclusão de que seria legal o pagamento, transformando em principal um juízo que seria apenas em sede incidental.

Ao longo da petição inicial o Autor /Recorrido não imputa qualquer ilegalidade ao despacho de 24.06.2005 em que foi indeferida a devolução da quantia em causa, informando-o de que “as verbas pagas pelo A., tinham sido creditadas ao «FEOGA-secção garantia»” pelo montante de 17.198,55 €, e de que o Instituto não procederia à devolução das verbas pagas pelo A., porquanto estavam reunidos os pressupostos que conduzem à aplicação do artº 9º do Reg. (CEE) nº 1184/91 da Comissão de 6 de Maio (cfr. alínea P) do probatório).
Nem ao despacho de 19-02-1996, que determinou a reposição do valor de 22.278,44€, nos termos do ofício do Instituto nº 9259, de 19/02/1996, respeitante ao valor tido (pelo Instituto) por indevidamente recebido pelo A. relativamente à campanha de 1991/1992 (cfr. 3º da PI), que foi posteriormente enviado para execução fiscal.
Não tendo sido eliminadas da ordem jurídica tais pronúncias da entidade administrativa competente, através acção administrativa de impugnação de acto administrativo cumulada, eventualmente, com o pedido de reconstituição da situação actual hipotética.
Então, tais decisões ao consolidarem-se na ordem jurídica adquiriram autoridade de caso resolvido ou caso decidido, instituto que se funda na sanação de eventuais vícios de actos anuláveis que não foram oportunamente sindicados, tornando judicialmente insusceptíveis de revisão as definições jurídicas neles contidas.
Donde, a sentença recorrida errou ao assumir como ilegal a decisão de 1996 que não foi oportunamente impugnada, nem poderia ser na presente acção, além de que a mesma já havia sido objecto de revisão – vide alíneas W) e X) do probatório.
Pelo exposto, assiste razão ao Recorrente o que determina a procedência do recurso, revogando-se a sentença recorrida por errada interpretação de direito e em substituição julgar a acção improcedente. O que a final se determinará.

*


III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a acção improcedente

Custas pelo Recorrido.

R.N

Lisboa, 06 de Janeiro de 2022

Ana Cristina Lameira (Relatora)
Ricardo Ferreira Leite
Catarina Jarmela