Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:171/15.1 BELLE
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/21/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE POR PARTE DOS TRIBUNAIS.
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA.
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROACTIVIDADE DA LEI FISCAL.
PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO DE VERIFICAÇÃO E COMPROVAÇÃO. PODERES DA A. FISCAL.
C.I.V.A. OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
DEDUÇÃO E REEMBOLSO DE I.V.A. NOÇÃO.
ISENÇÃO DA TRIBUTAÇÃO EM SEDE DE I.V.A. DA LOCAÇÃO DE BENS IMÓVEIS.
DESTRINÇA ENTRE OS DIREITOS REAIS DE HABITAÇÃO PERIÓDICA E OS DIREITOS OBRIGACIONAIS DE HABITAÇÃO PERIÓDICA (DIREITOS DE HABITAÇÃO TURÍSTICA).
ARTº.9, Nº.27, AL.E), DO C.I.V.A.
CONCEITO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PARA EFEITOS DE ISENÇÃO, EM SEDE DE I.V.A.
CONCEITO DE “NEGOCIAÇÃO”, DE “TÍTULO” E DE “DEMAIS TÍTULOS”, CONSTANTES DO ARTº.9, Nº.27, AL.E), DO C.I.V.A., PARA O T.J.U.E.
Sumário:1. O que pode e deve ser objecto de fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr. artº.204, da C.R.Portuguesa).

2. O princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, expresso na não violação de direitos adquiridos ou frustração de expectativas legítimas, sem fundamento bastante, deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de Direito democrático (cfr.artºs.2 e 9, al.b), da C.R.Portuguesa). De acordo com o mesmo princípio, apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio de protecção da confiança.

3. O artº.103, nº.3, da C.R.Portuguesa, consagra, além do mais, a proibição de impostos retroactivos, explicitando um postulado que já poderia considerar-se como uma decorrência do princípio da protecção da confiança, inscrito no princípio do Estado de direito (artº.2, da C.R.P.). Desse modo, não são lícitos constitucionalmente os impostos criados para incidir sobre rendimentos já auferidos ou sobre factos tributários (transacções, etc.) já terminados. A forma enfática como a norma está formulada não deixa dúvidas sobre a natureza absoluta desta proibição, dando a todo o contribuinte o direito de se recusar a pagar tal imposto. Nessa medida, o imposto retroactivo (ou qualquer outra norma fiscal retroactiva, desde que desfavorável) é sempre constitucionalmente ilícito. A Constituição fez aplicação à obrigação de pagar impostos - que se traduz sempre numa ablação pecuniária dos contribuintes - do mesmo regime de proibição da retroactividade que vale para as restrições de direitos, liberdades e garantias (cfr.artº.18, nº.3, da C.R.P.). A imposição da proibição de retroactividade da lei fiscal procura, pois, salvaguardar o princípio da protecção da confiança dos cidadãos, princípio estruturante do Estado de direito democrático, que exige, à luz do princípio da legalidade, que a lei só deverá reger para o futuro, como resulta do brocardo latino “nullum tributum sine praevia lege”.

4. Cabe à A. Fiscal, no exercício dos seus poderes de inspecção, verificar conjunturas de irregularidade, nomeadamente, situações de errado enquadramento fiscal, alterações da realidade fáctica em confronto com elementos declarados, etc., procedendo às correcções oficiosas necessárias, apenas tendo como limite temporal a caducidade do direito à liquidação, nos termos do artº.45, da L.G.T., em sede do procedimento tributário de verificação e comprovação (cfr.artº.54, da L.G.T.; artº.12, do R.C.P.I.T.).

5. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.

6. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.

7. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.

8. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.

9. Especificamente, sobre a actividade de locação de bens imóveis, recorde-se que o princípio geral de tributação, consagrado no C.I.V.A., considera que a locação de bens imóveis é uma prestação de serviços sujeita a I.V.A., em resultado da conjugação do artº.1, nº.1, al.a), com o artº.4, nº.1, do mesmo diploma. No entanto, o próprio C.I.V.A. prevê derrogações ao princípio geral, entre as quais se encontra a prevista no artº.9, nº.30, que determina que a locação de bens imóveis se encontra isenta de I.V.A. (estamos perante uma isenção simples ou incompleta, a qual não confere direito à dedução de imposto, ou seja, sem crédito de imposto a montante), tudo na esteira do consignado no artº.13, da Sexta Directiva I.V.A. (cfr.directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977). O contrato de locação de imóvel que se enquadra na norma sob exegese, independentemente da natureza jurídica do negócio e do estatuto do locador, consiste na colocação passiva do imóvel à disposição do locatário, em conformidade com o conceito de locação definido nos artºs.1022 e 1023, do C.Civil (a renda recebida pela cedência de espaço nu), assim constituindo uma actividade relativamente passiva ligada ao simples decurso do tempo e que não gera um valor acrescentado significativo.

10. Haverá que estabelecer a destrinça entre os direitos reais de habitação periódica e os direitos obrigacionais de habitação periódica (direitos de habitação turística), a qual tem a ver com o respectivo período de constituição, aspecto essencial para o posterior exame do seu tratamento em I.V.A. Os direitos reais, na falta de indicação em contrário, têm natureza perpétua, podendo ser-lhes fixado um limite (mínimo) de duração de quinze anos. Já os direitos obrigacionais, na falta de indicação em contrário, igualmente têm natureza perpétua, embora lhes possa ser fixado um limite (mínimo) de três anos (cfr.dec.lei 22/2002, de 31/01).

11. Com o artº.9, nº.27, al.e), do C.I.V.A., normativo que comporta uma enumeração taxativa, pretendeu o legislador isentar (isenção incompleta por não permitir recuperar o IVA suportado a montante) da tributação em sede de I.V.A. as operações relacionadas com participações sociais e outros títulos mobiliários de origem pública ou privada, incluindo a negociação. Do âmbito das operações abrangidas pela isenção excluem-se, porém, as operações que consistam na simples guarda, ou a administração ou gestão, dos mencionados títulos. Por outro lado, não estão abrangidas pela isenção todas as operações referentes a títulos representativos de mercadorias ou representativos de operações sobre bens imóveis efectuadas por um prazo inferior a vinte anos. Especificamente, quanto aos direitos obrigacionais de habitação periódica (direitos de habitação turística), atendendo à “ratio legis” da norma (vide prazos fixados pelo mencionado dec.lei 22/2002, de 31/01), a sua transmissão por período superior a três anos e inferior a quinze anos não está isenta de I.V.A., antes estando sujeita às regras gerais de tributação, incidindo imposto à taxa reduzida de acordo com o previsto na verba 2.15, da Lista I, anexa ao C.I.V.A. (actual verba 2.17), dado estar em causa a prestação de um serviço de alojamento. Pelo contrário, caso a transmissão destes direitos exceda os quinze anos, tratar-se-á de uma operação isenta, nos termos desta norma.

12. O conceito de prestação de serviços para efeitos de isenção, em sede de I.V.A., já foi apreciado pelo T.J.U.E. De acordo com a mesma apreciação, haverá que aferir se a responsabilidade do prestador de serviços se limita a aspectos técnicos ou se é extensiva aos elementos específicos e essenciais da operação, abrangendo a negociação na concretização da venda dos títulos (direitos de utilização dos imóveis). Não obstante, se o prestador de serviços não ocupar o lugar de uma das partes no contrato, negociando autonomamente os detalhes da operação, não se qualifica como prestador de serviços isento de I.V.A. (cfr.v.g. ac.TJCE de 5/6/1997, Proc.C-2/95, Caso SDC; ac.TJCE de 13/12/2001, Proc.C-235/00, Caso CSC Financial Services).

13. O artº.15, nº.2, e o artº.135, nº.1, al.f), da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que o conceito de «negociação», na acepção desta última disposição, é susceptível de dizer respeito a uma actividade que seja a de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, consistindo esse serviço em fazer o necessário para que o vendedor e o comprador assinem esse contrato, sem que o próprio intermediário o assine e, em todo o caso, sem que ele tenha um interesse próprio no conteúdo desse mesmo contrato. Mais incumbindo ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se estes requisitos estão preenchidos no litígio que lhe foi submetido. Já no que se refere ao conceito de «título» resulta da redação do artº.135, nº.1, al.f), da Directiva IVA, que a isenção aí prevista se refere especificamente às operações relativas, por um lado, a títulos que conferem um direito de propriedade sobre pessoas coletivas e, por outro, a títulos que representam uma dívida, reconduzindo-se a operações realizadas no mercado de valores mobiliários. Quanto aos «demais títulos» visados por essa isenção (cfr.artº.9, nº.27, al.e), do C.I.V.A., supra examinado) devem ser de natureza jurídica comparável aos títulos especificamente visados pelas operações isentas com base no citado artº.135, nº.1, al.f), da Directiva IVA, mais sendo excluídos de tal isenção os títulos representativos de mercadorias, bem como as participações e as acções cuja posse confira, de direito ou de facto, a propriedade ou o gozo de um bem imóvel ou de uma fracção de um bem imóvel.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
K….. B……. P…….., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.56 a 64 do presente processo que julgou improcedente a impugnação, pela recorrente intentada, visando liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios, relativas a períodos trimestrais de Março de 2010 a Março de 2014 e no montante total de € 13.635,65.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.76 a 90 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O recorrente é, conforme resultou provado, um prestador de serviços cuja atividade foi inicialmente enquadrada no âmbito do artigo 9º do Código do IVA, com efeitos a partir de 15 de Junho de 2010;
2-A Autoridade Tributária, na sequência de uma ação de fiscalização, manifestou a sua discordância em relação ao enquadramento do recorrente, por entender que a atividade por si exercida não é suscetível de beneficiar da isenção prevista no artigo 9° do Código do IVA;
3-A Autoridade Tributária pode legitimamente proceder a correções no enquadramento da atividade dos sujeitos passivos, desde que tais alterações apenas produzam efeitos para o futuro;
4-A análise do conteúdo das declarações de início de atividade, permite concluir inequivocamente que o enquadramento para efeitos de IVA, no regime normal ou nos regimes de isenção, é da responsabilidade da Autoridade Tributária;
5-Ainda que incumba ao sujeito passivo o preenchimento e a entrega da declaração de início de atividade, a verdade é que os elementos dela constantes apenas são vinculativos após a validação que, obrigatoriamente, tem que ser efetuada pela Autoridade Tributária;
6-Na verdade, no campo 9, o sujeito passivo declara os dados que espera vir a ter da sua atividade, cabendo à Autoridade Tributária, mediante o preenchimento do campo 10, que é de uso exclusivo dos Serviços de Finanças, validar os dados que foram indicados e proceder ao enquadramento no regime normal ou nos regimes de isenção;
7-A Autoridade Tributária tinha conhecimento, desde o início, da atividade que o recorrente pretendia exercer, já que, no campo 8 da supra mencionada declaração de início de atividade, teve que proceder à respetiva indicação expressa e colocar o código da atividade económica (CAE) que lhe corresponde;
8-Não pode a Autoridade Tributária ter conhecimento da atividade que o sujeito passivo vai exercer, validar todos os dados a ela inerentes e o respetivo enquadramento em sede de IVA e proceder, passados alguns anos, à alteração com efeitos retroativos, sem colocar em causa, na relação jurídico-tributária, os princípios da irretroatividade e da segurança jurídica;
9-Este entendimento tem expresso acolhimento na lei vigente, já que é o próprio nº3 do artigo 35° do Código do IVA que dispõe de forma clara e inequívoca que "As declarações são informadas no prazo de 30 dias pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que se pronuncia sobre os elementos declarados e quaisquer outros com interesse para a apreciação da situação";
10-A impossibilidade de aplicação retroativa encontra-se expressamente prevista na lei a propósito da prestação de informações vinculativas, conforme se pode verificar pelo disposto no nº16 do artigo 68º da Lei Geral Tributária;
11-O normativo referido dispõe expressamente que as informações vinculativas podem ser revogadas, com efeitos para o futuro, após um ano a contar da sua prestação, precedendo audição do requerente, nos termos da presente lei, com a salvaguarda dos direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos;
12-O artigo 68°-A da Lei Geral Tributária refere expressamente que a Administração Tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, não podendo ser invocáveis retroativamente perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei as orientações genéricas que ainda não estavam em vigor no momento do facto tributário;
13-Este entendimento tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme se pode verificar através do acórdão de 29 de Fevereiro de 1996, referente ao processo C-110/94, usualmente designado por acórdão Inzo;
14-No acórdão mencionado refere-se expressamente, no ponto nº 21, que "...como observou a Comissão, o princípio da segurança jurídica opõe-se a que os direitos e obrigações dos sujeitos passivos dependam de factos, de circunstâncias ou de acontecimentos que se produzem depois da sua verificação pela Administração Fiscal;
15-Daí resulta que, a partir do momento em que a Autoridade Fiscal aceitou, com base nos dados fornecidos por uma empresa, que lhe seja atribuída a qualidade de sujeito passivo, este estatuto já não pode, em princípio ser-lhe depois retirado com efeitos retroativos devido à ocorrência ou não ocorrência de determinados acontecimentos";
16-Neste contexto, conclui o acórdão em causa no ponto nº 25, "...que exceto no caso de situações fraudulentas ou abusivas, a qualidade de sujeito passivo do IVA não pode ser retirada a essa sociedade com efeitos retroativos, quando, perante os resultados desse estudo, foi decidido não passar à fase operacional e colocá-la em liquidação, de modo que a atividade económica projetada não deu origem a operações tributáveis'';
17-Tudo visto, são ilegais as liquidações adicionais do IVA, tendo em conta que o enquadramento no regime de isenção foi efetuado pela Autoridade Tributária e que a respetiva alteração, a ser possível, apenas pode ter efeitos para o futuro, sob pena de violação do princípio da irretroatividade e da segurança na aplicação das normas;
18-A atividade do recorrente sempre foi dirigida no sentido de angariar clientes e promover os serviços, garantindo, em termos finais, a concretização da respetiva venda por parte da empresa que os comercializa;
19-Na douta sentença não resulta provado, nem sequer por indícios, que a atividade diária do recorrente não consistia na realização de sucessivas reuniões com clientes novos ou com clientes que já eram detentores de alguns dos serviços que a empresa comercializa, aos quais apresentava os produtos, com a indicação das respetivas características e preço, fechando o contrato, no caso de haver acordo;
20-Também não ficou demonstrado, já que o Tribunal a quo dispensou a inquirição das testemunhas arroladas, por entender que a matéria controvertida é exclusivamente de direito, que o recorrente, no exercício da atividade, apresentava os produtos, evidenciava as respetivas características e procedia à respetiva negociação;
21-Segundo o entendimento da Prof. Dra Clotilde Celorico Palma, na matéria relacionada com a venda de direitos de habitação turística "...foi acolhido pela Administração Fiscal o entendimento sufragado num parecer elaborado por J. G. Xavier de Basto e António Lobo Xavier'';
22-A elaboração do parecer "... foi solicitada pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tendo em vista clarificar o tratamento em IVA das situações qualificadas como transmissões de direitos reais de habitação periódica e como direitos de utilização turística, tendo o entendimento acolhido sido expressamente consagrado no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA)";
23-Em conformidade com a orientação veiculada no parecer "...quando o direito de habitação periódica se apresenta como um direito real a transmissão de tais direitos é sujeita a IMT, pelo que a respetiva transmissão está isenta de IVA, por aplicação direta do nº 31 do artigo 9º do Código do IVA;
24-A isenção do nº 31 do artigo 9 do Código do IVA não abrange a transmissão de direitos obrigacionais de habitação turística (DOHT), isto é, dos direitos de habitação turística”;
25-A situação dos direitos obrigacionais de habitação turística, "...ao tempo não regulamentados, não foi prevista no Código do IVA, existindo, assim, uma lacuna de previsão e regulamentação na disciplina das isenções em sede deste imposto";
26-O parecer em causa, acolhido pela Administração Fiscal, dispõe que "Os títulos de direitos obrigacionais de habitação turística têm todas as características para serem enquadráveis no conceito de demais títulos a que se refere a alínea f) do nº 28 do artigo 9° do Código do IVA;
27-A inclusão dos títulos de direitos obrigacionais de habitação turística na antedita isenção, permite chegar a uma solução neutra, equiparando o seu tratamento com o concedido aos direitos reais de habitação periódica, o que deverá constituir uma preocupação central do IVA";
28-Em conclusão, a atividade levada a efeito pelo recorrente, que consiste na promoção, negociação e comercialização de serviços relacionados com a utilização de imóveis para férias, é suscetível de enquadramento no âmbito da isenção prevista na alínea e) do nº 27 do artigo 9º do Código do IVA, na redação em vigor à data em que os serviços foram prestados.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.121 a 125 dos autos).
X
O recurso foi dirigido ao S.T.A.-2ª.Secção o qual, através de decisão sumária lavrada a fls.100 a 107 dos autos, se declarou hierarquicamente incompetente, declarando este T.C.A.Sul com competência hierárquica para decidir.
X
A fls.128 e 129 do processo, foi exarado despacho a declarar a suspensão da presente instância, devido a causa prejudicial, até que fosse proferida decisão final, transitada em julgado, no âmbito do processo a correr termos no S.T.A.-2ª.Secção, sob o nº.1645/15.
Com efeito, em tal despacho ficou consignado, além do mais, o seguinte:
“(…)
No âmbito do recurso dirigido a este Tribunal o apelante aduz, além do mais, que a sua actividade sempre foi dirigida no sentido de angariar clientes e promover os serviços, garantindo, em termos finais, a concretização da respectiva venda de direitos de utilização sobre bens imóveis por parte da empresa que os comercializa. Que a actividade levada a efeito pelo recorrente é susceptível de enquadramento no âmbito da isenção prevista no artº.9, nº.27, al.e), do C.I.V.A., na redacção em vigor à data (cfr.conclusões 18 a 28 do recurso).
Por outras palavras, defende o recorrente que a sua actividade de angariação de clientes e promoção de serviços de venda de direitos de utilização sobre bens imóveis por parte da empresa que os comercializa (“L….. …………………. - Sucursal em Portugal”) é susceptível de enquadramento no âmbito da isenção prevista no artº.9, nº.27, al.e), do C.I.V.A.
É ponto assente que a interpretação do mencionado artº.9, nº.27, al.e), do C.I.V.A., deve ser efectuada em articulação com os artºs.135, nº.1, al.f), e 15, nº.2, ambos da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006, levando em consideração os princípios gerais da interpretação e aplicação das leis (cfr.artº.9, do C.Civil; artº.11, da L.G.T.), bem como os princípios atinentes à interpretação das normas que consagram benefícios fiscais (artº.10, do E.B.F.), mais se devendo recordar que o TJUE é a instância judicial competente para decidir, a título prejudicial, sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (cfr.artº.267, do T.U.E.).
Tem este Tribunal conhecimento de processo paralelo ao presente a correr termos no S.T.A.-2ª.Secção (ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/10/2016, rec.1654/15), no âmbito do qual foi solicitado, em sede de incidente de pedido de reenvio/decisão prejudicial, a pronúncia do TJUE sobre se os serviços prestados pelo recorrente no mesmo processo (angariar clientes e promover os serviços, garantindo a concretização da venda por parte das empresas dos direitos de utilização sobre bens imóveis, em função de directivas e limites estabelecidos em termos de descontos e brindes promocionais), são susceptíveis de inclusão no âmbito de aplicação do apontado artº.9, nº.27, al.e), do C.I.V.A.
A decisão do processo de recurso a que se alude supra, configura-se como prévia e prejudicial face à que haverá a proferir nos presentes autos, pelo menos quanto a um dos fundamentos do recurso deduzido.
Nos termos do artº.272, do C. P. Civil (aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário), o Juiz pode ordenar a suspensão da instância, além do mais, quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra, ou seja, sempre que esteja pendente causa que se configure como prejudicial, igualmente devendo obviar-se à prolação de eventuais decisões desencontradas, versando sobre o mesmo objecto.
Perante o exposto, pensamos que se justifica a suspensão da presente instância, devido a existência de causa prejudicial (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/11/2016, rec.1648/15) até que o TJUE se pronuncie, decidindo o pedido de reenvio prejudicial, no âmbito do identificado processo a correr termos no S.T.A.-2ª.Secção, rec.1654/15.
X
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, o TRIBUNAL DECLARA SUSPENSA A PRESENTE INSTÂNCIA, DEVIDO A EXISTÊNCIA DE CAUSA PREJUDICIAL, ao abrigo do disposto nos artºs.269, nº.1, al.c), e 272, nº.1, ambos do C. P. Civil.
A suspensão da presente instância terá o seu termo final quando for exarada decisão final transitada em julgado no âmbito do processo a correr termos no S.T.A.-2ª.Secção, rec.1654/15 (cfr.artº.276, nº.1, al.c), do C. P. Civil).(…)”
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A fls.137 a 152 dos autos foi junta certidão com nota de trânsito do acórdão do S.T.A.-2ª.Secção, de 28/02/18, proferido no processo nº.1645/15.
X
Foi exarado despacho a declarar cessada a suspensão da presente instância, notificado às partes (cfr.fls.154 a 156 dos presentes autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.57 a 60 dos autos - numeração nossa):
1-O impugnante, K….. B…….. P…….., com o n.i.f. ……………., encontra-se coletado pela atividade de “comissionista” CIRS …., tendo iniciado a sua atividade em 15/06/2007 ficando, nessa altura, enquadrado no regime de isenção de IVA ao abrigo do art.9, do CIVA (cfr.relatório de inspecção junto a fls.11 a 22 do processo administrativo apenso);
2-O impugnante, nos exercícios de 2009 a 2014, prestou serviços à sociedade “L………. D…………..- Sucursal em Portugal” como comissionista na atividade de angariação de clientes para comercialização de direitos de utilização sobre bens imóveis (cfr.relatório de inspecção junto a fls.11 a 22 do processo administrativo apenso);
3-O impugnante, no âmbito da sua atividade, angaria os clientes e promove os serviços, garantindo, em termos finais, a venda por parte da sociedade “L………. D…………..- Sucursal em Portugal” em função de diretivas previamente estabelecidas para todos os colaboradores, concedendo descontos e brindes promocionais aos potenciais clientes (facto não controvertido);
4-A coberto das ordens de serviço n°s OI2014….. a OI2014….., de 30/06/2014, a Administração Tributária procedeu a inspeção à atividade do impugnante, que abrangeu os exercícios de 2009 a 2013 e 2014.03T, em sede de IVA, com início em 08/07/2014 e fim em 31/07/2014 (cfr.relatório de inspecção junto a fls.11 a 22 do processo administrativo apenso);
5-Foi efectuado projeto de relatório de inspeção tributária e o impugnante, notificado do mesmo, nada veio dizer (cfr.relatório de inspecção junto a fls.11 a 22 do processo administrativo apenso);
6-Em 02/09/2014, os serviços de inspeção elaboraram o relatório final de inspeção tributária e anexos que aqui se dão por integralmente reproduzidos e do qual consta, no que ora importa, o seguinte:
“(…)

«Texto no original»

(…)
(cfr.relatório de inspecção junto a fls.11 a 22 e anexos de fls.23 a 29, tudo do processo administrativo apenso);
7-Sobre o relatório a que se refere o número anterior recaiu o seguinte despacho: “Concordo.”, proferido pelo Diretor de Finanças de Faro (cfr.documento junto a fls.11 do processo administrativo apenso);
8-Em consequência do relatório identificado no nº.6, a Administração Tributária emitiu as liquidações de IVA e juros compensatórios constantes de fls.9 a 35 dos presentes autos, sendo relativas a períodos trimestrais de Março de 2010 a Março de 2014 e no montante total de € 13.635,65 (cfr.documentos juntos a fls.9 a 35 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “...Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados e no p.a., cuja veracidade não foi posta em causa…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente a presente impugnação e manteve as liquidações objecto do processo (cfr.nº.8 do probatório).
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em primeiro lugar e em sinopse, que são ilegais as liquidações adicionais de I.V.A. objecto do presente processo, tendo em conta que o enquadramento no regime de isenção do apelante foi efectuado pela Autoridade Tributária e que a respectiva alteração, a ser possível, apenas podia ter efeitos para o futuro, sob pena de violação do princípio constitucional da irretroactividade e da segurança na aplicação das normas. Que este entendimento tem vindo a ser seguido pelo T.J.U.E. (cfr.conclusões 1 a 17 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a sentença do Tribunal “a quo” comporta tal vício.
Encontramo-nos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.940 e seg.). No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/4/2006, proc.64561/96; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc.4401/10; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 5/6/2012, proc.5445/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7164/13; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.).
O princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, expresso na não violação de direitos adquiridos ou frustração de expectativas legítimas, sem fundamento bastante, deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de Direito democrático (cfr.artºs.2 e 9, al.b), da C.R. Portuguesa). De acordo com o mesmo princípio, apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio de protecção da confiança (cfr.ac. T.Constitucional 1011/1996, 8/10/1996; ac.T.Constitucional 260/2010, 29/6/2010; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.8013/14; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.204 e seg.).
Os artºs.18, nº.3, e 103, nº.3, da C.R.Portuguesa, constituem expressão do princípio da irrectroactividade da lei, nomeadamente das leis tributárias (cfr.artº.12, nº.1, da L.G.T.). Concretamente, o artº.103, nº.3, do diploma fundamental, consagra, além do mais, a proibição de impostos retroactivos, explicitando um postulado que já poderia considerar-se como uma decorrência do princípio da protecção da confiança, inscrito no princípio do Estado de direito (artº.2, da C.R.P.). Desse modo, não são lícitos constitucionalmente os impostos criados para incidir sobre rendimentos já auferidos ou sobre factos tributários (transacções, etc.) já terminados. A forma enfática como a norma está formulada não deixa dúvidas sobre a natureza absoluta desta proibição, dando a todo o contribuinte o direito de se recusar a pagar tal imposto (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1092 e seg.).
Nessa medida, o imposto retroactivo (ou qualquer outra norma fiscal retroactiva, desde que desfavorável) é sempre constitucionalmente ilícito. A Constituição fez aplicação à obrigação de pagar impostos - que se traduz sempre numa ablação pecuniária dos contribuintes - do mesmo regime de proibição da retroactividade que vale para as restrições de direitos, liberdades e garantias (cfr.artº.18, nº.3, da C.R.P.). A imposição da proibição de retroactividade da lei fiscal procura, pois, salvaguardar o princípio da protecção da confiança dos cidadãos, princípio estruturante do Estado de direito democrático, que exige, à luz do princípio da legalidade, que a lei só deverá reger para o futuro, como resulta do brocardo latino “nullum tributum sine praevia lege” (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1093; J. Bacelar Gouveia, A proibição da rectroactividade da norma fiscal na Constituição Portuguesa, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.33 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.102).
No caso “sub judice”, antes de mais, deve lembrar-se que cabe à A. Fiscal, no exercício dos seus poderes de inspecção, verificar conjunturas de irregularidade, nomeadamente, situações de errado enquadramento fiscal, alterações da realidade fáctica em confronto com elementos declarados, etc., procedendo às correcções oficiosas necessárias, apenas tendo como limite temporal a caducidade do direito à liquidação, nos termos do artº.45, da L.G.T., em sede do procedimento tributário de verificação e comprovação (cfr.artº.54, da L.G.T.; artº.12, do R.C.P.I.T.).
Ora, da factualidade provada (cfr.nº.6 do probatório) retira-se que, não obstante o enquadramento inicial do impugnante/recorrente, no regime de isenção de I.V.A. (tanto ao abrigo do artº.9, como do artº.53, ambos do C.I.V.A.), aquando da sua declaração de início de actividade, mais tarde, mediante processo inspectivo, verificou a Fazenda Pública que a partir de 01/02/2009, atendendo ao facto dos seus rendimentos, em 2008, terem sido superiores ao limite de isenção previsto no artº.53, do C.I.V.A., mais não se enquadrando a sua actividade no regime de isenção do artº.9, do mesmo diploma, pelo que os serviços prestados estão sujeitos a imposto de acordo com o regime normal, trimestral (devendo cobrar I.V.A. nos recibos que emitia), em consequência do que estruturou liquidações a partir do 1º. trimestre de 2010, por obediência ao prazo de caducidade do direito à liquidação.
Tal actividade da A. Fiscal não põe em causa os princípios da irretroactividade e segurança jurídica, contrariamente ao que defende o apelante, antes decorrendo dos deveres da Fazenda Pública inerentes ao exercício das suas funções de repor a verdade material na situação tributária dos contribuintes, tudo conforme supra delineado e em sede de procedimento tributário de verificação e comprovação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/11/2016, rec.1648/15).
Por último, sempre se dirá que as liquidações objecto do presente processo em nada violam o direito/jurisprudência comunitários, concretamente, os aplicáveis ao I.V.A.
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente alicerce do recurso e, nessa medida, confirma-se a decisão recorrida.
Defende o apelante, igualmente e em síntese, que a sua actividade sempre foi dirigida no sentido de angariar clientes e promover os serviços, garantindo, em termos finais, a concretização da respectiva venda de direitos de utilização sobre bens imóveis por parte da empresa que os comercializa. Que a actividade levada a efeito pelo recorrente é susceptível de enquadramento no âmbito da isenção prevista no artº.9, nº.27, al.e), do C.I.V.A., na redacção em vigor à data (cfr.conclusões 18 a 28 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro lucupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2015, proc.6525/13).
Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.157 e seg.).
Especificamente, sobre a actividade de locação de bens imóveis, recorde-se que o princípio geral de tributação, consagrado no C.I.V.A., considera que a locação de bens imóveis é uma prestação de serviços sujeita a I.V.A., em resultado da conjugação do artº.1, nº.1, al.a), com o artº.4, nº.1, do mesmo diploma. No entanto, o próprio C.I.V.A. prevê derrogações ao princípio geral, entre as quais se encontra a prevista no artº.9, nº.30, que determina que a locação de bens imóveis se encontra isenta de I.V.A. (estamos perante uma isenção simples ou incompleta, a qual não confere direito à dedução de imposto, ou seja, sem crédito de imposto suportado a montante, em sede de operações internas), tudo na esteira do consignado no artº.13, da Sexta Directiva I.V.A. (cfr.directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977). O contrato de locação de imóvel que se enquadra na norma sob exegese, independentemente da natureza jurídica do negócio e do estatuto do locador, consiste na colocação passiva do imóvel à disposição do locatário, em conformidade com o conceito de locação definido nos artºs.1022 e 1023, do C.Civil (a renda recebida pela cedência de espaço nu), assim constituindo uma actividade relativamente passiva ligada ao simples decurso do tempo e que não gera um valor acrescentado significativo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/9/2016, proc.8092/14; Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, O Direito à Dedução do IVA, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.15, Almedina, 2014, pág.139 e seg.).
Abordemos, agora, a específica actividade de venda de direitos de utilização sobre bens imóveis e a sua consequente tributação/isenção em sede de I.V.A.
Defende o recorrente que a sua actividade de angariação de clientes e promoção de serviços de venda de direitos de utilização sobre bens imóveis por parte da empresa que os comercializa (““L………. D…………..- Sucursal em Portugal”) é susceptível de enquadramento no âmbito da isenção prevista no artº.9, nº.27, al.e), do C.I.V.A.
Antes de mais, haverá que estabelecer a destrinça entre os direitos reais de habitação periódica e os direitos obrigacionais de habitação periódica (direitos de habitação turística), a qual tem a ver com o respectivo período de constituição, aspecto essencial para o posterior exame do seu tratamento em I.V.A. Os direitos reais, na falta de indicação em contrário, têm natureza perpétua, podendo ser-lhes fixado um limite (mínimo) de duração de quinze anos. Já os direitos obrigacionais, na falta de indicação em contrário, igualmente têm natureza perpétua, embora lhes possa ser fixado um limite (mínimo) de três anos (cfr.dec.lei 22/2002, de 31/01; Clotilde Celorico Palma, Tratamento em IVA da venda de direitos de habitação turística, in Estudos de Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.115 e seg.).
Dispõe a norma constante do citado artº.9, nº.27, al.e), do C.I.V.A., após a republicação do dec.lei 102/2008, de 20/06 (anterior artº.9, nº.28, al.f), do C.I.V.A.), o seguinte:
Artº.9
(Isenções nas operações internas)
Estão isentas de imposto:
"(...)
27-As operações seguintes:
(…)
e) As operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a acções, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos títulos representativos de operações sobre bens imóveis quando efectuadas por um prazo inferior a 20 anos;
(...)".

Com esta norma, a qual comporta uma enumeração taxativa, pretendeu o legislador isentar (isenção incompleta por não permitir recuperar o IVA suportado a montante) da tributação em sede de I.V.A. as operações relacionadas com participações sociais e outros títulos mobiliários de origem pública ou privada, incluindo a negociação. Do âmbito das operações abrangidas pela isenção excluem-se, porém, as operações que consistam na simples guarda, ou a administração ou gestão, dos mencionados títulos. Por outro lado, não estão abrangidas pela isenção todas as operações referentes a títulos representativos de mercadorias ou representativos de operações sobre bens imóveis efectuadas por um prazo inferior a vinte anos. Especificamente, quanto aos direitos obrigacionais de habitação periódica (direitos de habitação turística), atendendo à “ratio legis” da norma (vide prazos fixados pelo mencionado dec.lei 22/2002, de 31/01), a sua transmissão por período superior a três anos e inferior a quinze anos não está isenta de I.V.A., antes estando sujeita às regras gerais de tributação, incidindo imposto à taxa reduzida de acordo com o previsto na verba 2.15, da Lista I, anexa ao C.I.V.A. (actual verba 2.17), dado estar em causa a prestação de um serviço de alojamento. Pelo contrário, caso a transmissão destes direitos exceda os quinze anos, tratar-se-á de uma operação isenta, nos termos desta norma (cfr.Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.145 e seg.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.242 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Tratamento em IVA da venda de direitos de habitação turística, in Estudos de Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.115 e seg.).
Por outro lado, deve recordar-se que o conceito de prestação de serviços para efeitos de isenção, em sede de I.V.A., já foi apreciado pelo T.J.U.E. De acordo com a mesma apreciação, haverá que aferir se a responsabilidade do prestador de serviços se limita a aspectos técnicos ou se é extensiva aos elementos específicos e essenciais da operação, abrangendo a negociação na concretização da venda dos títulos (direitos de utilização dos imóveis). Não obstante, se o prestador de serviços não ocupar o lugar de uma das partes no contrato, negociando autonomamente os detalhes da operação, não se qualifica como prestador de serviços isento de I.V.A. (cfr.v.g. ac.TJCE de 5/6/1997, Proc.C-2/95, Caso SDC; ac.TJCE de 13/12/2001, Proc.C-235/00, Caso CSC Financial Services).
Socorrendo-nos agora, especificamente, da doutrina emanada do citado acórdão do S.T.A.-2ª.Secção, de 28/02/18, proferido no processo nº.1645/15, derivada da consulta, em sede de reenvio prejudicial ao T.J.U.E., deve concluir-se que o artº.15, nº.2, e o artº. 135, nº.1, al.f), da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que o conceito de «negociação», na acepção desta última disposição, é susceptível de dizer respeito a uma actividade que seja a de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, consistindo esse serviço em fazer o necessário para que o vendedor e o comprador assinem esse contrato, sem que o próprio intermediário o assine e, em todo o caso, sem que ele tenha um interesse próprio no conteúdo desse mesmo contrato. Mais incumbindo ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se estes requisitos estão preenchidos no litígio que lhe foi submetido. Já no que se refere ao conceito de «título» resulta da redação do artº.135, nº.1, al.f), da Directiva IVA, que a isenção aí prevista se refere especificamente às operações relativas, por um lado, a títulos que conferem um direito de propriedade sobre pessoas coletivas e, por outro, a títulos que representam uma dívida, reconduzindo-se a operações realizadas no mercado de valores mobiliários. Quanto aos «demais títulos» visados por essa isenção (cfr.artº.9, nº.27, al.e), do C.I.V.A., supra examinado) devem ser de natureza jurídica comparável aos títulos especificamente visados pelas operações isentas com base no citado artº.135, nº.1, al.f), da Directiva IVA, mais sendo excluídos de tal isenção os títulos representativos de mercadorias, bem como as participações e as acções cuja posse confira, de direito ou de facto, a propriedade ou o gozo de um bem imóvel ou de uma fracção de um bem imóvel.
Revertendo ao caso dos autos, decorre do probatório (cfr.nºs.2, 3 e 6 da matéria de facto) que a actividade do recorrente consistia na angariação de clientes e promoção de os serviços, garantindo a concretização da respetiva venda por parte da empresa que os comercializa, em função de directivas previamente estabelecidas, mais concedendo descontos e brindes promocionais, também previamente determinados pela sociedade “L............ - Sucursal em Portugal”, para todos os colaboradores. Assim sendo, o impugnante/recorrente, enquanto prestador de serviços, não actuava de modo a ocupar o lugar de uma das partes no contrato, pois não tinha autonomia na negociação dos contratos a celebrar, já que estava sujeito às condições e medidas determinadas previamente pela sociedade a quem prestava os serviços de angariação e promoção dos direitos de utilização sobre os imóveis. O facto de ser comissionista, em nada altera tal qualificação da prestação de serviços. Por outro lado, igualmente não se retira do probatório que a transmissão dos direitos de habitação turística exceda os quinze anos.
Ainda vertendo ao probatório, do mesmo se retira que o recorrente não exerce uma actividade correspondente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos e, assim não sendo, a actividade por si desempenhada não cabe na previsão do disposto no examinado artº.9, nº.27, al.e), do C.I.V.A. (uma vez que também não cabe na previsão do citado artº.135, nº.1, al.f), da Directiva IVA).
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente esteio do recurso, mais se confirmando a decisão recorrida neste segmento, embora com a presente fundamentação jurídica.
Atento o relatado, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 21 de Junho de 2018

(Joaquim Condesso - Relator)

(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)