Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08445/15
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/21/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:REMESSA DOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO FISCAL AO TRIBUNAL DA FALÊNCIA OU INSOLVÊNCIA.
ARTº.180, DO C.P.P.T.
PROCESSOS DE OPOSIÇÃO EM QUE SE DISCUTE OS REQUISITOS DA REVERSÃO NÃO DEVEM SER APENSOS.
NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
MÉTODO DE AFERIÇÃO DA CULPA DO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.T.
Sumário:
1. Apesar da declaração de insolvência da sociedade executada originária, não deve a presente oposição ser apensa ao processo falimentar ao abrigo do artº.180, do C.P.P.T., porque deduzida por responsável subsidiário e em que é discutida a verificação dos requisitos de que depende a reversão da execução, assim não havendo qualquer razão que possa justificar a apensação.
2. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
3. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
4. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
5. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
6. É pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
7. A culpa em causa no artº.24, nº.1, da L.G.T., deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Beja, exarada a fls.261 a 277 do presente processo que julgou procedente a oposição pelo recorrido, António................................., intentada, visando a execução fiscal nº............................, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Santiago do Cacém, contra este revertida e instaurada para a cobrança de dívida de I.R.C., do ano de 2007 e no montante de € 8.869,93 e acrescido.
X

O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.297 a 324 dos autos) formulando as seguintes conclusões, após notificação para as sintetizar:
1-Não deve colher o alegado pelo ora oponente, designadamente que a falta de pagamento da dívida não lhe é imputável, e que tudo fez para solver as suas obrigações fiscais, desde logo porque deixou arrastar a situação [(cf. petição inicial) PI - 8.º a 32.º)] durante uns longos quatro anos (2005/2009), balanceando entre a cessação da actividade e/ou a continuidade da mesma;
2-Atento o facto de somente em 2009 (PI - 32 e ss) haver requerido a insolvência, logo extemporânea à luz do artigo 18/1, do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa (CIRE), cujo pedido devia ocorrer (naquela ocasião) dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la, levando a cabo uma gestão, em tudo, menos conforme ao estatuído designadamente nos artigos 71.º a 84.º e 252.º a 262.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), no artigo 1140.º do CPC e o no artigo 18.º do CIRE;
3-Assim, ao invés do referido na douta sentença, salvo melhor apreciação em contrário, também não deve colher o entendimento professado pelo Tribunal a quo, segundo o qual "Apesar das dificuldades de prova da não culpa, o oponente alegou e comprovou razoavelmente factos concretos de onde é possível inferir que a insuficiência patrimonial se deveu a circunstâncias que lhe foram alheias…”;
4-Sendo tal entendimento irrelevante, porque, como referido, a prova que impendia sobre ora oponente, e que no entender da Fazenda Pública não faz, era a de que a falta de pagamento do tributo não lhe era imputável;
5-Na verdade, sobre todos os administradores/gerentes impende o dever de administrar com diligência as sociedades; ou seja, todos os administradores/gerentes têm o dever ou a obrigação geral de vigilância sendo que este dever não deve ser aferido pelo padrão de referência do bónus pater familiae, mas sim e como estabelece a alínea a), do n° 1, do artigo 64.º, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), tendo como padrão de referência a figura do gestor criterioso e ordenado;
6-Infirmando, assim, o depoimento, designadamente da primeira (1ª) Testemunha, quando refere que a ......................, Lda., tinha uma política de terra queimada, desde logo porque, in casu, um subempreiteiro não devia ignorar que não está só no mundo das subempreitadas, sendo a concorrência tida como normal numa economia de mercado, como a portuguesa, ancorada naturalmente na lei da oferta e da procura;
7-Daí que, face à perda de confiança na ante dita empresa, o ora oponente devia, antes mesmo de procurar (novas subempreitadas) novos empreiteiros, interpor as acções judiciais, tidas por convenientes, contra a ..........................................., Lda., por incumprimento dos contratos anteriormente celebrados, já executados, acompanhados dos respectivos autos de medição, tudo, sem prejuízo da respectiva comunicação junto do INCI-Instituto da Construção e do Imobiliário IP, que tem como grande missão inspeccionar e fiscalizar os mercados da construção e do imobiliário;
8-Assim, sim, se as descritas iniciativas, ora enunciadas, tivessem sido levadas a cabo pelo ora oponente, poderíamos estar perante a alegada "prova da não culpa", persuadindo deste modo, designadamente o Tribunal, que a gerência fez tudo o que estava ao seu alcance para defender a empresa, seus credores e trabalhadores;
9-Mas não foram. E mais, a situação, não só se deteriorava, cada dia que passava, como se arrastou durante anos, tendo a sociedade sido apresentada à falência fora do tempo legalmente definido como conveniente ou apropriado, tendo a insolvência, ab initio, sido qualificada com carácter pleno - IV. Decisão/d. "Declara-se aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno." - decorrendo da douta petição inicial (PI - 13 e ss) que no final de 2005 as responsabilidades da ........... para com a .................., ascendiam a pelo menos € 292.891,08, para (PI - 18 e ss) em finais daquele mesmo ano tais responsabilidades assumirem pelo menos o valor de € 381.532,32;
10- Porém, a realidade que resulta dos autos, diz-nos que a ............... (PI- 10 e ss) apenas intentou uma execução, em 12-12-2006, da qual alega nada ter recebido, não se fazendo referência a quaisquer contratos de subempreitada e, a existirem, se dos mesmos decorria a obrigação da aceitação de letras câmbio como modalidade de pagamento, somente se fazendo menção (PI - 6 e ss) que a partir de 2003 a ........... (empreiteiro) começou a entrar em incumprimento ao fim de pouco tempo, mas com intensidade a partir de 2005, deixando a ............... "...sem meios para satisfazer as suas obrigações perante fornecedores e a administração fiscal.";
11-Tendo ainda sido alegado (PI - 7 e ss) que a ........... pagava sistematicamente as facturas com letras, que a .............. descontava e que, posteriormente iam sendo amortizadas parcialmente através da reforma de letras por outras de menor valor mas mantendo sempre um elevado passivo bancário, desconhecendo-se:
- Quais os motivos, lícitos ou ilícitos, que impeliam a ............., o ora oponente, aceitar os pagamentos em letras de câmbio?
- Se lícitos, e a existirem, decorria tal obrigação dos contratos de subempreitada, celebrados entre a ............... e a ............, e em que termos?
- Por que motivo, à excepção da execução movida em finais de 2006, face à perda de confiança na antedita empresa (no empreiteiro), desistiu a ............. de recorrer à barra dos Tribunais, à Justiça?
- Como alegado, com tanto incumprimento (tanta dívida) por parte da ............., quais os motivos que levaram a ............ a permanecer ligada a tal empreiteiro, em vez de optar, o que para além de normal seria de inteira Justiça, por interpor as acções judiciais, tidas por convenientes, contra a ................................, Lda., por incumprimento dos contratos anteriormente celebrados, já executados, acompanhados dos respectivos autos de medição?
- Supostamente com toda a razão do mundo do seu lado, por que motivo nunca denunciou a situação junto INCI - Instituto da Construção e do Imobiliário IP, entidade com competência, inclusive, para proceder à apreensão de licenças, alvarás das empresas incumpridoras das normas que regulam os mercados?

12-Como aludido, ocorrendo a falta de pagamento no período da sua gerência, a reversão operou não a coberto da alínea a) do n.º 1, do artigo 24.º Lei Geral Tributária (LGT), mas sim ao abrigo da sua alínea b), sendo que, no caso da al. b), e porque esta (a falta de pagamento) ocorre durante o período da gerência, a lei presume a responsabilidade por essa falta e impende sobre o gerente o ónus da prova da falta de responsabilidade pela falta do pagamento;
13-Na verdade, ao invés do alegado, tudo acontecendo por não ter observado, em devido tempo, o dever de cuidado que a situação exigia, desde logo, como acima referido, não ..."revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado...";
14-Neste quadro, a Fazenda Pública não pode, pois, deixar de ajuizar que o oponente não logrou provar que não lhe deve ser assacada culpa pela frustração dos créditos tributários, por, ao invés do referido na douta sentença, não resultar provado que a falta de pagamento não lhe é imputável, matéria em que foi acompanhada pelo Ministério Público, incluindo nas alegações pré-sentença;
15-Decorrendo da Jurisprudência, designadamente do Ac. TCAN, de 2/06/2005, processo 289/04, "(...) Sabido que no exercício das suas funções os gerentes têm o dever de administrar a empresa de modo a que esta subsista e cresça, devendo cumprir os contratos celebrados, pagar as dívidas da sociedade e cobrar os seus créditos, tornava-se necessário que o oponente provasse que a falta de cumprimento da obrigação de pagamento das dívidas exequenda foi de todo alheia à sua vontade, persuadindo o Tribunal de que tomou todas as diligências que um gerente prudente e responsável teria tomado nas mesmas circunstâncias para cumprir tais obrigações.";
16-Porém, o ora oponente, como bem refere a DMMP, sem colocar em causa a sua gerência de facto na sociedade, limitar-se-ia a alegar "...que não contribuiu para a falta ou insuficiência dos bens desta", quando a alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, da LGT, é aplicável às situações em que o prazo legal de pagamento ou entrega termina no período de exercício do cargo de gerência, abrangendo as dívidas que se vencem durante essa gerência, independentemente de terem sido efectivamente liquidadas ou postas à cobrança nesse espaço de tempo, razão por que caberá aos gerentes provar que não lhes é imputável a respectiva falta de pagamento;
17-Como referido, não tendo o ora oponente, e gerente daquela sociedade, logrado fazer prova de que o incumprimento das dívidas ora em apreço não são da sua responsabilidade, deve concluir-se, num juízo de normalidade, que não usou da diligência de um gestor cuidadoso e meticuloso e, assim, que não conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia;
18-Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a Vossas Excelências se dignem julgar procedente o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a oposição improcedente por provada a legitimidade do oponente, tudo com as devidas e legais consequências.
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O opoente e ora recorrido produziu contra-alegações (cfr.fls.325 a 328 dos autos), nas quais pugna pela manutenção do julgado, embora sem formular conclusões.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.368 e 369 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.

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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.266 a 272 dos autos - numeração nossa):
1-Em 2009/04/14, no Serviço de Finanças de Santiago do Cacém foi autuado o processo de execução fiscal nº........................., contra "........................, Lda.", com sede no Bairro .................., Rua do......................, nº 1......, Vila Nova de Santo André (cfr.documento junto a fls.1 do processo de execução fiscal apenso);
2-O qual visa a cobrança coerciva da certidão de dívida nº ...................., emitida em 2009/04/14, que atesta que "..................................., Lda.", com sede no Bairro......................, Rua do.........................., nº ......., Vila Nova de Santo André, é devedora de € 8.869,93, dos quais € 8 695,55 de IRC do exercício de 2007 e € 174,38, de juros, com pagamento voluntário até 2009/03/21, mais atestando que são devidos juros de mora contados a partir de 2009/03/24 (cfr.documento junto a fls.2 do processo de execução fiscal apenso);
3-Por carta registada com aviso de recepção assinado em 2011/04/19, foi enviado ao oponente ofício normalizado notificação audição-prévia/reversão (cfr.documentos juntos a fls.24 e 24-v do processo de execução fiscal apenso);
4-Por despacho de 2011/05/11, do Chefe de Finanças, constante de fls.29 a 31 do PEF apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido, a execução fiscal foi revertida contra o oponente, António........................., deste despacho se transcrevendo:

a.Despacho
b. Através da análise e instrução dos presentes autos, constata-se a inexistência de bens pertencentes à executada e originária devedora .........................., Lda., em liquidação (…);
c. (…);
d. Após as diligências efectuadas, nomeadamente consulta a todos os sistemas informáticos, para averiguação de existência de bens, não foi possível encontrar quaisquer bens penhoráveis em nome da executada e devedora originária;
e. Desde 1998/07/16 até 2008/11/12, foram (… ) sócios gerentes, de direito e de facto da executada e devedora originária (…) e António......................................... (…);
f. Toda a informação antes relatada fundamenta-se no seguinte:
i. (…);
ii. Certidão permanente do teor da matrícula (…);
iii. Fotocópia da declaração de alterações, apresentada em 1998/10/22 (…);
iv. Fotocópia da escritura de alteração parcial de pacto social, lavrada em 1998/07/16 no Cartório Notarial de Sines (…);
v. Fotocópia da declaração de alterações, apresentada em 2001/06/26 (…);
vi. Fotocópia da declaração de alterações, apresentada em 2002/03/14 (…);

g. Perante a informação que antecede conclui-se que os sócios gerentes, de direito e de facto da executada e devedora originária (… ) e António ............................. (…) foram e são responsáveis pelos actos decorrentes da actividade da devedora originária, nomeadamente no que diz respeito ao período de origem das dívidas, bem como ao tempo da liquidação e/ou cobrança das mesmas;
h. (…);
i. Face ao exposto, constatada a inexistência de bens da originária devedora e tendo como fundamento legal o disposto no artigo 153/2 CPPT, ordeno a reversão da execução contra os responsáveis subsidiários (…) e António.............................. (…) nos termos dos artigos 23º e 24/1. b) da LGT e artigo 8º do RGIT, por toda a quantia exequenda em dívida nestes autos e a seguir discriminada:
j. (…);
k. A decisão agora produzida funda-se na presunção legal de culpa, dos agentes acima identificados, baseadas nas informações oficiais e provas documentais inclusas nos autos;
l. Os períodos de vigência da legislação invocada e que antes se expressaram, vigoram não só para o período a que respeita a dívida, como também para aquele em que decorreu o respectivo prazo legal de pagamento;
m. (…);

5-Por carta registada com aviso de recepção assinado em 2011/05/24, foi enviado ao oponente ofício normalizado citação (reversão), constante de fls.36 do PEF apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr.documentos juntos a fls.36 e 38 do processo de execução fiscal apenso);
6-A sociedade "........................, Lda.", por sentença de 2009/09/24, proferida no processo nº 746/09.8T2STC, que correu termos no Juízo de Pequena e Média Instância no Tribunal da Comarca do Alentejo Litoral foi declarada insolvente (cfr.documento junto a fls.51 a 59 dos presentes autos);
7-Por despacho de 2010/01/15, proferido no mesmo processo nº 746/09.8T2STC, que correu termos no Juízo de Pequena e Média Instância no Tribunal da Comarca do Alentejo Litoral, a insolvência de "..............................., Lda." foi declarada como fortuita (cfr.documento junto a fls.60 e 61 dos presentes autos);
8-O opoente foi gerente da "................................, Lda." até à declaração de insolvência da executada originária (cfr.cópia de certidão junta fls.6 a 8 do processo de execução fiscal apenso);
9-Nos anos de 2003 a 2006, a "............................., Lda.", laborava em cerca de 90% para a "....................................., Lda." (cfr.cópia de balancetes juntos a fls.22 a 42 dos presentes autos);
10- A "..................................., Lda.", satisfazia as facturas através de letras sucessivamente reformadas, reformas que a partir de 2006 foram recusadas pela banca (cfr.documentos juntos a fls.43 a 47 dos autos);
11-Os pagamentos e custos bancários pelas reformas das letras acima referidas correram frequentemente pelo opoente, do seu próprio bolso (depoimentos das testemunhas).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas ouvidas.
1ª Testemunha: Eduardo............................., empresário, trabalhou para a ...............; a sociedade funcionou durante vários anos; prestava serviços de metalurgia, era empreiteira mas sobretudo subempreiteira; era uma empresa de mão-de-obra intensiva, com trabalho por medida; a ............. era muito dependente da ............. que lhe ficou a dever muito dinheiro; assistiu a que o Opoente hipotecou a casa que já estava paga para tentar salvar a empresa e a ter de emigrar para fazer face às dívidas; a ......... tinha uma política de «terra queimada», baixaram os preços de mercado conseguindo as empreitadas e os demais ou trabalhavam para eles ou não tinham trabalho; depois a ............... não pagava aos subempreiteiros; o Opoente fez tudo para tentar salvar a empresa, chegando a dar o seu aval pessoal aos bancos, nomeadamente ao ........; o Opoente era muito bom técnico, mas o contabilista que ele tinha «não o queria nem dado»; e como não havia dinheiro este deixou de trabalhar para ele;
2ª Testemunha: Luzia............................., TOC; trabalhou para a ............, Lda., entre 2005 e 2007, conhece o Opoente e é amiga dele; a ............. fornecia trabalhadores e transporte para as obras da ..........; era muito difícil obter os pagamentos da ............, pagavam com letras e depois não pagavam os custos da reforma das letras; o Sr................... chegou a estar vários dias consecutivos, sentado numa cadeira para falar com Senhor e conseguir receber algum dinheiro; os pagamentos eram feitos por letras que eram reformadas; o Sr. .............. dependia da ............. e ia até lá para receber alguma coisa; os valores em dívida eram já muito elevados; e tinha de pagar salários às pessoas e à Segurança Social; os trabalhos eram também na área da pintura e decapagem que é trabalho muito duro e que exige especialização; a ............ tinha como clientes a .............. e a ............. que eram empresas muito estáveis a pagar; daí os subempreiteiros acreditarem que iam receber também; o Opoente dizia ter posto já muito dinheiro dele; havia muitas letras passadas e de valor muito muito elevado; os encargos financeir os à não reforma das letras agravavam a situação; a ......... fechou, muitas execuções, muitos cheques devolvidos; muitos documentos deixaram de ir à sua mão; ficava chocada por o Banco de Portugal não actuar; o Sr. .............. foi um dos que continuou a trabalhar; pensa que o Sr. .......... conhecia o Sr. ............. e o Sr. ............ há muito tempo e que acreditava que eles iam pagar;
3ª Testemunha: Carla...........................; escriturária, trabalhou para a .......... até 2007; conheceu o Oponente na ............ para a qual a .............. prestava serviços; tinham chefes de equipa que tinham de ser formadas com os trabalhadores; a ............ a maior parte das vezes pagava com letras; faziam as reformas mas quase nunca entregavam o cheque de amortização; entregavam outra letra; eram valor es elevados, chegaram a ter 300 homens a trabalhar; o Sr. .......... passava muito tempo no escritório a ver se conseguia os pagamentos; no início a ........... até pagava certinho mas depois começaram a pagar em letras e eram letras sobre letras; o Sr. ............ não podia deixar de trabalhar senão deixava de receber e já tinha valores altos para receber; a mãe faleceu e quando voltou já era outra empresa e dois ou três meses depois saiu; lembra-se de terem estado a negociar a entrada de outros sócios mas a empresa tinha mais de um milhão em dívidas; também lhe ficaram a dever dinheiro; o Sr. ................ fez tudo para pagar as dívidas incluindo emigrar para o estrangeiro; sabe que o Sr. ............ assumiu compromissos, hipotecando a casa para pagar as dívidas e que tem vendido os bens pessoais para pagar as dívidas da sociedade e aos trabalhadores dele, incluindo o carro; o Sr. ............. nunca ostentou riqueza, cruzava-se com ele quando ia para o trabalho e sempre o teve como um homem trabalhador; iam falando quando ele ia à empresa para falar com os chefes e enquanto esperavam iam conversando…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa igualmente relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
12-A reversão do opoente/recorrido, António............................., identificada no nº.4 supra baseou-se no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., mais sendo efectuada em relação à totalidade da dívida exequenda, no montante de 8.869,93 e acrescido (cfr.documentos juntos a fls.29 a 31 e 36 do processo de execução fiscal apenso).

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude de o oponente ter logrado demonstrar a sua ausência de culpa quanto à circunstância do património da sociedade executada originária se ter tornado insuficiente para o pagamento dos créditos fiscais objecto da execução fiscal nº..................., a correr termos no Serviço de Finanças de Santiago do Cacém.

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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz, em síntese, o apelante que o Tribunal "a quo" errou no julgamento da matéria de facto ao considerar que o oponente logrou provar que a falta de pagamento da dívida tributária objecto do processo de execução fiscal nº...................... não lhe é imputável. Que tal prova não se encontra efetuada nos autos. Que o oponente não ilidiu a presunção que sobre o mesmo impendia, nos termos do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T. (cfr.conclusões 1 a 17 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Deve referir-se, em primeiro lugar, que apesar da declaração de insolvência da sociedade executada originária "................................., Lda." (cfr.nº.6 do probatório), não deve a presente oposição ser apensa ao processo falimentar ao abrigo do artº.180, do C.P.P.T., porque deduzida por responsável subsidiário e em que é discutida a verificação dos requisitos de que depende a reversão da execução, assim não havendo qualquer razão que possa justificar a apensação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, de 10/2/2010, rec.1257/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/10/2014, proc.7867/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.326).
Avancemos.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente e ora recorrido deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (ano de 2007) a que respeita a liquidação de I.R.C. que constitui o débito exequendo revertido - cfr.nºs.2 e 12 do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define, precisamente, em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, reconhecendo o opoente e ora recorrido que sempre exerceu as funções de gerente da sociedade "......................., Lda." (cfr.artº.3 da p.i.; nº.8 do probatório) a Fazenda Pública estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente, ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do mesmo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/3/2009, rec.709/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Haverá, agora, que saber em qual das alíneas do artº.24, nº.1, da L.G.T., se enquadra o exame da eventual responsabilidade do opoente face ao pagamento da dívida exequenda de I.R.C. revertida.
Ora, de acordo com a factualidade provada (cfr.nº.12 do probatório), a reversão foi operada ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., assim pertencendo ao opoente/recorrido o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento das dívidas societárias se não efectuou.
A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.
Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da factualidade provada não se pode, manifestamente, retirar que o opoente/recorrido tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade "..................................., Lda." se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um "bonus pater familias". Concretizando, do exame da factualidade constante do probatório, nomeadamente dos seus nºs.9 a 11, não se pode retirar a conclusão de que a falta de pagamento dos montantes que constituem a dívida exequenda no processo de execução fiscal nº.......................... se ficou a dever somente a vectores externos ao próprio exercício da gerência. É que, para precaver a situação de quase total dependência da empresa face a um único fornecedor, devia a gerência procurar novos fornecedores de serviços. Se acaso tal não fosse possível, então devia ponderar o pedido de insolvência em momento temporal anterior àquele em que se viria a verificar, assim prevenindo o aparecimento de dívidas da sociedade.
Donde, há que concluir, contrariamente ao Tribunal "a quo", que houve culpa na actuação do oponente/recorrido António..........................., verificando-se assim todos os requisitos legais para a reversão contra o mesmo das dívidas exequendas no âmbito do processo de execução fiscal nº.....................
Arrematando, julga-se procedente o examinado recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente sobre o regime constante do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.

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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO e revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a oposição e parte legítima o opoente António.............................. no âmbito da execução fiscal nº................................, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Santiago do Cacém.
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Condena-se o recorrido em custas em ambas as instâncias.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 21 de Maio de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)