Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:195/09.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:LEGITIMIDADE PARA RECORRER.
Sumário:I. Tem legitimidade ad recursum quem na decisão judicial fique vencido (cfr. artigo 280º do CPPT).

II. Fica vencido quem não viu os seus interesses satisfeitos, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

A.........................., LDA recorre para este Tribunal Central Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por ela deduzida na sequência do indeferimento do recurso hierárquico, intentado do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios respeitantes aos meses de Setembro e de Outubro do ano de 2001.

A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:


«- O montante de € 89.052,79 objecto da liquidação adicional com o n° ....................... e respectivos juros compensatórios deverá ser considerado como não devido à Administração Fiscal pelo facto da soma do imposto pago e do imposto não deduzido ascender a € 110.171,22, sendo superior ao liquidado na factura.

- O montante de € 17.457,30 objecto da liquidação adicional com o n° ....................... e respectivos juros compensatórios deverá ser considerado como não devido à Administração Fiscal pelo facto da soma do imposto pago e do imposto não deduzido ascender a € 18.151,04, sendo superior ao liquidado na factura».


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo e dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que se rejeite o presente recurso, com o fundamento na ilegitimidade e falta de interesse em agir da recorrente e, caso assim não se entenda, sempre deverá o mesmo ser julgado improcedente.


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Cumprido o Princípio do Contraditório, as partes nada vieram dizer.

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Colhidos os vistos aos Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No caso trazido a exame, as questões a decidir são as seguintes:
- ilegitimidade e falta de interesse em agir da Impugnante para interpor recurso (questão suscitada pelo Ministério Público);
- se a sentença incorre em erro de julgamento ao considerar que a recorrida incumpriu o Regime Particular Aplicável às Agências de Viagens e Operadores de Circuitos Turísticos, aprovado pelo Decreto - Lei n.º 221/85, de 3 de Julho, e consequentemente decidiu manter na Ordem Jurídica a liquidação adicional de IVA n.º ......................., do ano de 2001.


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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:

«A) Os serviços da Administração Fiscal procederam à liquidação adicional de imposto à impugnante relativa às operações efectuadas em Setembro e Outubro de 2001 e respectivos juros compensatórios, apurando-se um imposto no valor de €106.510,09 e de €11.622,77, de juros compensatórios- cfr "print informático", de fls 54 a 56, do P.A. apenso aos autos.

B) A liquidação mencionada em a), teve por base uma acção externa de inspecção ao sujeito passivo, resultando um apuramento de imposto nas facturas n°2002, de 28.09.01 e da factura n°2037, de 30.10.01, de acordo com o valor liquidado, tendo-se considerado que apurou-se erradamente o imposto a entregar segundo o regime previsto no Dec-Lei n°221/85, de 03.07,

C) Do relatório mencionado em b) consta, designadamente que o sujeito passivo pratica simultaneamente actividades das agências de viagens a que se aplica o método de apuramento da base tributável de "base de base" e actividades acessórias sujeitas ao regime geral de tributação em IVA, sendo que as operações relativas às mencionadas facturas relativas à organização de eventos não serão de considerar naquele regime especial, mas sim no regime geral, tendo na respectiva declaração periódica do mês de Setembro, apenas declarado IVA liquidado segundo o regime normal, não tendo sido entregue o imposto liquidado na factura n°2002, e quanto à factura n°2037 foi aplicado os dois regimes de tributação, tendo apurado um IVA de €17.457,30 quanto ao regime geral e um montante de € 23.066,25 quanto ao regime especial, tendo declarado esse último montante ao abrigo do Dec-Lei n°221/85 e de um valor de €7.955,87, de imposto liquidado por comissões auferidas, não tendo sido entregue o imposto liquidado referente àquela factura, não sendo possível quantificar o valor de IVA efectivamente entregue referente àquelas facturas por incumprimento do art°5° daquele decreto-lei que obriga a um registo especial de modo a evidenciar os elementos da contraprestação devida pelo cliente e o custo suportado nas operações efectuadas por terceiros, não sendo de considerar o direito à dedução do imposto suportado relativo ás referidas operações por o mesmo dever ser solicitado pelo sujeito passivo ao abrigo do disposto nos n°6 e 7, do art°71° do CIVA. - cfr Relatório da I.T. de fls 119 a 182, do P.A. apenso.

D) Em 21.04.03 foi apresentada reclamação graciosa do acto de liquidação mencionada em A), cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, o qual foi expressamente indeferido por despacho de 17.10.05 após o exercício do direito de audição, tendo-se aí considerado que face á base tributável anual declarada naquele ano essencialmente no último mês do ano e resultante da diferença entre o total de custos e proveitos decorrentes de toda a actividade que desenvolve, não é possível concluir que parte do imposto liquidado já foi entregue nos cofres do Estado, não podendo a Adm substituir-se ao contribuinte no exercício do direito à dedução do imposto suportado,- cfr petição de reclamação, de fls 5 e segs, requerimento de fls 420 e segs, despacho do Director de Finanças Adjunto aposto sobre o Parecer e Informação dimanada da DJ.A. da D.F. de Lisboa, de fls 439 a 449, do Processo de Reclamação Graciosa apensa aos autos.

E) Em 28.11.05 o interessado deduziu recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida supra cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, o qual veio a merecer despacho de indeferimento dimanado do Subdirector Geral da D.S.IVA, de 23.10.08, aposta sobre o Parecer e Informação da Divisão de Administração II daquela Direcção de Serviços, na qual se refere designadamente que, foram apuradas margens negativas em diversos períodos, não se identificando as declarações periódicas onde foi declarado o IVA calculado por aplicação do regime previsto no Dec.-Lei n°221/85, no montante de € 51.783,06 respeitante à factura n°2002 e no montante de €16.177,82 respeitante à factura n°2037, resultando um apuramento incorrecto da base tributável da margem já que considerou a diferença entre os proveitos respeitantes às facturas e os custos incorridos posteriormente à sua data e contabilização, -cfr requerimento de fls 2 e segs, e Despacho, Parecer e Informação, de fls 67 a 79, dos autos de Rec. Hierárquico apenso».

Em sede de factualidade não provada, exarou-se na Sentença recorrida: «Dos factos constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita».

Quanto ao julgamento da matéria de facto, lê-se, ainda, na sentença recorrida: «A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório».

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B.DE DIREITO

Neste Tribunal Central Administrativo o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, em que começa por suscitar a questão prévia da ilegitimidade ou falta de interesse da Impugnante (doravante recorrente) para o recurso, concluindo que, « (…) deverá ser rejeitado o recurso por ilegitimidade e falta de interesse em agir da recorrente, uma vez que de acordo com a respectiva formulação nem sequer é interveniente que no processo fique vencido, nos termos do artigo 280.º do CPPT.».

Observado o contraditório, as partes nada disseram.

Começamos por recordar que a recorrente foi objecto de acção de inspecção externa, efectuada ao abrigo da Ordem de serviço n.º OI 78991, de 04.10.2002, com o objectivo de controlo e avaliação do pedido de reembolso de IVA, constante nas facturas nºs 2002, de 28.09.2001 e 2003, de 30.10.2001, respectivamente como IVA liquidado à taxa de 17%, no montante de 89.052,79€ e 17.457,30€.

Na sequência do procedimento inspectivo foram emitidas as liquidações adicionais de IVA n.ºs ......................., (0109) e ....................... (0110), respetivamente nos montantes de 89.052,79 € e 17.457,30 €, acrescidas dos respectivos juros compensatórios, as quais foram objecto de impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e na qual foram formulados os seguintes pedidos:

« a) o montante de 89. 052,79, objecto da liquidação adicional com o n.º ....................... e respectivos juros compensatórios seja considerado como não devido à Administração Fiscal, pelo facto da soma do imposto pago e do imposto não deduzido ascender a 110.171,22, sendo superior ao liquidado na factura,

b) o montante de 17.457,30 objecto da liquidação adicional com o n.º ....................... e respectivos juros compensatórios, seja considerado como não devido à Administração Fiscal, pelo fcato da soma do imposto pago e do imposto não deduzido ascender a 18.151,04, sendo superior ao liquidado na factura.».

O Tribunal «a quo» começou por conhecer a ilegalidade apontada na petição inicial à liquidação adicional n.º ......................., decidindo que não assistia razão à recorrente, uma vez que não foram « identificadas as declarações periódicas donde foi declarado o IVA calculado por aplicação do regime previsto no Dec. Lei n.º 221/85, no montante de 51.783,06 respeitante à factura nº 2002 e no montante de 16.177,82 respeitante à factura n.º 2037».

E, conhecendo da ilegalidade dirigida à liquidação adicional n.º ......................., decidiu dar razão à recorrente referindo que « (…) não se poderá deixar de considerar o direito à dedução do imposto invocado pelo sujeito passivo em sede de elaboração do relatório de inspecção e em sede de impugnação administrativa não podendo a Adm. Se escudar na consideração de que tal direito só se torna viável através do pedido formulado nos termos do disposto n.º 6 e 7, do art.º 71.º do CIVA.».

Na parte decisória da sentença consta o seguinte: «Nos termos expostos, considera-se parcialmente procedente a impugnação deduzida, devendo ser anulado o acto tributário controvertido, que deverá ser substituído por nova liquidação de imposto que considere o direito à dedução do imposto suportado relativo às operações sujeitas a imposto.».

É, pois, este o quadro a ter em conta para apreciação da questão prévia que foi dirigida a este Tribunal.

Vejamos, então.

Sob a epígrafe «Recursos das decisões proferidas em processos judiciais» o n.º1 do artigo 280.º do CPPT ( na redacção aplicável) estabelecia o seguinte:

«Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.».

Comentando este preceito legal escreve o Senhor Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa: «A legitimidade para recorrer é um aspecto da legitimidade processual, pelo que deve entender-se que fica vencido quem é prejudicado ou afectado pela decisão. Normalmente, ter ficado vencido é consequência de a decisão ser contrária à posição assumida no processo ou à pretensão formulada(Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Volume III 6.ª edição 2011 pág.414).

Pode ler-se, ainda, com relevo para a presente decisão, os seguintes acórdãos:

- de 26.06.1997, proferido no processo n.º 042106 - Supremo Tribunal Administrativo:

«A parte vencida é a parte prejudicada com a decisão judicial»;

- de 08.10.1997, proferido no processo n.º 97S079 - Supremo Tribunal de Justiça:

«“Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou pracial dos seus interesses»” (ambos disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt).

Acolhendo o explanado, diremos em resumo e noutra linguagem que fica vencido quem não viu os seus interesses satisfeitos, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial.

Ora, no caso, como se vê da fundamentação jurídica da sentença, cujo teor deixámos transcrito, a recorrente viu o seu interesse parcialmente satisfeito, por ter ficado vencida quanto ao pedido que identificou b), aliás, só assim se compreende a expressão contida no segmento decisório «considera-se parcialmente procedente a impugnação deduzida.».

Sendo assim, não obtendo a recorrente “ganho de causa”, relativamente à liquidação adicional de IVA n.º ......................., forçoso é concluir que possui legitimidade ad recursum para pôr em causa nesta parte a sentença proferida, já que foi directa e efectivamente prejudicada.

Daí que não possa afirmar-se como o faz o Ministério Público que, o recurso deva ser rejeitado.

Aqui chegados, é altura de conhecer do mérito do recurso.

A Administração Tributária considerou que não possuindo a recorrente o «registo especial» das operações abrangidas pelo Decreto – Lei n.º 221/85 de 3 de Julho, não era possível quantificar o valor de IVA entregue referente às facturas nºs 2002, de 28.09.2001 e 2003, de 30.10.2001, por incumprimento do artigo 5.º do referido diploma legal.

Este entendimento, foi seguido pelo Tribunal «a quo».

Ora, compulsadas as alegações de recurso e respectivas conclusões, verifica-se que a recorrente, se limita a reiterar a posição assumida na petição de impugnação, sem impugnar a decisão relativa à matéria de facto que suportou o decidido quanto à anulação da liquidação de IVA n.º ......................., no montante de 89. 052,79€.

Por conseguinte, permanecendo inalterada a decisão do Tribunal «a quo» quanto à matéria de facto dada como provada, nenhuma censura há a fazer ao decidido, uma vez que sucesso do recurso interposto pela recorrente dependia da alteração da matéria de facto no que à interpretação e aplicação do Direito respeita.

Com efeito, determinando o artigo 5.º do Decreto – Lei n.º 221/85, de 3 de Julho (Regime Particular Aplicável às Agências de Viagens e Operadores de Circuitos Turísticos), que as operações efecuadas pelas agências de viagens e organizadores de circuitos turísticos devem ser escrituradas em registo especial e não resultando provado que o mesmo tenha sido criado pela recorrente (onde deveriam ter sido escrituradas todas as operações efectuadas ao abrigo do regime especial de tributação previsto naquele diploma legal) outra conclusão não poderia levar que não aquela que foi extraída pelo Tribunal « a quo».

Improcede, pois, o recurso interposto.

IV. CONCLUSÕES

I. Tem legitimidade ad recursum quem na decisão judicial fique vencido (cfr. artigo 280º do CPPT).

II.Fica vencido quem não viu os seus interesses satisfeitos, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial.

V.DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 4 de Junho de 2020.


[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]