Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05736/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/02/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. PROVISÕES. ARRESTO.
Sumário:1.Tal como em sede de Contribuição Industrial, também hoje em sede de IRC, é possível a constituição de provisões destinadas a fazer face a créditos de cobrança duvidosa;

2.Entre os requisitos exigidos na lei para a constituição de tais provisões, figuram os que derivem de créditos provenientes da actividade normal do contribuinte, que no final do exercício sejam considerados de cobrança duvidosa e como tal evidenciados na contabilidade;

3.O arresto constitui um procedimento cautelar especificado a que se aplicam as regras da penhora e tem em vista constituir uma garantia patrimonial para a satisfação dos créditos do credor;

4.O facto de se haver constituído arresto em bens do devedor para garantia de parte do montante dos créditos não implica a extinção da dívida na parte desse valor e nem que o credor venha a obter pela venda dos mesmos, a satisfação do seu crédito, já que sobre o produto da venda desses bens pode haver credores com garantias mais antigas ou privilégios legais, a graduar à sua frente;

5.Assim, pelo facto de se haver constituído tal arresto, não implica que o correspondente crédito não possa ser considerado de cobrança duvidosa, desde que preenchidos os respectivos pressupostos legais para tal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C………….. W…… – Exposições e ………….., Lda, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. O presente recurso tem como objecto reagir contra a douta sentença declaratória de procedência da impugnação deduzida relativamente à liquidação adicional de IRC n° ……………, referente a imposto de 1998, no montante de 15.309.452$00 (€ 78.383,23) relativamente às correcções meramente aritméticas que alteraram o lucro tributável do exercício de 1998.
II. A questão a dirimir é a de saber se tendo sido constituído arresto, a provisão constituída para esse crédito de cobrança duvidosa deve ser reduzida em função dos bens arrestados.
III. A provisão para créditos de cobrança duvidosa destina-se a compensar os créditos da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.
IV. Configurando o arresto uma providência cautelar destinada a garantir o pagamento da dívida, por via da apreensão judicial dos bens (art.406° nº 2 do CPC), o que permite fixar os bens ao património do devedor, proporciona, por si só, a redução do grau de incerteza na cobrança do crédito.
V. Resultante do não recebimento de dívidas, provenientes da sua actividade a impugnante constituiu no exercício de 1998 provisões para créditos de cobrança duvidosa, respeitantes a dois clientes, reclamadas judicialmente no montante de 211.463.334$00.
VI. Os créditos de cobrança duvidosa reuniam os requisitos para serem aceites fiscalmente, eram resultantes da actividade normal da empresa e foram reclamados judicialmente.
VII. Por ordem do Tribunal foram arrestados a favor da Impugnante bens no valor de 33.184.314$00.
VIII. Devido ao arresto, a dívida da R………. foi reduzida, passando de 73.581.090$00 em vez de 106.765.404$00, pelo que como é dito no Relatório da Fiscalização a ora impugnante considerou indevidamente como custo do exercício o montante de 33.184.314$00 de provisão excessiva.
IX. Sendo o fim das provisões para créditos de cobrança duvidosa a retenção de meios para cobertura de perdas prováveis de montante incerto, existindo uma garantia de pagamento da dívida não se justifica a sua constituição.
X. Da conjugação da alínea a) do n° 1 do art.33° e do corpo do art.34º do CIRC extrai-se que somente são aceites provisões que tenham por fim a cobertura de créditos que possam ser considerados de cobrança duvidosa, o que se verifica quando o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado.
XI. Sendo o arresto uma garantia de pagamento, como refere o impugnante, o requisito exigido pelo artigo 34° do CIRC não se verifica, pelo que não se poderia aceitar a constituição da provisão coberta pelo arresto.
XII. Face à contabilidade da impugnante, à data de 31-12-1998, os bens arrestados são propriedade da empresa, e nessa circunstância as demonstrações financeiras têm de evidenciar o seu valor em Existências finais.
XIII. A impugnante à data de 31-12-1998 registou a débito a conta 425 –Imobilizado Corpóreo, contabilizada por contrapartida do crédito registado na conta 3112 – Compra de Matéria-prima. Com base neste registo procedeu ao apuramento e registo da amortização dos bens.
XIV. Os bens objecto do arresto, no pressuposto que permaneceriam na empresa por um período de tempo longo, foram contabilizados nas contas de Imobilizado Corpóreo, o que salvo melhor opinião e com o devido respeito nos parece correcto.
XV. Tal como é referido na informação prestada pela Inspecção Tributária, no âmbito da análise da declaração de substituição mod.22 de IRC apresentada pela impugnante para o ano de 1998, os bens arrestados, inicialmente registados na Conta 425- Imobilizado Corpóreo, foram posteriormente contabilizados na conta 3183112 - Compra de Mercadorias, fazendo elevar o Custo das Mercadorias Vendidas (Custo Mercadorias Vendidas = Existências iniciais + compras –Existências Finais).
XVI. No respeito pelo Princípio da prudência, e de modo a evitar a criação de provisões em excesso, não pode ser deduzida para efeitos fiscais a provisão para cobrança duvidosa, no valor de 33.184.314$00, atendendo a que foi reduzida a situação de incerteza face à cobrança do crédito da R……. P…………...
XVII. Tal procedimento traduzir-se-ia numa duplicação de custos com inerentes reflexos no resultado apurado, já que, sendo as contas 61 e 67 contas de custos, cujo saldo é transferido no final do exercício para a conta 81 – Resultados Operacionais, com vista ao apuramento do Resultado Líquido do exercício, o valor atribuído aos bens arrestados, no montante de 33.184.314$00, influenciaria duplamente o resultado apurado, o qual seria necessariamente inferior ao real.
XVIII. Como afirmou a Inspecção Tributária, que “não arrolando em inventário final os bens arrestados, não será tributado pelo resultado obtido aquando da sua venda, em exercícios seguintes".
XIX. Não tendo os referidos bens sido vendidos pela Impugnante até 31-12-1998, teriam que constar das existências finais das matérias-primas.
XX. Apesar da transferência do valor dos bens arrestados entre contas do activo, o resultado apurado continuou a ser inferior ao real em virtude da duplicação de custos efectuada pela impugnante.
XXI. O arresto foi decretado por sentença judicial transitada em julgado em 13-11-1998, logo, contrariamente ao que é afirmado na douta sentença e salvo melhor opinião, os bens arrestados foram transferidos para a esfera jurídica da impugnante, estão na sua posse, fazendo parte do imobilizado e são propriedade desta.
XXII. E devido ao arresto, o crédito que a impugnante detinha da sociedade R………. P………… foi reduzido no valor do mesmo ou seja 33.184.314$00, passando de 106.765.404$00 para 73.581.090$00.
XXIII. E considerou indevidamente como custo a provisão do mesmo valor.
XXIV. Destrate, a actuação da AT foi conforme à lei, não se verificando o vício que é imputado aos actos tributários, sendo que estes por serem legais, deverão manter-se.

Nestes termos e com o douto suprimento de Vªs Exªs, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente na totalidade a presente impugnação, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por a sentença recorrida ter feito errada julgamento de facto a que não aplicou o direito devido, dizendo acompanhar o parecer do MP, junto da 1.ª Instância.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se o decretamento de arresto em bens do devedor só por si, conduz à extinção da dívida do credor na parte do valor desses bens, deixando, por esse facto, tal crédito de poder ser considerado de cobrança duvidosa; E se não tendo o recorrente infirmado o decidido na parte relativa às amortizações excessivas mas entretanto corrigidas pelo contribuinte, o recurso nessa parte deve improceder.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) A Impugnante foi constituída com o fim exclusivo de concorrer, no âmbito da sua actividade, às obras da Expo 98.
B) A partir do ano de 1998, a Impugnante terminou a sua actividade.
C) Em cumprimento com a Ordem de Serviço n.º 37.173, de 10.05.1999, a AT levou a efeito uma acção de fiscalização à Impugnante referente ao exercício de 1998.
D) Na sequência da acção de fiscalização a que alude a al. C) do probatório foi elaborado o Relatório Final do qual se destaca:
«III- Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
3.1-Provisões para créditos de cobrança duvidosa
Resultante do não recebimento de dívidas, provenientes da sua actividade na Expo, constituiu neste exercício provisões para créditos de cobrança duvidosa, respeitantes a dois clientes, reclamadas judicialmente junto do Tribunal da Comarca de Oeiras.
Ascende a provisão a 211.468.884$00, compreendendo facturação de 104.967.980$00 ao cliente U…………. S………….. E………… (Embaixada dos ………………………), acção de condenação de pagamento apresentada no Tribunal da Comarca de Oeiras em 80/12/98, mais 106.765.404$00 dívida do cliente R……… P…………, New York, cuja acção de condenação de pagamento foi apresentada no mesmo tribunal em 18/11/98.
O relacionamento comercial entre a C………… e a R……… P………… não era linear. Na origem do mesmo supõe-se que esteja uma parceria das duas para a construção do pavilhão dos E……. A par dessa associação desenvolveram ainda outras operações comerciais onde se inclui a construção da C…….. à R……... Um possível desentendimento deu origem à recusa de pagamento da R……..
A dívida de cobrança duvidosa da U……… S……. E……….. (Embaixada dos …………), respeitante à construção dum restaurante, indirectamente também terá a ver com a R……….. P……………., porque segundo o entendimento desta a obra era das duas empresas e não exclusivamente da C……………..
Os créditos de cobrança duvidosa eram resultantes da actividade normal da empresa e foram reclamados judicialmente pelo que nesses termos serão aceites para efeitos fiscais.
No entanto, com data de 18 de Novembro de 1998, por ordem do Tribunal da Comarca de Oeiras foram arrestados a favor de C………… W………… bens no montante 88.184.814$00 da R………… P…………., por conta da divida reclamada, os quais foram integrados, a partir daquela data no imobilizado da Certame e sobre os quais foram praticados amortizações, anexo 1.
Devido ao arresto a dívida da R………… foi reduzida, passando a ser de 78.581.090$00 em vez de 106.765.404$00. Assim, considerou indevidamente como custo do exercício a importância de 88.184.814$00, provisão excessiva nos termos do art. 88° do CIRC. (. . .)
8.4- Amortizações
Sobre os bens objecto de arresto, referidos no ponto 8.1, foram praticadas amortizações excessivas. Calculou amortizações do exercício no montante de 11.061.438$00 (((33.184.314$00X 0,25X1,5):12)X8), quando o valor máximo aceite para efeitos fiscais era de 8.296.078$00 (((33.184.314$00X0,25X1,5):12)X8), pelo que considerou indevidamente 2.765.360$00 anexo 4.»
E) O Chefe de Equipa 24 da Inspecção Tributária exarou no Relatório a que alude a al. D) do probatório, parecer do qual se destaca:
« (. . . ) De acordo com o relatório elaborado é efectuado correcção de natureza meramente aritmética à Matéria Colectável no valor de 35.949 674$00. Este montante engloba a importância de 33 184 314$00, considerada indevida porque a constituição da provisão por créditos de clientes de cobrança duvidosa não respeitou as regras previstas no n.º2 do art. 33° e 3do CIRC. No valor da provisão foi considerada a totalidade da dívida do cliente R………P………………, que face aos registos contabilísticos foi reduzida, na proporção do valor corrigido, por deferimento favorável de procedimento cautelar. Em Resultado desse deferimento judicial registou no seu imobilizado, o valor antes referido, tendo relativamente aos mesmos bens praticado amortizações, na importância de 11 061 438$00. De acordo com a nossa apreciação a amortização é no valor de 2.765 360$00, porque não observou o disposto no art. 29° e art. 23° do CIRC.»
F) Em 29.05.2001, o Chefe de Divisão por delegação de competências do Director de Finanças, exarou no Relatório a que alude a al. D) do probatório o despacho, do qual se extrai: «Concordo com o parecer da Chefe de Equipa, e com o relatório da acção inspectiva, em anexo.»
G) A Impugnante foi requerente no procedimento cautelar de arresto que correu termos com o n.º 571/98 na 1ª Secção do 5° Juízo Cível da Comarca de Lisboa. (Doc. fls. 107 a 112)
H) A providência cautelar a que alude a al. G) do probatório, foi apensa ao processo que a correr termos com o n.º 555/98, no 5° juízo Cível do Tribunal Judicial de Oeiras, em que a Impugnante é Autora e a sociedade R………… P……………, Inc. a Ré.
I) Em 27.10.1998, foi decretada a providência cautelar de arresto. (Doc. fls. 107 a 112 dos autos)
J) No âmbito da providência cautelar a que alude a al. G) do probatório, foi elaborado o Auto de Diligência dando conta que não foi efectuado o arresto dos bens existentes no Pavilhão dos Estados, ordenado uma vez que foram entregues fotocópias das facturas referentes a equipamentos lá existentes, efectuando-se apenas o arrolamento desses bens. (Doc. fls. 120 a 150 dos autos)
K) Os bens arrestados identificados no Acto de Diligência a que alude a al. J) do probatório constituem material eléctrico e electrónico. (Doc. fls. 120 a 150 dos autos e Depoimento das testemunhas António ……………….. e Maria Guilhermina …………………….)
L) Os bens arrestados foram utilizados durante a Expo 98 utilizados durante cinco meses. (Depoimento da testemunha António Manuel Hermenegildo)
M) A R………… P……………., Inc., deduziu oposição, que veio a ser julgada não procedente. (Doc. fls. 131 a 135 dos autos)
N) Em 27.11.1998, V………….. S…………. INC. deu entrada da oposição mediante intentou embargos de terceiro, a correr termos com o n.º 858-C/1998 do mesmos tribunal. (Doc. fls. 186 a 157 dos autos)
O) A Impugnante por lapso considerou em termos contabilísticos por os bens arrestados como bens próprios (imobilizado corpóreo); (Depoimento da testemunha António ………………………)
P) Em 25.05.2001, a Impugnante entregou a Declaração rectificativa Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2001, tendo retirado os bens arrestados do imobilizado corpóreo e aumentou em custo das vendas de mercadorias, deduziu este valor, em termos de valor de amortizações, o qual foi de 11.061.438$00 ás que estavam efectuadas. (Doc. fls. 18 a 24 dos autos e depoimento da testemunha António ………………………..)
Q) 20.07.2001, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º …………….., relativa ao exercício de 1998, no montante € 76.868,28, na qual se mostra aposto o dia 19.09.2001 como data limite de pagamento voluntário. (Doc. fls. 17 dos autos)
R) Mediante ofício datado de 27.11.2008, o M. Juiz titular do Proc. 353­C/98, informou nestes autos, que os Embargos de Terceiro a que alude a al. N) do probatório se encontram suspenso nos termos do art. 39° do CPC. (Doc. fls. 17 dos autos
S) Em 06.12.2001, deu entrada na Repartição de Finanças de Oeiras Paço de Arcos a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)

MOTIVAÇÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas.


FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem. As demais asserções da douta petição inicial constituem antes conclusões de facto ou de direito ou são inócuas para a boa decisão da causa.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que as provisões para fazer face a créditos de cobrança duvidosa apenas podem ser constituídas no exercício em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado não podendo as mesmas servir para manobrar o apuramento do lucro tributável para o momento em que mais aprouver ao contribuinte, sendo que o arresto constitui uma pré-penhora, uma garantia patrimonial de certo crédito, pelo que mesmo após o seu decretamento as provisões se devem manter, já que o crédito correspondente não perde a qualidade de crédito de cobrança duvidosa, tendo mesmo a contribuinte vindo através de declaração rectificativa modelo 22, a rectificar as amortizações praticadas sobre tais bens arrestados, excluindo-as, pelo que deixou de existir o pressuposto atinente a esta parte da correcção.

Para a Fazenda Pública (FP) ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre o assim decidido em ordem à sua revogação, pugnando que o arresto permite fixar os bens arrestados ao património do credor (certamente, por lapso, refere que tal fixação é ao património do devedor – cfr. sua conclusão IV.) reduzindo o grau de incerteza na cobrança do crédito, tendo a dívida, em função de tal arresto, sido diminuída na exacta quantia do seu valor, deixando de se justificar a provisão correspondente, já que o risco do seu pagamento deixou de existir, tendo tais bens arrestados sido considerados como propriedade da empresa, que assim os contabilizou e procedeu às respectivas amortizações, tendo tais bens sido transferidos para a esfera jurídica da impugnante, estão na sua posse e são de sua propriedade, pelo que a liquidação que desconsiderou tal provisão se deve manter.

Vejamos então.
"Provisão é um fundo criado pela empresa, levado a custos ou encargos do exercício, e destinado a fazer face a prejuízos que se esperam, mas cujo valor não se conhece ainda com precisão (1)".
"Segundo as considerações técnicas do POC, a constituição de provisões deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de um passivo certo. A constituição de provisões baseia-se nos princípios contabilísticos da especialização e da prudência. Estabelece o primeiro que os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos independentemente do seu recebimento ou pagamento, e devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam, e o segundo que é possível integrar nas contas um grau de precaução ao fazer as estimativas exigidas em condições de incerteza sem, contudo, permitir a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou a deliberada quantificação de activos e proveitos por defeito ou de passivos e custos por excesso. A não constituição ou a constituição por montantes inferiores de provisões num determinado exercício poderá fazer deslocar para exercícios futuros custos ou perdas pertencentes a este e, em contrapartida, a constituição de provisões desnecessárias ou em montante excessivo difere a tributação dos resultados.
Ao enunciarem-se neste artigo taxativamente as provisões que são fiscalmente dedutíveis e os respectivos limites, adopta-se para efeitos de determinação do lucro tributável uma especialização dos exercícios, de acordo com as regras definidas pelo legislador fiscal, que poderão não coincidir com as que resultam dos critérios contabilísticos.
Face à definição de critérios objectivos de constituição ou reforço das provisões definidas nos art.ºs 33.º a 35.º e à periodização do lucro tributável definida no n.º1 do art.º 18.º, a constituição das provisões é obrigatória para efeitos fiscais, pelo que, quando o sujeito passivo não constitua a provisão que, de acordo com os critérios definidos, deveria ter constituído, originará a não aceitação para efeitos fiscais, no exercício em que se vier a efectivar, do custo ou perda não objecto de provisão.
...
A provisão para créditos de cobrança duvidosa destina-se a compensar os créditos da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.
Os créditos a considerar para efeito de cálculo desta provisão são, apenas, os respeitantes à actividade normal das empresas. Embora não se encontre definido na lei o que se entende por créditos resultantes da actividade normal, a Administração Fiscal tinha vindo a entender, no âmbito da Contribuição Industrial, que estes compreendem os saldos devedores de clientes e fornecedores constantes do balanço reportado a 31 de Dezembro de cada ano.
Outra condição necessária, imposta pela alínea a) do n.º1 do art.º 33.º, para a aceitação da constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa é que os créditos, no fim do exercício, sejam considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade. Esta condição é inovadora em relação ao Código da Contribuição Industrial uma vez que, no âmbito deste, a constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa não dependia da consideração particular dos créditos duvidosos de cada sujeito passivo, mas da totalidade dos créditos resultantes da actividade normal da empresa...(2)

O papel das contas de provisões é importantíssimo: permitem uma maior regularidade na escrituração dos prejuízos ou apuramento dos resultados, evitando que se venha a afectar desfavorável ou desmesuradamente os eventos que conduziram anteriormente à constituição das provisões - cfr. Rogério Fernandes Ferreira, Gestão Financeira, Vol. I, Parte Geral, 4.ª Edição, págs. 353 e 354 e Manuel Henrique de Freitas Pereira, A Periodização do Lucro Tributável; Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (152), pág. 172.

Sob a epígrafe Regime das Provisões, dispunha a norma do art.º 33.º do CIRC então vigente:
1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
a)As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
b)...
...
E a do art.º 34.º (Provisão para créditos de cobrança duvidosa):
1 - Para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do n.º1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos:
a)O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;
b)Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;
c)Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.
2 - ...
...
As normas das alíneas a) a c) do citado art.º 34.º do CIRC, como da sua redacção resulta e constitui jurisprudência firmada, são de aplicação disjuntiva (3), bastando por isso que a provisão se subsuma a alguma das citadas alíneas para que possa ser aceite como tal e logo um custo do exercício respectivo.

Constituindo a provisão um custo do exercício e de constituição obrigatória para efeitos fiscais, como acima se disse, não pode a sua constituição fazer-se a belo prazer do contribuinte e desta forma permitir-se manipular os resultados do exercício, tendo a sua constituição de cingir-se também, a entre outras, às regras da especialização dos exercícios, como os demais custos, nos termos do disposto nos art.ºs 17.º e 18.º do CIRC.

Assim sendo, os montantes de provisões a inscrever como custo em cada um dos exercícios, devem ter em conta a subsunção das normas do citado art.º 34.º n.º1, nas suas várias alíneas, sistematicamente, começando desde logo pela da sua alínea a) e, caso não seja nesta subsumível, prosseguindo nas restantes duas alíneas, sucessivamente.
E se em dado exercício, certo montante de crédito incobrável é susceptível de configurar como provisão, logo como um custo, subsumível à mesma alínea a) - por o devedor per pendente processo de especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência - não é lícito ao contribuinte deixar de o considerar como tal nesse exercício, para vir pretender inscrevê-lo como tal, em seguintes exercícios, agora ao abrigo de uma outra alínea do mesmo artigo.
Aliás, a própria norma do art.º 33.º n.º1 a) do CIRC, ao estabelecer o quadro em que podem ser constituídas provisões, expressamente, faz reportar a cobrança duvidosa dos créditos, ao fim desse exercício, e não para exercícios futuros.

Entendimento contrário, com relativa livre escolha pelo contribuinte do exercício em que pretendesse inscrever qualquer crédito já com as características, face à lei, de incobrável em certo exercício, com a constituição da respectiva provisão, esperando temporalmente o momento mais oportuno para o fazer inscrever em cada uma das alíneas de tal norma, à medida que nelas fosse sendo subsumível, violaria o princípio da especialização dos exercícios, e permitiria ao contribuinte manipular os respectivos resultados. Em suma, como acima se disse, a constituição da provisão é obrigatória para o contribuinte que dela se pretenda aproveitar, e também no sentido que tem de ser inscrita como tal no primeiro exercício em que ocorrerem os pressupostos previstos na lei, começando desde logo nos fixados na alínea a). E se o contribuinte, nesse exercício, desde logo não se aproveitar desse direito que a lei lhe confere, não pode depois, mais tarde, ao abrigo de uma outra alínea, neste caso pela última - a c) - vir pretender exercer esse direito que em devido tempo dele se não aproveitou.
Seria fazer entrar pela janela aquilo que não deixou entrar pela porta.

Em resumo, a aplicação de tais alíneas do citado art.º 34.º não é cumulativa, mas alternada, sendo contudo obrigatório, o exercício do direito que pelas mesmas é conferido, logo que temporalmente, pela primeira vez, a situação fáctica seja subsumível a alguma daquelas três alíneas.
Entendimento contrário, para além de violar o princípio da especialização dos exercícios, poderia tornar sem qualquer campo de aplicação as normas das duas alíneas anteriores - a a) e a b) - bastando que o contribuinte esperasse que a situação fáctica fosse, finalmente, subsumível à sua alínea c), interpretação que não pode ter sido querida pelo legislador, e que por isso é de rejeitar face ao disposto no art.º 9.º n.º3 do Código Civil.

No caso, do total inscrito a título de provisão para este exercício de 1998, a AT não aceitou o montante de Esc. 33.184.314$ - cfr. matéria da alínea D) do probatório fixado na sentença recorrida – montante que entende encontrar-se coberto pela garantia do arresto de bens efectuado e que ascende a este montante, tendo deixado de existir, quanto ao mesmo, o risco da sua incobrabilidade que o justificava, bem como sobre tais bens arrestados foram praticadas amortizações excessivas do total de 2.765.360$, que igualmente não aceitou como custo fiscal para determinação do lucro tributável desse mesmo exercício.

Porém, este entendimento da AT não encontra guarida no regime legal da constituição das provisões para créditos de cobrança duvidosa, pelo que a desconsideração deste montante como tal, se revela ilegal, como bem se decidiu na sentença recorrida, como desde já se pode avançar.

Desde logo, as normas dos art.ºs 33.º e 34.º do CIRC, que fixam os pressupostos para a constituição de provisões para efeitos fiscais, no caso relativo a créditos de cobrança duvidosa, contemplados nas alíneas a) a c) deste último artigo, jamais excepcionam que, se o credor vier a obter penhora ou arresto para garantia do pagamento desse crédito o mesmo deixe de ser como tal qualificado, de cobrança duvidosa, e ainda que tal arresto venha a ter lugar dentro do período do ano a que se reporta tal exercício como no caso aconteceu – cfr. matéria da alínea I) do probatório da sentença recorrida – por o arresto, como igualmente bem se fundamentou na sentença recorrida, constituir uma garantia geral (do cumprimento) das obrigações, inserida no Capítulo V do Código Civil – art.ºs 601.º e segs – com um procedimento cautelar especificado próprio – cfr. art.º 393.º e segs do CPC – tendo em vista manter a garantia patrimonial do seu crédito ao qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora – art.º 406.º do mesmo CPC – mantendo a sua antiguidade aquando da respectiva reconversão para a penhora – cfr. art.º 822.º, n.º2 do Código Civil – pelo qual o credor adquire o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, onde igualmente se inclui, penhora mais antiga (4) sobre tais bens, no momento em que tais bens vierem a ser vendidos judicialmente, nos termos do disposto no art.º 824.º do Código Civil e 864.º e segs do CPC.

Assim, tudo quanto em adverso invoca a recorrente na matéria das suas conclusões recursivas, designadamente na matéria das conclusões IV, XII, XXI e XXII das suas alegações, não tem qualquer aderência como respectivo regime legal do arresto, e muito menos que o arresto possa constituir um meio legítimo de aquisição do direito de propriedade dos bens como a mesma parece pretender, quando afirma que os bens arrestados são propriedade da credora, como se a aquisição do direito de propriedade se não encontrasse tipificado legal e taxativamente na lei, por força do disposto nos art.ºs 1316.º e segs do Código Civil e onde se não encontra rasto de esse também constituir um modo de aquisição previsto na lei.

Pela penhora, tal como pelo arresto, o credor adquire o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha real anterior, pelo se houver credores com garantias mais antiga sobre esses bens, ou privilégios mobiliários ou imobiliários que legalmente sejam de graduar à frente desse crédito garantido pelo arresto – cfr. art.ºs 733.º e segs do Código Civil – como sejam os créditos por impostos indirectos e directos e até por dívidas à Segurança Social, bem pode o beneficiário do arresto nada vir a obter em pagamento desse crédito para o qual o arresto foi constituído, em suma, também por aqui, o decretamento do arresto não implica a garantia de cobrança desse crédito e que, por isso, possa deixar de ser considerado de cobrança duvidosa, ainda que, eventualmente, a obtenção do arresto o possa colocar em posição mais próxima da sua satisfação do que outros credores que não disponham de garantia mais antiga.

Por outro lado, o risco da incobrabilidade do crédito pode ser meramente previsível (5), não necessitando assim de existir uma certeza absoluta nessa não cobrança, devendo como tal ser levada à contabilidade na sua conta de provisões para créditos de cobrança duvidosa (conta 28), matéria onde o contribuinte não goza do direito de deferir a sua contabilização e consideração para efeitos de fazer inscrever a correspondente provisão para o exercício que mais lhe convier, antes a mesma deve ser constituída e inscrita no exercício em que o risco de incobrabilidade se verificar, seja por efeito de mora no pagamento da dívida, seja por qualquer um dos outros fundamentos legalmente previstos nas alíneas a) e b) do art.º 34.º do CIRC, não o podendo vir a fazer mais tarde, em geral, fora dos casos previstos no n.º2 do art.º 18.º do mesmo CIRC, como antes se fundamentou (a não ser nos casos imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos, como acima se referiu).

Quanto à questão de a ora recorrida ter praticado (indevidamente) amortizações sobre tais bens arrestados e que a sentença recorrida entendeu que face à entrega da declaração de rectificação modelo 22 entregue corrigiu tais contabilizações com movimento contrários, desta forma tendo deixado de existir o pressuposto em que assentou a correcção, foi questão sobre que a recorrente não esgrimiu qualquer argumento em ordem a tentar demonstrar o desacerto desta parte do julgado, o qual assim, não pode deixar de se manter na ordem jurídica, na falta também, de questão de conhecimento oficioso por parte deste Tribunal que o possa infirmar, com o improvimento do recurso também nesta parte.


Improcede assim, na totalidade, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Sem custas face à isenção de que então gozava a recorrente.


Lisboa,2 de Junho de 2013
Eugénio Sequeira
Benjamim Barbosa
Pedro Vergueiro

(1) In acórdão deste Tribunal de 29.1.2002, recurso n.º 5939.01.
(2) In Código do IRC, Comentado e Anotado, 1990, da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, págs. 176 e 180.
(3) Questão que em nosso entender, se apresenta clara, desde logo na letra da lei, ao se dispôr para os seguintes casos, como também no seu n.º2 desse mesmo artigo, ao dispôr no caso da alínea c), isoladamente sobre os requisitos desta, o que não pode deixar dúvidas de que tais alíneas são de aplicação alternada, que não cumulativa.
(4) Cfr. neste sentido o acórdão do STA 8-1-2011, recurso n.º 25/11.
(5) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 18/5/2005, recurso n.º 132/05.