Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1997/13.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:CONVENÇÃO DE VIENA,
OPOSIÇÃO,
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I. Não se verifica a nulidade da sentença quando o juiz não emite pronúncia sobre uma informação oficial da AT, quando sobre tal informação não é suscitada pelas partes qualquer questão;
II. Saber se os imóveis da Oponente prosseguem as finalidades da missão, para efeitos da aplicação do art. 23.º, n.º 1 da Convenção de Viena, será uma conclusão a extrair de um conjunto de factos, de acordo com as regras do ónus de prova previsto no art. 74.º da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente A OPOSIÇÃO à execução fiscal n.º 3... apresentada pela EMBAIXADA DA REPÚBLICA DE ANGOLA

O Recorrente FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
“A) A sentença recorrida padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto,
apenas tomou posição quanto à matéria de exceção suscitada pela Fazenda Pública,
ou seja, por entender que o alegado não reconhecimento da isenção questionada ser
causa de ilegalidade concreta e não abstracta da liquidação da dívida e só a última ser
admitida como fundamento de oposição à execução, mas já não quanto à matéria
constante de informações oficiais e que está na génese da não-aceitação da isenção
para efeitos de IMI dos imóveis supra identificados.
B) Na informação lavrada pela Direção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários,
junta aos autos com a PI de oposição, sob o doc. nº 22, vai dito que “… cabe, então,
averiguar se as fracções do prédio urbano em questão podem ser consideradas «locais da
missão» do Estado acreditante, para efeitos do mesmo diploma.
A Convenção de Viena adopta o critério da funcionalidade na definição de «locais de missão»,
considerando-os no artº 1º. al i) como os edifícios ou parte dos edifícios e terrenos anexos, seja
quem for o proprietário, utilizados para a finalidade da missão, inclusive a residência do chefe da
missão.
Também nenhuma disposição nos permite concluir que a residência do pessoal da missão seja
utilizada para as finalidades, tal como são definidas no artº 3º da Convenção.
Ora, as finalidades do pessoal adstrito a funções de carácter administrativo não se ajustam ao
conjunto das que se encontram enunciadas no artº 3º. Nessa medida, não beneficiam da isenção
outorgada pela Convenção. (…)”
C) O Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, não tomou posição sobre tal argumentação,
resultando em nulidade, por omissão de pronúncia, que expressamente se invoca para
todos os legais efeitos.
D) A douta sentença recorrida não fez uma correta interpretação e aplicação da lei e do
direito, em prejuízo da ora recorrente, porquanto, a oposição é uma contra-acção e
àquele que invoca um direito cumpre fazer prova do mesmo, pelo que o ónus da prova
impende sobre a oponente, ora recorrida.
E) Para provar a factualidade que aduziu na PI da oposição, a oponente, ora recorrida,
juntou declarações várias, (docs. nºs 8 a 21), emitidas pelo Ministério dos Negócios
Estrangeiros, alegando que nos termos do art.º 371º do Código Civil, que constituem
prova plena dos factos neles descritos.
F) A este propósito importa referir, que o documento e a declaração que incorpora
consubstanciam realidades distintas, pois um documento é uma coisa e a declaração
contida é outra, sendo o primeiro um papel onde se exaram certos dizeres e o segundo
a declaração é um ato.
G) Não basta que o documento tenha sido exarado com a observância das formalidades
legais e dentro da competência das autoridades públicas, mas também que tenha sido
exarado por quem tenha competência em razão do lugar e da matéria.
H) Neste pendor, o exarado nos documentos juntos com a PI de oposição, sob os docs.
nºs 8 a 21, maxime “… pelo que deverá ser concedida isenção à Embaixada da República de
Angola em Lisboa respeitante aos imóveis de que a República de Angola é proprietária sitos
(…)”, (que não transcrevemos individualmente as moradas, por consubstanciar exercício
enfadonho), não pode ser considerado, por extravasar o seu círculo de competências,
pois que quem tem competência para decidir sobre a isenção de IMI é o Ministério das
Finanças, e neste caso concreto, a AT.
I) Acresce que, por um lado, a declaração nada prova quanto ao destino dado aos
imóveis e por outro não é o órgão competente para reconhecer a isenção, pelo que, nos
termos do art.º 363º, n.º 2 do Código Civil, “autênticos são os documentos exarados, com as
formalidades legais pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do
círculo de actividades que lhe é atribuído (…).” E ainda o art.º 269º, n.º 1 do mesmo Código,
“o documento só é autêntico quando a autoridade ou oficial público que o exara for competente,
em razão da matéria e do lugar, e não estiver legalmente impedido de o lavrar.”, não tendo
competência material, não tem relevância probatória, pelo menos não pode ser
considerado documento autêntico.
J) A este respeito veja-se o que diz J.M. Gonçalves Sampaio, in A Prova Por Documentos
Particulares, em que cita VAZ SERRA, “Provas”, BMJ, n.º 111, nº 62, era um documento
autêntico, nos termos do artigo 363.º, n.º 2, o atestado de residência ou de pobreza passado por
uma Junta de Freguesia, mas já o não era o atestado em que a Junta declarasse que tinha pago
certa dívida, por não ter sido exarado dentro do círculo de actividade.
K) Assim, parece-nos que, de forma cabal, não fez a oponente quaisquer alegações de
factos que logrem provar o direito que se arrogou.
L) Na verdade, a AT não aceita que os imóveis, que estão subjacentes à liquidação de IMI
em causa, estejam, efetivamente, isentos, por não preencherem todos os legais
pressupostos, recaindo sobre a oponente a prova de que tais legais pressupostos
preenchidos de encontram.
M) É mister referir que a AT não aquiesceu ao pretendido, pela oponente, ora recorrida,
pelo facto das frações em causa, que subjazem à liquidação de IMI, não prosseguirem
as finalidades da missão, tal como definidas no art.º 3.º da Convenção, e por consequência não são locais da missão.
N) Pelo que, sendo a oposição uma contra-acção e àquele que invoca um direito cumpre
fazer prova do mesmo, pelo que o ónus da prova impende sobre a oponente,
porquanto, não o fazendo, a sua pretensão deveria naufragar in tottum.
O) Assim, ao decidir como decidiu, o respeitoso Tribunal “a quo”, não considerou as regras
do ónus da prova, incorrendo em intolerável inversão daquele ónus.
P) Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e
aplicação das normas legais supra aduzidas.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V.
Exas., deve ser admitido e julgado procedente o
presente recurso e revogada a douta sentença
recorrida, substituindo-a por outra que julgue
improcedente a oposição à execução fiscal, com as
legais consequência.
Todavia, Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a
costumada Justiça!”
****
A Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

A. A sentença sob recurso não merece qualquer censura.
B. A Recorrente fundamenta o seu recurso na nulidade da sentença por erro de julgamento, por errada aplicação do direito aos factos, pelo Tribunal a quo. Não lhe assiste razão.
C. Sob a epígrafe de erro de julgamento por errada aplicação do direito aos factos, pretende a Recorrente, na verdade, impugnar a matéria de facto, num recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo que se cinge, exclusivamente, a matéria de direito. Na realidade, a Recorrente não alega um erro na aplicação do direito aos factos, mas sim um erro de julgamento da matéria de facto.
D. Mesmo quanto a este último, também não lhe assiste razão, pois o tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento.
E. Primeiro: o tribunal a quo não violou as regras relativas ao ónus da prova. A Recorrida alegou, em oposição à execução, que os imóveis objecto de tributação em sede de IMI estavam afectos à missão diplomática, o que, sendo um facto público e notório, foi ademais confirmado pelas Declarações emitidas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Tanto os factos alegados pela Recorrida como os documentos, por esta juntos, não foram objecto de impugnação pela Recorrente, que os aceitou.
F. Segundo: as declarações juntas aos autos não foram exaradas por entidade incompetente. A isenção que o artigo 32.° da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas encerra é uma norma de Direito Internacional Público (que rege as relações entre os Estados). O Direito Fiscal rege as relações jurídicas tributárias. Cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (e não ao Ministério das Finanças) representar o Estado Português nas relações com outros Estados, nomeadamente a República de Angola.
G. A Embaixada da República de Angola em Portugal é uma representação, em Portugal, da República de Angola. O interlocutor com a Embaixada, por Protocolo do Estado, é o Ministério dos Negócios Estrangeiros, não o Ministério das Finanças, nem a AT e muito menos o Serviço de Finanças Lisboa - 8 que tem instaurado, repetidamente e sem sucesso, estes processos de execução fiscal, e que, perdendo na primeira instância, protela, numa evidente má-fé incompatível com a actuação da administração pública, o trânsito em julgado da decisão com recursos inúteis para a última instância.
H. O Ministério dos Negócios Estrangeiros é a entidade competente para conhecer da verificação de uma “isenção” prevista em normas de Direito Internacional Público (ademais assente no princípio da reciprocidade, que é o princípio basilar das relações entre Estados), e da afectação ou não de determinado imóvel à missão diplomática de um outro Estado. Razão pela qual não merece qualquer censura o julgamento do tribunal a quo sobre a prova documental oferecida pela Recorrida, nomeadamente no que diz respeito à utilização e destino dos imóveis objecto da tributação - que o Ministério dos Negócios Estrangeiros atesta serem, todos eles, “para uso habitacional dos membros da Missão Diplomática Angolana”.
I. A AT é incompetente para conhecer da “isenção” do artigo 23.° da Convenção de Viena que, erradamente, apelida de isenção de IMI, ou isenção fiscal. Esta não é uma isenção fiscal, mas sim uma subtracção, por norma de direito internacional público (de valor supra-Iegal), ao poder tributário do Estado português. A isenção que o artigo 23.n.° 1, prevê, não é uma isenção tributária, no sentido que lhe é dado na lei fiscal, e que a AT conhece.
J. O artigo 23.°, n.° 1, da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, vigora na ordem interna (Decreto-Lei n.° 48295), vincula internacionalmente o Estado Português (artigo 8.°, n.° 2 da Constituição) e prevalece sobre o direito ordinário interno, nomeadamente sobre o Código do IMI ou o artigo 44.° do EBF.
K. O que significa que a Embaixada da República de Angola em Portugal não é sujeito passivo do imposto que a AT coercivamente exigiu e que cuja inexigibilidade, por ilegalidade, se alegou nos presentes autos. Vigorando a mencionada Convenção na ordem jurídica portuguesa, não existe, sequer, norma de incidência tributária. Noutras palavras, a “isenção” prevista no artigo 23.°, n.° 1 da Convenção “isenta” a República de Angola do pagamento do IMI antes mesmo de sobre esta incidir qualquer norma tributária de direito ordinário. Em termos tais que poderia falar-se, em vez de isenção, numa subtracção ao poder tributário (e, logo, numa expressão que é querida à Fazenda Pública, “ao círculo de competências da AT”).
L. O ordenamento jurídico português é um. Não existe um ordenamento jurídico fiscal, outro Constitucional e um terceiro que é o que decorre dos Tratados Internacionais.
M. Considerando que a Convenção de Viena para Relações Diplomáticas vigora no ordenamento jurídico português (com força supra legal e infra constitucional), a isenção prevista no artigo 23.°, n.° 1, da Convenção é independente de qualquer reconhecimento pela Administração Fiscal, tratando-se de benefícios não sujeitos a qualquer condicionantes e automáticos.
N. Face ao Direito Internacional Convencional não poderá existir norma de incidência tributária tendo por sujeito passivo a República de Angola (ou a sua Embaixada em Portugal) e por objecto os imóveis sua propriedade que sejam locais de missão. A República de Angola não é sujeito passivo de imposto em Portugal!
O. Pelo artigo 8.°, n.° 2, da Constituição, a vigência do Direito Internacional Convencional na ordem interna está dependente da verificação de duas condições: a publicação no jornal oficial e a regularidade do processo da sua conclusão por Portugal.
P. Da vigência na ordem jurídica portuguesa da Convenção de Viena, da sua adesão pela República de Angola, do valor supra legal (e infra Constitucional) que o Direito Internacional Convencional ocupa na hierarquia das fontes do direito português, deduz-se que qualquer lei ordinária, anterior ou posterior, que contrarie o disposto naquela Convenção é ineficaz. Ineficácia que se traduz na inaplicabilidade, ou seja, na recusa da sua aplicação pelos Tribunais, enquanto a Convenção em causa vincular Portugal (cfr. Manual de Direito Internacional Público, André Gonçalves Pereira e Fausto Quadros, 3.a Edição, Almedina, págs. 119 e ss.).
Q. O conceito de isenção consagrado no artigo 23.°, n.° 1, da Convenção é o de um privilégio de direito internacional, decorrente da imunidade diplomática. Como tal, impede que se estabeleça uma relação tributária em tudo o que diga respeito às missões diplomáticas. Ou seja, impede a aplicação a estas entidades da lei nacional em matéria de definição e fixação da tributação. A norma contida no artigo 23.°, n.° 1 da Convenção afasta a norma tributária que seria aplicável. Consequentemente, o Estado acreditante não pode ser contribuinte no Estado português.
R. O que encontra a sua justificação no facto de pagamento de impostos ser um acto de sujeição, incompatível com a soberania dos Estados. Tal como é incompatível, quer com o privilégio estabelecido na Convenção, quer com a soberania dos Estados, reconduzir o imperativo convencional a um benefício fiscal, nomeadamente para efeitos do artigo 44.°, n.° 1, alínea a), do EBF. Razão pela qual é também inconstitucional qualquer interpretação do artigo 44.° do EBF sempre que o mesmo condicione a plena aplicação do artigo 23.°, n.° 1, da Convenção reconduzindo-o a um benefício fiscal, dependente de um despacho emitido pelo poder tributário do Estado Acreditador e afastando a sua natureza de privilégio de direito internacional.
Termos em que deve ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela Fazenda Pública, confirmando-se a sentença recorrida, tudo com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA!
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de conceder provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma dos seguintes vícios:

_ Omissão de pronúncia porque o juiz não se pronunciou sobre a matéria constante das informações oficiais (conclusões A) a C));
_ Erro de julgamento, invocando a Recorrente que as frações em causa que subjazem à liquidação de IMI não prosseguirem as finalidades da missão sendo à Oponente a quem cabe o ónus da prova (conclusões D) a P)).

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“A) A oponente foi citada para o processo de execução fiscal n.º 3..., instaurado com base na certidão de dívida n.º 2013/02... extraída em 24.08.2013, para o pagamento coercivo de €2.426,23, referente a 2.ª prestação de IMI do ano 2012;
(cf. doc. 5A e 5B, juntos com a PI)
B) Por escritura celebrada, em 16.12.1988 no 21.º Cartório Notarial de Lisboa, a oponente adquiriu as frações autónomas com as letras “A” a “Q”, onde as frações “A” e “B” se destinam às instalações dos serviços culturais e administrativos e as restantes à habitação do pessoal diplomático, consular ou administrativo da Embaixada da Republica Popular de Angola e todas elas fazem parte do prédio urbano sito na Rua L... (à A...), inscrito na respectiva matriz com ao artigo 1…, da freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa;
(cf. doc. 1 a fls 123 dos autos)
C) Por escritura celebrada em 26.01.2011 a oponente adquiriu a fração autónoma com as letras “AS”, correspondente à Loja E – Bolco B, destinada a comércio, serviços a atividades complementares designadamente restauração, sita no piso zero, sita na Rua S..., inscrita na matriz predial urbana, sob o artigo 2… da Freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa;
(cf. doc. 2 junto com a PI)
D) Por escritura celebrada, em 16.03.2011 a oponente adquiriu as frações autónomas designadas com as letras “AR” e “AT”, destinadas a comércio, serviços a atividades complementares designadamente restauração, correspondentes à Loja D – Bolco B e Loja F – Bloco B, sitas no piso zero na Rua S..., inscrita na matriz predial urbana, sob o artigo 2…, da Freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa;
(cf. doc. 3 junto com a PI)
E) Em 24.09.2013 os Chefes do Protocolo do Estado da Secretaria Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, emitiram declarações no sentido da existência da reciprocidade de tratamento no que respeita à isenção do IMI sobre imóveis para uso habitacional e instalações de funcionamento do Consulado Geral de Angola em Lisboa respeitante aos imóveis descritos nos pontos atrás identificados, B) a D) de que a República de Angola é proprietária, nos termos do n.º1 do art.º 23 da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, de 18 de Abril de 1961, em vigor no ordenamento jurídico português por força do Decreto-lei 48295 de 27 de Março de 1968 e de acordo com a alínea a) do n.º1 do artigo 44 do Estatuto do Benefícios Fiscais;
(cf. doc. 7 a 21 juntos com a PI)
F) Em 17.09.2014 a oponente deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-8 da presente oposição judicial onde foi registada como o n.º3…, cf. fls. 4 dos autos;

III.II - Factos não Provados
Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão.
MOTIVAÇÃO
A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório com referência para a folhas do processo onde se encontram.”
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Com base na matéria de facto supratranscrita o meritíssimo juiz do TT de Lisboa julgou a oposição procedente, com o fundamento, em síntese, que se verifica a “ilegalidade absoluta ou abstrata da liquidação de IMI sindicada nos autos”, e nessa medida julgou verificado o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, invocando, desde logo, omissão de pronúncia, uma vez que o juiz não se pronunciou sobre a matéria constante das informações oficiais (conclusões A) a C)).

Apreciando.

Nos termos do disposto no art. 125.º do CPPT constitui nulidade da sentença “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar”. Ou seja, ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.

Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cf. Acórdão do STA de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).

Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cf. Ac. do STA de 28/05/2014, proc. 0514/14).

Ora, em causa é manifesto que não estamos perante qualquer omissão de pronúncia, porque, por um lado, e ao contrário do que invoca a Fazenda Pública, o tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre argumentos, mas apenas sobre questões, e por outro lado, as questões que o juiz deve conhecer são as suscitadas no processo pelas partes, o que não se verifica.

Com efeito, subjacente à arguição da nulidade da sentença está uma informação da Direção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários que foi junta pela Oponente com a petição inicial. Analisada a p.i. e a contestação apresentada pela Fazenda Pública, conclui-se que sobre esta informação em particular nenhuma das partes suscitou qualquer questão no processo de oposição. Aliás, a Fazenda Pública na sua contestação nem uma linha dedica à mesma, em momento algum se refere ao seu conteúdo, e sobretudo, em momento algum suscita questão que se relacione com tal informação, e nessa medida, não existe qualquer omissão de pronúncia para efeitos do art. 125.º do CPPT.


Pelo exposto, não se verifica a omissão de pronúncia invocada.

Invoca ainda a Recorrente Fazenda Pública erro de julgamento, entendendo que as frações em causa que subjazem à liquidação de IMI não prosseguirem as finalidades da missão e que é ao Oponente a quem cabe o ónus da prova, que no seu entender não foi efetuada, desde logo porque os documentos 8 a 21 não podem ser considerados como prova plena dos factos nelas descritos nos termos do art. 371.º do CC porque é a AT quem tem a competência para decidir sobre a isenção de IMI, e a declaração nada prova quanto ao destino dado aos imóveis e não é o órgão competente para reconhecer a isenção e não pode ser considerado documento autêntico (conclusões D) a P)).

Antes de mais, cumpre precisar que a Recorrente não coloca em causa a interpretação do art. 23.º, n.º 1 da Convenção de Viena que se encontra pacificada na nossa jurisprudência (v. acórdãos do STA de Acórdãos do STA de 01/07/2015, proc. n.º 0188/15, de 17/06/2015, proc. n.º 187/15, e de 25/06/2015, proc. n.º 0464/15), mas tão-somente as regras do ónus da prova que foram consideradas pela sentença recorrida para a subsunção dos factos ao direito, bem como a força probatória dos documentos números 8 a 21 que consistem em declarações do Ministério dos Negócios Estrangeiros, todas datadas de 24 de setembro de 2013, no sentido exarado na alínea E) da matéria de facto.

Relativamente à questão suscitada sobre as regras do ónus da prova, bem como a força probatória daquelas declarações do Ministério dos Negócios Estrangeiros já se pronunciou muito recentemente o acórdão do TCAS de 04/06/2020, proc. n.º 349/19.9BELRS, sendo que, quer as partes, quer a questão discutida, são as mesmas dos presentes autos, e por concordamos com aquela fundamentação aqui a subscrevemos:

A primeira questão que importa analisar é a de saber se a sentença recorrida fez uma correta aplicação das regras sobre a distribuição do ónus da prova (alíneas L) a W) das conclusões).

Alega a Recorrente que não aceita que os imóveis, que estão subjacentes à liquidação de IMI estejam efetivamente isentos, por a AT não ter aquiescido ao pretendido pela oponente e que o Tribunal a quo não considerou as regras do ónus da prova.

A Recorrente não impugnou a factualidade constante do probatório, antes e só põe em causa a aplicação das regras sobre o ónus da prova.

Na distribuição do ónus da prova estão em causa não juízos de facto, mas de direito, sendo que a questão há-de ser apreciada com recurso à interpretação das regras gerais.

Com efeito, saber se os imóveis prosseguem as finalidades da missão, uma conclusão a extrair de um conjunto de factos essenciais e da sua conjugação com verdadeiras normas jurídicas, nomeadamente, reguladoras do critério da repartição do ónus de prova.

Nesta matéria, estatui o artigo 74.º, da LGT, que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

O Tribunal a quo deu como provado na alínea D) o teor de uma Declaração do Ministério dos Negócios Estrangeiros/Protocolo do Estado, emitida para efeitos de obtenção de isenção de IMI, cujo teor é no sentido da existência da reciprocidade de tratamento no que respeita à isenção do IMI sobre imóveis para uso habitacional e instalações de funcionamento do Consulado Geral de Angola em Lisboa, respeitante aos imóveis dos autos.

Ao contrário do referido pela Recorrente, em lado nenhum da declaração se lê que o Ministério dos Negócios Estrageiros (MNE) reconhece/declara a isenção de IMI (alínea P) das conclusões).

Como decorre do probatório e documentos de suporte, o MNE apenas declarou para efeitos de isenção de IMI relativamente aos imóveis em questão, que existe reciprocidade de tratamento no que respeita à isenção de IMI sobre imóveis para uso habitacional e instalações de funcionamento do Consulado Geral de Angola em Lisboa (alínea D) do probatório).

Invoca a Recorrente que tal declaração não tem relevância probatória.

Quanto à força probatória de tal documento, importa trazer à colação as regras insertas nos artigos 374.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1 do Código Civil (CC).

A força probatória do documento consiste no valor ou na fé que, como meio de prova a lei lhe confere. Este valor pode referir-se ao documento em si mesmo ou ao seu conteúdo. No primeiro caso, tem-se em vista a força probatória formal do documento, a sua autenticidade ou genuinidade, enquanto no segundo, a sua força probatória material.

E a força probatória material que se atribuir ao documento não obsta a que as declarações nele insertas sejam impugnadas com fundamento em qualquer vício que a lei associe à sua ineficácia lato sensu (v.g. erro, dolo, coação, etc.), o qual poderá ser provado por qualquer meio de prova, nomeadamente, a testemunhal, ou através da arguição da sua falsidade.

Por outro lado, os juízes pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do juiz (artigo 371.º, n.º 1, 2.ª parte do CC).

A declaração do MNE dos autos faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor.

Na verdade, a Recorrente não impugnou o conteúdo do documento, nem arguiu a falsidade do documento (artigo 376.º do CC).

Daqui resulta que, a prova na qual a Recorrente funda o seu desacordo quanto à violação do ónus da prova, não merece a censura que a Recorrente endereça à decisão da Mma Juiz a quo quanto à violação das regras do ónus da prova.

Concluímos, assim, pela improcedência das referidas conclusões de recurso.”


Portanto, acolhendo integralmente a fundamentação do Acórdão supratranscrito importa concluir que não foram violadas quaisquer regras do ónus da prova, nem a força probatória das declarações do Ministério dos Negócios Estrangeiros em causa nos autos.

Resulta das alíneas B) a D) dos factos provados que as frações em causa nos autos se destinam às instalações dos serviços e atividades complementares da Embaixada, bem como à habitação do pessoal, diplomático, consular ou administrativo. Tais factos resultam das declarações do Ministério dos Negócios Estrangeiros, bem como dos restantes documentos juntos aos autos que não foram impugnados.

Portanto, ao contrário do que entende a Fazenda Pública, as frações em causa nos autos prosseguem as finalidades da missão para efeitos da aplicação do art. 23.º, n.º 1 da Convenção de Viena, pois conforme se escreveu no acórdão do STA de 25/06/2015, proc. n.º 0464/15 “local de missão … «são os edifícios, ou parte dos edifícios e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão, inclusive a residência do chefe da missão»).

Sublinhe-se, finalmente, que no mesmo sentido aqui sufragado também se decidiu no acórdão do TCAS de 21/05/2020, proc. n.º 2852/10.7BELRS em que as partes também são as mesmas do presente processo, e em que estas questões também são colocadas nas conclusões de recurso, acórdão que, por sua vez, vem reiterar a jurisprudência do acórdão de 09/03/2017, processo nº 709/12.

Pelo exposto, e sem mais considerações por desnecessárias face à jurisprudência pacífica nesta matéria, o recurso não merece provimento.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2).

Nos presentes autos é vencida a Recorrente, e nessa medida deverá ser condenada em custas.


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Não se verifica a nulidade da sentença quando o juiz não emite pronúncia sobre uma informação oficial da AT, quando sobre tal informação não é suscitada pelas partes qualquer questão;
II. Saber se os imóveis da Oponente prosseguem as finalidades da missão, para efeitos da aplicação do art. 23.º, n.º 1 da Convenção de Viena, será uma conclusão a extrair de um conjunto de factos, de acordo com as regras do ónus de prova previsto no art. 74.º da LGT.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

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Custas pela Fazenda Pública.
D.n.
Lisboa, 25 de junho de 2020.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

Anabela Russo