Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1911/08.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IVA
ATORES
PROMOTORES
ISENÇÃO
INTERPRETAÇÃO ESTRITA
INTERPRETAÇÃO RESTRITA
Sumário:
I. A interpretação das normas de isenção, para efeitos de IVA, deve ser uma interpretação estrita, que não se confunde com a interpretação restritiva que possa esvaziar o sentido útil da norma.

II. O então art.º 9.º, n.º 15, al. a), do CIVA, ao referir-se a promotores não circunscreve a sua abrangência a promotores artísticos para os efeitos previstos no DL n.º 315/95, de 28 de novembro.

III. O conceito de promotor implica, sim, que haja necessidade de aferir se entre o prestador de serviços e o destinatário final da prestação cultural interveio uma terceira entidade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 12.09.2017, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A….. (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre as liquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e respetivos juros compensatórios, dos anos de 2003, 2004 e 2005.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalvando-se sempre melhor e douto entendimento e, o devido respeito, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo julgou procedente o pedido da impugnante com visível deficit instrutório e, lavrando em erro no que concerne à apreciação da matéria de facto.

II – Todavia, se devidamente analisados os factos pertinentes à apreciação e formação da decisão da causa, prevaleceria uma fundamentação diferente, afastados que foram determinados circunstancialismos da selecção, sendo outros objeto de uma análise crítica deficiente.

III – No presente caso estão em causa correcções levadas a cabo através de acção de inspecção relativas a alteração do regime de isenção previsto no art.º 53.º do CIVA, ao abrigo do qual se encontrava enquadrado o recorrido, até ao momento que se verificou ter ultrapassado os limites dessa isenção, precisa altura a partir da qual teria passado a ficar abrangido pelo regime normal trimestral, face ao volume de negócios obtido a partir de 2003.

IV – Nessa senda, decidiu-se o Tribunal Tributário pela procedência do pedido, entendendo que:

“… da prova levada a efeito nos autos, em concreto da prova testemunhal, ficou provado que dos valores considerados como base tributável, os montantes de € 400,00, em 2004, € 1 470,00, em 2005 e € 21 000, em 2006, respeitam a prestações de serviços efectuadas pelo impugnante como ator, às sociedades “D…..” e “e…..”, consistentes na leitura e apresentações de histórias e contos, designadamente em escolas e em Bombeiros, no âmbito de diversas acções de formação social desenvolvidas por aquelas empresas como parte da responsabilidade social, acções preparadas e coordenadas por essas mesmas empresas, e em que o Impugnante apenas intervinha na qualidade de ator, pelo que se trata de prestações de serviços de carácter artístico, não efectuadas a consumidores finais, e, por isso isentas de IVA nos termos do art.º 9.º , n.º 15, alínea a) do CIVA.”

Assim, nada resulta dos autos que permita contrariar a conclusão de que todos os serviços prestados durante o ano de 2003 a 2006 pelo Impugnante, o foram no âmbito da actividade de ator e foram prestados a promotores artísticos e nunca a consumidores finais, pelo que se verificam as condições legais para o funcionamento da norma de isenção de IVA prevista no art.º 9.º, n.º 15, alínea a) do CIVA, o que determina que não se mostra devido o IVA liquidado pela AT, sendo assim ilegais as liquidações impugnadas.

V – Contudo neste conspecto, é referir desde já que, nesse sentido, o artigo 9.º do CIVA, na sua previsão literal, consagra apenas a prestação de serviços quando feita a “um promotor” e não aquela que é dirigida pessoas colectivas que não se confundem com promotores artísticos.

VI - A verdade é que os promotores de espetáculos de natureza artística devem, desde logo, na data do início da atividade, registar-se também na Direção Geral das Atividades Culturais.

Neste caso, a entidade contratante dedica-se a actividades de mercado enquadradas no CAE 035220 - DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS GASOSOS POR CONDUTAS.

VII – Ou seja, embora os serviços prestados pelo recorrido tenham um cariz artístico, a verdade é que quem o contratou, não se dedica à promoção de espectáculos, porquanto não se encontra como tal registado; mas, quem organiza essas atividades fá-lo integrado num mister cujo CAE corresponde à atividade económica de distribuição de energia e não à promoção de espetáculos. Tal nuance foi descurada pela análise da sentença recorrida.

VIII – Como se conclui a moldura sub judice tem enquadramento no art.º 9.º, n.º 15 do IVA o qual prevê que “as 15) As prestações de serviços efectuadas aos respectivos promotores: a) Por actores, chefes de orquestra, músicos e outros artistas, actuando quer individualmente quer integrados em conjuntos, para a execução de espectáculos teatrais, cinematográficos, coreográficos, musicais, de music-hall, de circo e outros, para a realização de filmes, e para a edição de discos e de outros suportes de som ou imagem.

A actividade dos promotores encontrava-se regulada pelo Dec.-Lei n.º 394-B/84, de 26/12, sendo que posteriormente passou a constar do Dec-Lei n.º 315/95, de 28-11, e depois da Lei n.º 4/08, de 7/2.

IX – Do supra exposto, não pode acolher-se a tese de que o impugnante beneficia da norma de isenção que se refere às prestações de serviços quando efectuadas aos respectivos promotores, impondo-se ter presente que as isenções previstas no CIVA, são de interpretação restritiva, dado que constituem excepções ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada operação efectuada a título oneroso por um sujeito passivo.

X – Acresce até que por outro lado surgiriam restrições quanto a certas prestações de serviços por via do que foi previsto no anexo da Directiva l.V.A. 2006/112/CE, de 11-12-06, publicada no JOCE 346, p.76, i. é. quanto a prestações de serviços, tais como as de publicidade comercial, transporte e armazenagem de bens, locação de bens móveis, colocação de pessoal à disposição, e outras.

XI – Ou seja, a questão é saber se, considerando a(s) prestação(ões) de serviços da impugnante exercida(s) de 2003 a 2006, quando contratada por entidades que exercem actividade com o CAE 035220 - DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS GASOSOS POR CONDUTAS, se deve enquadrar tal facto como uma prestação de serviços feita a entidades incluídas na lista das entidades caracterizadas como promotoras, ou se pelo contrário tais serviços revestem notoriamente uma natureza de publicidade comercial e fins que visam o lucro, enquanto fim perseguido por qualquer sociedade comercial.

XII - Pelo que, como se conclui, o douto Tribunal “ad quo”, não esteou a sua fundamentação de facto e de direito nem de acordo com a prova constante nos autos falhando na selecção dos factos, nem conforme já exposto, ampliando a base instrutória para boa interpretação e aplicação da lei e, nessa medida, a decisão deve ser afastada da ordem jurídica, concluindo-se que as prestações de serviços em causa não estão isentas de IVA”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

1ª) Só agora, em sede de Alegações de Recurso e nunca durante a pendência processual no Tribunal “a quo” (1ª Instância), é que a Recorrente (RFP) articulou e alegou algo em redor do que formula ex novo e pela primeira vez:

1.1) As empresas “D…..” e “E…..” só podem ser promotoras dos espetáculos do Impugnante se previamente se inscreverem, ou registarem na Direção Geral das Atividades Económicas;

1.2) Os Serviços prestados pelo Impugnante àquelas duas sociedades revestem a natureza de publicidade da imagem daquelas empresas, logo com intuitos comerciais e em vista da obtenção do lucro.

2ª) Não fazendo estes únicos “themas” do Recurso do R.F.P., parte do que levou à sua Contestação era impossível o Tribunal “a quo” julgar e evidenciar o que inexiste como questão a solucionar (“ex vi” ao art. 123º do C.P.P.T.)

3ª) O Recurso do R.F.P. é impossível de ser julgado por este Tribunal Superior, já que não submete ao senso hierárquico e julgativo, do mesmo, qualquer matéria que antes tenha feito parte da posição assumida por aquele (RFP) na 1ª Instância, daí se entendendo que deve operar a sua improcedência “ab initio” e “in totum”.

“Ad cautelem”, mas sem conceder,

4ª) Não tendo existido prestação de Serviço de Ator, pelo Impugnante, no exercício de 2003, a favor das empresas aludidas na Conclusão 1ª, o alegado pelo R.F.P., é improcedente, desde logo nos quantificados pecúlios ali oficiosamente liquidados de 2.567,85€ (sob o desígnio de colecta) e de 377,93€ (de juros compensatórios), mantendo-se a sentenciada anulação destas verbas.

5ª) Nunca no Recurso o R.F.P. se opôs, ou colocou em causa os factos considerados como provados na sentença, sob as letras A a S (in III Fundamentação.1 Dos Factos), pelo que a sentença, e bem, sob pena de vir a ser declarada NULA (n.º 1 do art. 125º do C.P.P.T.) evidencia com ciência e rigor jurídico-processual a conexão e ligação entre os fundamentos e a decisão.

6ª) NUNCA o RFP no seu Recurso indicou, ou cumpriu o que emana do art. 640º do C.P.C. aqui aplicável por efeito da al. e) do art. 2º do C.P.P.T., bem como do art. 281º do mesmo compêndio legislativo, no sentido de que o Recurso é interposto, processado e julgado como o de Apelação, por força do disposto no art. 4º n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei 303/2007, de 24 de agosto, ou seja, não cumpriu o que lhe é taxativamente imposto, quando (e se) quer Recorrer da matéria de facto, pelo que o seu Recurso nessa parte é improcedente, pois NÃO MAIS se pode alterar o que consta da sentença do Tribunal “a quo”.

7ª) O Impugnante recebeu o valor contratualizado, emitiu os recibos (verdes) de quitação, indicou a sua qualidade de Actor e redigiu que ocorre isenção de IVA com fundamento no art. 9º do CIVA, nunca a tal se tendo oposto qualquer uma das entidades que contrataram esses seus serviços.

8ª) O Impugnante é inequivocamente estranho (porque terceiro) ao facto das entidades a quem prestou serviços (nomeadamente a D….. e E…..) e de quem recebeu o pagamento estarem (ou não) inscritas como promotores de espetáculos junto de qualquer Direção Geral.

9ª) O Impugnante nunca estabeleceu com o público destinatário dos seus espetáculos, qualquer relação direta, em vista de receber do mesmo qualquer contrapartida económica (por exemplo bilhetes) das suas atuações.

Quem lhe paga foi quem intermediou o espetáculo:

- É o promotor, organizador, agente, angariador, que contratualizou com ele (Impugnante) o preço e condições dos seus serviços (dia, hora, local, duração).

10ª) O R.F.P., objetivamente e de forma certa e segura, não cumpriu o seu (inequivocamente, conforme Acórdãos do art. 47º da p.i.) “ónus probandi” quanto ao que somente alega, no sentido de que a D….. e a E….. tem com estes espetáculos interesses na divulgação da sua imagem, com intuitos publicitários, assumindo tal natureza comercial, em vista da obtenção do lucro e daí surgir automática e mecanicamente a tributação, em cédula de IVA.

Por efeito dessa omissão também nesta parte o Recurso deve improceder”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) Verifica-se deficit instrutório e erro no julgamento da matéria de facto?
b) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que a D….. e a E…..não são promotores para efeitos do art.º 9.º, n.º 15, al. a), do Código do IVA (CIVA)?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) O Impugnante encontra-se inscrito como trabalhador independente pela atividade de “Artistas de Teatro, Bailado, Cinema, Rádio e Televisão”, enquadrado desde 01.06.1990 no regime especial de isenção de IVA previsto no artigo 53º do CIVA (cfr. fls. 140 do PAT);

B) O Impugnante declarou na sua declaração de IRS do ano de 2002 um volume de prestação de serviços da categoria B de IRS, no montante de 16.219,32€ (cfr. fls. 147 e 148 do PAT).

C) Em cumprimento das Ordens de Serviço nºs ….., foi desenvolvida ação de inspeção interna ao Impugnante, com referência ao IVA e aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, tendo em 05.07.2007 sido elaborado o Projeto de Relatório com o seguinte teor:







” (cfr. fls. 65 a 73 do PAT).

D) Através do ofício nº …..de 16.07.2007, foi o Impugnante notificado para o exercício do direito de audição prévia, através de carta registada, para a morada “….. Camarate” (cfr. fls. 62 a 64 do PAT).

E) Em 23.07.2007 foi elaborado o Relatório Final da Ação de Inspeção com o mesmo conteúdo do projeto transcrito em C), constando ainda o seguinte:

“(…) VIII - Direito de Audição - Fundamentação

Com o objectivo de que o Sujeito Passivo pudesse exercer o Direito previsto no Art°. 60°. Da Lei Geral Tributária e Art°. 60°. do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, foi-lhe enviada sob registo em 16.07.2007 a informação necessária para esse efeito, fixando-se o prazo de 10 dias, para que se manifestasse sobre este Projecto de Conclusões do Relatório, o que não aconteceu até à presente data, pelo que se considera esta inspecção concluída com o resultado mencionado no ponto 1 deste relatório.

À Consideração Superior “ (cfr. fls. 6 a 9 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

F) Pelo ofício nº …..de 29.10.2007, foi o Relatório referido na alínea antecedente remetido ao Impugnante para a mesma morada referida em D), através de carta registada com aviso de receção (cfr. fls. 74 do PAT).

G) A notificação referida na alínea antecedente foi devolvida ao remetente com a indicação de não reclamada (cfr. fls. 74 a 78 do PAT).

H) Através do ofício nº …..de 19.11.2007, foi novamente remetido ao Impugnante através de carta registada com aviso de receção, o teor completo do ofício referido em F) e dos documentos que o acompanhavam, indicando-se que a nova notificação era realizada nos termos e para os efeitos do estabelecido no nº 5 do artigo 39º do CPPT (cfr. fls. 79 do PAT).

I) O aviso de receção referido na alínea antecedente foi assinado pela Sra. Carmo Torres no domicílio do Impugnante (cfr. fls. 81 do PAT).

J) Em 17.12.2007 foram emitidas em nome do Impugnante, as liquidações adicionais de IVA com os nºs ….., ….., …..e ….., nos montantes de 2.567,85€, 537,70€, 3.472,77€ e 6.762,00€, respeitantes aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, tudo respetivamente (cfr. fls. 28 a 31 dos autos).

K) Em 20.11.2007 foram emitidas em nome do Impugnante, as liquidações de Juros Compensatórios com os nºs ….., ….., …..e ….., nos montantes de 377,93€, 57,75€, 232,15€ e 185,26€, respeitantes aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, tudo respetivamente (cfr. fls. 32 a 35 dos autos)

L) Notificado das liquidações identificadas nas alíneas antecedentes, o Impugnante apresentou em 10.04.2008 reclamação graciosa, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Loures 4 sob o nº ….. (cfr. fls. 1 a 4 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

M) Em 03.10.2008 foi elaborada a informação final da reclamação graciosa referida na alínea antecedente, com o seguinte teor:

“I - DESCRIÇÃO SUMÁRIA

Em requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Sacavém, o contribuinte, A….., NIF. ….., com residência/sede na ….. CAMARATE vem Reclamar/Solicitar Esclarecimentos de Situação Fiscal, relacionada com "notificação dos actos resultantes de acção de Inspecção (Art.º 77.º da LGT e Art.º 62.º do RCPIT: nomeadamente, das liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios respeitantes aos exercícios de 2003,2004,2005 e 2006.

II - ANÁLISE E DESCRIÇÃO DOS FACTOS ENQUADRAMENTO DO SP

1. O sujeito passivo encontra-se colectado pela actividade "CIRS 2010 Artistas de Teatro,Bailado, Cinema, Rádio e Televisão".

2. O enquadramento em sede de IVA é o Regime Especial de Isenção, nos termos do artigo 53.º do CIVA, desde 1990.06.01( fls. 9), estando no Regime Simplificado em sede de IRS.

3. Verifica-se alteração no enquadramento desde 2003.02.01, data a partir da qual ficou enquadrado para efeitos de IVA no Regime Normal Trimestral (fls.10), ficando os rendimentos profissionais, enquadrados na categoria B de IRS.

4. Foram processadas liquidações adicionais de IVA, nos períodos e valores que se indicam (fls. 11,12 e 13):

0312T € 2567,85

0412T € 537,70

0512T € 3472,77

0612T € 6 762,00,

perfazendo o total da liquidação adicional de IVA de € 13 340,323 e de juros compensatórios de € 853,09.(fls. 14).

CORRECÇÕES

O contribuinte foi sujeito a acção inspectiva interna, para cumprimento das ….., pelo facto de se terem verificado condicionalismos à isenção de IVA nos termos do estipulado no artigo 53.º do CIVA.

A partir dos dados constantes do sistema informático dos Serviços, nomeadamente da declaração modelo 3 de IRS anexo B, entregue pelo SP e no anexo J/modelo 10 apresentado(s) pela(s) entidade(s) pagadoras de rendimentos da categoria B, constatou-se que o SP, no exercício de 2002 auferiu rendimentos da categoria B, no montante de € 16219, valor superior ao limite de €10000, estabelecido em termos de Isenção, no artigo 53° do CIVA.

Desse modo, o SP deveria ter entregue, durante o mês de Janeiro de 2003, a declaração de alterações relativa ao enquadramento em IVA, nos termos do artigo 58.° articulado com o artigo 31.° do CIVA, passando de "isento ao abrigo do artigo 53°" para o "Regime Normal Trimestral", situação que entraria em vigor em 2003.02.01. data a partir da qual fica obrigado à liquidação de IVA nos recibos/facturas por si emitidos.

Trimestralmente, deveria entregar, nos termos do artigo 28.° conjugado com o artigo 40.° ambos do CIVA, as respectivas declarações periódicas.

Foi apurado imposto em falta, a partir de 2003, em virtude da alteração ao regime de Isenção IVA - artigo 53.°, para o Regime Normal Trimestral. .

O IVA em falta foi apurado em função dos rendimentos auferidos, que constam do IRS / Anexo J.

PRINCIPIO DE COLABORAÇÃO/DIREITO DE AUDIÇÃO

O SP foi notificado através do ofício …..de 07.03.21, para, no âmbito do Princípio da Colaboração consagrado no artigo 59.° da LGT, proceder à regularização das situações irregulares supra mencionadas, entregando:

- declaração de alterações, para novo enquadramento no regime de IV A.

- declarações periódicas de IVA de todo os períodos em falta.

Ou, em alternativa:

- justificação legal para a não liquidação de imposto.

• O SP não respondeu ao Princípio de Colaboração.

Foi notificado das correcções resultantes da análise interna, através de carta registada com aviso de recepção, para exercer o direito de audição previsto no artigo 60.° da LGT e artigo 60.° do RCPIT, tendo sido devolvida a notificação ao "remetente".

• O SP não exerceu o direito de audição.

As correcções propostas que originaram as liquidações adicionais de IVA, tornaram-se definitivas, tendo corrido seus trâmites legais, conforme o referido em 11-5.

Foram emitidas liquidações por CONT/RF (fls. 14).

III - APRECIAÇÃO DO PEDIDO

O processo é o meio próprio (art. 68° CPPT).

O reclamante tem legitimidade (art. 9° e 68° CPPT).

A reclamação é tempestiva (art. 70.° CPPT). Data de cobrança » 2008.01.31

Data da reclamação » 2008.04.11

Conforme consta da reclamação, pretende o SP ser esclarecido sobre a Situação Fiscal dos factos tributários, conducentes às liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios.

Afirma o reclamante ser "Actor" de profissão, pelo que entende beneficiar da isenção de IVA nos termos do artigo 9.° do CIVA, afirmando nunca ter mencionado/liquidado IVA aos promotores de espectáculos, escolas, bibliotecas, Câmaras, centros culturais, etc. para os quais prestou serviços, o que justifica claramente não haver lugar a pagamento ao Estado, de montantes que nunca recebeu.

Sobre a reclamação apresentada, cumpre informar:

• Entende-se ter sido convenientemente descrito no ponto II desta informação, toda a tramitação do processo que originou as liquidações adicionais de IVA. [Resultado de alteração do Regime Especial de Isenção, artigo 53.° do CIVA, para o Regime Normal Trimestral, com liquidação de imposto sobre o total dos rendimentos dos exercícios reclamados] .

• Sobre o argumento da isenção nos termos do n.º 16 do artigo 9.° do CIVA, deve referir-se que essa isenção abrange apenas as prestações de serviços efectuadas aos respectivos promotores:

" Por actores, chefes de orquestra, músicos ... “:

competindo ao SP, demonstrar e fazer prova inequívoca, de que a prestação de serviço foi efectuada a um promotor (organizador do evento) e de que a categoria profissional do SP se pode inserir na classificação de " ... actores, chefes de orquestra, músicos, outros artista ... ".

IV - PROPOSTA DE DECISÃO

• Não apresenta o reclamante, quaisquer novos elementos que possam alterar os valores apurados na acção inspectiva interna, não se verificando os pressupostos para a isenção nos termos do n.º 16 do artigo 9.° do CIVA.

• Não assiste razão sobre a reclamação das liquidações adicionais de IVA, no montante total de € 13 340,32 a que acrescem juros compensatórios de € 853,09.

• Propõe-se o indeferimento da Reclamação.

V - DIREITO DE AUDIÇÃO

Tendo sido notificado o SP em 08.08.29, conforme oficio ….., para, nos termos do artigo 60.º da LGT exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de indeferimento da reclamação, veio o SP exercer esse direito, através de articulado (fls.21 a 31), apresentado em 08.09.18, argumentando:

• Da alteração do Regime de IVA, efectuado oficiosamente pela AF, caberia à própria AF provar que o SP se encontra no regime normal de IVA e não no regime de isenção.

• Da Caducidade do(s) Acto(s) de Liquidação, que entende terem caducado simultaneamente, a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios referentes ao período 2003/12T, tendo prescrito o Procedimento por Contra - Ordenação pelos mesmos motivos - notificação do SP em 20 de Dezembro de 2007, quando o prazo de caducidade no seu entender produziria efeitos a partir de 2007.01.01, nos termos do n.º 2 do artigo 45.° da LGT.

• Da Actividade exercida pelo Reclamante, vem argumentar que tratando-se de "actor", e, tendo sempre emitido os recibos sem liquidação de IVA, resultando desse facto que toda a sua actividade é desenvolvida através de um ou mais promotores, ou seja, pelas entidades pagadoras de rendimentos da categoria B, que por sua vez vendem o espectáculo ao público.

• Do Direito à Dedução do IVA suportado, requer que, se não for entendimento da AF das razões acima mencionadas no sentido da anulação das liquidações oficiosas, deverá a AF proceder à dedução do imposto suportado, num valor percentual, nos termos do artigo 23.º, 31.º e 32.º do CIVA.

• Requer em suma, a anulação das liquidações e o deferimento da reclamação em apreciação.

VI - REAPRECIAÇÃO DA PROPOSTA DE DECISÃO

Apreciados os argumentos que constam do Direito de Audição apresentado pelo SP, em que as diversas causas de pedir se resumem ao supra referenciado, cumpre informar:

• Da alteração do Regime de IVA efectuada oficiosamente pela AF é de referir que ela resultou da passagem do Regime Especial de Isenção [Artigo 53.°], que consta da declaração de início de actividade, para o Regime Normal Trimestral de acordo com o volume de negócios verificado a partir de 2003.

O SP estava isento de IVA em função do volume de negócios, artigo 53.° do CIVA e não em termos da Isenção do artigo 9.° do CIVA.

Caberia ao SP entregar Declaração de Alterações, assim que verificou que foram alterados os condicionalismos do volume de negócios, e/ou verificou ter sido alterada eventualmente a actividade exercida, ficando sujeito às obrigações que daí advenham.

Através dos elementos disponíveis nos sistemas informáticos da DGCI, não resulta que o SP preste serviços a um "promotor", porquanto os rendimentos pagos e postos à sua disposição, provém de organismos diversos relacionados com creches, escolas, instituições sociais e outras, não se podendo inferir da venda de bilhetes ao público por um promotor, apresentando características de serem organizadas directamente por essas instituições como forma de lazer e com ingresso gratuito para os seus utentes, cabendo ao SP demonstrar que assim não é.

• Da caducidade do(s) Acto(s) de Liquidação, relativamente a IVA e respectivos juros

compensatórios do período 2003/12T, notificados ao SP em 20 de Dezembro de 2007, afigura-se estarem dentro dos prazos normais estabelecidos no n.º 1 do artigo 45.° da LGT, quatro anos, não sendo de aplicar o n.º 2 desse mesmo artigo, uma vez que não estão em causa as situações nele contempladas. [Não resultou de correcção de erro da DP do SP, uma vez que não foi entregue nenhuma DP, nem resultou de Métodos Indirectos].

• O mesmo prazo de quatro anos referido no n.º 1 do artigo 45.º da LGT se aplica ao Procedimento de Contra - Ordenação, notificado em 20 de Dezembro de 2007, não se verificando prescrição.

• Sobre o Direito à Dedução do IVA suportado, esse é um direito que cabendo exclusivamente ao SP, não pode ser efectuado em substituição pela AF. Por outro lado, a situação em causa nada tem a ver com o disposto nos artigos 23.º, 31.º e 32.º do CIVA, mencionados pelo SP.

VII - DECISÃO

Requerendo o SP a anulação das liquidações e o deferimento da reclamação, não apresenta contudo, quaisquer novos elementos que contrariem a proposta de decisão inicial.

Não se verificam nenhuma das ilegalidades argumentadas pelo SP.

De acordo com a Reapreciação efectuada no ponto VI a decisão é de manter.

A reclamação deve ser indeferida.

As liquidações adicionais são de manter na totalidade.”

(cfr. fls. 31 a 38 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

N) Por despacho de 27.10.2008, foi a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante indeferida pelo Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa (cfr. fls. 32 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

O) Em 07.11.2008 foi o Impugnante notificado da decisão mencionada na alínea antecedente (cfr. fls. 59 e 60 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

P) A presente impugnação judicial foi apresentada em 24.11.2008 (cfr. fls. 2 dos autos).

Q) Em 2003 e 2006, o Impugnante prestou serviços para o “Teatro da Cornucópia”, “Teatro Nacional D. Maria II”, e “Teatro Nacional de São João”, nos montantes de 4.365,00€ e 6.000,00€, em 2003, e 8.300,00€ em 2006 (cfr. prints respeitantes ao Anexo J/Modelo 10, constantes do SIT, a fls. 163 e 167 do PAT).

R) Nos anos de 2004 a 2006, o Impugnante efetuou prestações de serviços como ator à sociedade “D…..”, nos montantes de 400,00€ em 2004 e 1.470,00€ em 2005, e à sociedade ”E…..”, no montante de 21.000,00€ em 2006, empresas pertencentes ao mesmo grupo económico (cfr. fls. 164 a 167 do PAT).

S) As prestações de serviços mencionadas na alínea antecedente consistiram em leitura e apresentações de histórias e contos, designadamente em escolas e em Bombeiros, no âmbito de diversas ações de formação social desenvolvidas por aquelas empresas como parte da sua responsabilidade social, ações preparadas e coordenadas por essas mesmas empresas, e em que o Impugnante apenas intervinha na qualidade de ator (prova testemunhal)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não existem outros factos provados ou factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou, desde logo, na prova documental junta aos autos e ao PAT, conforme indicado em cada um desses factos.

As testemunhas arroladas pelo Impugnante e inquiridas nos autos foram determinantes para a consideração do facto provado na alínea “S” do probatório, uma vez que os seus depoimentos se mostraram claros, espontâneos e sinceros ao afirmarem que o Impugnante apenas exercia junto das sociedades “D…..” e “E…..” a sua atividade de ator, sendo estas empresas que no âmbito do desenvolvimento da sua responsabilidade social, promoviam ações junto de escolas e outras entidades, para as quais contratavam o Impugnante”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do deficit instrutório e do erro no julgamento da matéria de facto

Considera a Recorrente que a sentença em crise padece de deficit instrutório, lavrando em erro no que concerne à apreciação da matéria de facto, sendo percetível, da leitura conjunta das conclusões com as alegações, que tal fundamento se centra na circunstância de o Tribunal a quo nada ter dito relativamente à atividade a que se dedicam duas das entidades às quais foram emitidos recibos pelo Recorrido.

Vejamos então.

Desde já se refira que a Recorrente, parecendo discordar da decisão proferida sobre a matéria de facto, não se socorreu do mecanismo processual ao seu alcance para este efeito, previsto no art.º 640.º do CPC.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[1].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida ]cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­‑se-lhe os ónus já mencionados[2].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que, de modo algum, a decisão proferida quanto à matéria de facto foi impugnada nos termos previstos no art.º 640.º, tal como, aliás, refere o Recorrido.

Mesmo quanto à alegada questão do deficit instrutório, a mesma não tem qualquer sustentação, desde logo, porque respeita a facto nunca antes alegado e porque, por outro, a própria decisão recorrida vai no sentido de que o mesmo é irrelevante, sendo que, repetimos, do ponto de vista da impugnação da matéria de facto, nada é dito a este respeito.

Como tal, carece de razão a Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento, em virtude de não funcionar a isenção prevista no art.º 9.º, n.º 15, al. a), do CIVA

Entende, por outro lado, a Recorrente que o conceito de promotor, para efeitos da isenção prevista no art.º 9.º, n.º 15, al. a), do CIVA, respeita a promotores de espetáculos de natureza artística (que se devem registar na direção geral das atividades culturais), sendo que, quem contratou o Impugnante, não se dedica à promoção de espetáculos, não se encontrado registado enquanto tal, entendendo que se trata sim de serviços que notoriamente revestem a natureza de publicidade comercial e visam o lucro.

Antes de mais, refira-se que este último aspeto, no sentido de que se trata de serviços de publicidade, nunca foi antes alegado nem pela FP nem que AT, durante o procedimento, pelo que o mesmo não pode ser naturalmente considerado como fundamento da liquidação (aliás, não há qualquer prova sobre esta configuração, justamente por nunca a mesma ter sido colocada).

Da mesma forma, nunca foi alegada nem configura, pois, fundamento do ato sob apreciação, qualquer falta de cumprimento do disposto no DL n.º 315/95, de 28 de novembro.

Sublinhe-se ainda que, na sentença recorrida, considerou-se provado que todas as prestações de serviços em causa, efetuadas a vários teatros e, bem assim, à D….. e à E….., foram prestações efetuadas a promotores, sendo que a FP apenas se insurge relativamente a estas duas últimas entidades.

Portanto, a questão que aqui está em discussão prende-se com a noção de promotor, concretamente no caso da D….. e da E….., sendo certo que nos temos de situar no momento temporal a que respeitam as liquidações (sendo, por isso, irrelevante tudo o alegado relativo a contextos legislativos ulteriores).

Vejamos então.

O art.º 9.º, do CIVA, no seu n.º 15.º, al. a), prevê a isenção de imposto no caso de prestações de serviços efetuadas aos respetivos promotores por, entre outros, atores, atuando quer individualmente quer integrados em conjuntos, para a execução de espetáculos teatrais, cinematográficos, coreográficos, musicais, de music-hall, de circo e outros, para a realização de filmes e para edição de discos e de outros suportes de som ou imagem.

A Recorrente defende, a este respeito, uma interpretação restrita do conceito de promotor, no sentido de apenas poder abranger os chamados “promotores artísticos”.

Vejamos se assim é.

Antes de mais, o conceito de promotor, desde sempre previsto nesta disposição legal, implica que haja que aferir, desde logo, se se está perante um serviço diretamente prestado ao consumidor final ou não.

Neste caso, como resulta provado, nunca estamos perante prestações de serviços que tenham tido as entidades em causa como consumidor final.

Ou seja, in casu não há dúvidas de que, entre o prestador de serviços e o consumidor final, interveio uma terceira entidade, a saber a D….. e a E…...

Ultrapassada esta questão, centremo-nos, então, no conceito de promotor.

Sobre tal conceito, para efeitos da isenção em causa, refira-se que a AT veio a ter duas posições, uma anterior, outra ulterior a 2009.

A este respeito, como refere Rui Laires (O IVA nas Actividades Culturais, Educativas, Recreativas, Desportivas e de Assistência Médica ou Social, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 250 a 253), até ao ofício circulado n.º 30109, de 9 de março de 2009, a AT vinha defendendo um conceito alargado e não formal de promotor, chamando o autor à colação, a este respeito, a informação n.º 1078, de 2 de fevereiro de 1996, e respetivo despacho, a informação n.º 1615, de 18 de abril de 1991, e respetivo despacho, informação nº 1072, de 31.01.2000, da DSIVA, e respetivo despacho da mesma data da Subdiretora-Geral (nos termos do qual “não está em causa, como critério determinante da aplicação do dispositivo da isenção a natureza da entidade que promova tais exibições, interessa sim que exista um intermediário, promotor, requisito essencial da referida isenção”).

Apenas com o ofício-circulado n.º 30109, de 9 de março de 2009, a AT veio defender um conceito restrito de promotor, por referência às exigências decorrentes do DL n.º 315/95, de 28 de novembro (diploma que regula a instalação e o funcionamento dos recintos de espetáculos e divertimentos públicos e estabelece o regime jurídico dos espetáculos de natureza artística).

In casu, é certo que não foi chamado à colação este ofício circulado; não obstante os fundamentos da Recorrente coincidem, em termos de substância, com os daquela instrução administrativa.

Desde já se adiante que não se acompanha o entendimento da Recorrente.

Explicitando.

In casu, estamos perante uma norma de isenção, consagrada no nosso ordenamento, utilizando a faculdade concedida pelo art.º 28.º, n.º 3, al. b), da Sexta Diretiva do Conselho de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (77/388/CEE) (doravante Sexta Diretiva).

Esta disposição da Sexta Diretiva permitia a possibilidade de os Estados-membros continuarem a isentar, no contexto aí definido, as operações enumeradas no Anexo F, onde se incluem as prestações de serviços dos autores, artistas e intérpretes de obras de arte, advogados e outros membros de profissões liberais, com exceção das profissões médicas e paramédicas, desde que não se trate das prestações referidas no Anexo B da Segunda Diretiva do Conselho, de 11 de abril de 1967.

Esta norma de isenção visa, de alguma forma, dotar as atividades culturais de um regime de isenção relativamente abrangente e, paralelamente, permitir alguma simplificação de procedimentos e reduzir os riscos de evasão[3].

Como é entendimento consolidado, designadamente por recurso à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), as normas que preveem isenções de IVA são, por regra, objeto de interpretação estrita, dado configurarem derrogações ao princípio geral inerente ao IVA, segundo o qual este imposto é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo (cfr., a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do TJUE de 02 de julho de 2020, BlackRock Investment Management, C-231/19, ECLI:EU:C:2020:513, n.º 22, de 19 de dezembro de 2018, Mailat, C‑17/18, EU:C:2018:1038, n.º 37, de 6 de dezembro de 2007, Walderdorff, C‑451/06, EU:C:2007:761, n.o 18 e jurisprudência aí referida).

No entanto, este entendimento não significa que a interpretação a fazer-se seja de tal forma restrita que acabe por redundar numa privação dos efeitos respetivos (cfr., a título ilustrativo, os Acórdãos do TJUE de 20 de novembro de 2019, Infohos, C-400/18, ECLI:EU:C:2019:992, n.º 30, de 11 de dezembro de 2008, Stichting Centraal Begeleidingsorgaan voor de Intercollegiale Toetsing, C 407/07, ECLI:EU:C:2008:713, n.º 30 e jurisprudência referida, Acórdão de 15 de dezembro de 2012, Zimmermann, C 174/11, EU:C:2012:716, n.° 22 e jurisprudência referida).

Como refere Sérgio Vasques (O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, Coimbra, 2015, p. 327), “o TJUE sempre tem lembrado que esta interpretação estrita não se confunde com uma interpretação restritiva e que as regras de isenção constantes da Diretiva IVA não devem ser interpretadas de maneira a ‘privá-las dos seus efeitos’”.

Nas palavras de Rui Laires (Apontamentos sobre a jurisprudência comunitária em matéria de isenções do IVA, Almedina, Coimbra, 2006, p. 39), “o sentido da expressão ‘de um modo estrito’ não significa obrigatoriamente, quer do ponto de vista semântico, quer na própria acepção que se retira de outras afirmações do TJCE, uma ‘interpretação restritiva’ dos textos legais. Com efeito, aquela primeira expressão tem de ser, neste contexto, entendida como sinónima de interpretação declarativa ou literal, ou seja, como uma interpretação que tem em conta e se baseia no sentido próprio e exacto – o estrito sentido – das palavras que o texto compreende”.

Refere-se a este propósito no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.03.2015 (Processo: 01209/14):

“[S]endo certo que a jurisprudência europeia tem afirmado, em matéria de isenções de IVA, um princípio geral de interpretação estrita, porquanto as isenções constituem derrogações à regra geral de sujeição a imposto, o certo é que neste domínio específico – como no da saúde –, a jurisprudência europeia tem igualmente afirmado que tal interpretação deve ser feita em conformidade com os objectivos prosseguidos pelas referidas isenções (…) e respeitando as exigências do princípio da neutralidade fiscal”.

São ainda de considerar, para efeitos de interpretação, os elementos sistemático, teleológico ou finalístico e mesmo o histórico (cfr. Sérgio Vasques, ob. cit., pp. 328 a 331).

Ora, revertendo estes conceitos para o caso dos autos, resulta desde logo que do art.º 9.º, 15), al. a), do CIVA, não resulta qualquer menção se não a “promotores”.

Ou seja, não é feita qualquer circunscrição a “promotores artísticos” ou “promotores de espetáculos” nem qualquer menção ao DL n.º 315/95, de 28 de novembro. Logo, carece de relevância o alegado a propósito da falta de pressupostos em termos de registo junto da direção geral das atividades culturais, que, aliás, nunca foi alegada pela AT em sede administrativa, não fazendo parte da fundamentação do ato.

Assim, não estamos perante a existência na norma de uma condição subjetiva (a de os promotores serem promotores artísticos, nos termos definidos no DL n.º 315/95, de 28 de novembro), devendo, pois, a aplicação da norma em causa ser independente da natureza do promotor.

A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do TJUE de 10 de setembro de 2002, Kügler, C-141/00, EU:C:2002:473, n.ºs 26 a 30, relativo a isenções relativas a prestações de serviços médicas, mas cuja pertinência nos presentes autos se revela, em termos de relevância do elemento subjetivo e onde se refere:

“… [H]á que salientar que o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva define as operações isentas em função da natureza das prestações de serviço fornecidas, sem mencionar a forma jurídica do prestador.

27. Segundo uma interpretação literal, esta disposição não exige, para que as prestações médicas sejam isentas, que estas últimas sejam fornecidas por um sujeito passivo dotado de uma forma jurídica particular. Basta que sejam preenchidas duas condições, a saber, que se trate de prestações médicas e que estas sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

28. Esta interpretação não é contrariada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual as isenções referidas no artigo 13.° da Sexta Directiva são de interpretação estrita, dado que constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre todas as prestações de serviços efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo (v., nomeadamente, o acórdão SDC, já referido, n.° 20).

29. Com efeito, a isenção das prestações médicas fornecidas por pessoas colectivas está em conformidade com o objectivo de redução do custo dos cuidados médicos (v., neste sentido, acórdão de 11 de Janeiro de 2001, Comissão/França, C-76/99, Colect., p. I-249, n.° 23) e com o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum de IVA, no respeito do qual as isenções previstas no artigo 13.° da Sexta Directiva devem ser aplicadas (v., nomeadamente, acórdão de 7 de Setembro de 1999, Gregg, C-216/99, Colect., p. I-4947, n.° 19).

30. Há que recordar, a este respeito, que o princípio da neutralidade fiscal se opõe, designadamente, a que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA. Daqui resulta que o referido princípio seria ignorado se a possibilidade de invocar o benefício da isenção prevista para as prestações de cuidados pessoais mencionadas no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva estivesse dependente da forma jurídica sob a qual o sujeito passivo exerce a sua actividade (v., neste sentido, acórdão Gregg, já referido, n.° 20)”.

Ou seja, como já referimos supra, a menção a promotor acaba por surgir como contraposta à de consumidor final: se o destinatário é um consumidor final, não há isenção de IVA; caso seja um promotor (independentemente de se dedicar exclusivamente a essa atividade ou de a ter praticado ocasionalmente), estamos perante os pressupostos de isenção.

Aliás, reiteramos, era este o entendimento da AT à época, vertido nas informações administrativas a que nos referimos.

Como referido por Rui Laires (O IVA nas Actividades Culturais…, cit., p. 265) a este propósito, “não parece que se justifique (…) a limitação de carácter subjectivo (…), que se baseia numa restritiva definição da natureza da actividade do sujeito passivo adquirente dos serviços prestados pelos artistas…”.

Assim, e em suma, tendo ficado provado que o Recorrido contratou com as entidades em causa, que tiveram um papel de promotor do evento, intermediando a prestação do Recorrido para com os seus destinatários finais, e tendo ficado provado que o Recorrido levou a cabo “leitura e apresentações de histórias e contos, designadamente em escolas e em Bombeiros, no âmbito de diversas ações de formação social desenvolvidas por aquelas empresas como parte da sua responsabilidade social, ações preparadas e coordenadas por essas mesmas empresas, e em que o Impugnante apenas intervinha na qualidade de ator” [cfr. facto S)], estamos no âmbito da isenção prevista no art.º 9.º, n.º 15, al. a), do CIVA.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Custas pela Recorrente;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 19 de novembro de 2020


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha


______
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[2] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
[3] Rui Laires, O IVA nas Actividades Culturais…, cit., pp. 255 a 258.