Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1206/15.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/08/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADES INSUPRÍVEIS DO PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL.
ARTº.63, Nº.1, ALS.A) E B), DO R.G.I.T.
TIPO LEGAL CONTRA-ORDENACIONAL PREVISTO NO ARTº.114, NºS.1, 2 E 5, AL.F), DO R.G.I.T.
“PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA DEDUZIDA” CONSTANTE DO ARTº.114, DO R.G.I.T.
CONDUTA NEGLIGENTE.
DIREITO À REDUÇÃO DAS COIMAS.
ARTºS.29 A 31 DO R.G.I.T.
REQUISITOS DO DIREITO À REDUÇÃO DA COIMA.
ARTº.30, DO R.G.I.T.
DISPENSA DE PEDIDO EXPRESSO DO PAGAMENTO DA COIMA COM REDUÇÃO.
ARTº.30, Nº.4, DO R.G.I.T.
FALTA DE PAGAMENTO POR CONTA NÃO PODE ENQUADRAR-SE NO ARTº.30, Nº.4, DO R.G.I.T.
Sumário:1. Diz-nos o artº.63, nº.1, als.a) e b), do R.G.I.Tributárias, que constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal, o levantamento de auto de notícia por funcionário sem competência para o efeito, tal como a falta de assinatura do autuante e de menção de algum elemento essencial da infracção. Embora esta norma esteja inserida nas “disposições gerais” do processo de contra-ordenação tributário, as nulidades aqui previstas, reportam-se à fase administrativa do mesmo processo.
2. No que concerne aos citados, levantamento do auto de notícia por funcionário incompetente, tal como a falta de assinatura do autuante ou a falta de menção de algum elemento essencial da infracção, as nulidades insupríveis consagradas no artº.63, nº.1, als.a) e b), do R.G.I.T., o legislador não consagra uma anulação definitiva do acto em causa, pois o auto de notícia afectado por estas irregularidades valerá como participação, nos termos do artº.63, nº.4, do mesmo diploma.
3. A norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é a constante do artº.114, nºs.1, 2 e 5, al.f), do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2014 (redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12).
4. Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.). Com a utilização da expressão “prestação tributária deduzida” pretendeu o legislador aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária, isto é, uma quantia de imposto nos termos do artº.11, al.a), do R.G.I.T., pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à A. Fiscal.
5. No nº.5 do preceito sob exegese (artº.114, do R.G.I.T.), prevêem-se várias situações em que não há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, mas sim omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de pagamentos por conta que o sujeito passivo deva efectuar, por conta do imposto devido a final, tal como a falta de entrega do pagamento especial por conta.
6. Não existindo dolo, a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.
7. De entre os mecanismos premiais aptos a favorecer o ressarcimento do dano resultante da prática de infracção tributária, em sede de contra-ordenações fiscais, vamos encontrar, além do mais, o direito à redução das coimas, com regime consagrado nos artºs.29 a 31 do R.G.I.T., o qual consagra a possibilidade de redução de coimas quando o seu pagamento voluntário é requerido antes da instauração do processo contra-ordenacional.
8. O pagamento voluntário também é possível após a instauração do processo de contra-ordenação, embora com menor redução da coima, quer antes de ter terminado o prazo para a apresentação da defesa (cfr.artº.75, nº.1, do R.G.I.T.), quer posteriormente, até à decisão (cfr.artº.78, nºs.1 e 2, do R.G.I.T.).
9. Este regime visa beneficiar aqueles que, antes da instauração do processo de contra-ordenação, se dirigem à A. Tributária comunicando a existência da infração, variando o benefício conforme a espontaneidade demonstrada pelo contribuinte que apresenta o pedido de pagamento, conclusão a que se chega em virtude do exame das diversas alíneas do artº.29, nº.1, do R.G.I.T., assim podendo o concreto pagamento da coima beneficiar da redução de 75%, 50% ou 25%, face ao montante mínimo legal previsto no caso sob exame.
10. O direito à redução das coimas depende, por regra, de um pedido expresso de pagamento da coima feito pelo agente em momento anterior à instauração do processo de contra-ordenação, em que é reconhecido pelo infractor a prática da infracção e manifestada a sua vontade de regularizar, em curto espaço de tempo, a falta cometida (cfr.artº.30, nº.1, do R.G.I.T.). É nesta perspectiva que o legislador permite que a sanção a aplicar seja fixada abaixo do montante mínimo legalmente previsto, sendo essa redução tanto maior quanto mais cedo seja manifestada essa espontaneidade de cumprimento, mais se devendo proceder em prazo ao pagamento da coima reduzida (cfr.artº.30, nºs.2 e 5, do R.G.I.T.).
11. Nos termos do artº.30, nº.4, do R.G.I.T., o legislador dispensa o pedido expresso do infractor do pagamento da coima com redução, ficcionando-o, desde que a regularização da situação tributária do agente não dependa de tributo a liquidar pelos serviços, valendo, neste caso, como pedido de redução, a entrega da prestação tributária ou do documento ou declaração em falta.
12. Na falta de pagamento por conta consagrada no artº.104, nº.1, al.a), do C.I.R.C., decorre da lei a imediata liquidação de juros compensatórios (cfr.artº.104, nº.5, do C.I.R.C.), assim deixando de se poder enquadrar a situação descrita na previsão do aludido artº.30, nº.4, do R.G.I.T., na medida em que existe tributo a liquidar pelos serviços da Fazenda Pública, os ditos juros compensatórios, os quais se integram na dívida de imposto, nos termos do artº.35, nº.8, da L.G.T.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"H..., L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho proferido pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarado a fls.68 a 74 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através do qual julgou improcedente o salvatério intentado pelo arguido, mais mantendo a decisão de aplicação de coima nos seus precisos termos, exarada no âmbito do processo de contra-ordenação nº...., o qual corre seus termos no Serviço de Finanças de ....
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.85 a 91 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Não pode a recorrente concordar com a perspectiva vertida na douta sentença, conforme a seguir se expõe;
2-Conforme decorre da motivação aduzida em sede de recurso interposto da decisão de aplicação da coima, a ora recorrente não pagou atempadamente o pagamento por conta respeitante ao período de 2014/09;
3-Contudo, decorrente de tal infracção sempre tinha de proceder a Administração Tributária ao levantamento de auto de notícia sendo que é este que dá causa à autuação do processo de contra ordenação;
4-Dispõe a alínea a) e b) do n.°1 do artigo 63.° do RGIT, que constitui nulidade insuprível no processo de contra ordenação tributário, o levantamento de auto de notícia por funcionário incompetente e a falta de assinatura do autuante e de menção de algum elemento essencial da infracção;
5-Não resulta dos factos provados que tenha o auto de notícia sido notificado em momento algum à recorrente;
6-Resulta sim da douta sentença que foram notificados os elementos apurados constantes do auto de notícia, através da notificação para defesa;
7-Ora, uma coisa é a notificação dos elementos apurados constantes do auto de notícia, outra é a notificação do auto de notícia, de forma, a que possa a autuada aferir da competência do funcionário que procede à autuação;
8-A ausência de notificação do auto de notícia, equivale, por impossibilidade, a que tenha o auto sido levantado por funcionário incompetente e nesse sentido, praticada nulidade insuprível no processo de contra ordenação, que tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo;
9-Nesse sentido, deve a douta decisão do Tribunal ad quem, reconhecer a nulidade insuprível praticada no processo de contra ordenação, determinando a anulação dos termos subsequentes do processo;
10-Quanto ao pedido de redução de coima, entende a douta sentença que não pode a recorrente pretender beneficiar da aplicação da coima reduzida, sem que para tal tenha formulado um pedido expresso, antes do levantamento do auto de notícia;
11-Mais uma vez com todo o respeito não pode a recorrente concordar com a perspectiva vertida na douta decisão, desde logo porque não decorre da lei que o pedido tenha de ser expresso;
12-Depois, porque, não tendo sido notificada do auto de noticia, desconhece se o mesmo foi ou não levantado na data indicada em factos provados, que necessariamente se impugna;
13-Não resta qualquer dúvida que o tributo (IRC) apurado relativo ao exercício de 2014 mostra-se integralmente pago sendo certo que até ao pagamento do mesmo nenhum auto de notícia foi notificado à recorrente;
14-Determina a alínea b) do n.°1 do artigo 29.° do RGIT, que as coimas pagas a pedido do agente, são reduzidas para 25% do montante mínimo legal, se o pedido for apresentado para além de 30 dias posteriores à prática da infracção sem que tenha sido levantado auto de notícia, recebida participação ou iniciado procedimento de inspecção tributária;
15-In casu, foi o pedido apresentado para além dos 30 dias do cometimento da infracção com o pagamento do imposto, não tem conhecimento de ter sido recebida qualquer participação ou iniciado procedimento inspectivo e, quanto ao auto de notícia, desconhece se o mesmo se mostrava levantado porque em nenhum momento lhe foi notificado;
16-O direito á redução da coima depende da regularização da situação tributária, conforme dispõe o artigo 30.° do RGIT, não exigindo a norma qualquer pedido expresso, conforme refere a douta sentença;
17-In casu, conforme decorre dos registos informáticos da Direcção Geral dos Impostos, regulariza o sujeito passivo a prestação tributária com a apresentação da declaração de rendimentos modelo 22 respeitante ao exercício de 2014, mostrando-se o tributo apurado integralmente pago;
18-A douta decisão o que diz é que foram notificados os elementos apurados, constantes do auto de notícia, mas auto que a recorrente nunca viu por não lhe ter sido notificado;
19-Sendo certo que determina o n.° 5 do artigo 30.° do RGIT, que se o pagamento da coima com redução não for efectuado ao mesmo tempo que a entrega da prestação tributária, é o contribuinte notificado para o efectuar no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantado auto de notícia e instaurado o competente processo de contra-ordenação;
20-Ora, o contribuinte procedeu à regularização da situação tributária relativa ao exercício de 2014;
21-Donde, é considerado montante mínimo 20% da prestação tributária, por se tratar de pessoa colectiva, nos termos do n.°1 do artigo 31.° do RGIT, que reduzida para 25%, nos termos do que dispõe a alínea b) do n.°1 do artigo 29.° do RGIT, resulta na coima a pagar de 573,55 €;
22-Os presentes autos foram autuados por infracção à alínea a) do n.°1 do artigo 104.° do CIRC;
23-Sendo que, nos termos do n.°2 do mesmo normativo, há lugar a reembolso quando o valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n.°s 2 e 4 do artigo 90.° do CIRC, for negativo, pela importância resultante da soma do correspondente valor absoluto com o montante dos pagamentos por conta;
24-Mais, nos termos do n.° 5 ainda do mesmo normativo, caso não tenha sido efectuado o pagamento a que se refere a alínea a) do n.° 1, começam de imediato a correr juros compensatórios que serão contados até ao termo do prazo para envio da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior;
25-Mostrando-se o tributo apurado em sede de IRC integralmente pago e, sendo certo que foi em valor superior ao que seria apurado caso houvesse a deduzir pagamento por conta, entende a ora recorrente ser a coima aplicada pena demasiado severa, para infracção que só foi praticada, devido às enormes dificuldades com que se debatem as empresas actualmente, em cumprir com todas as obrigações fiscais, mormente as ligadas ao ramo da agricultura no caso particular, apenas de alfaces;
26-Contudo e ainda assim, não deixou de proceder à autoliquidação atempada do IRC apurado que necessariamente foi em valor superior ao que teria de suportar uma vez não haver pagamento por conta a deduzir;
27-Por tudo o que se motiva deve a douta decisão decidir pela invocada nulidade insuprível por ausência de notificação do auto de notícia, cujo efeito é a anulação dos actos subsequentes do processo;
28-Em alternativa decidir pela aplicação da coima com redução nos termos invocados;
29-Por último, o que ainda assim constitui elevado encargo para a recorrente, que se debate diariamente com dificuldades para se manter no mercado, que decida a douta decisão do Tribunal ad quem, pela aplicação da coima correspondente ao mínimo legal com redução a metade;
30-Termos em que requer a V. Ex.a seja o recurso admitido por estar em tempo concedendo a douta decisão do Tribunal ad quem provimento ao mesmo por provado, reconhecendo a nulidade insuprível praticada no processo de contra ordenação, por impossibilidade de aferir a competência do funcionário que procede ao levantamento do auto de notícia. Mais requer a V.Ex.a decida pela aplicação da coima reduzida conforme o motivado em alternativa pela aplicação do mínimo legal com redução a metade, uma vez se encontrar o tributo apurado em sede de IRC integralmente pago.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual pugna pelo não provimento do recurso (cfr.fls.110 e 111 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.69 a 71 dos autos):
1-Em 23.03.2015, o Serviço de Finanças de ..., levantou auto de notícia contra H..., LDA, aqui recorrente, que deu origem ao processo de contraordenação nº...., por falta de entrega do pagamento por conta de IRC relativo ao período de Setembro/2014 (cfr.documento junto a fls.4 dos presentes autos);
2-Na mesma data referida no nº.1, o Chefe do Serviço de Finanças de ... emitiu em nome da recorrente notificação, com o seguinte teor:
“FACTOS APURADOS NO PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO
À Arguida foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Trib.: Imposto Sohre o Rendimento Pessoas Coletivas (IRC); 2. Valor da prestação tributária em falta: 11.470,95; 3. Período a que respeita a infração: 2014/09; 4. Termo do prazo para o cumprimento da obrigação: 2014-09-30, os quais se dão como provados.
(...)
OBJETO E FUNÇÃO DA NOTIFICAÇÃO
1- Fica notificado, nos termos do disposto no artigo 70 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei 13/2001, de 5 de Junho, de que contra si foi instaurado o processo de contraordenação supra indicado, por violação das normas acima referidas, em face dos factos sumariamente descritos no quadro em cima, puníveis entre o mínimo e o máximo assinalado no quadro anterior.
2- Mais se notifica que no prazo de 10(dez) dias a contar da presente notificação, que se considera efetuada na data da presente notificação, poderá apresentar DEFESA, escrita ou verbal, (juntar ao processo os documentos probatórios que entender), a produzir neste Serviço de Finanças podendo fazer- se acompanhar de Advogado.
3- Se efetuar o PAGAMENTO ANTECIPADO no mesmo prazo, beneficiará da sua redução para o mínimo legal cominado e da redução de custas a metade, nos termos do nº.1 do art. 75 do RGIT. Estes benefícios dependem da regularização da situação tributária no prazo legal ou no que for fixado, sob pena de o processo de contraordenação continuar, com perda desses benefícios.
4- Poderá ainda efetuar, o PAGAMENTO VOLUNTÁRIO da mesma, nos termos do artigo 78 do Regime Geral das Infrações Tributárias, beneficiando neste caso, da redução de 25% do valor a fixar, não podendo a coima a pagar ser inferior ao montante mínimo legal."
(cfr.documento junto a fls.6 dos presentes autos);

3-Em 17.04.2015, a Chefe Adjunta do Serviço de Finanças de ..., por delegação de competências, exarou a decisão de fixação da coima, a qual se encontra a fls.8 e 9 dos presentes autos e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, aplicando ao arguido a coima de € 3.682,17, p.p. nos artºs.114, nºs.2 e 5, al.f), e 26, nºs.1 e 4, do R.G.I.T., devido a prática de infracção negligente, mais o condenando em custas no montante de € 76,50 (cfr.documento junto a fls.8 e 9 dos presentes autos);
4-Na mesma data referida no nº.3, foi emitida notificação, dirigida à recorrente, da decisão de aplicação da coima (cfr.documento junto a fls.10 dos presentes autos);
5-O presente recurso de contraordenação deu entrada no Serviço de Finanças de ... em 18.05.2015 (cfr.informação exarada a fls.51 e 52 dos presentes autos);
6-Em 31.05.2015, a recorrente apresentou, via internet, a declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2014 (cfr.documento junto a fls.31 a 36 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não resultam provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa, tendo em conta as várias soluções de direito plausíveis…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto resultou da análise dos documentos e informações oficiais, não impugnados, juntos aos autos, conforme foi referido em cada ponto dos factos assentes, nomeadamente no Auto de Notícia, na decisão administrativa de fixação da coima…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou improcedente o salvatério intentado pelo arguido, mais mantendo a decisão de aplicação de coima objecto do processo (cfr.nº.3 do probatório).
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Antes de mais, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O apelante defende, em primeiro lugar e em sinopse, que não resulta dos factos provados que o auto de notícia que iniciou o presente processo tenha sido notificado, em momento algum, ao recorrente. Que tal constitui a nulidade insuprível prevista no artº.63, nº.1, als.a) e b), do R.G.I.T. Que se deve reconhecer a nulidade insuprível praticada no processo de contra ordenação, determinante da anulação dos termos subsequentes do mesmo (cfr.conclusões 3 a 9 do recurso) com base em tal argumentação pretendendo concretizar uma nulidade de conhecimento oficioso no presente processo.
Analisemos se o processo padece de tal pecha.
Diz-nos o artº.63, nº.1, als.a) e b), do R.G.I.Tributárias, que constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal, o levantamento de auto de notícia por funcionário sem competência para o efeito, tal como a falta de assinatura do autuante e de menção de algum elemento essencial da infracção.
Embora esta norma esteja inserida nas “disposições gerais” do processo de contra-ordenação tributário, as nulidades aqui previstas, reportam-se à fase administrativa do mesmo processo.
Em regra, no procedimento e no processo tributários, o Tribunal ou entidade para onde subir um processo administrativo tributário deverá tomar a iniciativa de sanar, ou mandar suprir, qualquer deficiência ou irregularidade (cfr.artº.19, do C.P.P.T.).
Neste artº.63, do R.G.I.T., enumeram-se algumas deficiências que são qualificadas como insupríveis. Tal qualificação é-lhes atribuída não por não poder haver sanação das irregularidades que constituem estas nulidades, mas pelo facto de elas não poderem ser consideradas como sanadas pelo mero decurso do tempo, sem arguição pelos interessados ou por qualquer actuação destes, como é de regra nas nulidades sanáveis (cfr.artºs.120 e 123, do C.P.Penal).
No que concerne ao levantamento do auto de notícia por funcionário incompetente, tal como a falta de assinatura do autuante ou a falta de menção de algum elemento essencial da infracção, as nulidades insupríveis consagradas no artº.63, nº.1, als.a) e b), do R.G.I.T., o legislador não consagra uma anulação definitiva do acto em causa, pois o auto de notícia afectado por estas irregularidades valerá como participação, nos termos do artº.63, nº.4, do mesmo diploma (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.443 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, o recorrente alega que não teve conhecimento do teor do auto de notícia, uma vez que não foi notificado do mesmo.
A defesa do recorrente não tem enquadramento em nenhuma das alíneas acabadas de examinar (cfr.artº.63, nº.1, als.a) e b), do R.G.I.T.), uma vez que não imputa ao auto de notícia qualquer irregularidade, mas apenas que, alegadamente, não teve conhecimento do mesmo.
O que resulta da lei é que, após a elaboração do auto de notícia, o arguido deve ser notificado nos termos previstos no artº.70, do R.G.I.T., mais se lhe devendo conceder prazo para que apresente a sua defesa.
No caso concreto, conforme resulta do probatório (cfr.nº.2 da factualidade provada), o apelante foi validamente notificado dos elementos de facto constantes do auto de notícia, mais lhe tendo sido concedido prazo para que apresentasse a defesa.
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso, confirmando-se a decisão recorrida neste segmento.
O recorrente dissente do julgado alegando, em segundo lugar e em síntese, que entende a decisão recorrida que não pode o apelante pretender beneficiar da aplicação do regime de coima reduzida, sem que para tal tenha formulado um pedido expresso, antes do levantamento do auto de notícia. Que não pode o recorrente concordar com esta perspectiva, desde logo, porque não decorre da lei que o pedido tenha de ser expresso. Que não tendo sido notificado do auto de notícia, desconhece se o mesmo foi ou não levantado na data indicada no probatório. Que o direito à redução da coima depende da regularização da situação tributária, conforme dispõe o artº.30, do R.G.I.T., não exigindo a norma qualquer pedido expresso, contrariamente ao que refere a sentença recorrida. Que estão reunidos os pressupostos legais para que lhe seja concedido o benefício do direito à redução de coima, assim devendo ser concedido provimento ao presente recurso (cfr.conclusões 10 a 29 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Antes de mais, se dirá que a data de estruturação do auto de notícia é a que consta do nº.1 do probatório (23/03/2015), correspondendo ao teor do documento junto a fls.4 do presente processo.
Avancemos.
A norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é a constante do artº.114, nºs.1, 2 e 5, al.f), do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2014 (redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12), a qual tinha o seguinte conteúdo:
Artigo 114.º
(Falta de entrega da prestação tributária)

1-A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2-Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
(…)
5-Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
(...)
f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.

Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.).
Com a utilização da expressão “prestação tributária deduzida” pretendeu o legislador aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária, isto é, uma quantia de imposto nos termos do artº.11, al.a), do R.G.I.T., pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à A. Fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/04/2015, proc.8459/15; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.813 e 814).
No nº.5 do preceito sob exegese (artº.114, do R.G.I.T.), prevêem-se várias situações em que não há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, mas sim omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de pagamentos por conta que o sujeito passivo deva efectuar, por conta do imposto devido a final, tal como a falta de entrega do pagamento especial por conta (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/11/2015, proc.8920/15; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.812 e seg.).
“In casu”, estão em causa prestações tributárias devidas a título de pagamento por conta, situação prevista nos artºs.104 e 105, do C.I.R.C.
Não existindo dolo, a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo (cfr.nº.3 do probatório).
De entre os mecanismos premiais aptos a favorecer o ressarcimento do dano resultante da prática de infracção tributária, em sede de contra-ordenações fiscais, vamos encontrar, além do mais, o direito à redução das coimas, com regime consagrado nos artºs.29 a 31 do R.G.I.T.
Nos citados artºs.29 a 31 do R.G.I.T., regula-se o regime de redução de coimas quando o seu pagamento voluntário é requerido antes da instauração do processo contra-ordenacional.
O pagamento voluntário também é possível após a instauração do processo de contra-ordenação, embora com menor redução da coima, quer antes de ter terminado o prazo para a apresentação da defesa (cfr.artº.75, nº.1, do R.G.I.T.), quer posteriormente, até à decisão (cfr.artº.78, nºs.1 e 2, do R.G.I.T.).
Concretizando, este regime visa beneficiar aqueles que, antes da instauração do processo de contra-ordenação, se dirigem à A. Tributária comunicando a existência da infração, variando o benefício conforme a espontaneidade demonstrada pelo contribuinte que apresenta o pedido de pagamento, conclusão a que se chega em virtude do exame das diversas alíneas do artº.29, nº.1, do R.G.I.T., assim podendo o concreto pagamento da coima beneficiar da redução de 75%, 50% ou 25%, face ao montante mínimo legal previsto no caso sob exame (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/5/2012, rec.240/12; ac.T.C.A.Sul -2ª.Secção, 27/04/2017, proc.952/15.6BELRA; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.309 e seg.; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.70 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, não tem este enquadramento legal em nenhuma das alíneas do mencionado artº.29, nº.1, do R.G.I.T., tudo conforme já decidiu o Tribunal “a quo”.
Não se enquadra na alínea a), porquanto, desde logo, o apelante não formulou pedido de redução da coima dentro de trinta dias, tendo como termo inicial a data da prática da infração.
Também não há lugar à aplicação da alínea b), dado que não efectuou qualquer pedido de redução da coima, sendo o artº.30, nº.1, al.a), do R.G.I.T., claro ao reportar-se à entrada nos serviços da A. Fiscal da mesma petição.
Por último, tão pouco há lugar à aplicação da alínea c) daquele dispositivo legal, porque não resulta provado dos autos, nem sequer é alegado pelo recorrente, que tenha sido instaurado procedimento de inspeção tributária referente ao exercício em causa (2014).
Apesar do acabado de judiciar, defende o apelante que o pedido de redução de coima não tem de ser expresso.
Também quanto a este vector, carece de razão o recorrente.
Expliquemos porquê.
De acordo com o regime legal supra expendido, o direito à redução das coimas depende, por regra, de um pedido expresso de pagamento da coima feito pelo agente em momento anterior à instauração do processo de contra-ordenação, em que é reconhecido pelo infractor a prática da infracção e manifestada a sua vontade de regularizar, em curto espaço de tempo, a falta cometida (cfr.artº.30, nº.1, do R.G.I.T.).
É nesta perspectiva que o legislador permite que a sanção a aplicar seja fixada abaixo do montante mínimo legalmente previsto, sendo essa redução tanto maior quanto mais cedo seja manifestada essa espontaneidade de cumprimento, mais se devendo proceder em prazo ao pagamento da coima reduzida (cfr.artº.30, nºs.2 e 5, do R.G.I.T.).
Apesar disso, nos termos do artº.30, nº.4, do R.G.I.T., o legislador dispensa o pedido expresso do infractor do pagamento da coima com redução, ficcionando-o, desde que a regularização da situação tributária do agente não dependa de tributo a liquidar pelos serviços, valendo, neste caso, como pedido de redução, a entrega da prestação tributária ou do documento ou declaração em falta (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/04/2017, proc.952/15.6BELRA).
Porém, no caso dos autos, o certo é que o recorrente não efectuou o pagamento por conta no prazo legal conforme impõe o artº. 104, nº.1, al.a), do C.I.R.C., prestação tributária que originou o presente processo de contra-ordenação, conforme já aludido supra.
Por conseguinte, é inaplicável ao caso vertente o disposto no citado artº.30, nº.4, do R.G.I.T., assim não podendo o recorrente pretender, sem formular pedido expresso nesse sentido, ter direito à redução da coima pelo motivo de ter entregue, no prazo legal, a declaração modelo 22, de I.R.C., relativa ao exercício de 2014 (cfr.nº.6 do probatório).
Por último e não menos importante, face à aludida falta de pagamento por conta consagrada no artº.104, nº.1, al.a), do C.I.R.C., decorre da lei a imediata liquidação de juros compensatórios (cfr.artº.104, nº.5, do C.I.R.C.), assim deixando de se poder enquadrar a situação descrita na previsão do aludido artº.30, nº.4, do R.G.I.T., na medida em que existe tributo a liquidar pelos serviços da Fazenda Pública, os ditos juros compensatórios, os quais se integram na dívida de imposto, nos termos do artº.35, nº.8, da L.G.T. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/11/2008, rec.667/08; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/5/2012, rec.240/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/04/2017, proc.952/15.6BELRA; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.316).
Arrematando, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 8 de Junho de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)