Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:54/20.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:-DECISÃO ARBITRAL
-PRONÚNCIA INDEVIDA
-VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
-DISPENSA DA REUNIÃO PREVISTA NO ART.º 18.º DO RJAT
Sumário:i. Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, alíneas a) a d), do RJAT correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.

ii. Constitui jurisprudência estabilizada que não se podem confundir duas distintas realidades: os fundamentos das questões ou “temas” a decidir e os argumentos ou construções de raciocínio que as partes ou o juiz expõem em defesa das teses ou fundamentos em presença, que devem ser arredados da ponderação sobre a existência dos vícios de pronúncia indevida, por excesso ou omissão”.

iii. Constitui princípio estruturante do processo arbitral tributário a livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros (art.º 16.º alínea e) do RJAT).

iv. A violação do princípio do inquisitório não se integra nos fundamentos da impugnação arbitral previstos no art.º 27.º do RJAT.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A….– C…, LDA., vem, ao abrigo do disposto no artigo 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar a decisão arbitral proferida no processo n.º 733/2019–T, pelo Tribunal Arbitral Colectivo constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD).

A Impugnante termina as alegações da impugnação formulando as seguintes e doutas Conclusões:
«
1.ª A presente impugnação vem deduzida na sequência da decisão arbitral proferida no processo n.º 733/2019-T, notificada à ora Impugnante em 11.06.2020, a qual julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido contra contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR do ano de 2014 e, bem assim, quanto ao aludido ato tributário, melhor identificado no aludido pedido;

2.ª O Tribunal arbitral alicerçou a improcedência do pedido essencialmente no facto de existirem registos contabilísticos que evidenciam a saída de rendimento da sociedade e de não ter sido dado como provado que esses registos correspondiam a mútuos celebrados com os sócios da Impugnante, nem rendimentos de trabalho ou de exercício de cargos sociais, verificam-se os requisitos da presunção prevista no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS;

3.ª A Impugnante impugna a aludida decisão arbitral com fundamento i) na pronúncia indevida [cf. 1.ª parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT], ii) na omissão de pronúncia [cf. alínea 2.ª parte da c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT], e iii) na violação do princípio do contraditório [cf. alínea d) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT] os quais determinam a sua anulação com as demais consequências legais;

4.ª O Tribunal arbitral incorreu em pronúncia indevida uma vez que se pronunciou para além do suscitado pelas partes no âmbito do presente litígio, em concreto, trouxe à colação novas questões, que não se afiguravam de conhecimento oficioso: a de qualificar a distribuição de rendimentos aos sócios da Impugnante como apropriação ilícita e de avaliar a legalidade da tributação efetuada pela administração tributária nesses termos;

5.ª Sublinhe-se que o que estava a ser discutido nos presentes autos, por acordo e fundamentação de ambas as partes era o registo contabilístico de saídas de rendimento para a esfera dos sócios e o enquadramento dessas alegadas distribuições de rendimento como adiantamento por conta de lucros nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS e não uma eventual apropriação ilícita e o seu cabimento no âmbito do artigo 1.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, do Código do IRS (cf. p. 35 da decisão arbitral);

6.ª Tendo reconfigurado as questões a decidir no presente litígio, é notório que o Tribunal arbitral se pronunciou para além do suscitado pelas partes, incorrendo em violação do princípio do dispositivo e em pronúncia indevida, devendo por isso a presente decisão arbitral ser anulada com fundamento na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT;

7.ª Sem prejuízo do exposto, da leitura da decisão arbitral facilmente se depreende que aquela não apreciou todas as questões suscitadas pela ora Impugnante no respetivo pedido de constituição de tribunal arbitral, incorrendo, assim, igualmente, em omissão de pronúncia;

8.ª No que respeita à arbitragem tributária, a questão da omissão de pronúncia encontra-se obviamente intimamente ligada com os poderes de cognição do Tribunal arbitral, sendo de destacar que, em suma, “Quanto a questões, o tribunal está por força do princípio do dispositivo, limitado às questões alegadas pelas partes estando obrigado ao conhecimento de todas as questões que estas lhes suscitem e podendo conhecer apenas das questões suscitadas e daquelas que sejam de conhecimento oficioso. O conhecimento pelo tribunal de questões que não podia conhecer constitui fundamento de impugnação da decisão arbitral por pronuncia indevida; a falta de conhecimento pelo tribunal de questão suscitada pelas partes constituiu fundamento de impugnação por omissão de pronuncia, ambos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT” (cf. CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2016, p. 431);

9.ª No pedido de constituição de tribunal arbitral a Impugnante, então Requerente, suscitou várias questões, imputando diversos vícios geradores de anulabilidade dos atos em crise, sendo que as seguintes não foram apreciados, nem sequer o seu conhecimento dado por prejudicado, na decisão proferida:
a) violação do princípio constitucional da tributação pelo lucro real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, em função da interpretação perfilhada pela administração tributária de que os meros lançamentos contabilísticos são considerados bastantes para prova da existência de rendimento, não obstante estar evidenciada a falta de reconciliação bancária e o artigo 75.º da LGT ter sido colocado em crise,
b) erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, conjugado com o artigo 7.º do Código do IRS, em concreto, quanto à delimitação temporal da colocação à disposição dos alegados rendimentos, e,
c) erro sobre os pressupostos de facto e de direito na aplicação do artigo 100.º do CPPT;

10.ª Sendo manifesto que o Tribunal arbitral (sem qualquer justificação) se absteve de apreciar questões pertinentes e que constituíam premissas indispensáveis para a solução daquela suscitadas pela Requerente no pedido de constituição de tribunal arbitral e sobre as quais se impunha a sua pronúncia, conclui-se que a presente decisão deverá ser anulada com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos da 2.ª parte da alínea c) do nº. 1 do artigo 28.º do RJAT, com as demais consequências legais;
11.ª Por último, e sem prejuízo de todo o exposto, o Tribunal arbitral dispensou a reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, e decidiu, de forma surpreendente que perante a hipotética dúvida gerada quanto a determinados factos, foram aqueles dados como não provados em virtude da exigência legal de que tal ausência de elementos de prova deverem ser valorados processualmente contra a Requerente;

12.ª Tal não é admissível, porquanto na eventualidade de existirem dúvidas quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, sempre se impunha ao Tribunal arbitral a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, em obediência ao princípio do inquisitório, expressamente previsto na alínea a) do artigo 16.º do RJAT, e bem assim, no artigo 45.º do CPPT, 60.º da LGT e n.º 5 do artigo 267.º da CRP;

13.ª Não o tendo feito e tendo decidido contrariamente à Impugnante sem lhe conferir oportunidade de evidenciar tais factos, é evidente que o Tribunal arbitral incorreu em violação do princípio do contraditório, impondo-se a anulação da presente decisão arbitral, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, com as demais consequências legais.

Por todo o exposto e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve a presente impugnação ser julgada procedente, por provada, com a consequente anulação da decisão arbitral impugnada, com as demais consequências legais, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!».

Respondeu a entidade impugnada concluindo as contra-alegações assim:
«

«Imagem no original»










».

Com dispensa de vistos por simplicidade das questões a dirimir e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

1. Por razões de celeridade e economia processual, remete-se para a matéria de facto vertida no ac. arbitral, nos termos do disposto no art.º 663/6 do Cód. Processo Civil, reproduzindo-se, por extracto, a matéria de direito dele constante e tida por relevante:
«
3. Matéria de direito
No ano de 2014, foram efectuados lançamentos em contas dos sócios da Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não se provou que lançamentos no valor global de € 840.500,00 resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais, pelo que presumiu que tais lançamentos foram efectuados a título de lucros ou adiantamento de lucros, invocando a presunção que estabelece o n.° 4 do artigo 6.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).
Na sequência desse entendimento, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu liquidação por falta de retenção na fonte e liquidações de juros compensatórios.
A Requerente imputa os seguintes vícios à correção e liquidação impugnada:
- erro sobre os pressupostos de facto por inexistência do facto tributário;
- erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do artigo 6.°, n.° 4, do CIRS;
- inexistência de dever acessório de substituição tributária;
- erro sobre os pressupostos de facto: a indevida consideração do montante de €
500.000,00 (cujo reembolso ocorreu no decurso de 2015) como alegado rendimento tributável;
- ilegalidade da liquidação de juros compensatórios;

3.1. Questões da inexistência de facto tributário e da aplicação da presunção prevista no n.° 4 do artigo 6.° do CIRS

Por força do disposto na alínea h) do n.° 2 do artigo 5.º do CIRS, estão sujeitos a tributação em sede de IRS «os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros».
O n.° 4 do artigo 6.° do mesmo Código estabelece que «os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros».
A Requerente defende que a sua contabilidade da Requerente não espelha a sua situação fáctica e não existe reconciliação bancária e que a divergência é explicada por contratos de mútuo celebrados com os seus sócios, os quais ocorreram em exercícios anteriores a 2014, mas que, por lapso, apenas foram relevados na contabilidade da Requerente no exercício de 2014.
Como resulta da matéria de facto fixada não se provou que os lançamentos efectuados na contabilidade em 2014 e registados no SAFT em Março de 2015 respeitem a mútuos celebrados antes de 2014.
Na verdade, o contrato de mútuo e os recibos apresentados pela Requerente em que se refere terem sido recebidas quantias a título de mútuos não merecem qualquer credibilidade, desde logo porque a própria Requerente diz que não foram efectuados mútuos nem entregues quaisquer quantias nas datas que neles são referidos, mas em anos anteriores. Por outro lado, embora nesses documentos se refira que nas datas neles apostas foram entregues as quantias que neles se indicam, não foram comprovados quaisquer movimentos financeiros que permitam concluir que tais afirmações correspondam à realidade.
O facto tributário previsto na alínea h) do n.° 2 do artigo 5.º do CIRS é consubstanciado pela colocação à disposição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros.
É a colocação à disposição que determina a sujeição a tributação, como se confirma pela subalínea 2) da alínea a) do n.° 3 do artigo 7.º do mesmo Código.
A colocação à disposição dos associados de lucros ou adiantamentos por conta de lucros pressupõe um ato da sociedade de que se possa concluir que decidiu atribuir aos sócios quantias, o que não sucede quando, à revelia da vontade social, haja uma mera apropriação por sócios de quantias retiradas da sociedade ou que não chegaram sequer a ser entregues à sociedade, sem qualquer título que permita concluir que a sociedade dispôs de quantias a favor de sócios.
Isto não significa que a eventual apropriação ilícita afaste a tributação em sede de IRS no âmbito da categoria E, já que a ilicitude da obtenção de rendimentos de capitais não afasta a tributação em IRS, nos termos do artigo 1.º, n.° 1, e 5.º, n.° 1, do CIRS. Na verdade, como se infere do uso da palavra «designadamente» ao elencar as várias situações descritas nas alíneas do n.° 2 do artigo 5.º do CIRC, estas são mera concretização não exaustiva dos rendimentos de capitais tributáveis genericamente definidos no seu n.° 1.
Mas, o facto de, eventualmente, terem ocorrido factos em anos anteriores a 2014, de que tenha resultado a detenção por sócios de quantias pertencentes à sociedade, que poderiam ser tributados no âmbito da categoria E de IRS, relativamente às quantias que em 2014 vieram a ser indicadas como objecto de mútuos, não obsta a que seja aplicada a tributação a factos tributários que ocorreram em 2014, designadamente a colocação à disposição pela sociedade de lucros ou adiantamentos por conta de lucros a que se refere a alínea h) do n.° 2 do artigo 5.º do CIRS. Na verdade, são frequentes ( ) as situações em que as normas de incidência tributária são potencialmente aplicáveis a uma mesma realidade económica substancial, como é o caso, desde logo, da própria alínea h) do n.° 2 do artigo 5.º, ao prever cumulativamente a tributação da colocação à disposição dos associados do adiantamento por conta de lucros e dos próprios lucros quando vierem a ser distribuídos. Em situações deste tipo, de concurso de normas de incidência tributária, será de afastar, em regra, a cumulação de tributação relativamente a um mesmo rendimento (por força dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da justiça), mas não haverá qualquer fundamento para não aplicar qualquer das normas, se não ocorreu a cumulativa aplicação de outra.
Por isso, no caso em apreço, não tendo havido tributação por qualquer facto anterior a 2014 conexionada com a detenção pelos sócios da Requerente das quantias que foram indicadas como objecto de contratos de mútuo em 2014, a questão que se coloca é apenas a de saber se os factos ocorridos se inserem no âmbito de incidência do referido artigo 5.º, n.° 2, alínea h), do CIRC.
Como se referiu, a colocação à disposição dos associados de lucros ou adiantamentos por conta de lucros que a alínea h) do n.° 2 do artigo 5.º do CIRS configura como facto tributário que pressupõe um acto da sociedade de que se possa concluir que esta decidiu transferir quantias para a disponibilidade dos sócios.
Os factos provados de que se pode inferir que a Requerente decidiu disponibilizar quantias aos sócios são os lançamentos efectuados nas contas 268111, 268211 e 268212, no exercício de 2014. À face da prova produzida, é com estes actos que se pode considerar que as quantias objecto de lançamento nas contas referidas foram disponibilizadas aos sócios, independentemente dos momentos anteriores ou posteriores em que tenham sido concretizados movimentos financeiros.
Por outro lado, resulta da prova produzida que tais lançamentos não resultaram de mútuos. Foi formalizado por escrito um contrato de mútuo e emitidos recibos, mas resulta da prova produzida que não ocorreu a materialidade que lhes deveria corresponder, designadamente de que tenha ocorrido por efeito de contratos de mútuo a transferência de bens que é característica essencial do contrato de mútuo. Na verdade, «O mútuo é, de sua natureza, um contrato real, no sentido de que só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa» (4), sendo a entrega um efeito do contrato.
Não se coloca, assim, a questão da requalificação de actos (mútuos) em distribuição de lucros, pois aqueles não existiram, subsistindo provada apenas a materialidade dos lançamentos efectuados no exercício de 2014. Por isso, não se está perante situação em que fosse necessário accionar a cláusula geral antiabuso.
Neste contexto, tendo-se provado os lançamentos nas contas dos sócios e que estes não resultaram dos mútuos invocados pela Requerente e não sendo sequer aventado que aqueles resultem da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, verificam-se todos os requisitos da presunção prevista no n.° 4 do artigo 6.° do CIRS, pelo que é de concluir que os lançamentos foram efectuados a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
De qualquer modo, sendo a existência de mútuos alegada pela Requerente e não havendo razões para crer que eles existiram, a hipotética dúvida que subsistisse sobre essa existência sempre teria de ser valorada processualmente contra a Requerente, por força do preceituado no n.° 1 do artigo 74.º da LGT, já que é ela quem alega a sua existência.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto aos vícios de erro sobre os pressupostos de facto por inexistência de facto tributário e de erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do artigo 6.°, n.° 4, do CIRS.

3.2. Questão da inexistência de dever acessório de substituição tributária

A Requerente defende que «os rendimentos alegadamente colocados a disposição dos seus sócios pela Requerente encontram suporte em mútuos, portanto, não poderiam ser sujeitos a tributação na esfera da Requerente, por falta de norma de incidência objetiva, e, consequentemente, não deveriam ser sujeitos a retenção na fonte» e que a presunção de distribuição de lucros prevista no n.° 4 do artigo 6.° do CIRS apenas permite uma liquidação de IRS aos sujeitos passivos pessoas singulares.
Refere ainda a Requerente que «nunca a aplicação de uma presunção permitiria a ficção de uma obrigação acessória de um terceiro» e que a aplicação da cláusula geral antiabuso não permite a imposição de uma obrigação acessória de retenção na fonte na esfera de um terceiro.
A Requerente parte de pressupostos errados, pois o artigo 6.°, n.° 4, do CIRS não, estabelece uma ficção legal, que se consubstancia na atribuição pelo legislador a um facto das consequências jurídicas de outro, com indiferença em relação à realidade.
Nesta norma não é isso que sucede, pois estabelece-se uma presunção que, de harmonia com o artigo 349.º do Código Civil, se traduz numa ilação que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Neste caso, com base em factos conhecidos, que são os lançamentos nas contas de sócios referentes ao exercício de 2014, firmam-se factos desconhecidos, que são a disponibilização de lucros ou adiantamento de lucros nesse exercício. Mas não se verifica aqui a indiferença em relação à realidade que caracteriza as ficções legais.
Esta presunção pode ser ilidida, nos termos do n.° 5 daquele artigo 6.° do CIRS. Mas, não tendo sido ilidida a presunção, é de considerar provado que os lançamentos referidos foram feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.
A tributação em IRS dos rendimentos provenientes de colocação de lucros à disposição dos sócios é feita através de retenção na fonte, por força do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 71.º do CIRS, com remissão para a alínea h) do n.° 2 do artigo 5.º, retenção que deve ser efectuada pela entidade devedora de rendimentos [alínea a) do n.° 2 do artigo 101.º do CIRS], no momento em que ocorre a colocação à disposição [artigo 7.º, n.° 3, alínea a), subalínea 2), do CIRS].
Tratando-se de retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, como se estabelece no n.° 1 do artigo 71.º do CIRS, «O substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram», como decorre do n.° 3 do artigo 28.º do LGT e do n.° 3 do artigo 103.º do CIRS.
Por outro lado, não resultando os lançamentos referidos de mútuos, da prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais, como resulta da matéria de facto, presume-se que foram efectuados a título de lucros ou adiantamento de lucros, pelo que não há aqui qualquer requalificação ou alteração da natureza dos rendimentos colocados à disposição dos sócios através desses lançamentos, não se aplicando neste âmbito os obstáculos que a Requerente
invoca quanto à exigência do imposto ao substituto tributário que se podem colocar a nível da aplicação da cláusula geral anti-abuso.
O estabelecimento de presunções na tributação de rendimentos ou determinação da matéria tributável é constitucionalmente admissível, desde que se admita a possibilidade da sua ilisão, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.° 348/97, de 29-04-1997, processo n.° 63/96, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 466, página 140.
Por outro lado, a Requerente não concretiza nem se vê como é que a tributação do substituto tributário que não efectua retenção na fonte numa situação em que a lei a prevê seja incompaginável com o princípio da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP. Na verdade, a Requerente efectuou lançamentos nas contas dos sócios que não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de funções em órgãos sociais, 0 que era do seu conhecimento, pelo que se está perante a aplicação das referidas normas do CIRS a situações explicitamente nelas previstas.
No que concerne às alegadas violação do princípio da proporcionalidade e tributação com base na capacidade contributiva, que emanam dos artigos 13.º, 18.º e 104.º da CRP, a requerimento também não explicita de que forma eles são violados.
De qualquer forma, na linha do que já entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.° 231/16, de 03-05-2016, processo n.° 1085/15, estes princípios constitucionais não são violados pela imposição da tributação ao substituto tributário, pois, em suma:
- sendo o imposto retido na fonte pelo substituto, este não deve entregá-lo ao seu titular, pelo que apenas o substituído é onerado com o imposto, sendo apenas quanto a ele que se pode colocar a questão da tributação com base na capacidade contributiva;
- no que respeita ao princípio da igualdade fiscal, ínsito nos artigos 13.º e 104.º, n.° 1, da Constituição, a Requerente não explica em que é que se consubstancia a inconstitucionalidade que invoca, mas vale aqui o que se referiu sobre o princípio da capacidade contributiva, já que é o substituído e não o substituto 0 onerado com a tributação;
- as normas de que resulta a exigência do imposto ao substituto quando não cumpre o têm natureza de normas anti-abuso especiais, que prosseguem a finalidade de prevenir ou desincentivar comportamentos lesivos da administração tributária, do mesmo passo que facilitam e agilizam procedimentalmente a cobrança das quantias devidas, o que justifica essa possibilidade de exigência do imposto a quem não é o titular do rendimento e afasta a ofensa do princípio da proporcionalidade.
Pelo exposto, improcede a alegação vício de inexistência de dever acessório de substituição tributária, pois ele está previsto na lei e compagina-se com a CRP.
(…)».

2. É este o teor do despacho de dispensa da reunião arbitral, notificado às partes (docs. constantes de fls.783 e ss. do processo arbitral):

«Processo n.° 733/2019-T
Não sendo requerida prova testemunhal não se vê utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJ AT.
Por outro lado, as questões estão suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas Partes, pelo que, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 29.º do RJAT, não há necessidade de alegações.
Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.° 2, e 29.º, n.° 2, do RJAT) dispensa-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º e a produção de alegações.
Indica-se o dia 17-04-2020 para prolação da decisão arbitral.
Até essa data o Sujeito Passivo deverá pagar a taxa arbitral subsequente.
Lisboa, 09-03-2020
O Presidente do Tribunal Arbitral, com a concordância dos Co-Árbitros
(…)».

De direito

Como se deixou consignado no acórdão desta secção proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB,

«O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al. b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)» (fim de cit.).

Como também tem sido entendimento deste Tribunal, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida. E no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º09156/15.

Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em apreciação.

A impugnante invoca as seguintes nulidades: pronúncia indevida, omissão de pronúncia e violação do princípio do contraditório.

A primeira causa de nulidade que a impugnante assaca ao ac. arbitral radica no excesso de pronúncia ou pronúncia indevida, causa de nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 28.º do RJAT, com correspondência no art.º 615/1, alínea d), do Cód. de Processo Civil.

Além dessa causa de nulidade assaca igualmente ao ac. arbitral omissão de pronuncia, vício também previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 28.º do RJAT, com correspondência no art.º 615/1, alínea d) do Cód. de Processo Civil.

Ambos os vícios traduzem-se no incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever prescrito no art.º 608/2 do CPC, que dispõe: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Como vem sendo entendimento dominante na doutrina e jurisprudência, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vd., por todos, o Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª secção”).

Se bem vemos, o vício inquinador da pronúncia indevida ou excesso de pronúncia derivaria da circunstância de o Tribunal Arbitral ter trazido à colação novas questões não suscitadas pelas partes no litígio, nem de conhecimento oficioso, como a “de qualificar a distribuição de rendimentos aos sócios da impugnante como apropriação ilícita e de avaliar a legalidade da tributação efectuada pela administração tributária nesses termos”.

Há nesta invocação, salvo o devido respeito, clara confusão entre o que constituem questões a apreciar e razões e argumentos aduzidos. Na verdade, são coisas diferentes conhecer de questão de que não pode conhecer-se e apreciar questão de que se deva conhecer com apelo a argumentos e razões fáctico-jurídicos que as partes não produziram a propósito da questão colocada ao tribunal, ou considerações “a latere”, que se usam para reforçar a abordagem que o tribunal faz da questão colocada, mas que não se ligam necessariamente à decisão da questão.

Como se decidiu, em linha com a jurisprudência reiterada do mesmo tribunal, no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2021, tirado no Processo nº 7228/16.8GMR.G1.S1, a propósito dos vícios de pronúncia indevida, “não se podem confundir duas distintas realidades: os fundamentos das questões ou “temas” a decidir e os argumentos ou construções de raciocínio que as partes ou o juiz expõem em defesa das teses ou fundamentos em presença, que devem ser arredados da ponderação sobre a existência de tais vícios.”

Por último, cumprirá salientar que o juiz não está sujeito ás alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, como resulta do disposto no art.º 5.º, n.º 3 do CPC.

Tendo presente a enunciada posição da jurisprudência consolidada sobre o tema da pronúncia indevida, logo se alcança que tal vício não ocorre no ac. arbitral objecto da impugnação.

Como dele se extrai, A AT com referência ao ano de 2014 constatou lançamentos em contas dos sócios da Requerente, ora impugnante. Entendeu a AT que não se provou que lançamentos no valor global de € 840.500,00 resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais, pelo que presumiu que tais lançamentos foram efectuados a título de lucros ou adiantamentos de lucros, invocando a presunção que estabelece o n.º 4 do artigo 6.º do CIRS.

A Requerente no pedido de pronúncia arbitral invocava erro sobre os pressupostos de facto por inexistência do facto tributário e erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do art.º 6.º, n.º 4, do CIRS.

E o Tribunal Arbitral não se afastou dessas questões, como se alcança, em particular, do excerto que abaixo transcrevemos, consignado no seguimento das extensas considerações sobre o tema que entendeu pertinentes fazer e nas quais se inclui a referência à tributação em IRS de quantias que não sendo colocadas à disposição dos associados por acto da sociedade, são apropriadas pelos sócios sem que cheguem, sequer, a entrar na sociedade:

«Neste contexto, tendo-se provado os lançamentos nas contas dos sócios e que estes não resultaram dos mútuos invocados pela Requerente e não sendo sequer aventado que aqueles resultem da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, verificam-se todos os requisitos da presunção prevista no n.° 4 do artigo 6.° do CIRS, pelo que é de concluir que os lançamentos foram efectuados a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
De qualquer modo, sendo a existência de mútuos alegada pela Requerente e não havendo razões para crer que eles existiram, a hipotética dúvida que subsistisse sobre essa existência sempre teria de ser valorada processualmente contra a Requerente, por força do preceituado no n.° 1 do artigo 74.º da LGT, já que é ela quem alega a sua existência.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto aos vícios de erro sobre os pressupostos de facto por inexistência de facto tributário e de erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do artigo 6.°, n.° 4, do CIRS».

Não ocorreu, por conseguinte, pronúncia indevida, improcedendo a arguição de nulidade do acórdão arbitral com esse fundamento.

Quanto à invocada omissão de pronúncia sobre: a) violação do princípio constitucional da tributação pelo lucro real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, em função da interpretação perfilhada pela administração tributária de que os meros lançamentos contabilísticos são considerados bastantes para prova da existência de rendimento, não obstante estar evidenciada a falta de reconciliação bancária e o artigo 75.º da LGT ter sido colocado em crise; b) erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, conjugado com o artigo 7.º do Código do IRS, em concreto, quanto à delimitação temporal da colocação à disposição dos alegados rendimentos, e, c) erro sobre os pressupostos de facto e de direito na aplicação do artigo 100.º do CPPT, também não vemos que ocorra tal vício.

Sobre a violação do principio constitucional da tributação pelo lucro real, é manifesto que o Tribunal Arbitral não deixou de se pronunciar, como se alcança desta passagem:

«No que concerne às alegadas violação do princípio da proporcionalidade e tributação com base na capacidade contributiva, que emanam dos artigos 13.º, 18.º e 104.º da CRP, a requerimento também não explicita de que forma eles são violados.
De qualquer forma, na linha do que já entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.°231/16, de 03-05-2016, processo n.°1085/15, estes princípios constitucionais não são violados pela imposição da tributação ao substituto tributário, pois, em suma:
- sendo o imposto retido na fonte pelo substituto, este não deve entregá-lo ao seu titular, pelo que apenas o substituído é onerado com o imposto, sendo apenas quanto a ele que se pode colocar a questão da tributação com base na capacidade contributiva;
- no que respeita ao princípio da igualdade fiscal, ínsito nos artigos 13.º e 104.º, n.° 1, da Constituição, a Requerente não explica em que é que se consubstancia a inconstitucionalidade que invoca, mas vale aqui o que se referiu sobre o princípio da capacidade contributiva, já que é o substituído e não o substituto 0 onerado com a tributação;
- as normas de que resulta a exigência do imposto ao substituto quando não cumpre o têm natureza de normas anti-abuso especiais, que prosseguem a finalidade de prevenir ou desincentivar comportamentos lesivos da administração tributária, do mesmo passo que facilitam e agilizam procedimentalmente a cobrança das quantias devidas, o que justifica essa possibilidade de exigência do imposto a quem não é o titular do rendimento e afasta a ofensa do princípio da proporcionalidade.
(…)».

Igualmente, não deixou o Tribunal arbitral de emitir pronúncia relativamente ao erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, conjugado com o artigo 7.º do Código do IRS, em concreto, quanto à delimitação temporal da colocação à disposição dos alegados rendimentos. Ora vejamos esta passagem do acórdão:

«O n.° 4 do artigo 6.° do mesmo Código estabelece que «os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros».
A Requerente defende que a sua contabilidade da Requerente não espelha a sua situação fáctica e não existe reconciliação bancária e que a divergência é explicada por contratos de mútuo celebrados com os seus sócios, os quais ocorreram em exercícios anteriores a 2014, mas que, por lapso, apenas foram relevados na contabilidade da Requerente no exercício de 2014.
Como resulta da matéria de facto fixada não se provou que os lançamentos efectuados na contabilidade em 2014 e registados no SAFT em Março de 2015 respeitem a mútuos celebrados antes de 2014.
(…)».

Este último parágrafo, em particular, responde directamente (bem ou mal) à pretensamente omitida questão da delimitação temporal da colocação à disposição dos alegados rendimentos à luz das disposições conjugadas dos artigos 6.º, n.º4 e 7.º do Código do IRS.

Quanto à pretensamente omitida apreciação da questão da fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário (art.º 100.º do CPPT), o Tribunal Arbitral deixa claramente expressado que não concorrem os pressupostos de que depende a sua aplicação. Ora, atente-se neste segmento:

«Neste contexto, tendo-se provado os lançamentos nas contas dos sócios e que estes não resultaram dos mútuos invocados pela Requerente e não sendo sequer aventado que aqueles resultem da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, verificam-se todos os requisitos da presunção prevista no n.° 4 do artigo 6.° do CIRS, pelo que é de concluir que os lançamentos foram efectuados a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
De qualquer modo, sendo a existência de mútuos alegada pela Requerente e não havendo razões para crer que eles existiram, a hipotética dúvida que subsistisse sobre essa existência sempre teria de ser valorada processualmente contra a Requerente, por força do preceituado no n.° 1 do artigo 74.º da LGT, já que é ela quem alega a sua existência.
(…)».

Tudo visto, não ocorreu omissão de pronúncia, apresentando-se destituída de fundamento a arguição dessa pretensa nulidade do acórdão arbitral.

Por último, a Impugnante aponta ao ac. arbitral nulidade por violação do princípio do contraditório, consubstanciada na dispensa indevida da reunião arbitral prevista no art.º 18.º do RJAT.

E entende que aquela dispensa da reunião arbitral consubstancia violação do princípio do contraditório, porquanto, o Tribunal Arbitral perante a dúvida gerada quanto a determinados factos sempre deveria facultar à Impugnante a oportunidade de se pronunciar e evidenciar os factos sobre que recaiu a dúvida probatória, que o Tribunal Arbitral veio a resolver processualmente contra ela, impugnante.

O princípio do contraditório é estruturante do processo civil e tributário (art.º 3.º, n.º 3 do CPC e 2.º alínea e), 113.º e 121.º do CPPT) e também do processo arbitral (art.º 16.º, alínea a) do RJAT).

Por outro lado, as normas de natureza processual previstas no Código de Procedimento e de Processo Tributário aplicam-se subsidiariamente ao processo arbitral tributário – art.º 29.º, n.º 1 alínea c) do RJAT.

Tanto quanto se alcança do pedido inicial de pronúncia arbitral não foram requeridas diligências probatórias para além da junção aos autos do processo administrativo, aí incluído o de indeferimento da reclamação graciosa.
Se bem entendemos pretenderá a impugnante que perante a situação de dúvida probatória gerada sobre a existência dos alegados mútuos na base dos lançamentos escriturados (“…sendo a existência de mútuos alegada pela Requerente e não havendo razões para crer que eles existiram, a hipotética dúvida que subsistisse sobre essa existência sempre teria de ser valorada processualmente contra a Requerente, por força do preceituado no n.° 1 do artigo 74.º da LGT, já que é ela quem alega a sua existência”), o Tribunal Arbitral deveria, em obediência ao princípio do inquisitório, ter realizado a reunião arbitral, permitindo à Requerente, ora impugnante, a evidenciação dos factos sobre que recaiu a dúvida.

Dispõe o apelado art.º 18.º do RJAT:
«Artigo 18.º
Primeira reunião do tribunal arbitral
1 - Apresentada a resposta, o tribunal arbitral promove uma primeira reunião com as partes para:
a) Definir a tramitação processual a adoptar em função das circunstâncias do caso e da complexidade do processo;
b) Ouvir as partes quanto a eventuais excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido; e
c) Convidar as partes a corrigir as suas peças processuais, quando necessário.
2 - Na reunião referida no número anterior, deve ainda ser comunicada às partes uma data para as alegações orais, caso sejam necessárias, bem como a data para a decisão arbitral, tendo em conta o disposto no artigo 21.º»
.
Não sendo invocada pela impugnante nenhuma das situações previstas nas alíneas do n.º 1 do art.º 18.º do RJAT para que está pensada a diligência, sendo que a alínea a) se relaciona com o disposto no seu art.º 16.º alínea c) e tem o seu correspondente no art.º 547.º do CPC, é elementar que não pode resultar ipso facto da sua dispensa a violação do princípio do contraditório.

Isso não significa que não possa ocorrer violação do princípio do contraditório enquanto princípio estruturante do processo previsto no art.º 16.º alínea a) do RJAT e 3.º, n.º 3 do CPC.

Mas não alcançamos das doutas alegações que questão de direito ou de facto foi decidida pelo Tribunal Arbitral sem que a impugnante tivesse oportunidade de sobre a mesma se pronunciar, menos ainda que tenha sido proferida qualquer decisão surpresa (ou surpreendente, como diz), não valendo como tal a circunstância de o Tribunal Arbitral ter valorado processualmente contra a impugnante a situação de dúvida probatória com que se viu confrontado.

O que se passa é que a impugnante entende que a dúvida gerada sobre certos factos, que o Tribunal Arbitral valorou processualmente contra si, poderiam eventualmente ter sido ultrapassadas com reforçadas diligências de inquisitório.

Mas tal não integra violação do princípio do contraditório e apenas esta é sindicável em sede de impugnação da decisão arbitral, salientando-se que outro dos princípios estruturantes do processo arbitral é justamente o da “livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros”, como decorre da alínea e) do art.º 16.º do RJAT.

Não vemos, pois, que a decisão arbitral impugnada se mostre inquinada do vício de preterição do contraditório.

Como assim, não colhe fundamento a arguição das pretensas nulidades do acórdão arbitral impugnado, que não enferma, de modo algum, dos vícios que a impugnante lhe atribui.

5 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente a presente impugnação da decisão arbitral.

Condena-se a Impugnante em custas.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha