Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3127/19.1BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO;
CONVOLAÇÃO;
DEVER DE COLABORAÇÃO;
REJEIÇÃO LIMINAR.
Sumário:1.O erro na forma do processo determina-se pelo pedido.

2.A decisão de rejeição liminar da P.I. por erro na forma do processo, sem possibilidade convolação para a forma de processo julgada própria, por falta do requisito da tempestividade, só pode ocorrer nos casos em que a ausência desse requisito se ache demonstrada em vista dos elementos disponíveis no processo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO


L…………, S.A., recorre da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que na verificação do erro na forma do processo sem possibilidade de convolação para a forma própria, rejeitou liminarmente a impugnação judicial deduzida da decisão de indeferimento do pedido de anulação da venda n.º 0914.2015.245, ocorrida no PEF ............., proferida pelo Sr. Director de Finanças de Évora, por despacho de 05/12/2016.

A Recorrente conclui as alegações assim:
«












».

Cumprido o disposto no n.º 7 do art.º 641.º do CPC, não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso não merece provimento.

Com dispensa dos vistos legais, dada a simplicidade das questões a dirimir, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao rejeitar liminarmente a P.I. por erro na forma do processo sem possibilidade de convolação para a forma de processo adequada ao pedido.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na decisão recorrida:
«
Com vista à prolação de despacho liminar, nos termos do art.º 110.º do CPPT, e do art.º 590.º n.º 1 do CPC ex vi art.º 2.º e) do CPPT, encontram-se provados os seguintes factos:

a) Em data anterior a 18.10.2016, a Impugnante pediu a anulação da venda pediu junto do órgão de execução fiscal a anulação da venda executiva n…………., realizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º .............; Cfr doc 1 junto com a petição inicial

b) Com data de 05.12.2016, os serviços da Direcção de Finanças de Évora prestaram informação sobre essa pretensão da requerente, com o teor que consta de documento junto aos autos, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, designadamente, a seguinte conclusão:
“Conclusão
Pelo exposto e salvo melhor opinião, não deverá o pedido do requerente ser atendido, por intempestivo, não devendo a venda ser anulada e mantendo todos os seus efeitos jurídicos, devendo nos termos do disposto no n.º4 do art.257.º do CPPT ser notificados todos os interessados na venda, neste caso, a executada, o adjudicatário e a ora requerente”.


c) Com data de 05.12.2016, sobre essa informação, pelo Director de Finanças de Évora, foi aposto despacho com o seguinte teor:

“Concordo com a informação que antecede, pelo que com base nos fundamentos invocados e que se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, indefiro o pedido. Notifiquem-se os interessados, dando-se conhecimento de que, nos termos do disposto no n.º 7 do art.257.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o meio legal de reacção à presente decisão é a reclamação prevista no art.276.º do referido diploma legal”

d) Com data de 06.12.2016, o Director de Finanças de Évora remeteu à Impugnante o ofício n.º 004597, com o seguinte teor:

“Fica por este meio notificado de que com referência ao pedido de anulação de venda apresentado foi o mesmo indeferido por Despacho de 5 de Dezembro de 2016, com base nos fundamentos constantes em informação, de que se junta cópia.

Mais fica notificado que da decisão de indeferimento poderá, nos termos do disposto no n.º 7 do art.257.º do Cód. Procedimento e Processo Tributário, apresentar reclamação prevista no art.276.º do mesmo diploma legal, no prazo de 10 dias contados da recepção da presente notificação (assinatura do A/R respectivo) dirigida ao Tribunal Administrativo e Fiscal territorialmente competente (Beja) e entregue no Serviço de Finanças de Évora”

cfr. doc. 1 junto com a petição inicial

e) A presente acção deu entrada neste tribunal em 16.12.2019.».

Ao abrigo do disposto no art.º 662/1 do CPC, adita-se ao probatório o seguinte facto, documentalmente provado como se indica:

f) Por requerimento datado de 05/02/2020, a pág.60 do processo electrónico (SITAF), a reclamante comunicou ao tribunal o que se transcreve:
«imagem no original»


».
4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A Recorrente deduziu impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de anulação da venda n.º 0914.2015.245, ocorrida no PEF ............., proferida pelo Sr. Director de Finanças de Évora, por despacho de 05/12/2016.

Não se conforma com o juízo de rejeição liminar da P.I. por erro na forma do processo na medida em que sendo um dos fundamentos obstativos da convolação invocados na decisão de rejeição a preclusão do prazo de 10 dias da reclamação judicial (o processo julgado próprio para tutela da pretensão deduzida), previsto no art.º 277/1 do CPPT, o Mmo. juiz a quo não tratou de averiguar, como lhe é imposto pelo princípio do inquisitório, qual a data em que a sociedade recorrente foi – ou se considera – notificada da decisão de indeferimento do pedido de anulação da venda, que fez coincidir com o dies a quo daquele prazo de 10 dias da reclamação.

Vejamos o que de mais pertinente e a propósito se colhe do discurso fundamentador da decisão sob recurso:

«Neste quadro, nenhum dos pedidos formulados pela Impugnante se enquadra no âmbito da impugnação judicial enquanto meio processual.
É a reclamação de actos do órgão de execução fiscal, apresentada na sequência de uma prévia decisão de indeferimento do pedido de anulação apresentado junto do próprio órgão de execução fiscal, que constitui o meio processual próprio à obtenção de qualquer dos efeitos pretendidos pela Impugnante com a procedência da presente acção.
Verifica-se por isso uma nulidade por erro na forma de processo, pois a impugnação judicial não é o meio adequado a satisfazer nenhum dos pedidos feitos pela Impugnante.
Como se disse, sempre que possível, deve ser ordenada a convolação do meio processual utilizado pelo Autor no meio processual adequado à satisfação do seu pedido, que, no caso, seria a reclamação de actos do órgão de execução fiscal, prevista no art.º 276.º e seguintes do CPPT.
Acontece que, no caso presente tal constituiria um acto inútil, proibido pelo art.º 130.º do CPC ex vi art.º 2.º e) do CPPT, uma vez que o prosseguimento da acção sob a forma de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, seria manifestamente inviável.
Em primeiro lugar, porque a decisão de não conhecimento do pedido de anulação da venda pelo órgão de execução fiscal com base na extemporaneidade do mesmo consolidou-se na ordem jurídica.
Efectivamente, a Autora não contesta aquela decisão no que respeita ao fundamento da intempestividade do pedido junto do órgão de execução fiscal, pelo que, tendo sido esse o seu fundamento, tudo se passa na ordem jurídica como se o órgão de execução fiscal não se tivesse pronunciado previamente sobre o pedido de anulação, e esta pronuncia, expressa ou tácita, é condição de acesso à posterior via judicial através da reclamação de actos do órgão de execução fiscal, nos termos dos números 4 a 7 do art.º 257.º do CPPT.
Isto é, a intempestividade do pedido de anulação de venda apresentado junto do órgão de execução fiscal, faz precludir o direito de lançar mão da reclamação de actos do órgão de execução fiscal para obter a anulação da venda, por falta de uma condição de impugnabilidade.
Em segundo lugar, porque é o prazo de interposição da própria reclamação de actos do órgão de execução fiscal que se mostra ultrapassado.
Na verdade, a Impugnante foi notificada da decisão reclamada através de ofício datado de 06.12.2016.
Em circunstâncias normais, terá recebido essa notificação poucos dias após essa data.
Ainda assim, a Impugnante foi convidada nos presentes autos a informar a data exacta em que foi notificada dessa decisão, assegurando-se-lhe o cumprimento efectivo do dever de provar a verificação de todos os pressupostos processuais necessários ao prosseguimento da acção.
Contudo, nenhuma informação ou elemento foram trazidos aos autos que pudessem indiciar a recepção de um ofício datado de 06.12.2016, dez dias antes da apresentação da petição inicial, em 16.12.2016.
E é de dez dias, o prazo para a apresentação da reclamação de actos do órgão de execução fiscal, contados a partir da notificação da decisão reclamada, nos termos do art.º 277.º n.º 1 do CPPT.
Pelo que se revela manifestamente inviável a convolação da presente impugnação em reclamação de actos do órgão de execução.».

Em primeiro lugar, cumpre salientar que a recorrente não questiona o erro na forma do processo, mas já não se conforma com os pressupostos da decisão de não convolação do processo para reclamação judicial.

E os pressupostos na base da decisão de rejeição liminar foram, por um lado, a inimpugnabilidade da decisão do O.E.F. de indeferimento do pedido de anulação da venda uma vez que esse pedido foi indeferido (por despacho do Sr. Director de Finanças de Évora, de 06/12/2016) com fundamento em intempestividade e essa decisão administrativa de intempestividade determina a inimpugnabilidade judicial do acto de indeferimento.

E, por outro, a preclusão do prazo de 10 dias da reclamação judicial, cujo dies a quo o Mmo. juiz recorrido assumiu ser o da notificação da decisão reclamada proferida em 06712/2016, sendo que a P.I. só foi apresentada em 16/12/2019 (por lapso, depois rectificado por despacho do Mmo. juiz recorrido, indicou-se a data de 16/12/2016).

Começaremos a apreciação pelo segundo dos pressupostos enunciados, pois a ser o mesmo validado fica prejudicado o conhecimento do primeiro.

E quanto ao segundo dos pressupostos invocados na decisão sindicada, salienta-se que o Mmº juiz a quo, previamente à decisão de rejeição liminar, notificou a ora recorrente para vir aos autos informar da data em que foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de anulação da venda e a recorrente informou nada poder esclarecer quanto à concreta data em que foi notificada daquela decisão, por não dispor já da documentação pertinente.

Questão diversa, é saber se dessa resposta da parte, o Mmo. juiz a quo poderia retirar a conclusão de que “…a Impugnante foi notificada da decisão reclamada através de ofício datado de 06.12.2016. Em circunstâncias normais, terá recebido essa notificação poucos dias após essa data”, ou se tal juízo se mostra precipitado.

Pois bem, recusando a parte dar ao tribunal a colaboração solicitada, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil – art.º 417.º, n.º 2 do CPC.

Dispõe aquele preceito do Código Civil que «Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado…».

Preceitua o art.º 607/5 do CPC que «O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».

Tendo isso presente e atendendo ao aditado ponto f) do probatório, mostra-se provado que a impugnante e ora recorrente foi efectivamente notificada, por via postal, do ofício da AT, de 06/12/2016, que lhe comunicava a decisão de indeferimento do pedido de anulação da venda executiva.

Assim, ainda que a notificação tivesse eventualmente preterido, na sua concretização, formalidades legais, sempre ela seria eficaz relativamente à impugnante, posto que a recebeu e dela tomou, confessadamente, conhecimento (art.º 35/1 do CPPT).

É certo que o tribunal recorrido não tratou de averiguar junto da AT a data em que efectivamente se concretizou aquela notificação, mas como bem sinaliza o Mmo. juiz a quo, «…a Impugnante foi notificada da decisão reclamada através de ofício datado de 06.12.2016. Em circunstâncias normais, terá recebido essa notificação poucos dias após essa data».

E na verdade, nenhuma irregularidade na notificação postal tendo sido assinalada pela impugnante, mas unicamente que não dispõe do pertinente envelope com as menções postais nele apostas, é curial extrair, por presunção judicial (art.º 349.º e 351.º do C.C.), como fez o Mmo. juiz a quo, que ela se terá concretizado dias depois, mas nunca mais de três anos depois, que é o lapso de tempo que medeia entre a data aposta no ofício (06/12/2016) e aquela em que a presente acção foi intentada, i.e., 16/12/2019 (cf. ponto e) da matéria assente).

Note-se que não está em causa apurar a data exacta em que a notificação ocorreu. Esse facto, sujeito a prova documental, nunca poderia ser extraído por presunção judicial, face ao disposto no art.º 351.º do Código Civil.

Do que se trata é de assumir, por via presuntiva, que a correspondência postal, num juízo de normalidade, nunca chegaria ao destinatário decorridos mais de três anos após a data aposta no ofício de remessa.

Assim, e tendo em conta que é de 10 dias o prazo da reclamação judicial (art.º 277/1 do CPPT) e que o requisito da tempestividade, se não verificado, obsta à convolação (art.º 98/4 do CPPT) do processo inquinado de erro (impugnação judicial) para a forma própria (reclamação), bem andou o Mmo. juiz a quo em – na verificação do erro sem possibilidade de aproveitamento da P.I. para a forma de processo adequada – ter rejeitado liminarmente a impugnação judicial.

A decisão não enferma do erro de julgamento que lhe é apontado, merecendo ser confirmada, negando-se provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes