Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04622/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/07/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IVA. CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I) -A caducidade do direito de liquidação, como a caducidade em geral, serve-se de prazos pré - fixados, caracterizados pela peremptoriedade e visa limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de exercer-se o direito.

II)- Sendo o facto impeditivo da caducidade do direito à liquidação não a sua efectivação mas a notificação da mesma ao sujeito passivo dentro do prazo legalmente estabelecido para a administração fiscal exercitar tal direito, e não se provando que haja sido efectivada a notificação do sujeito passivo pela forma legal ou qualquer outra, dentro do referido prazo, tem-se por verificada a caducidade do direito à respectiva liquidação.

III) - A invocação da falta de notificação da liquidação, dentro do prazo de caducidade, pode ser invocada, verificados que sejam os respectivos pressupostos processuais, ou como causa de anulabilidade do acto tributário de liquidação, na medida em que imperfeito e inválido, usando o processo de impugnação judicial, ou como fundamento de ineficácia de tal acto fundante do processo executivo.

IV) -Não tendo o contribuinte sido notificado nos termos da lei da liquidação adicional impugnada no prazo da respectiva caducidade, verifica-se inquestionavelmente a ocorrência da caducidade do direito à liquidação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NESTE TRIBUNAL:


1. – A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença que julgou parcialmente procedente a presente impugnação judicial deduzida por A..., (revertido nos autos de execução fiscal originariamente instaurada contra a sociedade"B... Soc. Industrial de Confecções, Lda"), na parte em que anulou as liquidações de IVA e Juros Compensatórios dos anos de 1994 a 1997, dela veio a interpor atempado recurso dessa decisão, enunciando na sua alegação as seguintes conclusões:
“Um. Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença ora recorrida, julgou parcialmente procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por caducidade do direito à liquidação, devido à falta de notificação dentro do prazo, vicio que implica a anulação das referidas liquidações.
Dois. Salvo o devido respeito, somos da opinião que o douto Tribunal a quo, estribou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes aos actos de liquidação sindicados.
Três. Entendemos não existir qualquer vício que implique a anulação das referidas liquidações, porquanto:
Quatro. A notificação das liquidações ora em crise foi efectuada através de carta registada com AR para a sede da B... em 1999 JAN12.
Cinco. Os AR não se encontram assinados, porquanto, não foram reclamados nos CTT sendo devolvidos com a indicação de "avisado" com carimbo dos CTT de 1999JAN22.
Seis. Quanto a esta notificação, acompanhamos o douto Acórdão do STA de 02/03/2003 no processo 0344/03, que, sabiamente, afirma: "...é de pressupor um serviço de escritório, de porta aberta e atendimento que normalmente existem e onde se exerce labor diário, o que, em princípio, garantirá a entrega postal ou, pelo menos e bem importante para o efeito, a recepção diária, ou quase diária, da correspondência”.
Sete. Assim, a não recepção da notificação apenas é oponível à B... e ao Impugnante, porquanto, se não receberam a notificação foi porque não a procuraram nos CTT quando para isso foram avisados.
Oito. A não ser assim, bastaria que cada contribuinte alegasse não ter sido avisado da notificação para fazer cair qualquer liquidação, ainda que as cartas destinadas à sua notificação viessem devolvidas, por não reclamadas, junto dos CTT.
Nove. Até porque, tendo as liquidações adicionais sido resultado de acção de inspecção feita à empresa, tendo sido efectuadas todas as diligências inerentes à secção de inspecção (que constam do processo) - como notificações e termos de declarações -, a notificação do acto da liquidação não era, de todo, imprevisível, seria, aliás, previsível que as liquidações seriam notificadas a breve prazo.
Dez. In casu, para além da notificação das liquidações, resulta do probatório que a originária devedora teve conhecimento das liquidações aqui postas em crise em mais dois momentos: Quando, em 1999NOV10, foi citada no processo de execução fiscal (n°3131-99/104160.6), e quando requereu - para as mesmas dívidas em 1999DEZ02 -a adesão extemporânea ao Decreto-lei n.°124/96, ou seja, em ambos os momentos, quando decorria ainda o prazo de caducidade do direito à liquidação.
Onze. Desta forma, não restam dúvidas de que as liquidações julgadas procedentes pela sentença recorrida foram do conhecimento da B... antes de decorrido o prazo de caducidade (no caso do ano de 1994, o mais antigo, a notificação deveria ser efectuada até 31/12/1999), que com elas se conformou.
Doze. Logo, o imposto tornou-se exigível quer à devedora originária quer ao responsável subsidiário, ora Impugnante por reversão do processo de execução fiscal.
Treze. Assim, verifica-se que quer a liquidação quer a sua notificação, foram efectuadas dentro do prazo legal e segundo a forma prevista na lei, o que nos leva a concluir que nem a validade nem a eficácia das liquidações foram afectadas pela pretensa falta ou irregularidade da notificação que, em função do alegado, se demonstrou não ter existido.
Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a douta sentença ora recorrida, substituindo-a por acórdão que declare a Impugnação improcedente. PORÉM V. EX. AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”
Não houve contra -alegações.
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece ser provido.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
*
2. - Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos relevantes para a questão a decidir:
A)O Impugnante foi citado na qualidade de responsável subsidiário para pagar as quantias exequendas dos processos de execução fiscal n°s3131-99/1C4160.6 e 3131-01/101820.5 - cfr. petição inicial a fls. 1;
B) O processo de execução fiscal n°3131-99/104160.6 a correr no Serviço de Finanças de Amadora 1, foi instaurado para cobrança das seguintes dívidas:
- IVA 9403T - juros compensatórios (Liquidação n.°99001986), no montante: 21 975,30 € (4 405 653$00)
- IVA 9406T - juros compensatórios (Liquidação n.°99001987), no montante: 15 310,69 € (3 069 517$00)
- IVA 9409T - juros compensatórios (Liquidação n.°99001988), no montante: 14 441,93 € (2 895 348$00)
- IVA 9412T - juros compensatórios (Liquidação n.°99001989, no montante: 14 851,50 €(2 977 459$00)
- IVA 9503T - juros compensatórios (Liquidação n.°99001991), no montante: 15 206,40 € (3 048 610$00)
- IVA 9506T - juros compensatórios (Liquidação n.°99001992), no montante: 20 883,91 € (4 186 849$00)
- IVA 9509T - juros compensatórios (Liquidação n.°99001993), no montante: 11.545,46 € (2 314 657$00)
- IVA 9512T - juros compensatórios (Liquidação n.°99001994), no montante: 17.426.63 € (3 493 726$00)
- IVA 9603T - juros compensatórios (Liquidação n.°99002079), no montante: 8 195,20 € (1 642 991$00)
- IVA 9606T - juros compensatórios (Liquidação n.°99002080), no montante: 11 344,82 € (2 274 432$00)
- IVA 9609T - juros compensatórios (Liquidação n.°99002081), no montante: 6 554,99 € (1 314 157$00)
- IVA 9612T - juros compensatórios (Liquidação n.°99002082), no montante: 10 809,72 € (2.167.155$00)
- IVA 9703T - juros compensatórios (Liquidação n.°99002089), no montante: 4 635,62 € (929 358$00)
- IVA 9706T - juros compensatórios (Liquidação n.°99002090), no montante: 4 448,17€(8.917.78$00)
- IVA 9709T - juros compensatórios (Liquidação n.°99002091), no montante: 1.576.64 € (316 088$00)
- IVA 9712T - juros compensatórios (Liquidação n.°99002092), no montante: 1 685,64 € (337 940$00)
- IVA 1994 - Liquidação Adicional n.°99001990, no montante: 102 579,04 € (20 565 252$00)
- IVA 1995 - Liquidação Adicional n.°99001995, no montante: 149 620,48 € (29 996 214$00)
- IVA 1996 - Liquidação Adicional n.°99002083, no montante: 150 767,62 € (30 226194$00)
- IVA 1997 - Liquidação Adicional n.°99002093, no montante: 113 810,62 € (22 916 980$00) - cfr. fls. 9, 71 a 90;
C) O processo de execução fiscal n°3131-01/101820.5 a correr no Serviço de Finanças de Amadora 1, foi instaurado para cobrança da dívida de IVA de 1999 - Liquidação oficiosa n°00189305, no montante de 1122,29€- cfr. fls. 9 e fls. 70;
D) A liquidação oficiosa de IVA relativa ao ano de 1999 n°00189305, no montante a pagar de 1 122,29€, foi emitida em 20/10/2000, em nome de "B... Soc. Industrial de Confecções, Lda, Sítio da Barroca Edf. B..., A-da-Beja, 2700 Amadora" e notificada, com assinatura no aviso de recepção de «C...», com carimbo dos CTT de 15/11/2000- cfr. fls. 118 e 119 do processo administrativo tributário apenso;
E) As liquidações identificadas em B, com data limite de pagamento de 31/03/1999, foram enviadas por carta registada, com aviso de recepção com data de 12/01/1999, em nome da "B... Soc. Industrial de Confecções, Lda" para a morada de "Sítio da ......, A-da-Beja, 2700 Amadora" - cfr. fls. 185 a 204 do processo administrativo tributário apenso;
F) Os avisos de recepção das notificações das liquidações referidas em E, foram devolvidos com a indicação: "avisado" e com os avisos de recepção por assinar, com carimbo dos CTT de 22/01/1999 - cfr. fls. 185 a 204 do processo administrativo tributário apenso;
G) Em 10/11/1999, a "B... Soc. Industrial de Confecções, Lda" foi citada da instauração do processo de execução fiscal n.°3131-99/104160.6 - cfr. cópia conforme original, a fls. 205 do processo administrativo tributário apenso;
H) Em 02/12/1999, a "B... Soc. Industrial de Confecções, Lda", requereu "...a adesão extemporânea ao D.L. n." 124/96, no sentido de incluir as dívidas identificadas no Proc. de Exec. Fiscal n.°3131-99/104160.6 que dizem respeito às correcções técnicas de IVA apuradas na sequência de uma Fiscalização aos exercícios de 94, 95, 16 e 97 e correspondentes juros compensatórios..." - cfr. fls. 120 a 124 do processo administrativo tributário apenso.
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Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
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3. - Fixada a factualidade relevante e atentas as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, decorre que as questões que se impõe conhecer são as de saber se as liquidações de IVA e juros compensatórios dos exercícios de 1994 a 1997 e a liquidação oficiosa de IVA do exercício de 1999 foram ou não notificadas dentro do prazo de caducidade.
Donde que, a questão que se impõe neste recurso é a de saber se ocorre a caducidade do direito à liquidação e quais as consequências sobre a validade do próprio acto tributário de liquidação. Ou seja, coloca-se nos autos um problema de configuração do elemento temporal do facto tributário havendo que precisar, nesse sentido, que os impostos instantâneos ou de obrigação única, porque têm na base do facto tributário um elemento temporal cuja definição dispensa critérios jurídicos já que se basta com meros critérios naturalísticos, são simples de solucionar; ao invés, os impostos duradouros ou periódicos, uma vez que têm na base do facto tributário um elemento temporal que tendencialmente se mantém ou se reitera, levantam a problemática do fraccionamento jurídico do facto, o qual se considera naturalisticamente unitário no tempo, coincidindo o período do imposto com o ano civil(1).
Relativamente às liquidações de IVA e de juros compensatórios referentes aos anos de 1994 a 1997 o Mº Juiz «a quo» entendeu, e bem, que era aplicável o artigo 33° do Código de Processo Tributário (CPT), entrado em vigor em 01/07/1991, (cfr. artigo 2° do Decreto-Lei n°154/91, de 23/04), que dispunha: "Caducidade do direito à liquidação n.°1 - O direito à liquidação de impostos e outras prestações de natureza tributária caduca se não for exercido ou a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu."
Também não merece censura a qualificação que é dada ao IVA na sentença como imposto de obrigação única evocando o seguinte ensinamento ínsito no Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado por Jorge Lopes de Sousa, II Volume, Áreas Editora, 2007, páginas 194 e 195, segundo o qual:
"A característica essencial apontada pela doutrina aos impostos periódicos é a de assentarem num facto tributário de carácter duradouro, enquanto o elemento caracterizador do imposto de obrigação única é ter por base um facto instantâneo.
A esta luz, o IVA, como imposto que incide sobre transacções de bens e actos de prestação de serviços, é de considerar um imposto de obrigação única, pois o facto tributário é de carácter instantâneo.
(...)
A dívida de IVA surge e efectiva-se em conexão com a ocorrência dos actos ou factos isolados sobre que incide, não se renovando automaticamente pelo mero decurso do tempo.
(...)
Assim, o IVA caberá no conceito de imposto sobre obrigação única, pois só essa qualificação é adequada a todas as situações que podem surgir no âmbito de incidência deste imposto".
Nesse sentido, também foi invocada a doutrina que dimana do Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.°26806B, de 07/05/2003, disponível na internet, em www.dgsi.pt que justifica a natureza do IVA como um imposto de obrigação única "já que incide sobre cada transmissão e no momento em que esta ocorre independentemente de o seu apuramento (arts. 19° e segs. do CIVA) e pagamento (arts. 26° e ss.) assumirem certa periodicidade".
A caducidade do direito à sua liquidação verificar-se-á se a notificação da liquidação não ocorrer, no prazo de cinco anos a contar da data em que o facto tributário ocorreu, de harmonia com o preceituado no artigo 33°, n°1 do CPT.
Como bem refere a sentença, do regime exposto resulta que as liquidações adicionais de IVA, relativas aos anos de 1994 a 1997 devem ser notificadas até 31/12/1999, 31/12/2000, 31/12/2001 e 31/12/2002, respectivamente e, quanto aos juros compensatórios, como foram fixados por trimestres, as respectivas liquidações deviam ser notificadas no prazo de cinco anos contados de cada trimestre.
Também é certo que a notificação não afecta a existência e a validade da liquidação mas é condição da sua eficácia, o que vale por dizer que a liquidação só é exigível se for notificada, tudo como decorre do disposto no artigo 77°, n°6 da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 268°, nº3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
E uma vez que se tratava de uma liquidação adicional pois foi efectuada fora do prazo normal uma vez que determinou imposto a pagar, teria de ser notificada ao contribuinte, mediante carta registada com aviso de recepção, nos termos do artigo 65°, n°1 do Código de Processo Tributário (CPT), que determinava que "As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterar a situação tributária dos contribuintes...".
Sucede que, nos termos do artigo 66°, n°3 do CPT "Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado pelo destinatário ou por pessoa que o possa fazer nos termos do regulamento dos serviços postais".
Patenteia o probatório que as cartas registadas com aviso de recepção destinadas a notificar as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, dos anos de 1994 a 1997, enviadas, em 12/01/1999, à "B... Soc. Industrial de Confecções, Lda" para a morada de "Sítio da ......, A-da-Beja, 2700 Amadora", vieram todas devolvidas com a indicação "avisado"', com o aviso de recepção por assinar.
Assim é assertiva a afirmação do Mº Juiz «a quo» de que as notificações não se podem considerar efectuadas nos termos do artigo 66°, n°3 do CPT tanto mais que dos autos não resulta que a Administração Fiscal tenha procedido a diligências de notificação daquelas liquidações designadamente o envio de novas cartas registadas com aviso de recepção em nome do administrador ou gerente da sociedade, em cumprimento do disposto no artigo 68°, n°1 do CPT, ou que tenha procedido a notificação com hora certa, nos termos do artigo 240° do Código de Processo Civil (CPC), preceito de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.°, alínea f) do CPT.
E dúvidas não sobram de que, atento o disposto no artigo 342.°, n.°1 do Código Civil, era sobre a Administração Fiscal que recaía o ónus de provar que a liquidação foi validamente notificada dentro do prazo de caducidade, e não o fez, acrescendo que a citação da originária devedora (a «B...») da instauração do processo de execução fiscal, em 10/11/1999 não substitui, nem implica a sanação da falta de notificação das liquidações.
Ora, constitui uma garantia dos contribuintes a caducidade do poder de determinação do montante do imposto e de outras prestações tributárias, pelos serviços da AT, quando o valor dessa determinação não for notificado ao contribuinte no prazo fixado na lei.
Assim, a caducidade do direito de liquidação, como a caducidade em geral, serve-se de prazos pré - fixados, caracterizados pela peremptoriedade e, no ensinamento de Aníbal de Castro, in A Caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência, p. 41, visa «limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de exercer-se o direito...», havendo sido invocada logo na petição inicial como fundamento da impugnação.
E, como vimos, de acordo com o disposto no art°33°n°1 do CPT o direito à liquidação de impostos caduca se não for exercido ou a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário e, nos impostos de obrigação única a partir da data em que o facto tributário ocorreu(2), devendo salientar-se que «in casu o mesmo se inicia (va), -antes da entrada em vigor da Lei n.º 32-B/2002 , que é , na matéria inovador e , por isso , de aplicação apenas para o futuro -, o prazo era de cinco anos contados, e conta(va)-se a partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário e nos termos do n.º 1 do art.º 33.º do CPT.(3) (4)
Questão diversa é a da sede processual adequada e aos efeitos processuais extraídos, e sobre ela não se acompanha.
Nesse sentido e em primeiro lugar, é isento de controvérsia que o revertido, como oponente, poderia suscitar a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, em sede de oposição fiscal, ao abrigo do art.º 204.º/1/e,- que tipifica “causa petendi” precisamente e apenas , a falta de concretização daquela diligência dentro do aludido prazo, nessa medida visando contestar a exigibilidade da quantia exequenda no processo executiva a que oposição respeitar.
Mas já não se consente que a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade não contenda com a validade de tal acto tributário
Significa isto que a lei colocou na disponibilidade dos interessados duas possibilidades de reacção, afectando o acto do qual a administração tributária se pretenda valer, numa dupla vertente, a saber:
a) -do ponto de vista substancial e com natureza excepcional, nos termos do art.º 33º/1 do CPT, na medida que, ao seu abrigo, não se vislumbra como se possa concluir coisa diversa da que, notificada a liquidação para lá do prazo de cinco anos ali estipulado, ela é inválida, por caducado o direito à sua feitura; dito de outro modo: a perfeição de tal acto, apenas para efeitos da respectiva tempestividade e por opção expressa do legislador nesse sentido, invertendo a anterior disciplina legal, passou a ser integrada pela sua notificação.
b) -sob o ponto de vista formal, é pacífico o entendimento jurídico de que a notificação do acto tributário de liquidação lhe é exterior, possibilitando atacar a eficácia de tal acto em sede executiva.
Deriva daí um direito de opção do contribuinte, que se analisa em que, caso haja deixado caducar o seu direito a deduzir impugnação judicial, não fica, ainda assim, inibido de obstar à respectiva eficácia ao abrigo da referida al. e) , do art. 204.ºdo CPT.
A esse propósito, expende-se no Acórdão do TCAS cuja fundamentação vimos acompanhando:
“ (…) se o objectivo do legislador não fosse mais do que dar “forma de letra” à falta de notificação da liquidação enquanto obstáculo à sua eficácia , não se vislumbra , a não ser como algo inútil para além de perturbador , a razão de ser do plasmado no art.º33.º/1 do CPT, bastando-lhe ter introduzido a dita al. do art.º 204.º do CPT.
E não se argumente no sentido de que tal introdução da al. e) do art.º204, referido , se revelaria como desnecessária uma vez que a doutrina e a jurisprudência já antes entendiam que a falta de notificação da liquidação contendia com a respectiva eficácia e não com a sua validade , do que decorria como sede própria da respectiva apreciação a executiva.
Em primeiro lugar não colhe tal argumento, a nosso modo de ver porque a referida alínea sempre teria a virtualidade de clarificar, em “letra de lei” , aquilo que antes mais não era o que um entendimento jurisprudencial e doutrinário , por muito firme e meritório que fosse.
Mas não colhe, ainda e no nosso modo de ver, porque a ser assim acabaria por provar demais; É que se o sentido que defendemos da redacção da referida al. e) bastar para contemplar o objectivo do legislador de considerar a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade como mera obstáculo á eficácia de tal acto tributário fosse redundante por já ser esse o entendimento jurisprudencial e doutrinário firmado, então, por maioria se razão de pode esgrimir com esse tipo de argumentação, no que concerne ao art.º 33.º/1 do CPT, porque, não só se não vislumbra que “acrescento” traz o mesmo a tal entendimento que coloca tal questão fora do âmbito da validade do acto, -a bem dizer e dentro de tal linha de raciocínio seriam inúteis ambos os normativos em causa -,como, se estaria a introduzir, sem qualquer vantagem, um elemento perturbador de interpretação e aplicação do direito.
Por isso consideramos, repetindo o já dito, que a invocação da falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade pode ser esgrimida, verificados que sejam os necessários pressupostos processuais, numa dupla vertente; enquanto causa de anulabilidade do acto tributário de liquidação, na medida em que imperfeito e inválido por intempestivamente diligenciado, em sede de impugnação judicial, por um lado e, por outro, enquanto obtaculizante da eficácia de tal acto, a esgrimir em sede executiva, o que significa que o destinatário de tal diligência fora do referido prazo se não pode servir desse circunstancialismo fáctico em sede executiva, se com ele pretender a eliminação da ordem jurídica do acto de liquidação, da mesma forma que o não pode fazer em sede de impugnação judicial se quiser obstar à respectiva eficácia.
No caso, no entanto, é manifesto que a recorrida esgrimiu, expressamente, com caducidade do direito às impugnadas liquidações, pela notificação que, das mesmas, lhe foi feito já após o términus do respectivo prazo (…).
Sendo assim, e uma vez que se sufraga o entendimento de que, na realidade, a notificação das impugnadas liquidações foi concretizada já depois de expirado o prazo legal de caducidade respectivo, a conclusão que se impõe extrapolar é de fundo e não de forma, no sentido de que os ditos actos tributários se não podem manter na ordem jurídica.”
Destarte, ocorre a caducidade do direito à liquidação que torna inválido o acto tributário impugnado e acarreta a sua anulabilidade.
Em reforço argumentativo, diga-se que, como é jurisprudência pacífica do TCA, manifestada, entre outros, no Ac. de 04/07/00, no Recurso nº 1639/99, “em processo administrativo, a irregularidade de falta de formalidades legais, ocorridas na notificação de um acto, pode obter sanação mediante a prova do conhecimento efectivo desse acto pelo seu destinatário”.
E a notificação apenas tem de dar conhecimento ao interessado da prolação efectuada do acto.
E o acto de liquidação e a notificação dele são realidades jurídicas distintas: - o primeiro é a resolução definitiva e executória da Administração sobre a aplicação de uma norma material num caso concreto e a segunda é o acto de comunicação do acto anterior, ou seja, o acto através do qual o particular toma conhecimento do acto anterior; os vícios daquele afectam a sua validade e a irregularidade formal deste afecta simplesmente a eficácia do primeiro mas não a sua validade, não se produzindo, sem a notificação ao seu destinatário, as consequências que o acto da liquidação encerra.
Como expende Rogério Soares no seu Direito Administrativo, Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, págs. 171, a «energia operativa» do acto não é libertada ao destinatário sem o acto de comunicação (notificação), dependendo a eficácia do acto da sua notificação.
Revelam os autos que a notificação efectuada à recorrente não respeitou em absoluto os ditames legais, estando, pois, afectada de irregularidade e que esta é potenciadora de suster a energia operativa do acto tributário, pois a liquidação de 26/10/2001 foi dada a conhecer à ora impugnante em 26/7/2002, quando lhe foi remetido o cheque do Tesouro n.° 4090242505, de 22/7/2002 (vd. fls. 80, 81 e 151 do processo apenso).
A doutrina jurídico - administrativa não tem sustentado, nos últimos tempos, a figura da irregularidade mas, na verdade, ela é um dos valores jurídicos negativos, ao lado da inexistência, da nulidade e da anulabilidade. Provavelmente isto acontece por ser um desvalor jurídico tão pouco grave que, praticamente, não afecta o acto. Apesar de tudo, a irregularidade tem uma enorme tradição no ordenamento jurídico -administrativo português, precisamente, por causa da falada teoria das formalidades não essenciais.
A irregularidade verifica-se em situações em que a lei prevê uma determinada formalidade mas a seguir desculpabiliza essa inobservância. Porém, obviamente, o acto é ilegal porque a lei não está a ser cumprida. É uma situação parecida com a que ocorre quando o acto anulável se sanou. Com a sanação o acto continua inválido mas já não se pode fazer nada, ganhou inoponibilidade. Na irregularidade há algo parecido que ocorre logo no momento em que o acto começa a produzir efeitos. O acto é ilegal, houve uma exigência normativa que não foi cumprida mas a própria lei desculpabiliza essa ilegalidade. O que é certo, todavia, é que subsiste um estado de ilegalidade que é diferente do estado de ilegalidade gerador de inexistência, nulidade ou anulabilidade.
O acto em estado de ilegalidade não pode ser rigorosamente o mesmo que o acto em estado de legalidade. Na verdade, há efeitos secundários que podem decorrer da ilegalidade/irregularidade tais como, por exemplo, a responsabilidade civil ou disciplinar do seu autor.
Feita esta breve súmula do regime da irregularidade, a título de nota complementar, voltemos à situação subjudice.
O problema que se coloca aqui é que nenhuma carta foi recebida pela impugnante dentro dos cinco anos previstos para o exercício do direito à liquidação do imposto por parte da AF e a lei estabelece, como vimos, que findo esse prazo, sem que liquidação esteja notificada ao sujeito passivo, caduca ó direito à liquidação, (artº33° do CPT).
A notificação da liquidação é um requisito de eficácia do acto, nos termos do art°132°, n°1 do CPA e, em teoria, o CIVA e o CPT poderiam ter-se limitado a impor que a liquidação fosse efectuada dentro do prazo de caducidade, permitindo a notificação posterior, uma vez que não é constitutiva daquela, mas optou-se por um regime mais exigente em que o decurso do prazo de caducidade da liquidação faz simultaneamente precludir a possibilidade de notificar liquidações já efectuadas.
Desta forma, há que concluir que assiste razão ao recorrido, tendo ocorrido a caducidade do direito de liquidação a importar a anulação da liquidação impugnada pois do probatório resulta que as liquidações de IVA e de juros compensatórios relativas aos anos de 1994 a 1997, não foram notificadas. Pelo que, não foram notificadas dentro do prazo de caducidade, ocorrendo caducidade do direito à liquidação. Note-se que outra solução se daria ao caso se ocorressem as situações que rodearam a notificação das liquidações oficiosos de IVA de 1999, relativamente às quais a impugnação foi julgada improcedente. É que, nos termos do artigo 39°, n°3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), entrado em vigor em 01/01/2000 (cfr. artigo 4.° do Decreto-Lei n.°433/99, de 26/10, diploma que aprovou o CPPT), mas que correspondia ao artº 66º do CPT"Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário".
E, o artigo 41.° do CPPT que rege sobre a notificação das pessoas colectivas ou sociedades, no n.°2 prescreve e que corresponde ao artigo 68º do velho CPT, que "...a notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade".Aplicando tal direito ao caso concreto impunha-se concluir que, se as liquidações em causa tivessem sido notificadas nos termos em que o foi a liquidação oficiosa de IVA, relativa ao ano de 1999,isto é, se tivessem sido notificadas dentro do prazo de caducidade, mediante a remessa à "Confelimas Soc. Industrial de Confecções, Lda, Sítio da Barroca Edf. Confelimas, A-da-Beja, 2700 Amadora", de carta registada com aviso de recepção, e devolvido o aviso de recepção assinado por «Susana Silva», ou melhor, por alguém da firma dentro daquele prazo de caducidade, o tratamento teria de ser o mesmo, isto é, teria de improceder a impugnação até à luz da doutrina que dimana do Acórdão do STA de 02/03/2003 no processo 0344/03, evocado pela recorrente FªPª que é no sentido de que "...é de pressupor um serviço de escritório, de porta aberta e atendimento que normalmente existem e onde se exerce labor diário, o que, em princípio, garantirá a entrega postal ou, pelo menos e bem importante para o efeito, a recepção diária, ou quase diária, da correspondência”.Ora, a nosso ver, tal situação não ocorreu no caso em apreço, não colhendo a afirmação da recorrente de que a não recepção da notificação apenas é oponível à Confelimas e ao Impugnante, porquanto, se não receberam a notificação foi porque não a procuraram nos CTT quando para isso foram avisados porque não são invocadas quaisquer razões justificativas para os serviços postais não terem realizado a notificação na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade, nos termos do nº 2 do artº 68º do CPT.




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4. - Termos em que se judicia negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Sem custas.
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Lisboa, 07/04/2011
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Joaquim Condesso)



1-Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, pág. 251 e ss.
2- Como se referiu supra, constitui uma garantia dos contribuintes a caducidade do poder de determinação do montante do imposto e de outras prestações tributárias, pelos serviços da AT, pelo que este instituto radica em razões de tutela da confiança, certeza, segurança e estabilidade dos efeitos jurídicos. Daí que o artº 33º do CPT, em vigor à data do facto tributário- 1994-97- seja uma norma material destinada a regular as relações intersubjectivas das pessoas, não havendo dúvida, de que as normas de natureza substantiva que regulam na LGT a caducidade em termos distintos, não poderão aplicar-se imediatamente no processo tributário. A norma do artº 33º do CPT regula uma relação jurídico-material definidora da constituição da obrigação de imposto instituindo uma garantia radicada no devedor. 3- Nesse sentido, o Acórdão deste TCAS - CT - 2.º JUÍZO de 24-04-2007, cuja fundamentação acompanharemos de perto quanto à questão da notificação versus caducidade.
4 - Também os Acs. do STA de 20/03/2002, 17/05/2003, 24/10/2003, 01/10/2003 e 17/01/2007, proferidos nos Acs. 26.806 , 26.806B, 809/03 , 890/03 e 963/06, respectivamente.