Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1155/12.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC; JUROS COMPENSATÓRIOS; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1. A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos artigos 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
2. No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77.º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
3. É de todo irrelevante para cumprimento do imperativo legal de fundamentação do acto tributário a fundamentação a posteriori, incluindo-se, manifestamente, nesse tipo de fundamentação, a fundamentação expressada em sede de reclamação graciosa em resposta a dúvidas colocadas pelo contribuinte, que, como tal, é destituída de valor seja como complemento da fundamentação do acto ou como apta a destruir ou contrariar esta última.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO


Massa Insolvente de S. – S. I., Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, no seguimento do indeferimento da reclamação graciosa, contra a liquidação adicional de IRC de 2008 e respectivos juros compensatórios, de que resultou montante a pagar de 513.100,38 Euros, emitida na sequência de acção de inspecção que procedeu a correcções aritméticas à matéria colectável.

A Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«

A) Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso administrativo interposto da douta sentença datada de 22.07.2020 que julgou improcedente a presente ação de impugnação judicial, absolvendo a fazenda pública do pedido e com o que a recorrente se não pode conformar.

B) A recorrente foi declarada insolvente por douta sentença de 15.03.2013, pelo que, tendo a Massa Insolvente unicamente a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessem à insolvência não só o crédito da Fazenda Nacional que eventualmente resulte do recurso será um crédito sobre a insolvente, como terá que ser reclamado em verificação ulterior de créditos no processo de insolvência e pela mesma razão qualquer responsabilidade que resulte do RGIT deverá ser diretamente acionada contra os gerentes da insolvente à data da insolvência.

C) A douta sentença recorrida foi proferida na presente impugnação deduzida sobre as liquidações de I.R.C. e correspondente liquidação de juros compensatórios relativos ao exercício de 2008 da impugnante, sendo tais liquidações consequência das conclusões do relatório da inspecção externa, por sua vez consequência da Ordem de Serviços nº01201007007.

D) Em consequência dos aludidos relatório e liquidação, verifica-se que a Inspeção Tributária decidiu corrigir o montante global para €513.100,38, acrescendo-o à matéria Tributável declarada, com a alegação de que tal montante constituída efetivo proveito da impugnante à data da impugnação, uma vez que se tratava de vendas de imóveis do exercício de 2008, não inscritas na contabilidade da impugnante, o que se encontra em desacordo com os valores mencionados na proposta do relatório da inspeção tributária e que mesmo assim não permitia uma correção à matéria coletável de €48.977,50 para uma liquidação de imposto no valor de €513.100,38, tanto mais que da contabilidade da recorrente surge um prejuízo dedutível fiscalmente, nos termos do art. 52º do CIRC de €7.293.053,09 no exercício de 2008 em causa.

E) A administração tributária veio fundamentar as liquidações, impugnadas nestes autos somente com o relatório da inspeção tributária efetuado no mesmo exercício o qual nunca foi expressamente notificado à recorrente e que constitui factualidade não considerada, na sentença recorrida, sendo certo que dela resulta uma efetiva falta de fundamentação na liquidação do valor de €513.100,38.

F) E em violação do número 2 do art. 77º da LGT, para além de a liquidação notificada à recorrente estar inquinada de vicio de forma, na liquidação emitida pela administração tributária não existe uma remição explicita quer para as conclusões do relatório de inspeção, quer para o relatório de inspeção em si mesmo, como igualmente não existe no ato de liquidação impugnado qualquer referência ao relatório da inspeção tributária, pelo que não constando do próprio ato a sua fundamentação, não é igualmente suficiente a mera remição para o relatório da inspeção tributária.

G) Existindo vícios no ato de liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 2008 é também claro que essa invalidade se estende ao ato de liquidação de juros compensatórios, o que de qualquer modo, obrigava à declaração de existência de culpa imputável à recorrente e aos seus sócios da altura.

H) O que a administração tributária fez foi limitar-se a exigir, de forma automática, o valor a titulo de juros compensatórios, não se atendo às formalidades legais estabelecidas para a respetiva liquidação, não podendo subsistir por isso qualquer liquidação de juros compensatórios se a divida tributária principal, de que são acessórios, for objeto de vícios de liquidação, o que a contrario foi integralmente admitido pela douta sentença recorrida com a respetiva violação de direito.

I) É patente por isso que, desde logo e em relação á não consideração na douta sentença recorrida dos vícios sobre a liquidação, verificou-se uma efetiva violação do art. 77º da LGT e do prescrito no art. 62º nº 2 do RCPIT e igualmente, ao julgar a notificação à recorrente válida e relevante, a sentença recorrida não se ateve ao art. 125º do CPA, o que teve como consequência considerar também devida e fundamentada a liquidação de juros compensatórios contrariamente aos arts 35º e 77º da LGT.

J) Em suma a douta sentença recorrida com as diversas decisões nela incluídas e ao manter as diversas posições da autoridade tributária violou sucessivamente os arts. 35º nº 8 e 77º da LGT, art. 125º do CPA e 62º nº 2 do RCPIT.

L) A Massa Insolvente da impugnante S. Lda. não tem efetivos proveitos que lhe permitam custear o presente recurso, tendo requerido o correspondente benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pelo que não deverá ser exigido à recorrente qualquer taxa de justiça com a interposição do recurso até decisão definitiva das entidades administrativas competentes.

Nestes termos e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e por via dele ser revogada a sentença recorrida e substituída por douto acórdão que decida:

a) Julgar procedente e provada a presente impugnação e serem declaradas inválidas e de nenhum efeito, por violação dos critérios legais, designadamente sobre a matéria colectável, as liquidações do IRC efectuadas e os correspondentes vícios sobre a liquidação;
b) Serem, igualmente, julgadas inválidas por violação da Lei Fiscal, as correcções efectuadas e que não têm em conta os critérios de apuramento de matéria colectável e infundamentada a liquidação de juros compensatórios.

Com o que se fará a costumada
JUSTIÇA!»

Contra-alegações, não foram apresentadas.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa dirimir reconduz-se a indagar se a liquidação adicional de imposto e juros compensatórios contém a fundamentação legal.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) A sociedade impugnante tem por objeto a atividade de construção de edifícios a que corresponde o CAE 041200, sendo o respetivo objeto social a “construção civil e obras públicas, compra, venda e revenda de propriedades” – cf. fls. 162 dos autos e fls. 153 do processo administrativo tributário (PAT) apenso.

B) Em relação ao exercício de 2007 a impugnante foi alvo de uma ação inspetiva no âmbito da qual o resultado fiscal declarado (prejuízo no valor de € 7.293.053,09) foi corrigido para um lucro tributável de € 1.630.332,72 – cf. fls. 164 a 166 do processo de reclamação graciosa (RG) apenso.

C) Em relação ao exercício de 2008 a impugnante apresentou a respetiva declaração modelo 22 de IRC em 29.05.2009, onde apurou o lucro tributável de € 1.724.709,02 e deduziu prejuízos fiscais relativos a 2007 no montante de € 7.293.53,09, apurando matéria coletável nula – cf. fls. 158/159 da RG apensa.

D) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201007007, “emitida no âmbito de Acções da Selecção Central de Contribuintes, Código de Actividade 111250072”, foi despoletado um procedimento de inspeção interna à sociedade ora impugnante, com vista “à análise da situação fiscal” do exercício de 2008 – cf. o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), concretamente, pág. 1 a fls. 53 e sgts dos autos.

E) Por ofício de 01.08.2011 a ora impugnante foi notificada, para efeitos de audição prévia, do projeto das correções a efetuar no âmbito da ação de inspeção referida em D), descritas no respetivo projeto de relatório, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – facto não controvertido e cf. doc. 1 junto à p.i.

F) Por despacho de 23.09.2011 foi superiormente sancionado o relatório final da ação inspeção referida em D), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual resulta, além do mais, o seguinte:
“[…]
III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
[…]
4- Diferença Positiva Entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato (artº 58-A nº 3 alínea a) actual 64º) - € 48.977,5
Através da análise dos valores de venda por imóvel (informação disponível na aplicação informática da DGCI, património), foi possível verificar a venda dos imóveis realizada pelo s.p. no exercício em análise.
Por outro lado, analisando os dados das avaliações efectuadas sobre esses imóveis, permite constatar que relativamente às situações abaixo discriminadas, o valor da avaliação determinado ou seja o seu valor patrimonial tributário é superior ao valor da venda.
Imagem: Original nos autos

Desta forma após conhecimento do resultado da avaliação e dos referidos valores patrimoniais tributários definitivos do imóvel conforme disposto no nº2 do artº.58 - A (actual 64º) CIRC, sempre que nas transmissões onerosas previstas no nº 1, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente para determinação do lucro tributável.
Para aplicação do disposto no número anterior o sujeito passivo alienante deve fazer uma correcção na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato (alínea - a) nº 3 art. 58-A actual 64º do CIRC).
Deverá ser acrescido na linha 257 quadro 07 da declaração modelo 22 de 2008, o montante de € 48.977,5 apurado no quadro acima elaborado, resultante da diferença entre o valor patrimonial tributário resultante da avaliação e o valor de venda do prédio.
[…]

IX DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
[…]
Dado que o s.p não exerceu o seu direito de audição, conclui-se o presente relatório de inspecção mantendo-se as correcções propostas.

[…]” – cf. o RIT, a fls. 53 e sgts dos autos.

G) Por ofício n.º 083408, de 27.09.2011, com registo postal n.º RC371….PT, endereçado à sede de ora Impugnante, na Av. .. de A., n.º 6.., ...º Esq., em C. foi notificada do Relatório Final de Inspeção – cf. fls. 127 dos autos (fte. e vs).

H) Em 23.09.2011 foi também elaborado o “Documento de Correcção” (DC) que concretiza as correções resultantes da ação de inspeção supra referenciada, com apuramento de lucro tributável no montante de € 1.773.686,52, em vez do antes declarado no montante de € 1.724.709,02, e onde não foram considerados quaisquer prejuízos relativos a exercícios anteriores – cf. fls. 82 a 88 dos autos no confronto com fls. 158/159 da RG apensa.
I) Ato impugnado: Em 03.10.2011, e com base no DC identificado na alínea que antecede, foi emitida a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2008, identificada com o n.º 2011 8310005661, que apurou a pagar o total de € 513.100,38, sendo € 442.624,34 de imposto, € 26.605,30 de derrama e € 40.351,29 de juros compensatórios – cf. fls. 97 da RG apensa.

J) Da demonstração da liquidação de juros compensatórios n.º 2011 00006858125, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e que se encontra refletida na liquidação mencionada em I), resulta além do mais, o respetivo valor base (€ 444.624,34), o período de cálculo (de 01.06.2009 a 07.09.2011) e a taxa aplicada, de 4%, mais se referindo no documento em apreço que a liquidação é efetuada nos termos do art.º 102.º do CIRC – cf. fls. 98 da RG apensa.

K) Em 26.10.2011 a ora Impugnante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Cascais 1, ao abrigo do art.º 37.º do CPPT, a emissão de certidão “correspondente à fundamentação da liquidação de imposto notificada” – cf. doc. 5 junto à p.i.

L) Em 29.11.2011, em resposta ao requerimento identificado na alínea que antecede, foi emitida “Certidão”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida, da qual resulta, além do mais, o seguinte:
«[…] certifico em cumprimento do despacho exarado no requerimento que antecede e de harmonia com o requerido, junto cópias do relatório que serviu de base à liquidação adicional de 2008 da sociedade S. – S., LDA, NIPC 502 …, bem como das notificações efectuadas ao sujeito passivo. As cópias estão conforme os originais arquivados na Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Lisboa.
Esta certidão não produz os efeitos do Artº. 37º, uma vez que a requerente foi validamente notificada dos fundamentos da liquidação de IRC de 2008.
[…]» – cf. doc. 5 junto à p.i., concretamente, fls. 49 dos autos.

M) Em 12.03.2012 a impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC referida em I), e respetiva liquidação de juros compensatórios e moratórios, invocando, tal como na presente impugnação judicial, a falta fundamentação decorrente da falta de notificação do relatório final de inspeção tributária e, bem assim a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios decorrente da própria ilegalidade da liquidação adicional de IRC – cf. fls. 4 e sgts. da RG apensa.

N) Por despacho de 28.09.2012, a reclamação graciosa referida em M) foi indeferida com os fundamentos constantes da informação dos serviços de 26.09.2012, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, da qual resulta, além do mais, o seguinte:
«[…]
II – DESCRIÇÃO DOS FACTOS
1 - Pela consulta ao Sistema Informático, conforme prints a fls. 158 a 163, verifica- se que a liquidação adicional objeto de reclamação resultou da alteração da matéria coletável nula, declarada pela ora reclamante na sua declaração mod. 22 entregue no prazo legal, para uma matéria coletável no montante de € 1.773.686,52.
A matéria coletável nula declarada resultou do facto de ter sido declarado no quadro 07 da declaração um lucro tributável no montante de € 1.724.709,02 e deduzidos, ao abrigo do artº 52º do CIRC, prejuízos fiscais no mesmo montante. Esses prejuízos fiscais deduzidos tiveram origem unicamente nos apurados no exercício de 2007, no montante de € 7.293.053,09, conforme consta no quadro 09 - Apuramento da Matéria Coletável da declaração m/22 de 2008 (fl. 153) e, de resto, se informa na reclamação.
2 - Na sequência de uma ação inspetiva realizada ao IRC do exercício de 2007, aquele resultado fiscal (prejuízo) foi corrigido para um lucro tributável de € 1.630.332,72 (fls. 164 a 166), verificando-se pela consulta do Sistema Informático, (fls. 167 a 70) que a reclamante foi notificada do resultado dessa ação inspetiva, assim como da liquidação adicional daí decorrente (liquidação nº 20118310003110 emitida em 30-5-2011).
Não há, assim, razão para considerar que a reclamante deveria ignorar que, após aquela correção, já não lhe era permitida a dedução no exercício de 2008 dos prejuízos fiscais reportados do exercício anterior.
[…]
III – ANÁLISE DO PEDIDO
[…]
2 - Conforme referido acima nos pontos II-1 a 3, o valor da matéria coletável que serviu de base à liquidação adicional objeto de reclamação resultou da soma do montante do lucro tributável declarado pela ora reclamante na declaração mod. 22 referente ao exercício de 2008 com o valor da correção efetuada a esse lucro tributável pela Inspeção Tributária.
Tal consta expressamente no ponto II. 3.4 do relatório final, cujo teor foi comunicado à reclamante pelos Serviços, conforme se informa na reclamação (cf ponto II-3 acima).
Ainda que inicialmente a reclamante pudesse esperar que a sua matéria coletável referente ao exercício de 2008 seria nula, visto ser esse o valor declarado na declaração de rendimentos apresentada, tal não se justifica após a correção efetuada ao resultado fiscal do exercício de 2007, da qual resultou a impossibilidade da dedução no exercício de 2008 de prejuízos fiscais reportados com base no artº 52º do CIRC.
Conforme referido no ponto II-2 acima, a reclamante foi notificada do teor desse relatório da liquidação adicional de corrente do mesmo.
A não dedutibilidade do prejuízo fiscal declarado no exercício de 2007 resulta da ação inspetiva a esse exercício e da aplicação do artº 52º do CIRC e não da ação inspetiva efetuada ao exercício de 2008. Independentemente da inspeção a 2008, teria sempre lugar a alteração da matéria coletável por aplicação do referido artº 52º.
3 - Dado o referido no ponto anterior e nos pontos II-1 a 3, não se comprova a alegação de ilegalidade da liquidação identificada no início por falta de fundamentação […]»
– cf. doc. 7 junto à p.i.

O) Em 04.10.2012 a impugnante foi notificada da decisão que antecede – cf. fls. 182 a 184 da RG apensa.

P) A presente impugnação foi apresentada em 18.10.2012 – cf. fls. 111 dos autos.
*

Não resultam dos autos quaisquer outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que, como tal, importe julgar como provados ou não provados.
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Motivação da decisão de facto:
Os factos dados como provados resultam dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo e reclamação graciosa apensos, os quais não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, tudo conforme referido em cada uma das alíneas.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como acima dissemos já, o objecto do recurso reconduz-se a indagar se a liquidação adicional de imposto e juros compensatórios contém a fundamentação legalmente exigível.

Como a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, repetidamente o tem salientado, a exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos artigos 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77.º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo – vd., entre outros, o Ac. do STA, de 06/07/2017, tirado no proc.º 0723/15.

Assim compreendido o conceito de fundamentação, há que concordar que a impugnada liquidação adicional de imposto não está devidamente fundamentada.

Na verdade, o que qualquer destinatário normal apreende do relatório de inspecção tributária de 07/07/2010, relativo ao exercício de 2008 são unicamente correcções aritméticas no valor de 48.977,50 euros, apuradas pela diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor contratualizado de transmissão, nos termos do art.º 58.º-A, n.º 3 alínea a) (actual 64.º), do CIRC.

Ora, o que a recorrente questiona e não percebe é como uma correcção à matéria tributável do IRC/2008, por via inspectiva, no montante de 48.977,50 euros viria a originar uma liquidação adicional de imposto para o mesmo ano de 513.100,38 euros, assente numa matéria colectável de 1.773.686,52 euros, quando tinha declarado para esse ano matéria colectável nula.

Na demonstração de liquidação unicamente se refere “conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida” (fls. 97 do PA).

Pois bem, que o relatório de inspecção que fundamenta a liquidação adicional impugnada não é só o relatório de 2008 (com as correcções nele vertidas), mas também um 2.º relatório relativo ao exercício de 2007 em que o prejuízo fiscal declarado para esse ano de 7.293.053,09 euros foi corrigido para um lucro tributável de 1.630.332,72 euros, só ficou evidenciado com a fundamentação constante da reclamação graciosa, nomeadamente das passagens transcritas na alínea N) do probatório.

É de todo irrelevante para cumprimento do imperativo legal de fundamentação do acto tributário a fundamentação a posteriori, incluindo-se, manifestamente, nesse tipo de fundamentação, a fundamentação expressada em sede de reclamação graciosa em resposta a dúvidas colocadas pelo contribuinte, que, como tal, é destituída de valor seja como complemento da fundamentação do acto ou como apta a destruir ou contrariar esta última.

Assim compreendidas as coisas, é manifesto que o impugnado acto de liquidação de IRC/2008 enferma de vício de forma por falta ou insuficiente fundamentação, uma vez que as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, não resultam evidentes da liquidação, nem dos actos a montante que instruem o processo, lembrando-se que por exigência constitucional, a fundamentação do acto deve ser acessível.

A invalidade que sanciona a liquidação de imposto determina a invalidade da liquidação dos juros compensatórios (art.º 35/8, da Lei Geral Tributária).

A sentença recorrida que concluiu pela fundamentação da liquidação impugnada enferma do apontado erro de julgamento, de facto e de direito, não podendo manter-se na ordem jurídica.

O recurso merece provimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente.

Vencida a Recorrida, é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 07 de Dezembro de 2021



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha