Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07457/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:06/18/2015
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:COMPETÊNCIA PARA A PRÁTICA DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO; ARTIGO 21.º DO CIMT; NULIDADE DO ACTO DE NOTIFICAÇÃO; ARTIGO 39.º/11, DO CPPT.
Sumário:
1) Nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 1, do CIMT (“Competência para a liquidação” (versão vigente), «O IMT é liquidado pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base na declaração do sujeito passivo ou oficiosamente (…)».

2) Compete àquele que invoca a existência e a produção de efeitos no caso concreto do acto tributário a demonstração do preenchimento dos elementos essenciais do mesmo, a começar pela pronúncia expressa do órgão autor do mesmo, investido na competência legal para o efeito. Prova que no caso não foi feita.

3) No caso, do probatório resulta que o ofício de notificação não identifica o autor do acto de liquidação e a qualidade em que o mesmo actua, pelo que o acto de notificação é nulo, o que determina a inoponibilidade do acto notificando (artigo 39.º/11, do CPPT).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
Ricardo …………………………, m.i. nos autos, interpõe o presente recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 56/66, que julgou improcedente a impugnação deduzida por Ricardo…………………….. contra a liquidação de IMT notificada através do ofício de 31.08.2005.
Nas alegações de recurso de fls. 78/100, o recorrente formula as conclusões seguintes:
A. Constitui objecto do presente recurso a sentença prolatada em 17.10.2013, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e respectivos juros compensatórios, bem como a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa que lhe esteve subjacente que foi assim totalmente confirmada.
B. Nos termos do disposto no artigo 125.º do CPPT a sentença deverá ser declarada nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito. É convicção do Recorrente que esta enferma da apontada nulidade (até olhando aos factos assentes) porquanto conclui acriticamente que não procede o assacado vício formal de incompetência, o acto de liquidação de IMT, dado não resultar provado que terá sido praticado pelo órgão periférico regional.
C. Mas simultaneamente não especifica de que forma considerou julgado provado que o mesmo foi afinal praticado pelos serviços centrais, a quem a lei atribuía, à data dos factos, a competência para a sua emissão.
D. Tendo o Tribunal se demitido da tarefa descoberta da verdade material, como aliás precipuamente lhe competia (cfr. artigo 13.º do CPPT), face à prova junta e alegações produzidas pelo Impugnante que pertinentemente a colocou em crise.
E. Aliás, face à argumentação ventilada pelo Tribunal, o Recorrente desconhece inclusivamente se ocorreu a notificação do acto tributário ou a notificação de qualquer outro acto.
F. Sem conceder, é firme entendimento do Recorrente que a douta sentença laborou em manifesto erro quanto ao julgamento da matéria de facto, bem como da aplicação do correspondente direito.
G. À data dos factos, o legislador é cristalino e nítido quanto à distinção entre iniciativa e competência para a liquidação do IMT, constituindo sua expressa vontade que a primeira possa ser deferida aos órgãos periféricos regionais, ao passo que a competência ou poderes para a emissão do acto fica reservada a outro órgão – serviços centrais da DGI.
H. Tal postulado legal representou inclusivamente uma inflexão sobre a repartição de competências existente no seio do imposto de sisa, a qual estava deferida aos serviços de finanças.
I. A própria epígrafe das normas (artigos 19.º e 21.º do Código do IMT) é expressiva dessa bifurcação querida pelo legislador.
J. Pelo que sempre será de respeitar a expressa vontade do legislador do IMT, pois apesar da manutenção de muitas das regras do imposto substituído, desde logo as referentes às normas de incidência, quis explicitamente inverter as regras de competência para a liquidação do novo imposto.
K. Em face do exposto, é pois ponto assente que a competência para a liquidação do IMT pertence in casu aos serviços centrais da outrora DGI, sendo que a questão da competência é de atribuição exclusiva da lei, não podendo ocorrer qualquer desvio que não seja por aquela autorizado, designadamente por estar interditada a atribuição por outra fonte ou via que não a legal (cfr. artigo 29.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável ex vi o artigo 2.º, alínea d), do CPPT.
L. A douta sentença enferma de manifesto erro de julgamento porquanto não resulta provado nos autos que o acto de liquidação tenha sido efectivado pelos serviços centrais, conforme disciplina o artigo 21.º do Código do IMT, aquela considerou não verificado o vício de incompetência do autor do acto.
M. A sentença mostra-se igualmente inaceitável na interpretação que faz do artigo 74.º da LGT pois imputa o ónus probatório da autoria do acto ao Impugnante, quando este alegou e juntou aos autos toda a prova documental que lhe foi notificada do acto de liquidação, nada mais lhe sendo lícito conhecer ou saber do procedimento administrativo tributário.
N. Com efeito, e por maioria de razão, e uma vez colocada em crise a autoria do acto tributário, dado tratar-se da prova da autoria do acto, ou competência, sempre resultaria onerada a Fazenda Pública com a prova de tal facto, atenta a processual repartição do ónus probatório material.
O. Conforme vem desde há muito sufragando a nossa doutrina e jurisprudência não existe mais a presunção de legalidade do acto administrativo, pelo que ao autor do acto tributário compete desde logo fazer prova dos pressupostos legais do seu agir, e se o recorrente alegar o não preenchimento dos pressupostos do acto, deve recair sobre a Administração o risco da falta de prova da respectiva verificação”.
P. Arredada a fórmula sacrossanta da presunção de legalidade do acto administrativo, pelo que posto legitimamente em crise pelo Impugnante a autoria do acto de liquidação, é competência (cfr. artigo 74.º da LGT) do autor da liquidação demonstrar que o acto procedeu de vontade sua, que a si é imputável, e não a entidade terceira, no caso o Serviço de Finanças.
Q. Donde a questão da competência se mostra como prévia ou prejudicial às demais, e uma vez questionada legitimamente pelo Impugnante com base nos documentos notificados, deve a Fazenda Pública rebater tal facto, através da demonstração da realidade – ou seja, do autor material do acto tributário.
R. Não o fazendo, deve ser julgada contra si a não produção de prova quanto à competência, enquanto pressuposto da legalidade do acto tributário.
S. Mas neste caso, e face à legal repartição do ónus processual, ou material, devia naturalmente pertencer à Fazenda Pública a tarefa de demonstrar a sua existência, e bem assim, entre outros elementos essenciais, a autoria do acto, a cuja vontade se deve a prototípica produção dos efeitos jurídicos que lhe estão adstritos.
T. Por outro lado ainda, constando a fundamentação da liquidação dos juros compensatórios da dita nota anexa, óbvio se mostra que a fundamentação do acto tributário apenas pode ocorrer na pessoa do autor do próprio acto, pelo que também por aqui não se vislumbra como pode ter sido entendido que o acto de liquidação não foi praticado (emitido) pelo Serviço de Finanças das Caldas da Rainha.
U. E porque a autoria do acto é um facto tão cimeiro e prévio, é que se compreende que a lei faça depender da validade do próprio acto a indicação do seu autor (cfr. artigo 39.º, n.º 11, do CPPT), cominando inclusivamente de nulidade quando falte aquele requisito, pois trata-se verdadeiramente de um elemento essencial do acto (cfr. artigo 120.º do CPA).
V. Na verdade, tal deflui como corolário lógico do próprio princípio da legalidade, segundo o qual o acto só poderá ser praticado pela entidade para tanto habilitada ou delegada, sob pena de se instalar um vício de incompetência relativa ou absoluta, pois que tão pouco a competência se presume.
W. Por outro lado, considerou a sentença que a alteração superveniente da norma (artigo 21.º do Código do IMT), no sentido de expansão da competência da liquidação do IMT pelos serviços de finanças devia ter aplicação retroactiva, ou auxiliadora da interpretação da redacção precedente.
X. Com efeito, movemo-nos dentro das garantias dos contribuintes, e do espaço normativo destinado à concreta determinação da legal competência para a prática dos actos tributários (cfr. artigo 8.º da LGT), sempre se mostra violadora do princípio da legalidade uma interpretação tão expansiva que admita até aplicações retroactivas das normas, em desfavor do sujeito passivo.
Y. Posto isto, e face às regras de interpretação (cfr. artigo 12.º da LGT), é mister concluir-se que o legislador quis inverter a regra da competência para a liquidação do imposto, e fê-lo de forma tão estreita e rigorosa que inclusivamente sentiu a necessidade de divisar competência para a liquidação de iniciativa para a liquidação.
Z. Pelo que, por não existir competência para a liquidação do IMT a cargo dos serviços de finanças, o legislador veio expressa e manifestamente alterar a redacção da norma, atribuindo agora, e só agora, tal competência àqueles órgãos.
AA. Pois conforme enfatizado, a competência tão pouco se presume e provém de expressa designação legal, sendo espúria qualquer outra via habilitante da mesma. Tal interpretação é aliás a única consentânea com o princípio da legalidade de actuação dos órgãos públicos (cfr. artigo 266.º da Lei Fundamental) e respectivo espírito do legislador.
BB. Finalmente, deve ser julgado totalmente indefensável o argumento de que a liquidação procede dos serviços centrais, porque tal resulta de uma decisão informática.
CC. A aceitar que a liquidação foi efectivada pelos serviços centrais, então é impostergável que o acto tributário notificado o fosse com expressa indicação do seu autor, pois caso contrário não estamos perante notificação de acto nenhum, pois não lhe está indexado um autor, uma vontade autorizada pela lei para a sua emissão.
DD. E reitera-se, o acto de liquidação notificado tem como seu autor o chefe do Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, ao qual estava vedada, tempus regit actum, a competência para a liquidação do acto tributário.
EE. E note-se ainda, em abono desta tese, que se o acto foi praticado pelos próprios serviços informáticos, depois de introduzidos os dados no sistema pelo órgão periférico local, na esteira do defendido pela Fazenda Pública.
FF. Então, o que resulta implícito de tal argumentação, é que o acto foi praticado pelo serviço de finanças, pois o sistema apenas cuidará do apuramento algébrico ou realização da operação matemática de quantificação da obrigação tributária, e já não da delimitação da própria incidência da liquidação e respectiva fundamentação.
GG. Neste mesmo sentido tem militado o douto sufrágio jurisprudencial, “Para que possa ser qualificada como acto jurídico, é necessário que a “decisão informática” seja imputada subjectivamente a um órgão administrativo, o que implica uma actuação subsequente que lhe faça desencadear os efeitos jurídicos.
Através da «notificação», o órgão administrativo demonstra tacitamente que teve intenção de assumir a compensação informática como um acto cujos efeitos jurídicos lhe podem ser imputados, convertendo-a em acto tributário impugnável”.
HH. Nesta conformidade, pressuposto necessário é que haja sempre uma vontade humana à qual possa ser imputado o resultado de uma operação de imposto, pois apenas esta é constitutiva de um acto administrativo (tributário ou outro), e cujos efeitos jurídicos se podem legalmente produzir ab initio.
II. Aliás, deve admitir-se que o legislador se soube exprimir, e quando distinguiu iniciativa de liquidação de competência para a liquidação estava a referir-se a realidades não coincidentes, pois caso contrário, não faria sentido tal fronteira,
JJ. Se toda a iniciativa afinal se pudesse concretizar motu proprio em acto final decisório do procedimento, sem qualquer intervenção do órgão (material e efectivamente) competente.
KK. Termos em que se requer a revogação da sentença ora sob escrutínio por manifesta violação do artigo 21.º do Código do IMT, 8.º 55.º, e 74.º da LGT, e 13.º do CPPT, e por se tratar de acto consequente daquele (cfr. artigo 134.º, n.º 2, alínea i), do CPA, a anulação do acto de liquidação dos juros compensatórios.
LL. Ou caso assim não se entenda, deve o acto sub judice ser considerado nulo, e de nenhuns efeitos, por lhe faltarem os elementos essenciais (cfr. artigo 133.º, n.º 1, do CPA), desde logo, a indicação do seu autor.

Não há registo de contra-alegações.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 123/125), no sentido da recusa de provimento ao recurso jurisdicional.
Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.
X

II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A. Em 14.05.2004, o Impugnante adquiriu a fração autónoma designada pela letra “….” do prédio urbano sito na Avenida ……….., n.º…., …….., da freguesia de ............................, concelho das Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo Predial das Caldas da Rainha sob o n.º ……. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …….. – acordo;
B. A aquisição do imóvel indicado no ponto A. que antecede foi realizada com redução de taxa de IMT, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º do Código do IMT – acordo;
C. Por ofício de 31.08.2005, foi o Impugnante notificado pelo Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, com referência à aquisição do imóvel indicado no ponto A. supra, para proceder ao pagamento de € 9.240,55, sendo € 8.918,00 de IMT e € 322,55 de juros compensatórios, constando dessa notificação, além do mais, o seguinte:
Em virtude de ter dado destino diferente à fracção, daquele que foi pressuposto do benefício, sendo utilizada para serviços, deixa de beneficiar de redução nos termos do n.º 7 do artigo 11.º.
Os Juros Compensatórios foram calculados nos termos do art.º 33.º do C.I.M.T., conforme nota anexa. (…) – cfr. documento a fls. 38 dos autos, que se dá por reproduzido;
D. A fls. 39 dos autos, consta a nota anexa a que alude a notificação referida no ponto C. supra, na qual, para além do mais, consta o seguinte:
CÁLCULO DE JUROS COMPENSATÓRIOS
(ART.º 113.º C.I.M.S.I.S.S.D.)” – cfr. documento a fls. 39 dos autos, que se dá por reproduzido;
E. Em 19.12.2005, o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IMT e de juros compensatórios referida no ponto C. supra, a qual foi indeferida na totalidade - cfr. documentos que constam do PAT;
F. O Impugnante procedeu ao pagamento do valor de € 9.240,55 referido na notificação mencionada no ponto C. supra.

Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto consignou-se:
«Factos não provados // Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa. // A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório»
X

Ao abrigo do artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
G. Em Junho de 2004, a fracção referida em A) foi arrendada à firma ……………………, Lda. e onde exerce também a sua actividade, a Sociedade …………………, Sociedade de Advogados.
H. Em 31.08.2005, o funcionário do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha procedeu ao cômputo do montante em dívida, em sede de IMT e em sede de juros compensatórios – fls. 13 do p.a., que é o que foi notificado nos termos do ofício referido em C.
X
2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, vem interposto recurso jurisdicional sentença proferida a fls. 56/66, que julgou improcedente a deduzida por Ricardo …………………….. contra a liquidação de IMT notificada através do ofício de 31.08.2005.
2.2.2. Para julgar improcedente a impugnação, a sentença recorrida esteou-se, entre o mais, na fundamentação seguinte:
«No caso dos autos, sabendo o Impugnante que deixaram de se verificar os pressupostos que presidiram à aplicação da taxa reduzida de IMT, deveria ter procedido oportunamente à liquidação do IMT devido nos termos do n.º 7 do artigo 11.º e artigo 21.º, ambos do Código do IMT. // O que não fez. // Assim, não tendo o Impugnante tido a iniciativa de despoletar o processo tendente à liquidação do IMT, conforme deveria, a administração fiscal, com base na informação disponível, promoveu oficiosamente a liquidação adicional do IMT, assim como dos correspondentes juros compensatórios. // Resulta dos fatos dados como provados que o Serviço de Finanças das Caldas da Rainha remeteu ao Impugnante notificação relativa à liquidação adicional do IMT, assim como dos correspondentes juros compensatórios (cfr. ponto C. dos fatos assentes). // Decorre também dos fatos dados como provados que juntamente com a acima mencionada notificação foi remetida uma nota anexa elaborada por funcionário do Serviço de Finanças das Caldas da Rainha (cfr. ponto D. dos fatos assentes). Este documento, ainda que do mesmo conste a palavra “liquidação”, não constitui propriamente a liquidação adicional do IMT, sendo antes, tal como designado na sobredita notificação, uma nota anexa da mesma, explicativa do apuramento do IMT liquidado adicionalmente e do montante dos juros compensatórios devidos, tal como resulta do fato de serem detalhados os cálculos realizados para apuramento dos valores cujo pagamento foi exigido ao Impugnante. Nada mais. Não pode este documento, sem mais, ser reconduzido à própria liquidação do IMT, tal como pretende o Impugnante. // Quanto à liquidação do IMT, enquanto operação aritmética de aplicação de uma taxa à matéria coletável para determinação do montante exato de imposto devido pelo sujeito passivo, não resulta provado nos presentes autos que tenha sido materialmente realizada pelo Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, considerando o teor dos documentos de que se socorreu o Impugnante para sustentar a sua tese na petição inicial e as conclusões acima já retiradas a respeito da referida nota anexa. Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado (cfr. artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil). Neste sentido, estabelece o n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos (…) dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”. De acordo com o regime que flui destas normas, deveria o Impugnante ter provado as alegações tecidas a respeito da alegada liquidação adicional do IMT pelo Serviço de Finanças. // Prova que não fez. // Aliás, como bem é referido no douto parecer do DMMP junto deste Tribunal, nos pontos 8. 12. e 14. da reclamação graciosa apresentada, a cuja decisão de indeferimento também se reporta a presente impugnação, é referido que a liquidação do IMT foi realizada pela “DGCI”, em sentido completamente contrário à argumentação vertida na petição inicial que está na base dos presentes autos. // Haverá aqui também que considerar que com a informatização do procedimento de liquidação do IMT, e tendo os serviços de finanças competência para a promoção da liquidação oficiosa do imposto, tornou-se mais ténue a delimitação da fronteira relativa à competência atribuída neste domínio aos serviços de finanças e aos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos. Aliás, terá sido por essa razão que foi alterada a redação aos números 1 e 2 do artigo 21.º do Código do IMT através do artigo 97.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, no sentido de atribuir expressamente competência aos serviços de finanças para a própria liquidação do imposto nos casos em que a mesma é promovida oficiosamente, apesar de ter sido mantida, em abstrato, a competência dos serviços centrais. Com esta alteração à letra dos números 1 e 2 do artigo 21.º do Código do IMT ficou mais claro, segundo cremos, o espírito do legislador que presidiu à redação inicial adotada, devendo este elemento de interpretação ser relevado na decisão dos presentes autos».
2.2.3. Da alegada nulidade da sentença recorrida por falta de especificação dos fundamentos de facto [conclusões A) a E)]
Sob o presente item, o recorrente considera que a sentença padece do vício da omissão da explicitação dos fundamentos de facto.
A falta de discriminação da matéria de facto relevante constitui fundamento de anulação da sentença (artigo 615.º/1/b), do CPC). A este propósito, de referir que: «[h]á que distinguir cuidadosamente entre a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrina da sentença, sujeita-a ao riso de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art.º 668.º» (1). Atendendo à fundamentação da sentença antes referida, dir-se-á que a mesma não enferma do apontado vício, pois que emitiu pronúncia, com base nos elementos coligidos sobre a questão do vício de incompetência do acto de liquidação.
Termos em que se julga improcedente a presente alegação.
2.2.4. Do alegado erro de julgamento quanto ao vício de incompetência de que enferma o acto de liquidação em apreço
O recorrente censura a sentença recorrida, porquanto entende que a mesma descurou o vício de incompetência para a prática do acto de liquidação. Centra a sua alegação na prática do acto de liquidação por parte do Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, o que consubstancia, defende, a preterição da norma de competência para a emissão do acto de liquidação que assiste aos órgãos centrais da DGCI, nos termos do artigo 21.º do CIMT/Código do Imposto Municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
Mais refere que o ónus da prova da autoria material do acto tributário impugnado compete à Fazenda Pública, nos termos do artigo 74.º da LGT.
Vejamos.
Do probatório resulta que o impugnante adquiriu a fracção autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal, correspondente ao ….. andar, fracção …., sito na Av. …………, n.º ….., Caldas da Rainha, com o número da matriz ……., da freguesia de …………….., Nossa Senhora do Populo. A aquisição beneficiou da redução de taxa nos termos do disposto no artigo 17.º/17/a), do CIMT. Em Junho de 2004, um mês depois da aquisição, o prédio foi arrendado à firma ………………………., Lda. e onde exerce também a sua actividade, a Sociedade ………………………Sociedade de Advogados, donde decorre que foi dado ao prédio, destino diferente do declarado (2). Como se estabelece no artigo 11.º/7, do CIMT, «Deixarão de beneficiar igualmente de isenção e de redução de taxas previstas no art.º 9.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º, quando aos bens for dado destino diferente daquele em que assentou o benefício, no prazo de seis anos a contar da data da aquisição, salvo no caso de venda». No que respeita à liquidação de juros compensatórios, rege o disposto no artigo 18.º do CIMT (Aplicação temporal das taxas): // 1 - O imposto será liquidado pelas taxas em vigor ao tempo da ocorrência do facto tributário. // 2 - Se ocorrer a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação. // 3 - Quando, no caso referido no número anterior e após a aquisição dos bens, tenham ocorrido factos que alterem a sua natureza, o imposto será liquidado com base nas taxas e valores vigentes à data da transmissão».
Quanto à questão objecto do recurso, relativa à competência para emitir a liquidação oficiosa do imposto rege o disposto no artigo 21.º do CIMT (“Competência para a liquidação” (versão vigente). Nos termos do preceito citado, «1. O IMT é liquidado pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base na declaração do sujeito passivo ou oficiosamente, considerando-se, para todos os efeitos legais, o acto tributário praticado no serviço de finanças da área da situação dos bens. // 2. Para efeitos de liquidação do IMT, pode a declaração referida no nº 1 do artigo 19º ser apresentada em qualquer serviço de finanças».
Através da presente intenção recursória, o recorrente sustenta que o acto de liquidação oficiosa em causa, o qual integra a quantia de €9240,00, sendo €8.918,00 de Imposto Municipal de transmissões e €322,55 de juros compensatórios, foi praticado por órgão desprovido de competência para o efeito. Sustenta a sua asserção com os elementos coligidos nos autos. Mais refere que o ofício de notificação da liquidação em causa não indica o autor do acto notificado.
O acto tributário corresponde a «um acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder [tributário], por um órgão da Administração, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta» (3). Através do mesmo, a AF faz valer a pretensão de constituição de dívida de imposto a cargo do contribuinte. Donde decorre que o ónus da prova do preenchimento dos pressupostos relativos ao tipo legal de acto tributário recai sobre a AF (artigo 74.º/1, da LGT). No caso, a competência para a prática do acto de liquidação oficiosa em causa pertence aos serviços centrais da DGI (artigo 21.º do CIMT). Todavia, resulta dos elementos constantes dos autos que o acto de liquidação em causa foi praticado pelo Serviço de Finanças de Caldas da Rainha (4), o que consubstancia preterição do disposto no artigo 21.º do CIMT, então vigente. Ou seja, o acto de liquidação em causa enferma do vício de incompetência, por violação do disposto no artigo 21.º do CIMT, o que determina a anulação do mesmo. Recorde-se que as normas de competência são de ordem pública (artigo 39.º do CPA), pelo que não são disponíveis pelos sujeitos das relações jurídicas, e a sua vigência é aferida pelo aforisma tempus regit actus, o que determina que a validade do acto deve ser aferida à data da emanação do mesmo. Recorde-se que «[a] automação da actividade administrativa tem como limite a garantia do pronunciamento expresso nas actuações que pode constituir uma lesão dos direitos do contribuinte» (5), e que: «[o]s actos praticados no Sistema Informático vinculam a Administração Tributária se corresponderem a actos cuja autoria possa ser assacada a qualquer titular de órgão da mesma e desde que reúnam as características de acto administrativo em matéria tributaria, definidas pelo art.º 120.º do CPA» (6), o que reforça a necessidade da demonstração por parte daquele que invoca a existência e a produção de efeitos no caso concreto do acto tributário, ou seja, por parte da Fazenda Pública, do preenchimento dos elementos essenciais do acto tributário, a começar pela pronúncia expressa do órgão autor do mesmo, investido na competência legal para o efeito. Prova que no caso não foi feita.
Uma vez que resulta dos autos que o acto de liquidação em causa não foi praticado pelos serviços centrais da DGI, impõe-se acolher a pretensão impugnatória do recorrente, por violação da norma de competência aplicada.
Por outro lado, note-se que, nos termos do artigo 39.º/11, do CPPT, «[o] acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, caso este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e data».
A este propósito, cumpre referir que: «[a] a nulidade do acto de notificação que omita os requisitos necessários para a identificação do acto, designadamente, a indicação do autor do acto, a sua data e o se sentido, já antes do CPPT, era genericamente afirmada pela SCA do STA, desde a vigência da LPTA. // Este entendimento justifica-se por «a notificação de um acto administrativo tendo por escopo oferecer ao seu destinatário os elementos necessários à formação de um juízo minimamente seguro sobre a oportunidade e o meio de atacar a decisão em apreço terá necessariamente que incluir a indicação da autoria, do sentido e da data como elementos indentificadores do acto notificando. «Sem qualquer desses elementos não haverá uma notificação simplesmente incompleta ou irregular – lacuna que o interessado poderia chamar a Administração a suprir através da diligência prevista no artigo 31.º da LPTA – mas antes uma “não notificação”, inidónea, por isso, para produzir os efeitos próprios deste tipo de acto instrumental». (…) // Na verdade, a previsão da sanção da nulidade para a omissão do autor do acto ou da omissão da qualidade em que decidiu (no caso de competência delegada) patenteiam que, na perspectiva legislativa, não é considerado indiferente para o destinatário do acto saber quem é a pessoa que actuou e a qualidade em que actuou, e que houve um evidente propósito de permitir ao interessado controlar se foram ou não respeitadas as regras legais sobre competência. // A mera indicação do serviço de que emana o acto, sem indicação da identidade e qualidade do autor do mesmo traduz-se numa diminuição dos direitos de impugnação contenciosa do destinatário, pois ficará impedido de arguir eventuais vícios de incompetência. // Por isso, serão nulas as notificações em que, por exemplo, se refira simplesmente que o acto foi praticado pela Direcção-Geral dos Impostos ou pela Direcção-Geral da Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ou por determinado serviço de finanças ou determinada delegação aduaneira, sem indicação de quem, entre os funcionários e agentes desses serviços, foi o real autor do acto e a sua qualidade» (7).
No caso dos autos, do probatório resulta que o ofício de notificação não identifica o autor do acto de liquidação e a qualidade em que o mesmo actua, pelo que o acto de notificação é nulo, o que determina a inoponibilidade do acto notificando. A falta de aptidão para a produção de efeitos jurídicos do acto tributário em causa, na medida em que se trata da imposição do dever de pagamento de quantia determinada, em momento fixado na lei, torna o acto de liquidação insubsistente na ordem jurídica, o que constitui fundamento de anulação do mesmo.
Ao julgar em sentido diferente do referido, a sentença recorrida não se pode manter na ordem jurídica, devendo ser substituída por decisão que julgue procedente a impugnação.
Termos em que se julga procedentes as presentes conclusões de recurso.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação.
Custas pela recorrida, em ambas as instâncias.
Registe.
Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)


(1º. Adjunto)



(2º. Adjunto)


(1) José Alberto dos Reis, citado em Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, Vol. II, 6.ª Ed., p. 357.
(2) Alíneas A), B) e G), do probatório.
(3) Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2011, 2.ª Ed., p. 238/239.
(4) Alínea H), do probatório.
(5) José Luís Saldanha Sanches, A quantificação da obrigação tributária. Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 173, Lisboa, 1995, p. 480.
(6) Acórdão do TCAS, de 13.03.2014, P. 07292/14.
(7) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, Vol. I, 6.º Ed., pp. 388/390.