Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 11427/14 |
Secção: | CA- 2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 09/11/2014 |
Relator: | PAULO PEREIRA GOUVEIA |
Descritores: | ADVOGADO, ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, MANDATO FORENSE |
Sumário: | Se um particular informou e provou à Administração que se faz representar por certo advogado, com um mandato forense (artigo 62º do EOA), isso só pode querer significar, até para o mandato forense ter utilidade e dignidade, que é com o advogado que a Administração passará a lidar directamente, sem prejuízo de notificar pessoalmente o particular em casos em que isso logicamente se justifique, como por exemplo, em convocações. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO · ABOUBACAR ……………………, nacional da Guiné-Conacri, detido no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, intentou Impugnação judicial contra · M.A.I./SEF. Pediu ao T.A.C. de Lisboa o seguinte: - Anulação da decisão do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 04.04.2014, que indeferiu o pedido de asilo por si formulado, nos termos do disposto no artigo 25°, n°1, da Lei n°27/2008. * Por sentença de 30-5-2014, o referido tribunal decidiu «declarar a caducidade do direito de acção do Requerente, absolvendo-se a Entidade Requerida dos pedidos». * Inconformado, o autor recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1. O ora impugnante estava devidamente representado no processo administrativo, aliás, desde o dia em que pediu asilo, estando a procuração junta ao processo administrativo em causa. 2. Parece-nos a nós, salvo melhor opinião que mal andou o SEF — Gar, quando notificou o ora requerente de asilo e não notificou o seu Advogado. 3. Coarctando assim e violando as mais elementares regras de direito, porquanto se alguém está representado por advogado, este mesmo terá de ser notificado porquanto é este mesmo que vai aferir e analisar juridicamente a situação em causa. * O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo. Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência. Teremos presente o seguinte: (i) o primado do Estado democrático e social de Direito, num contexto de uma vida política e económica submetida ao Bem Comum e à suprema e igual dignidade de cada ser humano (1); e (ii) os princípios jurídicos fundamentais e estruturais vigentes, sob a égide do ponto de vista da nossa Lei Fundamental (2). * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. FACTOS PROVADOS «(…)». * Continuemos. II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e para, de modo facilmente sindicável, apreciarmos o seu mérito. Temos presente, em matéria de interpretação, metodologia e argumentação jurídicas (i.e., de “gramática do Direito”), a destrinça entre o modelo lógico da subsunção nas regras jurídicas e a interpretação constitucional daqueles comandos jurídicos que visem concretizar um dever-ser ideal (interpretação constitucional onde predomina a máxima da proporcionalidade, com um modelo aritmético da ponderação ou sopesamento). Vejamos, pois. O recorrente foi notificado do indeferimento liminar do pedido de asilo que formulara. Tal pedido foi formulado em 29-3-2014, com junção de procuração forense. Em 4-4-14 o indeferimento foi notificado ao recorrente e em 8-4-14 foi notificado ao seu advogado antes constituído. A p.i. impugnatória entrou no tribunal a quo no dia 10-4-2014. O tribunal a quo considerou que foi violado o prazo de 72 horas consagrado no artigo 25º/1 da Lei do Asilo para intentar a impugnação judicial. Para tal o tribunal relevou o dia 4-4-14 cit. e não atendeu ao dia 8-4-14 cit. Relevam aqui ainda os artigos 52º (3) e 66º do CPA e o artigo 62º/1/c) do EOA (4). O que se discute não é se as notificações no procedimento administrativo podem ser feitas ao advogado e com eficácia (cfr. Ac. STA de 11-1-2001, p. nº 046726; STA de 16-1-2002, p. nº 047590), mas sim se a eficácia da notificação contra o particular exige que o advogado antes constituído tenha de ser notificado pela A.P. Ora, se um particular informa a A.P. que se fez representar por certo advogado ante essa A.P., com um mandato forense (artigo 62º do EOA), isso só pode querer significar, até para o mandato forense ter utilidade e dignidade, que é com o advogado que a A.P. passará a lidar, sem prejuízo de notificar pessoalmente o particular em casos em que isso logicamente se justifique, como por exemplo, em convocações (cfr. assim Mário Esteves de Oliveira et al., CPA Comentado, 2ª ed., p. 267). É o advogado quem representa o seu constituinte perante a entidade que recebeu a procuração forense. E daí as normas contidas nos artigos 247º do CPC e 40º do CPPT, aplicáveis mutatis mutandis ao procedimento administrativo em geral. Nada justifica outro entendimento, sob pena de inutilidade da constituição de advogado. E, assim, se conclui que o prazo de 72 horas cit. foi respeitado. Improcede, portanto, tal excepção dilatória. * III. DECISÃO Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com o disposto nos artigos 202º/1-2 e 205º/2 da Constituição, acordam os Juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida. Sem custas. (Acórdão processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator) Lisboa, 11-9-2014
Paulo H. Pereira Gouveia – relator Catarina Jarmela Carlos Araújo
(4) Considera-se mandato forense o exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos. |