Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03188/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/09/2009
Relator:Eugénio Sequeira
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IVA. SUCURSAL. PERSONALIDADE TRIBUTÁRIA. INCIDÊNCIA.
Sumário:1. A sucursal de uma sociedade com sede em País estrangeiro, com estabelecimento estável em Portugal, dispõe de personalidade tributária e capacidade judiciária tributária, quanto aos rendimentos gerados em Portugal;
2. Conquanto não disponham de personalidade jurídica, as sucursais detêm personalidade tributária e como tal, personalidade judiciária tributária;
3. A quota parte dos gastos gerais da sociedade mãe, com sede no estrangeiro, debitados e inscritos como custos na sua sucursal com estabelecimento estável em Portugal, podem ser qualificados como prestações de serviços sujeitos a IVA se se reportarem a serviços adquiridos pela casa-mãe para serem utilizados na sucursal, ou não sujeitos, se apenas se tratarem da quota parte dos custos gerais desses gastos administrativos assumidos pela casa-mãe e debitados por esta à sucursal, na respectiva proporção;
4. Não fornecendo os autos os elementos probatórios necessários para proceder a tal qualificação, devem os mesmos baixar à 1.ª Instância para os mesmos serem carreados para os autos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. C ... S.A. – E.F.C. Sucursal em Portugal, n.º de identificação fiscal ..., identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 4.ª Unidade Orgânica, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) A sentença recorrida é censurável, porquanto a mesma não só assenta numa errónea apreciação da factualidade provada, bem como numa errónea aplicação das normas jurídicas que regulam o caso sub judice;
b) No que respeita à factualidade provada, o Tribunal a quo errou ao apreciar a prova produzida, considerando, por um lado, provados factos que na realidade o não foram e, por outro, não provados factos que resultam provados da prova produzida, bem como desconsiderando factos que apesar de instrumentais são relevantes para a decisão da causa;
c) Quanto ao Ponto 1 da matéria de facto provada, o Tribunal a quo considerou provado que a ora Recorrente é um "estabelecimento estável", com fundamento na prova documental e testemunhal produzida;
d) Cumpre salientar que "estabelecimento estável" é um conceito jurídico, pelo que o mesmo não deve constar da matéria de facto provada, devendo a mesma ser alterada nos termos propostos pela ora Recorrente;
e) De facto, se o Tribunal a quo pretendesse concluir que a ora Recorrente possui um "estabelecimento estável" tal subsunção apenas poderia resultar da aplicação do referido conceito aos factos resultantes da prova produzida e, ainda que chegasse a tal conclusão, a mesma não era susceptível de sustentar, como pretende o Tribunal a quo, a decisão sub judice;
f) Por outro lado, o Tribunal a quo considerou ainda provado a factualidade mencionada no ponto 12 a qual sempre se revela contrária à matéria de facto não provada constante da decisão sub judice, senão vejamos;
g) Resulta da matéria de facto dado como provada (ponto 5) e dos documentos juntos a fls. 43 a 49 que parte do montante, no valor de Euros 168.661,00, considerado pela Administração Fiscal como encargos gerais de administração, não corresponde, de facto, ao reembolso de quaisquer despesas, mas sim a serviços adquiridos pela ora Recorrente a diversas entidades portuguesas, pelo que a matéria de facto deve ser alterada em conformidade;
h) E, tendo a Recorrente logrado efectuar tal prova, nunca o Tribunal a quo poderia ter concluído que o montante de Euros 168.661,00, não dizia respeito a serviços adquiridos a entidades portuguesas, sob pena da ora Recorrente, no que respeita ao referido montante ser forçada a proceder à entrega do imposto em duplicado!
i) Por outro lado, se o Tribunal a quo considerou provado o teor dos documentos de fls. 43 a 49, daí resultando que a ora Recorrente adquiriu tais serviços e pagou o respectivo IVA não poderá simultaneamente considerar que o mesmo montante consubstancia encargos gerais de administração;
j) Cumpre ainda salientar que atenta a matéria de facto provada, bem como os documentos juntos a fls. 43 a 49 e a fls. 98 e 99 dos presentes autos, facilmente se constata que a totalidade do montante incluído na conta 74190 e abrangido pela liquidação de IVA objecto dos presentes autos, relativos ao exercício de 1999, se reporta aos encargos gerais de administração, no montante de Euros 537.881,45, (documentos de fls. 98 e 99) e aos serviços, adquiridos a entidades portuguesas, no montante de Euros 168.661,00 (documentos de fls.43 a 49).
k) Pelo que deve a matéria de facto considerada não provada na sentença recorrida ser considerada provada nos termos pugnados pela ora Recorrente e, em consequência, ser
anulada parcialmente a liquidação ora impugnada;
l) Por fim, a ora Recorrente logrou provar um conjunto de factos instrumentais ou acessórios que, apesar de se revelarem importantes para a boa decisão da causa não foram ponderados pelo Tribunal a quo;
m) Contudo, tais factos são relevantes para se compreender a matéria de facto dada como provada, nomeadamente, o conceito de "encargos gerais de administração", pelo que também por essa razão tais factos deveriam ter sido considerados pelo Tribunal a quo;
n) De acordo com o depoimento da testemunha inquirida nos presente autos e transcrito nas presentes alegações, os encargos gerais de administração imputados pela Casa-Mãe à ora Recorrente resultam do facto de parte significativa das tarefas necessárias à prossecução da sua actividade, nomeadamente, nas áreas de contabilidade e recursos humanos, serem asseguradas/efectuadas pela Casa-Mãe, uma vez que a ora Recorrente em Portugal possui apenas 7 trabalhadores;
o) Ora, atento o depoimento da referida testemunha, sempre o Tribunal a quo deveria ter considerado provada a factualidade acima referida, uma vez que a mesma é relevante para se compreender o conceito "encargos gerais de administração" e, em consequência, o ponto 11 da matéria de facto provada deverá ser alterado, nos termos pugnados pela ora Recorrente;
p) Da apreciação de direito efectuada pelo Tribunal a quo resulta que se encontram verificados quer o elemento subjectivo quer o elemento objectivo do imposto pelo que confirmou o acto impugnado;
q) Quanto ao elemento subjectivo defendeu o Tribunal a quo que à luz do n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRC, a ora Recorrente possui um estabelecimento estável em Portugal, sendo assim considerada sujeito passivo de IRC, pelo que tal regra sempre deverá ser extensível em sede de IVA e, em consequência, deve considerar-se a Recorrente também sujeito passivo de IVA;
r) Ora, não só a ora Recorrente não concede quanto à prova do estabelecimento estável, como sublinha que no ordenamento jurídico-fiscal português não existe qualquer preceito legal, para efeitos de tributação em sede de IVA, que determine que uma sucursal e a sua Casa­-Mãe constituam dois sujeito passivos distintos e autónomos, pelo que não existindo uma norma expressa que preveja tal realidade, não pode a ora Recorrente aceitar que sejam aplicáveis as normas do Código do IRC, mediante recurso a uma ficção jurídica;
s) Pelo contrário, entende a ora Recorrente, que o Tribunal a quo estava obrigado a averiguar qual o estatuto da ora Recorrente relativamente à sua Casa-Mãe, designadamente, se a ora Recorrente possui a necessária autonomia jurídica;
t) E, caso tivesse procedido a esta análise, sempre teria concluído que a ora Recorrente, enquanto sucursal de uma sociedade financeira espanhola, nos termos do artigo 13.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras, é um estabelecimento desprovido de personalidade jurídica, pertencente a uma pessoa colectiva e cujas operações são imputáveis directamente à Casa-Mãe;
u) Ora, nos termos do artigo 2.º do Código do IVA apenas são sujeitos passivos de imposto as pessoas singulares ou colectivas, pelo que, uma vez que a ora Recorrente é uma sucursal sem personalidade jurídica, não poderá ser considerada como sujeito passivo de IVA;
v) Acrescem a tais argumentos, o facto do artigo 4.º e o número 8 do artigo 6.º do Código do IVA, pressupor a intervenção de duas entidades juridicamente distintas, o prestador e o adquirente, circunstância que não se verifica no caso em apreço, uma vez que a ora Recorrente e sua Casa-Mãe são a mesma pessoa;
W) Por outro lado, sempre que o legislador pretendeu tributar operações efectuadas por um único sujeito passivo, previu expressamente tal possibilidade - nomeadamente, as
situações previstas na alínea a) do número 1 do artigo 4.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias ("R.I.T.I."), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 290/92, de 28 de Dezembro, ou a prevista na alínea g) do número 3 do artigo 3.º e na alínea a) do número 2 do artigo 4.º, in fine, do Código do IVA - contudo, o legislador não criou qualquer norma excepcional para as imputações efectuadas entre a Casa-Mãe e a sua sucursal, no seio da mesma entidade jurídica;
x) No mesmo sentido ora defendido pela Recorrente, pronunciou-se já este Tribunal, no acórdão proferido a 17 de Abril de 2007, para onde se remete;
y) Assim, sentença recorrida sempre deveria ser revogada, porquanto, a liquidação em apreço nos presentes autos é ilegal por falta de sujeito passivo de imposto;
z) Acresce que, o elemento objectivo também não se encontra verificado;
aa) E, ainda que se viesse a concluir pela verificação do imposto em falta, sempre se dirá que o mesmo incidiria apenas sobre o montante de Euros 537.881,45, valor correspondente aos encargos gerais de administração imputados pela Casa-Mãe à ora Recorrente, uma vez que o remanescente diz respeito a serviços adquiridos a entidades portuguesas, conforme acima demonstrado;
bb) no que respeita ao montante de Euros 537.881,45 conforme resultou da matéria de facto provada, bem como da matéria de facto aditada pela Recorrente nos termos acima pugnados, a referida quantia reporta-se às despesas suportadas pela Casa- Mãe, decorrentes de tarefas por esta executadas, as quais, foram efectuadas em benefício da ora Recorrente;
cc) Atenta a matéria de facto provada nos termos defendidos pela ora Recorrente, os custos imputados pela Casa-Mãe à ora Impugnante representam apenas um mero reembolso das despesas incorridas por aquela entidade, isto é, um redébito das despesas efectuadas em benefício da Recorrente;
dd) Não consubstanciando qualquer prestação de serviço, na medida em que não se verifica a onerosidade da prestação, mas apenas uma redistribuição entre a Casa-Mãe e as sucursais dos custos/despesas administrativas que a todas aproveitam;
ee) De facto, não resulta de tais operações - meramente contabilísticas - qualquer VALOR ACRESCENTADO (elemento essencial à caracterização da operação como prestação de serviços);
ff) Atento o exposto, é seguro concluir que as operações efectuadas pela Casa-Mãe e imputadas à ora Recorrente não se subsumem a prestações de serviço, pelo que não se encontra preenchido o elemento objectivo, ou seja, o facto tributário, pelo que também por esta razão deverá a sentença recorrida ser revogada e, em consequência, anuladas as liquidações adicionais impugnadas.

Nestes termos, e nos demais em Direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser anulada a decisão recorrida, com todas as legais consequências.
Ao julgardes assim, Venerandos Juizes Desembargadores, estareis uma vez mais a fazer JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a recorrente dispor de estabelecimento estável em Portugal nos termos do CIRC através da qual exerce a respectiva actividade no nosso País.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida deve ser alterada no sentido proposto pela ora recorrente; Se a recorrente como sucursal de uma empresa com sede em Espanha e com estabelecimento estável em Portugal pode ser sujeito passivo de IVA; E se os autos fornecem os necessários elementos para qualificar as despesas suportadas pela recorrente como a sua quota parte nas despesas gerais de administração que pela casa-mãe lhe foram debitadas, ou se antes, tais despesas se reportam a serviços contratados a terceiros pela mesma casa-mãe e que os debitou à sucursal, não sendo de responder a qualquer outra questão ao responder-se negativamente.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1- A sociedade impugnante, "Ca...S.A.- E.F.C. -Sucursal em Portugal". com o n.i.p.c. .... está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Loures, sob o nº...., por objecto a realização de operações de locação financeira, sendo representação permanente em Portugal da empresa de direito espanhol "C.... S.A.", e tendo estabelecimento estável sito na Rua ...., nº.4, R/ch. C, em Prior Velho, Loures (cfr.documento junto a fls.66 do apenso administrativo; certidão da C.R.C. junta a fls.71 a 81 dos presentes autos; factualidade admitida pelo impugnante na p.i.; depoimento da testemunha arrolada pela impugnante constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante);
2- No ano de 1999, a sociedade impugnante era sujeito passivo de I.R.C. no regime geral de tributação, sendo colectada pelo 4°. Serviço de Finanças de Loures e, no que diz respeito ao I.V.A., estando enquadrada no regime normal de periodicidade mensal (cfr. documentos juntos a fls. 103 a 105 dos presentes autos; documentos juntos a fls. 66 e 69 do apenso administrativo);
3- Em 29/5/2000, a sociedade impugnante apresentou a sua declaração, modelo 22, relativa a I.R.C. do ano de 1999, junto do 4°. Serviço de Finanças de Loures, na qual declarou um prejuízo fiscal no montante de € 208.396,08 (cfr. documentos juntos a fls. 103 a 105 dos presentes autos);
4- Na sequência de análise interna efectuada à declaração de rendimentos identificada no nº.3, a Administração Fiscal concluiu relatório no qual verificou se estava a cumprir as obrigações fiscais, além do mais em sede de I.V.A. e relativamente ao ano de 1999, tudo conforme cópia que se encontra junta a fls.63 a 65 do apenso administrativo, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida;
5- No relatório identificado no nº.4 refere-se, nomeadamente e no que ao presente processo interessa :
a) que o sujeito passivo contabilizou na conta "74190 - Fornecimentos e serviços de terceiros - Serviços especializados" o montante de € 706.542,45, quantia imputada pela casa-mãe a título de encargos administrativos e operativos, sendo que esta imputação de custos se enquadra no artº. 49, nº.2, do C.I.R.C., norma que possibilita a dedução ao lucro tributável de um estabelecimento estável dos encargos gerais de administração que lhe vierem a ser assacados pela casa-mãe;
b) contudo, tais encargos assumem a natureza de prestação de serviços subsumíveis no art.º 4, do C.I.V.A. e localizada em Portugal nos termos do art.º 6, nº.8, als. c) e d), em conjugação com o art.º 2, nº.1, al. a), todos do mesmo diploma, havendo lugar à liquidação de I.V.A., à taxa de 17%, conforme o estipulado no art.º 18, n.º 1, al. b), do C.I. V.A.;
c) não tendo o contribuinte liquidado I.V.A. sobre o valor em apreço, procede-se à liquidação do imposto pelo montante de € 120.112,21;
6- No dia 19/2/2002, com base no relatório identificado no nº. 4, a Administração Fiscal efectuou a liquidação adicional de I.V.A. e juros compensatórios, relativa ao ano de 1999, no montante global de € 135.937,41, tendo por sujeito passivo a sociedade impugnante, "C... S.A.- E.F.C. - Sucursal em Portugal”, e como data limite de pagamento o dia 30/4/2002 (cfr. documentos juntos a fls. 25 e 26 dos presentes autos);
7- Em 23/4/20021 a sociedade impugnante deduziu reclamação graciosa tendo por objecto a liquidação identificada no nº. 6 supra (cfr. carimbo de entrada aposto a fls. 3 do apenso de reclamação graciosa);
8- Em 13/5/2005, a reclamação graciosa identificada no nº.7 foi indeferida através de despacho do Director de Finanças de Lisboa, o qual concorda com informação e parecer prévios nesse sentido (cfr. documentos juntos a fls. 72 a 75 do apenso de reclamação graciosa);
9- Em 27/5/2005, a sociedade impugnante foi notificada do indeferimento identificado no nº.8 (cfr. documentos juntos a fls.76 e 77 do apenso de reclamação graciosa);
10- No dia 8/6/2005, deu entrada no extinto T.A.F. de Loures a impugnação deduzida pela sociedade "C... S.A.- ­E.F.C. -Sucursal em Portugal", a qual originou os presentes autos (cfr. carimbo de entrada aposto a fls. 1 dos autos);
11- A casa-mãe imputou custos às sucursais existentes em Portugal e Itália, principalmente nas áreas de contabilidade e recursos humanos, sendo o critério de imputação baseado na produtividade de cada sucursal em concreto (cfr. depoimento da testemunha arrolada pela impugnante constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante; documentos juntos a fls.98 e 99 dos presentes autos);
12- Dá-se aqui por integralmente reproduzido o conteúdo dos documentos juntos a fls. 43 a 49 dos presentes autos.
X
Factos não Provados
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação e objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita, nomeadamente que os documentos juntos a fls. 43 a 49 dos presentes autos titulem custos da sociedade impugnante abrangidos pela liquidação de I.V.A. objecto dos presentes autos.
X
Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e apensos constam, no depoimento da testemunha arrolada pela impugnante, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte da impugnante, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr. artº. 361, do C.Civil), tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


4. Na matéria das suas conclusões a) a o) vem a ora recorrente invocar o errado julgamento da matéria de facto, quer quanto aos factos que na sentença recorrida foram dados como provados, quer quanto àqueles que foram dados como não provados, embora não elencando e não especificando cabalmente os que foram dados como provados e o não deveriam ter sido, bem aqueles que foram dados como não provados e o deveriam ter sido, bem como quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, desta forma não dando cabal cumprimento ao disposto no art.º 690.º-A do Código de Processo Civil (CPC), que dispõe que, quando se impugne a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados bem quais os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Tal norma impõe ao recorrente um ónus alegatório acrescido, ao pretender impugnar a matéria de facto, especificando concretamente esses pontos que considera incorrectamente julgados, que destacará (1) , bem como quais os meios de prova constantes dos autos que, em seu entender, levariam a que outra fosse a matéria provada, sob pena de o recurso não poder deixar de naufragar, em princípio, nesta parte.

Como a ora recorrente não deu cabal cumprimento ao que em tal norma se dispõe, não tendo vindo especificar qual a concreta factualidade que deveria ser considerada como provada e a que não o deveria, e bem assim quais os concretos meios de prova constantes dos autos que impunham sobre tal matéria decisão diversa da recorrida, mas constando dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão, iremos proceder à análise de tal matéria fáctica, provada e não provada, e decidir se a mesma carece de ser alterada, oficiosamente, pelo Tribunal, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do CPC, ou se a mesma é de manter, por a aí contida ser a relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. art.ºs 123.º, n.º2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 511.º do CPC.

Desde logo invoca a recorrente, que na matéria do ponto 1. do probatório da sentença recorrida, não deveria constar a menção de a mesma constituir um “estabelecimento estável” em Portugal, por ser um conceito de direito, antes deveriam ser dados como provados ou não provados as concretas características de tal estabelecimento para que depois se subsumisse ao conceito legal de “estabelecimento estável”.

Nos termos do disposto nos art.ºs 511.º, n.º1 do CPC e 123.º, n.º2 do CPPT, ao probatório da sentença, no caso, deve ser levada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, quer a provada quer a não provada, ainda que esta – a não provada – possa não ser discriminada, mas em bloco como tal considerada, já que a norma do n.º2 do art.º 123.º, citada, dispõe que o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, e não que o juiz discriminará a matéria provada e a não provada, como acontece no âmbito do art.º 374.º, n.º2 do Código de Processo Penal, onde, reconhecidamente, ambas devem ser discriminadas, a provada e a não provada.

O conceito de “estabelecimento estável” é, na realidade, um conceito de direito, com assento directo na norma do art.º 4.º, n.º3 do CIRC (redacção de então), onde alarga o âmbito da incidência do imposto às pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português quanto aos rendimentos imputáveis a um seu “estabelecimento estável” aqui situado, pelo que de tal subsunção depende a extensão ou não da obrigação do imposto, pelo que a mesma não deve constar da matéria de facto provada, mas sim as concretas características de tal sucursal da ora recorrente, ainda que, a ora recorrente, como se pode ver da matéria dos art.º 31.º e 36.º da sua petição inicial de impugnação, expressamente aceite a existência de tal “estabelecimento estável” em Portugal em que a sucursal se corporiza, o que deverá ser entendido como aceitando que o seu estabelecimento reúne as características para ser qualificado com de “estabelecimento estável”.

Contudo, altera-se a matéria do ponto 1. do probatório da sentença recorrida em ordem a nele deixar de existir tal conceito de direito, e que passará a ter a seguinte redacção:
1) A sociedade impugnante, "C... S.A.- E.F.C. -Sucursal em Portugal". com o n.i.p.c. ..., está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Loures, sob o nº...., tem por objecto a realização de operações de locação financeira, sendo representação permanente em Portugal da empresa de direito espanhol "C.... S.A.", e aqui dispõe de um estabelecimento aberto ao público, sito na Rua ..., nº.4, R/ch. C, em Prior Velho, Loures (cfr.documento junto a fls. 66 do apenso administrativo; certidão da C.R.C. junta a fls.71 a 81 dos presentes autos; factualidade admitida pelo impugnante na p.i.; depoimento da testemunha arrolada pela impugnante constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante.

Na matéria das conclusões f) a k) invoca a recorrente uma contradição entre a matéria de facto constante no ponto 12 do probatório da mesma sentença e a matéria considerada não provada constante da mesma sentença.

É a seguinte a matéria constante do citado ponto 12:
Dá-se aqui por integralmente reproduzido o conteúdo dos documentos juntos a fls. 43 a 49 dos presentes autos.
E a matéria não provada:
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação e objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita, nomeadamente que os documentos juntos a fls. 43 a 49 dos presentes autos titulem custos da sociedade impugnante abrangidos pela liquidação de I.V.A. objecto dos presentes autos.

Embora não seja técnica correcta dar como provado ou reproduzido o teor de documentos como se fez na sentença recorrida, antes devendo tais meios de prova ser analisados à luz das normas que regulam tais meios probatórios, e concluir da factualidade declarada a que consta provada e a que não consta, no caso, tal reprodução dos documentos apenas se pode referir que foram declarados tais montantes de prestações de serviços e outros, constantes desses docs. de fls 43 a 49 dos autos, mas não que tais montantes se reportem aos custos abrangidos na liquidação de IVA a que foi deduzida a presente impugnação, pelo que facilmente se podendo constatar que não existe qualquer espécie de contradição ente uma e outra matéria, pelo que improcede a invocada contradição.

Na restante matéria destas alíneas, pretende a recorrente que do montante de € 706.542,45 contabilizado na conta 74190, tal como consta na matéria do ponto 5. do probatório da sentença recorrida e donde resultou a liquidação de IVA impugnada, apenas € 537.881,45 se reportam a encargos administrativos e operativos debitados pela sua casa-mãe, já que o restante no montante de € 168.661,00, se reporta a serviços adquiridos directamente, pela sucursal em Portugal, a diversas entidades e onde pagou o respectivo IVA devido, invocando para tanto os docs. de fls 43 a 49 e 98 e 99.
Quanto aos documentos de fls 43 a 49, já acima analisados, como antes se fundamentou, eles não podem provar que os custos ali referidos se possam reportar ao IVA ora liquidado e objecto da presente impugnação judicial, bem como os de fls 98 e 99, que parecem reportar-se a documentos internos da mesma recorrente, e no relatório da análise interna à declaração de rendimentos constante do PAT, apenso de fls 64/65, também não consta que daquele montante global estejam incluídos a parte relativa aos serviços directamente adquiridos pela sucursal em Portugal, daquele montante, como a mesma pretende, mas sim que na conta “74190 – Fornecimentos e serviços de terceiros – Serviços especializados” o montante de Esc. 141.649.044, referente ao montante imputado pela “Casa-Mãe”, a título de encargos administrativos e operativos, ou seja, que todo aquele montante sobre que incidiu a liquidação em causa e ora impugnada se reporta a tal montante imputado pela casa-mãe à sua sucursal, desta forma se não provando que naquele montante total estivessem contidos os montantes relativos aos serviços adquiridos directamente em Portugal, pela referida sucursal, pelo que igualmente improcedem estas pretendidas alterações à matéria fixada no probatório da mesma sentença, tal como se decidiu na sentença recorrida, sem que lobriguemos dos autos qualquer prova a corroborar a tese da recorrente.

Quanto à matéria relativa aos factos instrumentais e que entende que devem constar do probatório da sentença recorrida – cfr. matéria das suas conclusões l) a o) – como sejam quais os concretos serviços prestados pela casa-mãe à sucursal e que dimanaram naquele montante, embora na matéria do ponto n.º11 do probatório fixado na sentença recorrida já conste que tais custos se reportem, principalmente às áreas de contabilidade e recursos humanos, interessa sobretudo discernir se os mesmos custos se reportam a serviços directamente prestados pela estrutura organizativa da sua casa-mãe ou se antes se reportam a serviços contratados por esta a terceiros e que depois os fez repercutir nos custos da sucursal, como adiante se verá, mas que nos autos nenhuma prova existe a tal respeito, que por isso, nestes termos, se não podem dar como provados.


Procede assim, nos termos supra, em parte, o invocado errado julgamento da matéria de facto.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a ora recorrente, como sucursal de uma sociedade comercial não sediada em Portugal, com estabelecimento estável no nosso País, goza de personalidade tributária devendo ser considerado um sujeito passivo de IVA e também, tais prestações de serviços prestados pela sua casa-mãe e que lhe foram debitados, são tributáveis em sede de IVA à luz da norma do art.º 6.º, n.º8, alínea c) do CIVA.

Para a recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, para além do invocado errado julgamento da matéria de facto já acima conhecido, vem insurgir-se com a sentença recorrida por continuar a entender que não constitui um sujeito passivo de IVA diverso do constituído pela sua casa-mãe – conclusões p) a y) – e também que a quota parte das despesas de administração imputadas pela casa-mãe a cada uma das suas sucursais não consubstancia qualquer prestação de serviços prestado por aquela a esta, mas apenas um mero reembolso das despesas incorridas por aquela na actividade global de todas elas, e que delas assim beneficiaram, inexistindo por isso facto tributário.

Vejamos então.
Quanto à invocada falta do elemento subjectivo do imposto por a sucursal não deter a qualidade de sujeito passivo, em sede de IVA, diremos, como no acórdão deste Tribunal de 25.9.2007, recurso n.º 580/05, acórdão também citado na sentença recorrida, em que tal questão expressamente ali foi analisada, com semelhante factualidade, e que teve por relator igualmente o do presente recurso:
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«O imposto sobre o valor acrescentado, abreviadamente IVA, tal como é praticado nos países que o adoptam é um imposto geral sobre o consumo. É um imposto plurifásico: aplica-se em várias fases do processo produtivo. O que caracteriza o IVA é o método de cálculo da dívida fiscal de cada operador, conhecido por método do crédito do imposto(indirecto, subtractivo ou das facturas): cada operador económico liquida imposto à taxa legal, sobre as transacções que efectua, mas em cada período de imposto recebe crédito do imposto que suportou nesse mesmo período nas aquisições dos "inputs" da sua produção. O imposto a entregar ao Estado é assim o que resulta da diferença entre o IVA liquidado nas facturas de venda e o IVA suportado, constante das facturas de compra(tudo referido a um determinado período de imposto). Não existem efeitos cumulativos, apesar de se tributarem todos os estádios produtivos: o imposto liquidado num estádio é deduzido pelo estádio seguinte. A taxa do imposto é a que gravar as transacções fiscais, no caso de serem de montantes diversos aos vários estádios de produção. A neutralidade do tributo apenas é afectada quando se prevêem isenções para certos operadores, ou certas transacções, e quando a concessão dessas isenções implica a não possibilidade legal de deduzir o imposto que o operador isento suportou na aquisição de "inputs" produtivos.
A génese do moderno IVA deve buscar-se nos sucessivos ajustamentos introduzidos nos impostos de tipo cumulativo, com a finalidade de minorar distorções fiscais que lhes eram próprias. A evolução mais característica verificou-se em França, a justo título considerado o País em que nasceu o IVA actualmente em vigor - cfr. POLIS - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado - Tomo 5, pág. 1478 e segs.

Em Portugal, o IVA começou a vigorar em 1.1.1986, tendo o respectivo Código sido aprovado pelo Dec-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.
Do seu preâmbulo, designadamente do seu ponto 4, quanto à incidência do imposto, o mesmo visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, abrangendo todas as fases do circuito económico, desde a produção ao retalho, sendo, porém, a base tributável limitada ao valor acrescentado em cada fase. A dívida tributária de cada operador económico é calculada pelo método do crédito de imposto, traduzindo-se na seguinte operação: aplicada a taxa ao valor global das transacções da empresa, em determinado período, deduz-se ao montante assim obtido o imposto por ela suportado nas compras desse mesmo período revelado nas respectivas facturas de aquisição. O resultado corresponde ao montante a entregar ao Estado.

Nos termos do disposto no art.º 1.º do respectivo Código, estão sujeitas a IVA:
a)As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;
b)As importações de bens;
c)As operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.
2....
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E são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres e bem assim as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS e de IRC, seu art.º 2.º.

Por outro lado, a norma do art.º 4.º do CPT, então vigente, dispunha que a personalidade tributária consiste na susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias, sendo que, necessariamente, possui personalidade judiciária tributária quem, dispor de personalidade tributária, norma que hoje encontra semelhante redacção quer na LGT, nos seus art.ºs 15.º e 16.º, quer no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no seu art.º 3.º.

Ao contrário do afirmado pela recorrente – cfr. matéria da sua alínea (iii) – não é necessária a personalidade jurídica para a sucursal em causa dispor de personalidade judiciária, como acontece com a herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não estiver determinado, as associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais, as sociedades civis, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações.

Para efeitos de incidência pessoal, o direito fiscal basta-se, apenas, com qualquer situação de facto ou realidade económica reveladora de capacidade contributiva, desde que se apresente como unidade económica, para lhe conferir personalidade tributária e assim suprir a carência de personalidade jurídica.
«Onde quer que o Direito Fiscal depare com um ente individualizável, sob o ponto de vista da sua actividade económica, aí ele reconhece matéria a personalizar» (Pedro Soares Martinez, Da Personalidade Tributária, pág. 320).

Hoje, face ao art.º 2.º do Código do IRC, dúvidas não restam que são sujeitos passivos do imposto – logo, têm personalidade tributária - «as entidades desprovidas de personalidade jurídica com sede ou direcção efectiva em território português, cujos rendimentos não sejam tributáveis» em IRS ou IRC «directamente na titularidade de pessoas singulares ou colectivas», cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4.ª Edição, pág. 31 e segs.

No mesmo sentido se pronuncia Jorge Lopes de Sousa (2), ao escrever:
«Todas as entidades com personalidade jurídica têm personalidade tributária.
Mas, têm também personalidade tributária entidades sem personalidade jurídica, como resulta do art.º 2.º, n.ºs 1, alíneas b) e c), e 2, do CIRC, que contém uma fórmula ampla com potencialidade para abranger qualquer entidade que seja titular de rendimentos.
Por isso se poderá afirmar que onde existir um centro de imputação de relações ou actividades económicas tributárias, aí deverá haver lugar ao reconhecimento de uma personalidade tributária.
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Nos termos do n.º2 do art.º 7.º do CPC se a administração principal tiver a sede ou o domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais ou delegações estabelecidas em Portugal podem demandar e ser demandadas, ainda que a acção derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal.
As sucursais, agências, filiais, delegações e representações de sociedades comerciais tem personalidade tributária, se estas não tiverem sede nem direcção efectiva em território português [art.º 2.º, n.º1, alínea c) do CIRC].
Por isso, nestes casos, terão também personalidade judiciária tributária (art.º 3.º, n.º1 do CPPT) e capacidade judiciária tributária (n.º3 do mesmo artigo), podendo estar, por si, em juízo.
...»

Também o acórdão do T.J.C.E., no Processo C-190/95, publicado na CTF n.º 389, a pág. 167, se pronuncia em sentido idêntico, ao sumariar:
Um estabelecimento de uma sociedade num Estado-Membro que não o da sede da sua actividade económica só pode ser considerado lugar das suas prestações de serviços, na acepção do artigo 9.º, n.º1, da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, quando apresente um grau suficiente de permanência e uma estrutura apta, do ponto de vista do equipamento humano e técnico, a tornar possíveis, do modo autónomo, as prestações de serviços consideradas.

No caso, como se vê do relatório da acção inspectiva cuja cópia consta de fls 4 e segs do PA apenso, cuja factualidade não foi colocada em causa pela ora recorrente, em cuja petição inicial de impugnação judicial onde nem arrolou ou requereu quaisquer provas tendo em vista infirmar essa mesma factualidade, foram diversas as correcções à matéria colectável efectuadas, quer em sede de IRC quer em sede de IVA, neste exercício de 2000, decorrentes da sua actividade em Portugal enquanto centro estável do exercício da respectiva actividade, como sejam por despesas não documentadas, excesso de investimentos contabilizados, mais e menos valias com alienação de acções, mais e menos valias contabilísticas e bem assim a quota parte dos gastos gerais administrativos nos débitos emitidos pela casa-mãe, estes contabilizados na conta “Outros Custos Administrativos”.

Desde logo, cabe-nos registar, mal se compreender a posição da ora recorrente vazada nas conclusões das suas alegações do recurso, ao vir defender a sua carência de personalidade jurídica para esta última verba aqui colocada em causa e não também para as restantes, referidas, rectificadas na matéria colectável, já que a carecer de personalidade jurídica tributária, a mesma se observaria quanto a todas as verbas e quanto a todos os impostos e não só quanto a esta verba e quanto a este imposto.
Aliás, na sua petição inicial de impugnação não avançava a recorrente com tal argumento, dando um diverso enquadramento a tal questão, mas antes que tais gastos gerais de administração não se encontrariam sujeitas ao imposto, por os mesmos apenas consistirem numa mera operação contabilística, não existindo a prestação de qualquer serviço por parte da casa-mãe, nem qualquer pagamento ou transferência efectiva de dinheiro para esta, defendendo a final, que tais prestações de serviços só poderiam ser consideradas a título gratuito – cfr. seus art.ºs 40.º e segs da mesma p.i. – argumentação que, agora em sede de recurso, deixou cair em parte.

Dispondo a ora recorrente, em Portugal, como não se encontra colocado em causa, de um centro estável de imputação de relações ou actividades económicas que geraram rendimentos, não pode a mesma deixar de ser considerada um sujeito passivo de IVA (art.º 2.º do CIVA) e como tal, as concretas operações efectuadas com a casa-mãe, sediada em Espanha, por si lançadas na sua contabilidade como geradoras para si de custos, na quota parte dos gastos gerais administrativos daquela, encontram-se sujeitas à norma de incidência do art.º 6.º, n.º8, alínea c) do CIVA (redacção do Dec-Lei n.º 290/92, de 28 de Dezembro), que a mesma não liquidou e nem entregou nos cofres do Estado, oportunamente, cabendo por isso à AT suprir tal falta e proceder à respectiva liquidação e dos juros compensatórios devidos, pelo que a mesma não padece de nenhum dos imputados vícios.»
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Quanto à existência em Portugal, de um estabelecimento estável por parte da ora recorrente, como acima já se analisou, dúvidas não podem restar, quer pela matéria constante no ponto 1. do probatório, quer por a mesma na matéria dos citados art.ºs 31.º e 36.º da sua petição inicial de impugnação judicial expressamente o aceitar [embora agora, inexplicavelmente, na matéria da sua conclusão r) o pareça vir colocar em causa], que a mesma possuía, com permanência, instalado um tal centro de imputação de relações ou actividades económicas, o que não pode deixar-se de subsumir ao conceito de estabelecimento estável, que expressamente constitui um sujeito passivo de IRC por extensão da obrigação de imposto – cfr. art.º 4.º, n.ºs 2 e 3 do CIRC – pelo que também é um sujeito passivo em sede de IVA por força do disposto nos art.ºs 2.º, n.º1, alínea a), in fine, e 6.º, n.º8, ambos do CIVA, como bem se fundamenta na sentença recorrida.

Também o facto de uma sucursal de uma sociedade financeira ser desprovida de personalidade jurídica como invoca a recorrente, ao arrimo do disposto no art.º 13.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que procede a «outras definições», pode implicar diferente posição sobre a sucursal poder ser um sujeito passivo de imposto, como acima se fundamentou, já que a atribuição da personalidade jurídica não é requisito essencial para estas serem sujeitos passivos, tanto do IRC como do IVA, nos termos do disposto nos art.ºs 2.º, n.º1, alínea c) do CIRC e 2.º, n.º1, alínea a) do CIVA, in fine, que não elege a personalidade jurídica como um factor atendível para efeitos de esse ente ser sujeito passivo do imposto (3), improcedendo também a matéria destas conclusões do recurso.

O facto de a lei, expressamente, não prever que a casa-mãe e a sua sucursal possam constituir dois sujeitos passivos distintos e autónomos – cfr. matéria da sua alínea r) – também não constitui qualquer impedimento que isso possa acontecer, desde que em distintas e autónomas operações efectuadas, não sendo difícil de divisar que, ambas as entidades, cada uma de per si, realizem em Portugal distintas operações, por ex. de aquisição de bens e/ou de aquisição de serviços, para, cada uma delas em cada uma dessas operações, seja considerado um sujeito passivo de IVA, por a sua concreta actividade não poder deixar de se subsumir às respectivas normas gerais que o qualificam dos art.ºs 2.º, n.º1, alínea a), do CIVA (preenchimento dos pressupostos da incidência real de IRS ou de IRC) e art.º 4.º, n.ºs 2 e 3 do CIRC.

Aliás, foi como sujeito passivo, pelo menos de IRC, que a sua casa-mãe tratou a sua sucursal e ora recorrente, ao imputar-lhe custos como contrapartida dos invocados «encargos administrativos e operativos», ou sejam serviços em geral que a mesma lhe terá fornecido e prestado e cujos custos imputados mais não constituem do que a sua contraprestação que dela recebeu, ou seja tratou tal sucursal como um «centro de imputação de relações ou actividades económicas tributárias», como um ente autónomo para efeitos tributários, donde a qualidade de sujeito passivo de imposto não pode deixar de emergir.


Quanto à matéria das restantes conclusões do recurso – alíneas z) e segs – defende a ora recorrente que tal quota parte das despesas imputadas pela sua casa-mãe nos gastos administrativos e operativos não constituem qualquer prestação de serviços por parte desta àquela, não sendo por isso subsumível ao conceito de prestação de serviços, pelo que a liquidação se não poderia manter.

Para o M. Juiz do Tribunal “a quo”, tal imputação de despesas como custos que foram para a recorrente, constituem, também, uma prestação de serviços subsumível na norma do art.º 6, n.º8, alínea c) do CIVA (redacção do Dec-Lei 233/91, de 26.6 e 290/92, de 28.12), pelo que existe facto tributário para tal liquidação efectuada pela AT, seguindo aliás, a mesma fundamentação que no acórdão deste Tribunal, n.º 580/05, supra citado e que perante igual factualidade considerava que tal quota parte das despesas comuns constituía uma verdadeira prestação de serviços, sujeita a IVA por banda da sucursal.

Reponderando porém tal questão, quer pelos posteriores desenvolvimentos surgidos, designadamente de origem jurisprudencial, como os acórdãos deste Tribunal de 17.4.2007, recurso n.º 1.633/07 e o de 13.10.2009, recurso n.º 3.310/09, quer dos acórdãos do STA de que é exemplo o citado naquele primeiro, e tendo também em conta o disposto no art.º 8.º, n.º3 do Código Civil, que dispõe que o julgador, nas decisões a proferir, terá em conta todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, no que em especial cabe aos tribunais de grau hierárquico inferior secundar as decisões proferidas pelos de grau hierárquico superior, passamos também a seguir a posição vertida nestes acórdãos, cuja jurisprudência se apresenta dominante, no sentido de que cabe destrinçar se tais serviços foram prestados directamente pela casa-mãe ou se estes foram «comprados» a terceiros e as respectivas despesas foram debitadas à sucursal, o que é fundamental para sabermos se podemos qualificar tais despesas como encargos gerais de administração ou como uma prestação de serviços, já que a mesma despesa não pode, simultaneamente, ser qualificada como encargo geral de administração e como prestação de serviços, daqui resultando a legalidade ou não do acto de liquidação.


Não fornecendo os autos os necessários elementos para qualificar tais despesas como uma ou outra coisa, e tendo em conta o disposto nos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT (princípio do inquisitório), é de anular oficiosamente a sentença recorrida ao abrigo do disposto no art.º 712.º, n.º4 do CPC, para os autos serem instruídos factualmente, no sentido de poder permitir qualificar tais despesas como encargos gerais de administração ou como uma prestação de serviços, para que depois se possa aplicar o direito correspondente.


É, assim, de anular oficiosamente a sentença recorrida e de ordenar a baixa dos autos para serem instruídos nos termos supra e ser proferida nova decisão em conformidade, não se conhecendo do objecto do recurso.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em anular oficiosamente a sentença recorrida e em ordenar a baixa dos autos para serem instruídos nos termos supra e ser proferida nova decisão.


Sem custas.


Lisboa, 9 de Dezembro de 2009


(1)Cfr. neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do TC n.º 122/2002 e acórdão do TCAN de 31.1.2008 recurso n.º 65/03.
(2)In Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição, revista e aumentada, 2000, VISLIS, págs. 60 e 63.
(3) Cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 24.9.2008 e de 7.1.2009, recursos n.ºs 199/08 e 669/08, respectivamente.