Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:263/04.2BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:07/11/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PODERES MP
ERRO PARCIAL PROCESSO
ERRO DE JULGAMENTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
GERÊNCIA 13.º CPT/24.º LGT
ATOS DE GESTÃO
Sumário:I- A vista ao abrigo do artigo 289.º, n.º 1, do CPPT, destina-se a permitir ao DMMP pronunciar-se sobre as questões suscitadas no recurso e, eventualmente, sobre outras que sejam de conhecimento oficioso, desde que, não tenham constituído caso julgado formal;
II- O processo de oposição à execução fiscal não pode visar e ter como objeto a nulidade do processo de execução fiscal, mas antes a sua extinção. Constando, expressamente, do pedido a extinção do processo executivo e bem assim a nulidade do mesmo, tal não determina, nem pode determinar, a absolvição da instância tout court, mas apenas e só na exata medida;
III- Do facto de um Tribunal conhecer previamente do mérito antes de apreciar alguma questão que lhe tenha sido suscitada, ou mesmo de conhecimento oficioso não decorre a nulidade da sentença, a qual só existirá se o Juiz foi convocado a pronunciar-se sobre determinadas questões e sobre elas nada disse;
IV- No domínio da apreciação do erro de julgamento, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo, naturalmente, do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, conforme decorre do artigo 662.º do CPC;
V- Quer no âmbito do artigo 13.º do CPT, como no artigo 24.º da LGT, a análise da gerência de facto é preliminar à culpa pela falta de pagamento. Com efeito, a responsabilidade dos administradores ou gerentes por dívidas tributárias vencidas no período do exercício do cargo dispensa a Administração Tributária da prova da respetiva culpa no incumprimento, porém não a dispensa da alegação e prova da gerência de facto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a oposição intentada pelo Recorrido, L..........., no âmbito do processo de execução fiscal nº 1163-02/10.....e apensos, inicialmente instaurada pelo Serviço de Finanças de Aguiar da Beira, contra a sociedade “T............, LDA”, e contra si revertida, para a cobrança coerciva de dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 1998 e 1999, Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de 1999 e Coimas de 2000, tudo no valor global de €68.053,96.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“Assim, nos termos dos artigos 685º-A e 685.ºB do Código de Processo Civil:

a) Foram violados pela douta sentença o artigo 125/CPPT e o artigo 668/1 alínea d) do CPC ("é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar...), e os artigos 234-A/1, 288/1 alínea e) 493/1 e 2,494°, 495° e 660/1 e 2, todos do CPC, em virtude de não ter atendido à fundamentação da fazenda e de não a ter conhecido em primeiro lugar na invocação duma excepção dilatória inominada Sem conceder no concernente ao pedido de absolvição da Fazenda Pública da instância, foram também violados os artigos 13° do CPT, 24° da LGT, 350.º, 351.º e 393/2 do CC e 63/1, 252/2 e 258.º do CSC pelo exercício de direito e de facto da gerência pelo oponente/recorrido na originária devedora.

b) Como evidenciado pela fazenda em sede de alegações, invoca o oponente/recorrido como fundamentos de oposição (ou causas de pedir): a) que enquanto não tiver sido excutido todo o património da devedora originária não pode ordenar-se a reversão da execução contra os devedores subsidiários, “até porque a executada originária é detentora de património que não foi objeto de qualquer execução, é dona e legítima possuidora de diversos veículos pesados de mercadorias e reboques, cuja relação se anexa", não se podendo, pois, concluir pela fundada insuficiência dos bens penhoráveis (7º a 18º da p.i.); b) ilegitimidade pelo não exercício de facto das funções de gerente (19° a 47° da p.i,); c) falta de culpa pela formação da dívida exequenda, não resultante de actos de má gestão (48° a 60º da p.i.); d) não comunicação nos termos do artigo 60/5 da LGT do projecto de decisão e sua fundamentação (61° a 63° da p.i.); e) não inclusão na citação de declaração fundamentada dos pressupostos da reversão e sua extensão (64° a 70° da p.i). Invocando depois no respectivo pedido, a final, ainda por cima ao mesmo tempo, a nulidade do processo de execução fiscal a partir da notificação para audição prévia por um lado, e a extinção do processo de execução fiscal, por outro.

c) Verifica-se, pois, que na petição inicial são invocados fundamentos de oposição - a) infundada insuficiência dos bens penhoráveis da originária devedora, b) ilegitimidade pelo não exercício de facto das funções de gerente, c) falta de culpa pela formação da dívida exequenda, não resultante de actos de má gestão; e fundamentos a invocar no próprio processo de execução fiscal - d) não comunicação nos termos do artigo 60/5 da LGT do projecto de decisão e sua fundamentação; e) e não inclusão na citação de declaração fundamentada dos pressupostos da reversão e sua extensão. Por outro lado, no pedido, vem o oponente invocar, ao mesmo tempo, a nulidade do processo de execução — pedido a invocar no próprio processo de execução fiscal - e seja declarada extinta a execução - este sim compatível com a natureza do processo de oposição. Nos termos dos artigos 97/3 da LGT e 98/4 do CPPT a oposição será susceptível de ser convolada em nulidade a invocar no próprio processo de execução fiscal se o pedido formulado e a causa de pedir se ajustarem à forma adequada do processo e a “acção judicial” não estiver caducada - ver Acórdão do STA de 12/01/2005, processo 01229/04. O que se verifica na situação em apreço é que são alegados fundamentos a invocar no próprio processo de execução fiscal e fundamentos de oposição, não sendo, por sua vez, o pedido compatível apenas com o processo de oposição, uma vez que também se pede seja declarada a nulidade da execução fiscal. Nesta situação não pode o tribunal partir o processo nas diferentes causas de pedir e pedidos, incompatíveis e de diferente natureza, ou substituir-se ao contribuinte, optando por um processo em detrimento do outro, pois a escolha dos meios processuais é, em última instância, responsabilidade da parte - ver Acórdão do STA de 12/10/2005, processo 0633/05. Assim, verificando-se a presente excepção dilatória, deverá a fazenda pública ser absolvida da instância. Ao não se pronunciar sobre a excepção dilatória inominada invocada, violou a douta sentença os artigos 125/do CPPT e 668/1 alínea d) do CPC, nos termos dos quais “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.. ”, violando ainda os artigos 234-A/1, 288/1 alínea e) 493/1 e 2, 494°, 495º e 660/1 e 2, todos do CPC, em virtude de não ter atendido a este argumento da fazenda e de não o ter conhecido em primeiro lugar, podendo o tribunal “ad quem” dele conhecer.

d) Violação pela douta sentença dos artigos 13° do CPT, 24° da LGT, 350°, 351° e 393/2 do CC e 63/1, 252/2 e 258° do CSC pelo exercício de direito e de facto da gerência pelo oponente/recorrido na originária devedora.

e) O tribunal “a quo”, após análise dos depoimentos prestados por três testemunhas, concluiu, não sem antes referir que “a Fazenda Pública não avançou em busca de factos índice limitando-se à indicação de elementos formais, onde nada consta sobre a gerência de facto do aqui revertido”, “por seu lado, o oponente faz contraprova nos presentes autos, referindo que entre os anos de 1996 e 1997, deixou de ter contacto com a empresa e deixando a condução da mesma entregue nas mãos do seu filho A..........”, “o oponente com efeito, prova que era A……. quem pagava aos trabalhadores e lhes dava ordens e que empreendia todas as diligências junto dos bancos, assinando contratos, pagando a credores ou seja, representando a empresa T…………., Lda, perante terceiros”, que “o oponente, nos anos aqui em causa não era gerente de facto da empresa, pelo que não estão verificados os requisitos da responsabilidade subsidiária a que se reportam os arts. 13° do CPT e 24° da LGT”.

f) Ora, é de evidenciar que está em causa uma empresa familiar cujos sócios são os dois pais - L...........e Z...........- e os três filhos daqueles - A..........., A...........e L........... — com o capital social de 249.398,95€, sendo detido pelos sócios pais o capital social de 211.989,10€, ou seja, detendo estes o poder de decidir sobre todos os aspectos da vida da sociedade sem necessidade de intervenção dos demais sócios filhos. Acresce o facto da originária devedora “T…………., Lda.”, ter a sede na casa de morada de família dos sócios pais - cfr. nomeadamente certidão do registo comercial da originária devedora e depoimento da testemunha Z………….. Quer-se com isto dizer que o oponente L...........tinha necessariamente o controlo da originária devedora, tendo sido ele o mentor da sociedade e o fornecedor do imobilizado - cfr. nomeadamente depoimento das testemunhas Z...........e T………… e escritura de constituição da sociedade. L...........que, para além de sócio maioritário e senhor absoluto da firma juntamente com a sua mulher, que controla a correspondência da sociedade uma vez que lhe atribui como sede a sua morada, sendo seu mentor e fornecedor do imobilizado, é ainda o único gerente da sociedade com capacidade profissional, não podendo esta laborar sem o exercício da gerência pelo oponente recorrido - cfr. nomeadamente escritura de constituição da sociedade. Oponente/recorrido que confessa, no exercício do direito de audição após notificação do projecto de reversão, depois de referir que “Tal gerência nunca foi praticada por quem de facto”, se limitou “a assinar alguns documentos oficiais”, ou seja, que vinculou ou responsabilizou, com o seu nome, a sociedade perante terceiros. Veja-se que a testemunha A………… - filho do oponente que diz ter “tomado conta da gerência”, nunca alterou o pacto social no sentido de formalizar, sendo verdade, a gerência única de facto, vindo a assumir, no seu depoimento, que “para vincular a empresa também tinha de assinar o pai”, “era necessária a intervenção do pai”, ou seja, que perante terceiros valia a assinatura do pai e não do filho, que nem sequer tinha legitimidade para tal, sendo que, ao pai nunca foi atribuída ou diagnosticada qualquer incapacidade do foro mental. E note-se que na informação prestada pelo órgão de execução fiscal após o exercício do direito de audição é referido que “em nome do contribuinte A........... ... não se encontram inscritos quaisquer prédios nas matrizes prediais existentes neste serviço de finanças, nem foram declarados rendimentos no ano transacto”, evidenciando a estratégia de assunção da gerência por A.......... no sentido da fazenda direccionar o alvo da reversão para quem nada tinha a perder uma vez que nada tinha.

g) Depois, e conforme facto dado como provado na douta sentença nos pontos 5 e 6: “5. Em 12/02/2004, o Chefe do Serviço de Finanças de Aguiar da Beira, profere despacho com vista à preparação do processo de execução fiscal para reversão, que se enuncia resumidamente: '‘Durante o período a que respeitam as dívidas em execução, de 1998 a 2000. foi seu único gerente, de direito e de facto, ininterruptamente, L...........(...) que de conformidade coro o disposto no art 24° da LGT, nos parece dever ser identificado como subsidiário responsável relativamente à referida firma e solidário por divida exequenda que está na base da instauração desta execução fiscal (...) 6. A informação fáctica antes referida fundamenta-se no seguinte: 6.1, Averiguações a que se procedeu e através das quais se concluiu ser o referido sócio gerente que: 6.1.1 Acompanhava a actividade da empresa, superveniente a sua acção: 6.1.2. Actuava sobre o pessoal numa relação de subordinação hierárquica derivada da sua condição patronal: 6.2. Consulta ao sistema informático, através do qual se constata a sua condicão de gerente (...) - cfr. fls. 24 dos presentes autos” (sublinhado nosso). Ou seja, é o próprio chefe do serviço de finanças, o OEF, que dá conta, por testemunho directo, do exercício de direito e de facto da gerência na originária devedora do oponente/recorrido, que ‘‘acompanhava a actividade da empresa, superveniente a sua acção”- que “actuava sobre o pessoal numa relação de subordinação hierárquica derivada da sua condicão patronal”, sendo pelo OEF evidenciado, após o exercício do direito de audição pelo revertido/oponente, que este não dá a conhecer “o período no qual a gestão da firma não foi exercida de facto pelo contribuinte L…………”. Sendo que, embora este testemunho directo do exercício da gerência de facto pelo recorrido conste nos factos dados como provados na douta sentença, depois não foi tido em conta no sentido de infirmar a prova testemunhal trazida aos autos pelo oponente/recorrido.

h) Quanto à prova testemunhal carreada aos autos pelo oponente - a única prova por este carreada aos autos no concernente à testemunha A........... - filho do oponente conforme supra evidenciado, a pretensa confissão (pretendendo assumir a figura do substituto processual, relativamente ao qual, nos termos do artigo 353/3 do Código Civil, “a confissão feita por um substituto processual não é eficaz contra o substituído) do exclusivo exercício da gerência por este tem como desiderato evitar a penhora, pela fazenda, dos bens pertencentes ao oponente L…………., sendo certo que, a serem as dívidas revertidas contra A.........., as iria tomar simplesmente incobráveis, uma vez que este não tem bens susceptíveis de penhora. Depois, para além de ser filho - tomando o seu depoimento, para além de livremente apreciado pelo tribunal, também no mínimo tendencioso - a própria testemunha veio a assumir, no seu depoimento, que “para vincular a empresa também tinha de assinar o pai” “era necessária a intervenção do pai”, ou seja, que perante terceiros valia a assinatura do pai e não do filho, que nem sequer tinha legitimidade para tal, sendo que, ao pai nunca foi atribuída ou diagnosticada qualquer incapacidade do foro mental.

i) Relativamente à testemunha A…………, também ele carrega o ónus de ter sido trabalhador da originária devedora, revelando-se a validade do seu testemunho diminuída por se encontrar numa relação de subordinação relativamente ao oponente, sendo ainda de relevar o facto de “não saber precisar as datas em que esteve ao serviço da originária devedora”, e de o cheque para pagamento dos salários ser “assinado pelo filho levando talvez outra assinatura”, revelando-se uma memória selectiva e direccionada para o que o oponente pretendia, provar o não exercício da gerência de facto deste, procurando, através do relato dum episódio, realçar a pretensa atitude ditatorial do filho A…….. para com o pai subserviente.

j) Quanto à testemunha V…………, depois de referir que quem assumia os assuntos financeiros da originária devedora era A.........., acaba por admitir que o oponente/recorrido “necessariamente tem que intervir na abertura da conta bancária se a sua assinatura for necessária para vincular a sociedade” e que o “sr. L……. podia fazer algumas operações ao balcão mas o sr. A……. é que negociava”.

k) Quanto à testemunha J………., depois de referir que foi motorista da originária devedora de 1997 a 2001 e de dizer que o gerente era o sr. A…….., refere a final que “não sabe quem contratou os novos motoristas”, que “da facturação não sabe” e que “não sabe sequer se chegou a trabalhar para a firma ou não”. Ainda no concernente à testemunha T…….., refere que “a firma pouco mais tempo durou depois cie 1996, talvez mais um ano ou dois”, "cortou-lhe o crédito e deixou de fornecer combustível em 1997, 1998, a última reparação que lá fez foi também nessa altura, em 1997, 98”. Ou seja, estas duas testemunhas, a primeira por contradição absoluta e a segunda por circunscrever o seu depoimento até 1997, revelam-se completamente inócuas;

l) Por outro lado ainda, na matéria de facto dada como provada, é referido pela douta sentença no ponto 16; “Em 19/01/2004 é proferida sentença no âmbito dos autos de Processo Comum, registado sob o nº 73/02.1IDGRD, do Tribunal Judicial de Trancoso, tendo a mesma transitado em julgado em 03/02/2004. Na mesma data foi o oponente condenado, com referência ao período de Fevereiro de 1998 a Outubro de 2000, em três crimes de Abuso de Confiança, um crime de Abuso de Confiança e nove crimes de Abuso de Confiança, tendo ficado condenado em cumulo, na pena única de seiscentos dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros) ou seja, na multa global de € 3.000,00 (três mil euros). Foi também condenada a empresa “T…………, Lda ” na pena única de seiscentos euros de multa à taxa diária de quinze euros, ou seja, m multa global de € 9.000,00 (nove mil euros) — cfr. fls. 237 a 243 dos presentes autos”. Ou seja, embora nos factos dados como provados seja mencionada a sentença proferida no processo nº 73/02.1IDGRD, que correu termos no Tribunal Judicial de Trancoso, transitada em julgado em 03/02/2004, no âmbito da qual, após provado o exercício da gerência de facto por L...........na originária devedora, este é condenado por 13 crimes de abuso de confiança fiscal cometidos entre Fevereiro de 1998 e Outubro de 2000, precisamente os períodos de imposto em causa nos presentes autos, na aplicação do direito aos factos não há qualquer referência a este documento e à prova que ele carrega. Sendo que a sentença proferida no processo n° nº 73/02.1IDGRD enumera, como elementos de prova, para além de outros, também a confissão parcial do oponente ora recorrido. Nada dito é tido em conta pela douta sentença de que ora se recorre, tendo o tribunal “a quo” após menção desta prova nos factos dados como provados, feito dela tábua rasa na aplicação do direito aos factos, seleccionando como prova apenas três depoimentos testemunhais, o filho, um trabalhador e um bancário, sendo que, ainda assim, também eles referiram ou mencionaram a intervenção do oponente na gestão da firma. Sendo certo que a sentença nº 73/02.1IDGRD, do Tribunal Judicial de Trancoso, contemporânea da reversão das dívidas da originária devedora contra o oponente/recorrido, corrobora à exaustão o exercício da gerência de facto pelo oponente na originária devedora “T……………….., Lda,”.

m) O tribunal “a quo” apoia-se, pois, em três testemunhas para chegar à conclusão que o oponente/recorrido não era gerente de facto, sendo que até essas testemunhas, como evidenciado, fornecem elementos a corroborar o contrário. Assim, para além do depoimento das três testemunhas supra revelar elementos a corroborar o exercício de facto da gerência pelo oponente, estas, em virtude da sua posição uns - filho e trabalhador mostram um depoimento tendencioso e muito menos credível, e a outra, um bancário, um conhecimento parcial e indirecto das vicissitudes e da forma como foi gerida a originária devedora, fornecendo ainda elementos a corroborar a intervenção do oponente na gestão da sociedade.

n) Assim, não logrou o oponente/recorrido fazer a contraprova do não exercício da gerência de facto, tal como exigido pelos artigos 350° e 351° do Código Civil, e muito menos logrou fazer a prova em contrário, nunca tendo o oponente/recorrido colocado em causa a sentença proferida no processo nº 73/02.1IDGRD, do Tribunal Judicial de Trancoso, a dar conta do exercício da gerência na originária devedora do oponente L………, provando-se, aliás, o exercício da gerência apenas por ele (e não também pelo filho A…….), gerência cujo exercício de facto o oponente/recorrido confessa naquele processo crime, nos anos em causa nos presentes autos. Além do mais, nos termos do artigo 393/2 do Código Civil “também não é admitida a prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena”. Sendo que, mais uma vez, nos autos em apreço nunca foram colocados em causa os documentos supra elencados.

o) Por outro lado ainda, constitui dever dos gerentes praticar não só os actos que os preceitos legais lhes impõem, a eles se dirigindo, como ainda todos os actos necessários para o cumprimento de deveres que as leis impõem à sociedade, a esta se dirigindo, a não ser que outro órgão social seja claramente encarregado desse cumprimento, sendo que as funções de gerente subsistem enquanto não terminarem por destituição ou renúncia ao cargo [artigo 256° do Código das Sociedades Comerciais (CSC)]. Mais, a designação e cessação de funções, por qualquer causa que não seja a resultante do decurso do tempo, dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das sociedades, está sujeita a registo obrigatório, sob pena de não produzir efeitos relativamente a terceiros - artigo 3/1 alínea m), artigo 14° e artigo 15/1 todos do Código do Registo Comercial (CRC) sendo que o registo comercial, quando definitivo, constitui presunção de que existe a situação jurídica nos precisos termos em que ali está definida - artigo 11º do CRC. Não podendo confundir-se a situação jurídica definida no registo com o efectivo exercício dessa gerência, face ao registo o que se presume não é a gerência efectiva mas sim a gerência nominal, ficando terceiros, e no presente caso a Administração Fiscal, dispensados de a provarem. Esta é uma presunção lega] que só por via de competente prova documental pode ser ilidida, dado que os actos de constituição ou de cessação da gerência (naquela acepção), sendo actos formais, como decorre do artigo 63/1, do artigo 252/2 e do artigo 258c, todos do CSC, veem afastada a possibilidade da respectiva prova ser feita testemunhalmente. O que é verdade é que, no caso dos presentes autos, além de se aceitar que por força da presunção natural (ou judicial) decorrente da inscrição no registo, competia ao responsável subsidiário provar factos que pusessem em dúvida o exercício da gerência de facto, verifica-se que o oponente não conseguiu ilidir a presunção de gerência de facto resultante da nomeação como gerente de direito ao não apresentar provas de factos que apontem em sentido contrario. Ademais, ainda que fosse outro a praticar todos os actos de gerência, isso não significaria sequer que o oponente não pudesse ser considerado gerente de facto. E igualmente, independentemente de existir ou não procuração para aquele efeito, a prática por pessoa que não é gerente de direito de actos de gerência da sociedade com, pelo menos, o conhecimento e a anuência, livre e voluntariamente prestada, dos gerentes de direito configura uma situação de representação, pelo que os actos praticados por aquela terceira pessoa em representação da sociedade devem considerar-se praticados pelos gerentes de direito (conforme artigo 258° do Código Civil (CC)) e, mesmo não existindo procuração, deverão ter-se como ratificados (artigos 262° e 268a do CC). Isso tudo resulta numa manifestação clara da prática de actos representativos da mesma sociedade. Daqui resulta, pois, que o responsável subsidiário não só não conseguiu ilidir a presunção da gerência de facto resultante da sua condição de gerente nominal, como está demonstrado que ele efectivamente praticou actos de gerência na sociedade originária devedora. Assim, conforme evidenciado pelo órgão de execução fiscal, verifica-se o requisito previsto no artigo 153/2 alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o previsto nos artigos 13o do CPT e artigo 24/1 alínea b) da LGT de reversão contra o ora oponente. Depois ainda, é de evidenciar a natureza orgânica da relação entre o corpo directivo duma empresa e a sua existência jurídica, não tendo esta razão de ser sem os órgãos que a compõem e que por ela decidem, para além da natureza contratual existente. Neste sentido é de evidenciar mais uma vez que a gerência de direito faz presumir a gerência de facto.

p) Depois, quanto à ausência de culpa pela insuficiência do património da originária devedora para garantia da quantia exequenda, como já antes evidenciado, o oponente/recorrido foi objecto de reversão nos termos do artigo 24º da LGT (aplicando-se ao ano de 1998 o artigo 13° do CPT), ou seja, também nos termos alínea b) do n° 1 do artigo 24° da LGT, de acordo com o qual “os administradores, directores e gerentes ...que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas ... são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e sohdariamente entre si pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento". Dívidas ora em causa que tiveram origem e foram causadas pelo ora oponente no âmbito do exercício da sua gerência e, sobretudo, o prazo legal de pagamento ou entrega destas terminou no período do exercício do seu cargo. Depois ainda, e no que à insuficiência de bens respeita, para além do facto do OEF constatar “a inexistência de bens penhoráveis pertencentes à originária devedora” a actividade desta foi cessada oficiosamente com a data de 31/12/2001 nos termos do então artigo 33/2 do CIVA (actual artigo 34/2 do CIVA), por ser manifesto que não estava a ser exercida qualquer actividade nem haver intenção de a continuar a exercer. Por outro lado, nos termos do artigo 23/2 da LGT a reversão da execução depende somente da comprovação da fundada insuficiência dos bens do devedor principal e responsáveis solidários para o pagamento da dívida exequenda e acrescido não impedindo, assim, a não liquidação do património do devedor principal a reversão dependendo esta de um mero juízo de forte probabilidade da insuficiência dos bens. No que nos concerne, constataria a inexistência de bens na originária devedora, nem sequer se coloca o problema da eventual excussão do seu património. Depois, no que aos veículos pesados de mercadoras e reboques o oponente/recorrido discriminou como sendo património da originária devedora - ..-..-RA, ..-..-OM,..-..-OE, ..-..-LR, semi-reboque VI-..-.. e semi-reboque VI-..-.. é de referir que foram encetadas uma série de diligências já no âmbito do processo de execução fiscal nº 1163/100192.2 e apensos objecto do processo de oposição n° 264/04.0BECTB, processo cuja certidão foi junta aos presentes autos, tendo-se verificado a impossibilidade de penhora de qualquer veículo ou porque foram vendidos, ou porque houve recusa na entrega dos respectivos documentos para efectiva apreensão ou porque foram dissipados. A inexistência de bens penhoráveis deve-se ao próprio gerente ora oponente/recorrido, que nunca veio aos autos oferecer quaisquer bens à penhora, bem pelo contrário. Depois ainda, para concretizar a culpa do gestor na diminuição do património social, relevará também a distinção a operar entre as contribuições e impostos cuja liquidação acarrete uma prévia afectação de quantias a essa liquidação e os tributos em cuja liquidação essa prévia afectação não tenha lugar. Nos casos em que existe um determinado montante previamente afecto ao pagamento da dívida tributária, o que geralmente sucede é que essa afectação tem lugar pela efectiva entrada de fundos (como sucede com o IVA), pela existência de lucros efectivos (como sucede com o IRC) ou pela retenção na fonte de fundos (como sucede com as contribuições para a segurança social). Em todas estas situações existe um montante que é afecto ou que deve ser afecto ao pagamento de uma determinada dívida de contribuições e impostos, já que existem valores que efectivamente entraram na sociedade ou que deixaram de sair dessa sociedade, desse modo possibilitando a liquidação das respectivas contribuições e impostos. Nestes casos, muito embora o gestor venha a utilizar aqueles fundos para fazer face a outras despesas até à data de liquidação ou entrega, esta utilização, que coincidirá com uma necessária diminuição do património, será censurável. Desta forma, se essas contribuições e impostos não forem posteriormente pagos por insuficiência do património social para lhes fazer face, não restarão dúvidas da existência de culpa por parte do gestor que, anteriormente à data da liquidação ou entrega, dissipou aqueles fundos.

q) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela oponente/recorrida, quer pela fazenda. Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.”


***

O Recorrido optou por não apresentar contra-alegações.

***

A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de que a decisão devia ser alterada substituindo-a por outra que expressamente rejeite a oposição deduzida, ou determine o pagamento da multa (artigo 145.º do CPC). Assim não se entendendo, propugna a procedência de recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 130 verso a 135 dos presentes autos):

1. Desde 29/07/93, encontra-se registado na Conservatória do Registo Comercial de Aguiar da Beira, o contrato social da empresa, com a denominação social “T…………., Lda”, cujo objecto se reporta a “transportes rodoviários de mercadorias, nacionais e internacionais por conta de outrem” – cfr. fls. 246 a 249 dos presentes autos;

2. O capital social de € 249.398,95 encontra-se dividido em cinco quotas diferenciadas, pelos seguintes sócios: L…………; Z……….; A...........; A...........e L........... – cfr. fls 246 a 249 dos presentes autos;

3. A gerência da empresa ficou a cargo dos sócios L………, Z...........e M……….. – cfr. fls. 246 a 249 dos presentes autos;

4. Em 04/10/2002, foi instaurado o processo executivo nº 1163-02/10.....e Apensos, contra a empresa originária devedora “T………., Lda.”, proveniente do não pagamento voluntário das liquidações adicionais de IRC de 1998 e 1999; IVA de 1999 e 2000 e coimas fiscais de 2000, tudo no valor global de € 68.053,96- cfr. fls. 20 a 23 dos presentes autos;

5. Em 12/02/2004, o Chefe do Serviço de Finanças de Aguiar da Beira, profere despacho com vista à preparação do processo de execução fiscal para reversão, que se enuncia resumidamente:

“ Durante o período a que respeitam as dívidas em execução, de 1998 a 2000, foi seu único gerente, de direito e de facto, ininterruptamente, L...........(…) que de conformidade com o disposto no art. 24º da LGT, nos parece dever ser identificado como subsidiário responsável relativamente à referida firma e solidário por divida exequenda que está na base da instauração desta execução fiscal (…) 6. A informação fáctica antes referida fundamenta-se no seguinte: 6.1. Averiguações a que se procedeu e através das quais se concluiu ser o referido sócio gerente que:

6.1.1 Acompanhava a actividade da empresa, superveniente a sua acção;

6.1.2. Actuava sobre o pessoal numa relação de subordinação hierárquica derivada da sua condição patronal;

6.2. Consulta ao sistema informático, através do qual se constata a sua condição de gerente (…)” – cfr. fls. 24 dos presentes autos;

6. A 13/02/2004, foi expedida notificação por carta registada, através do Ofício nº 1… ao, ora oponente, para audição prévia à reversão, comunicando a “preparação do processo executivo para reversão” – cfr. fls. 25 dos presentes autos;

7. Em 26/02/2004, o oponente compareceu no Serviço de Finanças de Aguiar da Beira, referindo em sede de audição que “ (…) embora fosse sócio gerente registado na Conservatória do Registo Comercial de Aguiar da Beira, na realidade e pelos laços familiares, tal gerência nunca foi praticada de facto, pois limitava-se a assinar alguns documentos oficiais, e a ser um gerente com um simples pró-forma. Mais informou que, quem dispunha de toda a gestão da firma, nomeadamente, compras, vendas e prestações de serviços, e escalas de serviço para os seus funcionários, era o seu filho A…………, sócio também da firma, a qual foi assumida depois de ter sofrido uma doença do ácido-úrico o que o impossibilitava de conduzir e estando por várias vezes hospitalizado (…)” – cfr. fls. 26 dos presentes autos;

8. Em 27/02/2004, foi proferida informação que refere “ (…) Do título constitutivo da sociedade, celebrado em 16/07/93, consta que a gerência da sociedade é confiada aos sócios L..........., capacidade profissional. Dos diversos elementos existentes neste Serviço de Finanças, designadamente, processo individual da sociedade, não consta qualquer alteração ao título referenciado no ponto 3. Do uso ao direito de audição não consta o período no qual a gestão da firma não foi exercida de facto pelo contribuinte L............ Em nome do contribuinte A........... não se encontram inscritos quaisquer prédios nas matrizes prediais existentes neste Serviço de Finanças, nem foram declarados rendimentos no ano transacto” – cfr. fls. 26 verso dos presentes autos;

9. Com base na informação supra, o Chefe do Serviço de Finanças proferiu despacho de reversão referindo “Os elementos novos suscitados na audição exercida pelo contribuinte não são suficientes para alterar a decisão de reversão de fls. 13 a 14 (…)” – cfr. fls. 28 dos presentes autos;

10. Em 04/03/2004, através do Ofício nº 2… do Serviço de Finanças de Aguiar da Beira, foi expedida citação por carta registada com aviso de recepção, informando o requerente que é citado por reversão para pagar a quantia exequenda no valor total de € 68.050,96 no âmbito do processo executivo nº 1163-02/10.....e apensos. A carta de citação foi devidamente recepcionada em 11/03/2004 – cfr. fls. 28 e 28 verso dos presentes autos;

11. Desde o início da constituição da empresa que, o oponente juntamente com o filho, iniciaram juntos a gerência da originária devedora, pois era o oponente quem detinha os requisitos profissionais para a abertura e constituição da empresa. O oponente trabalhava na empresa no âmbito da sua actividade de motorista, pois no início a mesma não dispunha de trabalhadores. – cfr. depoimento da testemunha A..........;

12. No entanto, entre os anos de 1996/1997, motivado por problemas de saúde, o oponente deixou progressivamente de frequentar a empresa e o filho A……. assumiu a gerência da mesma. – cfr. depoimento da testemunha A.......... e de A…….. ;

13. O filho do oponente, A.........., era quem dentro da empresa decidia e fazia os contratos com clientes; quem dava ordens aos trabalhadores e quem lhes pagava. De igual modo era o A.........., quem assinava as declarações de IVA e IRC da empresa “T…………., Lda.”. Foi ele quem recebeu os funcionários da AF que realizaram a inspecção à empresa – cfr. depoimento da testemunha A.......... e de A…….. ;

14. Na relação da empresa com as instituições financeiras, especificamente, com o C………., era o filho A…….. quem fazia a gestão financeira da empresa e, assim, era ele quem se dirigia ao banco para solicitar créditos, bem como era ele quem se apresentava a pagar as dívidas – cfr. depoimento da testemunha V………….;

15. Após a reversão, a originária devedora “T……….., Lda.” ficou até 2003 com vários veículos automóveis, cerca de dez e diverso material de escritório, nomeadamente, computadores que posteriormente foram penhorados – cfr. depoimento da testemunha A...........

16. Em 19/01/2004 é proferida sentença no âmbito dos autos de Processo Comum, registado sob o nº 73/02.1IDGRD, do Tribunal Judicial de Trancoso, tendo a mesma transitado em julgado em 03/02/2004. Na mesma data foi o oponente condenado, com referência ao período de Fevereiro de 1998 a Outubro de 2000, em três crimes de Abuso de Confiança, um crime de Abuso de Confiança e nove crimes de Abuso de Confiança, tendo ficado condenado em cúmulo, na pena única de seiscentos dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros) ou seja, na multa global de € 3.000,00 (três mil euros). Foi também condenada a empresa “T………….., Lda.” na pena única de seiscentos euros de multa à taxa diária de quinze euros, ou seja, na multa global de € 9.000,00 (nove mil euros) – cfr. fls. 237 a 243 dos presentes autos;

17. A presente oposição foi deduzida junto do Serviço de Finanças de Aguiar da Beira em 20/04/2004 e, posteriormente, recebida por este TAF de Castelo Branco em 19/05/2004 – cfr. fls. 2 a 4 dos presentes autos.”


***

A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.”

***

A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A convicção do tribunal formou-se com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra e, com base no depoimento das testemunhas seguintes:

A.........., filho do oponente, que explicou que a empresa era constituída pelos irmãos com o pai (oponente). Contudo, se desde o início da sua constituição o pai chegou a trabalhar (motorista) exercendo algum poder de direcção, explicou que desde 1996/97 era ele, filho, o único que dirigia a empresa e decidia o seu rumo. Desde a altura em que o pai ficou doente, este deixou até de ir à empresa ficando completamente alheado dos seus destinos.

A……….., foi motorista da empresa, há cerca de dez anos, não sabendo precisar as datas em que esteve ao serviço da originária devedora. Sabe que, no período em que trabalhou na empresa, o seu patrão era o Sr. A…….., pois era deste que recebia as ordens e era ele quem lhe pagava a remuneração. Era A.......... quem assinava os cheques. De tal forma o comando da empresa pertencia ao A.........., que relata discussão entre pai e filho, o pai não gostava de um funcionário reclamando que o mesmo não deveria estar na empresa, tendo o filho respondido que “quem manda sou eu” e o funcionário lá continuou por ser esse o desejo do patrão, o Sr. A...........

V………… é bancário, trabalha no “C………..”, relatou conhecer o Sr. A.........., através da agência onde a empresa originária devedora detinha conta bancária e, por ser ele quem assumia os assuntos financeiros da “T………….., Lda.”. Admite que, L……… possa ter feito depósitos bancários junto do banco, porém, no âmbito das negociações e decisões de créditos e assinatura de contratos era sempre com Sr. A.........., que reunia e mantinha o diálogo.

Os depoimentos das testemunhas foram credíveis, não só pela argumentação que se manifestou dentro de uma linha factual homogénea traçada pelas mesmas, a qual é reforçada pela prova documental existente nos autos.”


***

Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por números efetuada em 1.ª instância:

10. Em 04/03/2004, através do Ofício nº 2… do Serviço de Finanças de Aguiar da Beira, foi expedida carta registada com aviso de receção endereçada para o Oponente tendente à citação da reversão no âmbito do processo executivo nº 1163-02/10.....e apensos (cfr. fls. 28 e 28 verso dos presentes autos);


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

18. O ofício de citação evidenciado em 10, foi assinado em 11/03/2004 pela consorte do Recorrido “Z…….(facto não controvertido, facto expressamente alegado no artigo 3.º da p.i. e admitido no artigo 2.º da contestação; confirmado com o teor dos documentos de fls. 28 e 28 verso dos presentes autos);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a presente oposição deduzida contra o processo de execução fiscal nº 1163-02/10……., para a cobrança coerciva de coerciva de dívidas de IRC de 1998 e 1999, IVA de 1999 e Coimas de 2000, tudo no valor global de €68.053,96.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir:

Ø Pode o DMMP suscitar questão referente à análise de pressupostos processuais expressamente analisados pela primeira instância e sem interposição de recurso jurisdicional pelas partes; Em caso afirmativo, o Tribunal a quo deveria ter-se abstido de conhecer o mérito da oposição, conforme propugna o DMMP, por o Recorrente ter apresentado a oposição no primeiro dia de multa e não ter procedido ao seu pagamento;

Ø Se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia por não ter conhecido da arguida exceção dilatória inominada;

Ø Se a sentença padece de erro sobre o julgamento de facto, por não ter valorado adequadamente documentos que constam nos autos e de cuja consideração resultaria um julgamento oposto quanto ao exercício efetivo da gerência;

Ø Se a sentença padece de erro sobre o julgamento de facto, por ter, erradamente, valorado o depoimento das testemunhas, as quais não mereciam credibilidade;

Ø Se a sentença padece de erro de julgamento de direito em face dos elementos constantes dos autos resultar o exercício efetivo da gerência por parte do Recorrido e, com base nesse julgamento, se deve ser revogada a sentença na medida em que, por virtude desse erro, conclui pela ilegitimidade daquele para contra si prosseguir a execução a que se opôs.

Comecemos, então, pela questão relacionada com a tempestividade do articulado de oposição e com a interpretação do artigo 145.º do CPC.

Vejamos, então.

O DMMP no seu parecer aduz que “[c]onsideramos que não devia o tribunal a quo conhecer do mérito da oposição apresentada sem que o mecanismo previsto no artº 145º do CPC fosse desencadeado e satisfeito, mesmo que tardiamente, validando-se a prática do acto extemporaneamente praticado.

Concluindo, nessa medida, que “[d]evia o tribunal a quo ter determinado o cumprimento prévio do artº 145º do CPC e, só após ter sido paga a multa devida e regularizado o procedimento, poderia ter conhecido o mérito da oposição. No caso, não o tendo feito, conheceu de procedimento judicial que a parte desencadeou tardiamente e que não sendo paga a multa é extemporâneo e devia ser rejeitado.”

Recordemos, para o efeito, qual o juízo fundamentador da decisão recorrida relativamente à improcedência da arguida exceção da caducidade do direito de ação.

Pondera o Tribunal a quo o seguinte:

“Em 2004, tal prazo de 30 dias suspendeu-se entre 04 de Abril (Domingo de Ramos) até 12 de Abril (2ª-feira de Páscoa) de acordo com art. 12º da LOFTJ.

E, aplicando-se à contagem do prazo para a oposição os termos do Código de Processo Civil, também lhe será aplicável a disposição do Art.145° n°.5 do CPC que estipula que o acto em falta poderá ser praticado nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo.

Assim:

Verificando-se que o aviso de recepção foi assinado no dia 11 de Março, aquele prazo começou a correr no dia seguinte, suspendendo-se entre 04 de Abril até 12 de Abril, pelo que o último dia útil do prazo foi o dia 19 de Abril.

Verificando-se que o dia 19 de Abril de 2004 corresponde a uma segunda-feira, o acto poderia ter sido praticado até ao dia 22 de Abril, correspondente ao terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo.

O acto em causa foi apresentado no dia 20 de Abril de 2004, terça-feira correspondente ao primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo.

Na falta de pagamento por parte do oponente da multa necessária para a validação do acto, deveria a secretaria, oficiosamente, e, sem necessidade de despacho judicial, ter notificado o interessado para a prática do acto, afim de pagar a multa em causa nos termos do Art.145° n°.6 do CPC.

A falta de validade do acto praticado no primeiro dia útil, só se verificaria se o oponente, para o efeito notificado, não pagasse a multa consagrada neste último normativo.

Não havendo notícia nos autos de notificação efectuada pela Secretaria Judicial ao oponente, tal falta não lhe pode ser oponível, assim afigura-se-me que a presente oposição é tempestiva.

Improcede a excepção deduzida, pelo que cumpre apreciar de mérito.”

Vejamos, então.

Importa, desde já, salientar que a Recorrente não interpôs recurso jurisdicional quanto à tempestividade da oposição, e subsequente aplicação do disposto no artigo 145.º do CPC, igualmente não o fazendo o DMMP junto da primeira instância, não tendo tão-pouco o Recorrido contra-alegado. Logo, como é bom de ver todas as partes se conformaram com o supra decidido.

Nessa medida, a primeira questão que se coloca é se o DMMP pode suscitar questão, ainda que de conhecimento oficioso, da qual as partes integralmente se conformaram.

E a resposta é negativa, visto que a primeira instância decidiu expressamente essa questão, fazendo, por isso, caso julgado formal.

É certo que o DMMP assume um papel de relevo enquanto garante de legalidade, porém só pode suscitar questões relacionadas com os pressupostos processuais se as mesmas não tiveram sido decididas e se decididas não tiverem transitado em julgado, e bem assim relativamente aos pressupostos processuais do próprio recurso jurisdicional.

Na verdade, nos termos do artigo 289.º, n.º 1, do CPPT, o processo vai com vista ao Ministério Público, por 15 dias, salvo se o mesmo tiver intervenção como Recorrente, caso em que tal vista à dispensada.

Com efeito, esta vista destina-se a permitir ao DMMP, querendo, pronunciar-se sobre as questões suscitadas no recurso e, eventualmente, sobre outras que sejam do conhecimento oficioso, desde que, não tenham constituído caso julgado formal.

In casu, se o DMMP discordava da fundamentação jurídica perfilhada pelo Tribunal a quo, deveria tê-lo feito mediante recurso, uma vez que a sentença o admite, a interpor dentro do prazo legal. Não o tendo feito, não pode agora admitir-se que o DMMP neste Tribunal Central Administrativo, aquando da vista ao abrigo do n.º 1 do artigo 289.º, n.º 1, do CPPT, venha sindicar a errada interpretação jurídica relativamente ao artigo 145.º do CPC e a consequente tempestividade da oposição.

Neste particular, vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo SUL, proferido no processo nº 04770/01, com data de 01 de março de 2005, cujo sumário se extrai na parte que para os autos releva:

“I -O Ministério Público do tribunal ad quem, quando da vista que lhe é dada ao abrigo do disposto no art. 289.º, n.º 1, do CPPT, não pode arguir nulidades da sentença, que (com excepção da falta de assinatura do juiz) só poderiam ter sido arguidas no recurso interposto daquela sentença e dentro do prazo para o mesmo (cfr. art. 668.º, n.º 3, do CPC)”.

De convocar, outrossim, o Aresto do STA, proferido no processo nº 0960/17, com data de 30 de novembro de 2017, cujo sumário se transcreve: “I - Nos termos do artigo 146º nº1 do CPTA, é atribuída ao Ministério Público legitimidade para emitir parecer sobre o mérito de recurso jurisdicional interposto por terceiros, sempre que, no seu entender, assim o imponha a defesa de algum dos direitos, interesses, valores ou bens referidos no n.º 2 do art. 9.º do CPTA.

II - Esta pronúncia do Ministério Público sobre o mérito do recurso não abrange a emissão de promoções adjectivas, nem a intervenção em defesa da chamada legalidade processual onde se incluem a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do processo.

III - O que significa que não pode suscitar questão relativa a legalidade processual que não constituía o objecto do recurso e não tinha sido invocada por qualquer uma das partes, de forma de impôr sobre o julgador o seu conhecimento como questão prévia autónoma.(1)

De todo o modo, não obstante o exposto sempre se dirá que, in casu, da conjugação das alíneas 10, 17 e 18 (tendo a citação sido assinada por terceiro e atenta a dilação constante no, à data, 252.º A do CPC), sempre a oposição seria tempestiva.

Assim, face ao exposto, não se conhece da questão da falta de cumprimento do artigo 145.º do CPC arguida pelo DMMP.

Atentemos, ora, na omissão de pronúncia.

Sustenta a Recorrente que foram violados pela decisão recorrida o artigo 125.º CPPT e o artigo 668.º, nº1 alínea d) do CPC e os artigos 234-A/1, 288, nº1, alínea e), 493.º, nºs 1 e 2, 494.° e 495.° e 660.º, nº1 e 2, todos do CPC, em virtude de o Tribunal a quo não ter conhecido em primeiro lugar a exceção dilatória inominada suscitada nas suas alegações escritas.

Aduz, neste particular, que o Recorrido na petição inicial invocou fundamentos de oposição, como sejam: a) infundada insuficiência dos bens penhoráveis da originária devedora, b) ilegitimidade pelo não exercício de facto das funções de gerente, c) falta de culpa pela formação da dívida exequenda, não resultante de atos de má gestão, e fundamentos a invocar no próprio processo de execução fiscal, concretamente: d) não comunicação nos termos do artigo 60/5 da LGT do projeto de decisão e sua fundamentação; e e) não inclusão na citação de declaração fundamentada dos pressupostos da reversão e sua extensão.

Sendo certo que, no pedido final contempla um pedido respeitante à nulidade do processo de execução, donde, a invocar no próprio processo de execução fiscal e um pedido próprio da oposição visando a sua extinção.

Pelo que, nos termos dos artigos 97.º, nº3 da LGT e 98.º, nº4 do CPPT a oposição só será suscetível de ser convolada em nulidade a invocar no próprio processo de execução fiscal se o pedido formulado e a causa de pedir se ajustarem à forma adequada do processo e a ação for tempestiva, não competindo, assim, ao Tribunal a quo “partir o processo nas diferentes causas de pedir e pedidos, incompatíveis e de diferente natureza, ou substituir-se ao contribuinte, optando por um processo em detrimento”.

Razão pela qual, verificando-se a aludida exceção dilatória, e não tendo o Tribunal a quo, se pronunciado sobre a mesma, violou os artigos 125.º, nº 1 do CPPT e 668.º, nº1, alínea d) do CPC, padecendo de omissão de pronúncia.

Vejamos, então.

Preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que: “1 Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

De harmonia com o disposto na primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, a sentença é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, ocorre nulidade da decisão por omissão de pronúncia quando a sentença deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (2) .

Apreciando.

Importa, desde já, relevar que contrariamente ao evidenciado pela Recorrente do facto de um Tribunal conhecer previamente do mérito antes de apreciar alguma questão que lhe tenha sido suscitada, ou mesmo de conhecimento oficioso não decorre a nulidade da sentença. É certo que do ponto de vista jurídico não será, necessariamente a melhor técnica jurídica, desde logo, porque a apreciação de tal questão pode obstar à análise do mérito revelando-se, assim, inútil. Porém, nunca pode ser entendida enquanto nulidade da sentença, se conhece de todas as questões independentemente da ordem que entendeu, por bem, adotar e imprimir a essa apreciação.

Na verdade, só existe nulidade de sentença se o Juiz foi convocado a pronunciar-se sobre determinadas questões e sobre elas nada disse.

Feito este introito, continuemos.

Ab initio, cumpre evidenciar que os fundamentos da ação têm de ser evidenciados na petição inicial, exceto se os mesmos decorrerem de facto superveniente ou se forem de conhecimento oficioso. Note-se que em processo tributário apenas é admissível a ampliação do pedido e da causa de pedir, de acordo com o consignado no artigo 63.º do CPTA, e 264.º, 265.º e 589.º, do CPC aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alíneas c) e e) do CPPT (3).

In casu, pese embora a Recorrente não tenha arguido na sua contestação a aludida exceção dilatória, sindicando-a apenas nas suas alegações escritas, a verdade é que reveste caráter oficioso, razão pela qual tendo sido suscitada carecia da competente apreciação.

Ora, não tendo o Tribunal a quo emitido a competente pronúncia, verifica-se, efetivamente, nulidade por omissão de pronúncia, impondo-se, por isso, dela conhecer de imediato, em substituição, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, nº1 do CPC, quer porque os autos reúnem todos os elementos para o efeito, quer porque da sua procedência resultará, manifestamente, que se declarem prejudicadas a apreciação das demais questões suscitadas na presente lide recursiva.

Vejamos, então, se o Tribunal a quo deveria ter decretado a absolvição da instância atenta a circunstância de parte das causas de pedir e do pedido não se coadunarem com o processo de oposição.

No caso sub judice, o Recorrido deduz o seguinte pedido na sua petição inicial: “[d]eve a presente oposição ser julgada procedente e em consequência declarar-se a nulidade do processo de execução fiscal a partir da notificação para audição prévia do executado e a final ser absolvido do pedido, declarando-se a extinção do processo de execução fiscal”.

Convoca, como causas de pedir, a violação do direito de audição prévia, a ilegitimidade do responsável subsidiário decorrente da falta de exercício das funções de gerente no período relevante, a inexistência de culpa na insuficiência do património, a falta de fundamentação do despacho de reversão e a nulidade da citação por a mesma não contemplar a declaração fundamentada dos seus pressupostos e a extensão da reversão.

De facto, no sentido propugnado pela Recorrente nem todos os fundamentos alegados pelo Recorrido são próprios do processo de oposição. Com efeito, o pedido de nulidade do processo de execução fiscal não é consentâneo com o processo de oposição o qual visa a extinção do processo de execução fiscal e não a sua nulidade.

Mas a verdade é que a cumulação ilegal de pedidos determina apenas uma impropriedade do meio processual de âmbito parcial e nessa medida, contrariamente ao defendido pela Recorrente não determina a absolvição de toda a instância.

Com efeito, “[o]correndo erro na forma do processo, constitui um poder/dever vinculado do juiz a convolação do processo na forma processual adequada (artigos 98.º n.º 4 do CPPT e 97.º nº 3 da LGT), que somente pode ser afastado quando a convolação se mostre inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado”(4) , mas a verdade é que em situações de erro na forma do processo parcial essa vinculação não existe, nem pode existir.

Conforme doutrina JORGE LOPES DE SOUSA “Nos casos em que tenha sido efectuada cumulação de pedidos e a forma do processo seja adequada à apreciação apenas de um deles, não poderá haver correcção da forma de processo quanto aos processos para os quais a forma de processo é inadequada, pois o processo tem de seguir a forma escolhida pelo interessado relativamente à apreciação do pedido para que essa forma de processo é adequada.

Nestes casos, a solução que se extrai do tratamento dado a uma questão paralela no n.º 4 do art. 193.º do CPC, é a de considerar sem efeito o pedido ou pedidos para o qual o processo não é adequada, seguindo o processo apenas para apreciação do pedido que deva ser apreciado em processo do tipo escolhido pelo interessado.

Essa consequência é uma aplicação da regra do art. 199.º do CPC, segunda a qual, no caso de erro na forma de processo, é nulo todo o processado que não puder aproveitar-se para a tramitação de acordo com a forma estabelecida na lei. Nesses casos de erro parcial da forma de processo, como este tem de prosseguir para apreciação do pedido para que é adequado, a consequência relativamente ao outro pedido será a de nulidade parcial do processo, na parte a ele respeitante, o que se reconduz a que o processo prossiga como se esse pedido não tivesse sido efectuado (5) ”.

Assim, em face do exposto, e pese embora assista razão à Recorrente no sentido de que o processo de oposição à execução fiscal não pode visar e ter como objeto a nulidade do processo de execução fiscal mas antes a sua extinção, a verdade é que, contrariamente ao defendido pela Recorrente não determina, nem pode determinar, como visto, a absolvição da instância tout court, mas apenas e só na exata medida, pelo que não merece qualquer censura o prosseguimento da oposição judicial, relativamente a todos os fundamentos que determinem a sua extinção, mormente, ilegitimidade do responsável subsidiário, apenas se impondo a expressa absolvição da Fazenda Pública quanto ao pedido de nulidade do processo de execução fiscal, o que se fará a final.

Aqui chegados, importa, então, aferir do erro de julgamento de facto.

Vejamos, então, se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter erradamente valorado a prova constante nos autos.

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil, concretamente, o artigo 640.º do CPC aplicável ex vi artigo 281.º, do CPPT (anterior 685.º B, nº1, do CPC) impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida .

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.(6)

Note-se que, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo, naturalmente, do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, conforme decorre do artigo 662.º do CPC , aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

Dir-se-á, portanto, que o que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640.º do CPC (685.º B do CPC).

In casu, e começando pela prova testemunhal, conforme se extrai do teor das alegações de recurso, a Recorrente não indica passagens concretas do seu depoimento, apenas de forma genérica procede a evidências dos mesmos, executando, no entanto, transcrições pontuais ainda que sem aludir a qualquer alínea do probatório e requerer o aditamento por via de substituição ou de complementação.

Na verdade, alude aos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas, porém não só o faz de forma pouco definida e vaga, como não indica as passagens da gravação em que funda a sua discordância com o decidido, nada especificando quanto à duração dos depoimentos no suporte digital (com início e termo dos mesmos), como legalmente se impunha, por se tratar de prova gravada. Limita-se, em rigor, a questionar a bondade da credibilidade atribuída aos depoimentos em questão, bem como as ilações ou conclusões dos mesmos decorrentes, sem qualquer substanciação, sem concretizar as passagens da gravação fundantes do seu recurso.

De todo o modo, e não obstante como referido, a Recorrente se tenha limitado a de forma genérica a atacar os depoimentos adjetivando-os de pouco credíveis e tendenciosos sem indicar, em concreto, as passagens da gravação, a verdade é que, ainda que de forma lacónica, em determinadas situações transcreveu pequenos excertos os quais reputou idóneos para extrair a falta de exercício da gestão o que levou a que o Tribunal ad quem, fosse legitimado a ouvir toda a produção de prova e, nessa medida, atestar das razões avançadas pela Recorrente.

E por assim ser vejamos, então, se lhe assiste razão.

Começa por aludir que o depoimento de A........... é parcial, tendo manifestamente interesse na presente lide, relevando, para o efeito, que o próprio apenas confessa o exclusivo exercício da gerência para evitar a penhora de bens do Oponente, visto que “[a] serem as dívidas revertidas contra A.........., as iria tornar simplesmente incobráveis, uma vez que este não tem bens susceptíveis de penhora.”

Aduz, ainda, que o mesmo confessa ter “tomado conta da gerência”, vindo a assumir que “para vincular a empresa também tinha de assinar o pai”, “era necessária a intervenção do pai”.

Fazendo, outrossim, alusão a um depoimento tendencioso atenta a relação de familiaridade e que a testemunha terá assumido quer era necessária a intervenção do pai e que ao mesmo nunca foi atribuída ou diagnosticada qualquer incapacidade do foro mental.

Porém, sem razão, desde logo, porque o Tribunal ad quem procedeu à audição, na íntegra, do aludido depoimento e o mesmo não se afigurou, de todo, tendencioso e parcial. Ademais, não é pela circunstância de uma testemunha ter uma relação de familiaridade com a parte que o julgador não lhe pode atribuir credibilidade. Note-se que é a própria Recorrente nas suas alegações que frisa o caráter familiar da empresa, pelo que, como é bom de ver, as razões de ciência são, necessariamente, mais fidedignas.

Acresce que nada no seu depoimento permite inferir e extrapolar a afirmação de que a assunção da gerência por parte da testemunha teve subjacente um intuito de fuga à penhora do património atenta a sua inexistência, sendo certo que o mesmo confessa, desde logo, a direção e o rumo da sociedade devedora originária. É certo que a testemunha salienta que o Oponente, por vezes, terá assinado alguns documentos, mas a verdade é que também evidencia que terá feito a seu pedido, a atestar, portanto, uma assinatura de cruz. De resto, em total conformidade com o já alegado pelo Recorrido no seu exercício de audição prévia da reversão o mesmo “limita-se a assinar alguns documentos oficiais, e a ser um gerente com simples pró-forma”.

In fine, sempre importa relevar que da audição do aludido depoimento o mesmo se mostrou totalmente seguro e sem mostrar qualquer hesitação, tendo o Tribunal tido a oportunidade de atestar que o mesmo asseverou com assertividade os factos elencados nos pontos 11, 12, 13 e 14.

Quanto à testemunha A……….., o mesmo salientou que o seu depoimento se afigura parcial, desde logo, atenta a relação de subordinação com a empresa. Enfatiza, outrossim, e de forma a descredibilizar o seu testemunho que o mesmo afirmou que “não sabe precisar as datas em que esteve ao serviço da originária devedora”. Faz, igualmente, alusão que o mesmo terá evidenciado que o cheque para pagamento de salários era “assinado pelo filho levando talvez outra assinatura”. Sublinhando, ainda, a existência de uma memória seletiva ao realçar uma pretensa atitude ditatorial do filho A……… para com o pai.

Mais uma vez a Recorrente não logrou demonstrar qualquer erro de julgamento de facto, dado que não só coloca o acento tónico na parcialidade do depoimento e da sua falta de credibilidade, como as razões que apresenta para a descredibilização não são passíveis de serem valoradas enquanto tal. E isto porque, não só a relação de subordinação inexiste à data em que depõe, como, em rigor, tendo sido trabalhador ao serviço da empresa tem, necessariamente, razões de ciência mais avalizadas da realidade empresarial, o que, de facto, soube exprimir e atestar de forma fidedigna.

Mais importa ter presente que contrariamente ao avançado pela Recorrente a testemunha não afirmou que a existência de uma outra assinatura pudesse ser a do Oponente. Com efeito, o Tribunal ad quem, cuidadamente ouviu o depoimento da testemunha e a mesma afirmou que o cheque referente à remuneração era assinado pelo filho A.......... e alvitrou -com muitas dúvidas as quais verbalizou- a existência, de uma outra assinatura, porém equacionou-a como sendo de Z……., ou seja, da consorte do Recorrido.

Mais importa relevar que é plausível que uma testemunha não se consiga recordar, com total exatidão das datas em que esteve ao serviço da sociedade devedora originária, de todo o modo afirmou que terá sido “há mais de 10 anos”, relevando, depois que “terminou há uns 7 ou 8 anos”.

A final, sempre importa relevar que da audição do aludido depoimento o mesmo se mostrou claro, objetivo e sem hesitações, tendo o Tribunal tido a oportunidade de atestar que o mesmo confirmou a realidade fáctica elencado nos pontos 12, 13 e 15.

No concernente à testemunha V…………….., evidencia que o mesmo acaba por assumir que o Oponente “necessariamente tem que intervir na abertura da conta bancária se a sua assinatura for necessária para vincular a sociedade” e que o “sr. L……. podia fazer algumas operações ao balcão mas o Sr. A……. é que negociava.”

Quanto a este depoimento não se vislumbra, de todo, qualquer contradição ou qualquer alegação que permita inferir um erro de julgamento, pois não só a testemunha teve um depoimento claro e sem quaisquer hesitações como demonstrou conhecer a dinâmica bancária da sociedade devedora originária, confirmando a realidade constante nos pontos 12 e 13.

Ademais, quando a testemunha afirma que “necessariamente tem que intervir na abertura da conta bancária se a sua assinatura for necessária para vincular a sociedade”, fâ-lo não por reporte ao Oponente, mas sim em termos absolutamente genéricos, ou seja, aquando de instâncias de esclarecimentos e na sequência da indagação de como é que, genericamente, se passa a vinculação societária. No respeitante à outra alegação de que o mesmo poderá ter feito algumas operações ao balcão, a mesma apresenta-se descontextualizada de todo um depoimento no qual a testemunha atesta, sem dúvidas, que era A.......... quem densificava e definia as operações e necessidades de tesouraria e bem assim todas as negociações de créditos e pagamentos, evidenciando que a sua razão de ciência advém da circunstância de ser o próprio que acompanhava os movimentos e a generalidade das operações, corroborando, assim, a matéria contemplada no ponto 14 do probatório.

A Recorrente alude, ainda, aos depoimentos das testemunhas J………… e T……….., para os descredibilizar atenta a sua razão de ciência qualificando-os como completamente inócuas.

Mas a verdade é que, no âmbito dos presentes autos não foram prestados esses depoimentos, nem existe qualquer despacho que ateste qualquer aproveitamento de prova. Ademais, como é bom de ver, a sentença não faz alusão aos aludidos depoimentos, em nada os valorando.

Em face de todo o exposto, conclui-se que não se vislumbra qualquer erro grosseiro, qualquer contradição ou parcialidade no julgamento, sendo certo que quanto a este último aspeto não se aquilatou que qualquer testemunha pudesse ter interesse direto no desfecho da causa, mormente, A...........

Ademais, o Tribunal a quo valorou, com pormenor, de forma fundamentada e devidamente circunstanciada as razões que lhe permitiram fixar a factualidade constante nos autos, permitindo percecionar quais as razões que fundaram o seu iter cognoscitivo, relevando as razões de ciências e os aspetos basilares dos depoimentos que alicerçaram a decisão da matéria de facto.

Ainda, neste particular, e quanto à prova documental, a Recorrente evidencia que o Tribunal a quo pese embora tenha introduzido no ponto 16 da factualidade assente a sentença n° 73/02.1IDGRD, prolatada pelo Tribunal Judicial de Trancoso, a verdade é que não a valorou em conformidade, sendo que a mesma é contemporânea da reversão das dívidas da originária devedora contra o Recorrido, corroborando à exaustão o exercício da gerência de facto pelo Recorrido na originária devedora “T………….., Lda,”.

Porém, não se vislumbra, mais uma vez, qualquer erro de julgamento de facto, visto que o Tribunal a quo pese embora não tenha convocado a aludida sentença na fundamentação de direito, infere-se que entendeu que a mesma de per si, não alterava, em nada, a convicção quanto à gerência de facto, desde logo, porque entendeu que o ónus probatório se encontrava na esfera jurídica da Recorrente.

Ademais, importa ter presente que “[c]onsubstancia questão diferente saber se os factos provados em processo de natureza diferente (processo criminal) podem ser considerados no processo tributário. Efectivamente, o Acórdão do STA, de 16/02/2005, proferido no âmbito do processo n.º 08/05, referenciado pela Recorrente, aflora esta matéria, referindo que, independentemente de o tribunal tributário poder e dever aproveitar provas produzidas em processo criminal, não está legalmente sujeito aos factos aí apurados, na medida em que as exigências probatórias são distintas (7). Sendo certo, outrossim, que “[d]o regime previsto nos artºs 47º e 48º do R.G.I.T. resulta que existe uma opção legislativa no sentido da preferência da jurisdição fiscal em relação à jurisdição criminal para apreciação de questões de natureza tributária, preferência essa que é corolário da atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (artº 212º, nº 3, da C.R.P.) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais”(8).

Mais importa relevar que contrariamente ao evidenciado pela Recorrente nas suas conclusões no sentido de que a aludida sentença proferida em processo penal “enumera como elementos de prova, para além de outros, também a confissão parcial do Oponente, ora recorrido”, tal não é inteiramente correto, visto que o consta na aludida decisão é que o Tribunal formou a sua convicção, entre o mais, nas “declarações do arguido que admitiu estarem em dívidas as quantias do IVA, e ainda no que concerne à sua situação económica e social e à situação da arguida”, ou seja, em nada evidencia uma confissão e uma assunção de gestão efetiva.

E por assim ser, em face de todo o exposto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento.

Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto, importa apurar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito. Cumpre, assim, aferir se face aos factos apurados andou bem o Tribunal a quo, ao decidir pela ilegitimidade do responsável subsidiário por se não ter demonstrado que o mesmo assumia, efetivamente, as funções de gerente na data da prática dos factos tributários em discussão.

Apreciando. Evidenciando, desde já, que entendemos que nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida por ter interpretado adequada e acertadamente a matéria de facto dos autos à luz do quadro jurídico vigente.

Expliquemos, então, porque assim o entendemos.

Cumpre, desde já, evidenciar que quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o artigo 204.º, n.º 1, al. b), do CPPT, que a oposição pode ter como fundamento a “[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.

Encontramo-nos, assim, perante uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda, logo leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial, razão pela qual rege a lei vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, conforme entendimento jurisprudencial unânime.

No caso vertente, sendo aplicável, como visto, a lei vigente à data da prática dos factos tributários e encontrando-nos face à reversão de dívidas de IRC, dos anos de 1998 e 1999, IVA 1999 e 2000, e coimas do ano de 2000, é aplicável, nessa medida, o regime constante do Código de Processo Tributário (CPT), concretamente, do artigo 13.º do CPT relativamente às dívidas do ano de 1998, do artigo 24.º da LGT, quanto às dívidas dos anos de 1999 e 2000, e o artigo 8.º do RGIT respeitante às coimas.

Vejamos, então.

Comecemos por convocar a letra do artigo 13.º do CPT, o qual sob a epígrafe de “Responsabilidade dos administradores ou gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade limitada”, dispunha no seu nº1 que: “Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação de créditos fiscais”. (cfr. artigo 13.º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de maio).

Do teor do citado preceito legal resulta que não existe uma presunção inilidível da culpa pela insuficiência do património social para a satisfação dos créditos fiscais (como sucedia na vigência do CPCI), instituiu-se apenas a presunção de culpa - agora ilidível - de que a insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais derivava da atuação culposa dessa gerência ou administração.

Dimana, porém, do teor do citado artigo 13.º do CPT, ser imprescindível verificar-se a administração de facto da sociedade devedora originária. Sendo que inexiste uma presunção legal da administração de facto, verificada que esteja a administração de direito de uma sociedade por determinada pessoa.

Neste particular, convoque-se o teor do Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em acórdão datado de 28 de fevereiro de 2007, no processo n.º 1132/06, disponível para consulta em www.dgsi.pt, cujo sumário, ora, se transcreve:
“I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social.
II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.
III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.
IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.”

Não é, pois, sustentável que caiba ao responsável subsidiário o ónus da prova de que não exerceu a administração de facto.

O mesmo sucede com no regime constante na LGT. De harmonia com o disposto no artigo 23.º, nº 1 e 2, da LGT:

“1 - A responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal.

2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.”

Resultando, por sua vez, do teor do artigo 24.º, n.º 1, do mesmo diploma legal que :

“[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Do teor do normativo legal transcrito supra resultam dois regimes distintos da responsabilidade do gestor, classificados de acordo com o fundamento pelo qual o gestor é responsabilizado, a saber, a responsabilidade pela diminuição do património e a responsabilidade pela falta de pagamento.

Concretizando.

Enquanto, a responsabilidade pela diminuição do património se encontra regulada na alínea a), do nº1, do artigo 24º da LGT, a responsabilidade pela falta de pagamento está consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT.

O citado artigo 24.º da LGT, introduziu nas suas alíneas a) e b), uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:

- as dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cfr. a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT);

- as demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária, ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova de culpa dos mesmos na insuficiência do património social.

Quanto às coimas, como visto, o regime legal está regulado no artigo 8.º do RGIT, estatuindo o mesmo que:

“1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas coletivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:

a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infrações por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa coletiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;

b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento”.

Do teor do citado artigo 8.º, do RGIT, resultam semelhanças, em termos estruturais, com o artigo 24.º, n.º 1, da LGT. No entanto, é de sublinhar que, em termos de culpa, ao contrário do que sucede no âmbito de LGT, em nenhum dos casos a lei presume a culpa do responsável ou a sua imputabilidade pela falta de pagamento.

De todo o modo, conforme bem evidencia a sentença recorrida, a análise da gerência de facto é preliminar à culpa pela falta de pagamento. Com efeito, a responsabilidade dos administradores ou gerentes por dívidas tributárias vencidas no período do exercício do cargo dispensa a Administração Tributária da prova da respetiva culpa no incumprimento, porém não a dispensa da alegação e prova da gerência de facto.

Significa, então, que a prova dos pressupostos de facto da gerência compete à Administração Tributária, não existindo presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, podemos ter, isso sim, uma presunção judicial, a aferir pelos elementos fornecidos pelas partes, e que o tribunal deve valorar em sede de matéria de facto (9).

Ora, delimitado o regime legal e analisando-o à luz do recorte probatório dos autos, e face à factualidade constante da sentença recorrida devidamente estabilizada, deve concluir-se no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, ou seja, pela falta de prova da gerência de facto da sociedade executada originária, por parte do Oponente no período a que se reportam as dívidas exequendas revertidas enquanto pressuposto da reversão das execuções fiscais contra o responsável subsidiário.

Para o efeito, importa, desde logo, relevar que o Oponente ao longo de toda a p.i. nega, de forma expressa, a gerência de facto da sociedade devedora originária, não tendo a Administração Tributária carreado para os autos qualquer elemento de prova que permita extrair que o Oponente exerceu, efetivamente, a gerência da sociedade devedora originária.

É certo que o projeto de despacho de reversão faz alusão que a inferência da gerência de facto se faz por reporte a “averiguações a que se procedeu e através das quais se concluiu ser o referido sócio gerente que:
6.1.1 Acompanhava a actividade da empresa, superveniente a sua acção;
6.1.2. Actuava sobre o pessoal numa relação de subordinação hierárquica derivada da sua condição patronal;
6.2. Consulta ao sistema informático, através do qual se constata a sua condição de gerente”, mas a verdade é que tais considerações mais não representam do que juízos conclusivos, não se evidenciando e documentando –seja em fase administrativa, seja em fase judicial- quais as realidades fáticas que permitiram concluir pelo aludido acompanhamento societário, e de que forma é extraída a conclusão de que atuava sobre o pessoal numa relação de subordinação, sendo certo que, como visto, o ónus probatório se encontrava investido na sua esfera jurídica.

De relevar, outrossim, que em nada releva a circunstância alegada pela Recorrente no sentido de que nunca foi alterado o pacto social a atestar que a gerência seria exercida por A.........., e isto porque tal alteração apenas permitiria atestar uma designação de direito, nada permitindo inferir quanto à gerência efetiva da sociedade devedora originária.

No concernente à sentença a que se faz alusão no ponto 16 do probatório e conforme já evidenciado anteriormente a mesma, de per si, não permite concluir que era o Recorrido que estava investido, de facto, nos poderes de gestão.

Mais importa ter presente que em nada relevam as alegações da Recorrente no sentido de o Recorrido ter, alegadamente, sido o fornecedor do imobilizado e a sede da empresa ser na casa de morada de família dos sócios pais, a verdade é que em nada permite inferir a gestão de facto do Recorrido.

Note-se que, para se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de atos isolados, mas antes pela existência de uma atividade continuada. Dir-se-á, portanto, que a gerência é, assim, antes do mais, a investidura num poder (10).

Ora, em face do referido, e conforme resulta expresso da factualidade provada, é manifesto que a Entidade Exequente não alegou, nem provou factos, que indiciem, de forma segura e inequívoca, o exercício da gerência de facto. Acresce que da demais documentação carreada para os autos, concretamente, dos elementos constantes no processo de execução fiscal, não resulta qualquer documento que permita extrair a conclusão de que o Recorrido exerceu, de facto, a gerência da sociedade à data da prática dos factos tributários e do seu vencimento.

Adicionalmente, e conforme resulta expresso na decisão recorrida e com total anuência deste Tribunal, também da prova testemunhal resulta patente que o mesmo nunca exerceu a direção efetiva da sociedade devedora originária.

Com efeito, no sentido propugnado pela primeira instância e conforme atesta o acervo probatório dos autos, desde o início da constituição da empresa que, o oponente juntamente com o filho, iniciaram juntos a gerência da originária devedora, pois era o Recorrido quem detinha os requisitos profissionais para a abertura e constituição da empresa.


Mais dimanando do acervo probatório dos autos, que o Oponente trabalhava na empresa no âmbito da sua atividade de motorista, pois no início a mesma não dispunha de trabalhadores, sendo que entre os anos de 1996/1997, motivado por problemas de saúde, o Recorrido deixou, progressivamente, de frequentar a empresa e o filho A…….. assumiu a gerência da mesma.

Resultando, igualmente, assente que o filho do Recorrido, A.........., era quem dentro da empresa decidia e fazia os contratos com clientes, quem dava ordens aos trabalhadores e quem lhes pagava. De igual modo era A.........., quem assinava as declarações de IVA e IRC da empresa “T…………….., Lda.”, sendo o próprio quem recebeu os funcionários que procederam à ação inspetiva.

Dimanando, a final, que na relação da empresa com as instituições financeiras, especificamente, com o C………., era o filho A.......... quem fazia a gestão financeira da empresa, recorria aos créditos, e fazia o pagamento das dívidas.

Destarte, em face do supra aludido e não obstante a Administração Tributária não ter ilidido o ónus probatório que sobre si impendia, a verdade é que o Recorrido demonstrou que pese embora figure como gerente de direito da sociedade devedora originária, à data da prática dos factos tributários, nunca assumiu a direção da mesma, logo não pode ser responsabilizado, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas sendo, por isso, parte ilegítima para a execução fiscal, pelo que a sentença que assim o decidiu não merece qualquer censura.

Resulta, assim, que face à prova produzida nos autos, a Administração Tributária não estava legitimada a efetivar a reversão contra o Recorrido atenta a falta de prova dos pressupostos da reversão no âmbito do processo de execução fiscal nº 1163-02/10.....e apensos, assim se devendo confirmar a decisão recorrida.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, e em consequência:

-Absolve-se a Fazenda Pública da instância relativamente ao pedido de nulidade do processo de execução fiscal;

-Nega-se, no mais, provimento ao recurso, mantendo, em conformidade na ordem jurídica a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente e do Recorrido, na proporção do seu decaimento que se fixam em ¾ para a Recorrente e ¼ para o Recorrido.

Registe. Notifique.


LISBOA, 11 de JULHO de 2019


(PATRÍCIA MANUEL PIRES)

(CRISTINA FLORA)

(TÂNIA MEIRELES DA CUNHA)






_____________________________________________________
(1) Quanto ao âmbito e abrangência do caso julgado vide, designadamente, processo nº 02788/11.4 BEPRT-A, de 01 de julho de 2016, disponível integralmente em www.dgsi.pt.

(2) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.

(3) Vide Acórdãos do STA proferidos nos processos nºs 030/11, de 29 de junho de 2011 e 0150/13, de 23 de outubro de 2013.

(4) In Ac. STA, proferido no recurso nº 0409/12, de 16 de maio de 2012.

(5) Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado- 6.ª edição 2011, volume II, anotação 10 e) ao art. 98.º, págs. 92/93.

(6) Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07.

(7) In Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 2374/06.0BEPRT, de 29 de junho de 2016.

(8) In Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo nº 0115/07, de 12 de junho de 2007.

(9) Vide, designadamente, Aresto do STA proferido no recurso nº 0944/10, de 2 de março de 2011..

(10) Sobre o traço distintivo entre gerente de direito e gerente de facto, vide, designadamente, Acórdão proferido pelo TCA Norte, no processo01417/05.0BEVIS, de 16 de abril de 2015.