Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:628/09.3BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:05/14/2020
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO;
PRESSUPOSTOS;
DANO PATRIMONIAL;
DANO NÃO PATRIMONIAL;
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:i) À responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito de gestão pública, concretamente por violação dos deveres de manutenção do bom estado do pavimento das plataformas das estações ferroviárias, é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.º, n.º 1, do Código Civil.

ii) Por beneficiar desta presunção, o Autor lesado só tem que demonstrar a realidade dos factos causais que lhe servem de base para que se dê como provada a culpa do ente público que tem a cargo o dever de fiscalização e conservação da via (artigos 349.º e 350.º, n.º 1 do Código Civil), cabendo a este ilidir tal presunção (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).

iii) A condenação do lesante a título de danos patrimoniais, será correspondente ao montante dos prejuízos provados consequenciais do evento danoso.

iv) No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a situação económica do lesante e do lesado, e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo desconsiderar-se os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.

v) É adequado atribuir uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de EUR 2.000,00, tendo por referência os danos atendíveis em consequência de um entorse num pé motivado pela existência de um buraco no pavimento e consistentes num diminuto período de imobilização (pouco mais de 1 mês), a ausência de sequelas, o dano estético com impacto mínimo, a ligeira dor sofrida e um mínimo de incapacidade permanente geral.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

C... (Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a acção administrativa comum instaurada contra a Rede Rodoviária Nacional – REFER, E.P.E., actualmente, na sequência do Decreto-Lei nº 91/2015, de 29 de Maio, Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP, S.A.), absolvendo a Recorrida do pedido no qual a aqui Recorrente pedia a sua condenação por motivo de responsabilidade civil associada a danos patrimoniais e não patrimoniais em consequência de um acidente por si sofrido por existência de um buraco no pavimento da plataforma da estação ferroviária de Loulé/Quarteira.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

I. A apreciação que foi feita pelo tribunal "a quo" quer dos depoimentos prestados em audiência quer da documentação junta aos autos pelo tribunal "a quo" relativamente à (i)lícitude e à culpa da Recorrida foi incorrecta. Cfr. Artigo 640°, nº l e nº2 , alínea a) do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 140° do C.P.T.A.).

II. Assim, deveria, o tribunal "a quo" ter considerado como provado que, "No dia 29 de Setembro de 2004, a Autora embarcou no comboio Alfa, com destino a Lisboa, cerca das 7 horas, havia pouca luz e o piso da plataforma de embarque e desembarque encontrava-se molhado e com parte da calçada arrancada".

III. Tal alteração da decisão sobre a matéria de facto, por motivo de erro da apreciação da prova testemunhal e documental produzida, fundamenta-se na ponderação e avaliação conjunta e conjugada do seguinte:

III. i) Não é razoável, nem expectável considerar que a Recorrente propositadamente se descuidou ao ponto de se deixar fazer tropeçar num buraco (Cfr. Pág. 20, último parágrafo da sentença recorrida).

III. ii) Os depoimentos das testemunhas W... e J..., presenciais e com depoimento direto (iam todos juntos outorgar uma escritura em Lisboa), contrariam a versão simplista que foi preconizada na parte final da pág. 17 da sentença recorrida, porquanto o 1º (W…) na audiência de discussão e julgamento de 15 de Abril de 2013, a instâncias do mandatário da Recorrente à pergunta "E o chão o que é que tinha?", respondeu "O chão estava molhado com buracos e a calçada arrancada"(o destaque é nosso) , tendo confirmado a conformidade das fotos que constam da alínea A) dos factos dados por provados e que constituem o documento nº 1 da petição inicial) Sr W...: "Sim era aquele o local", à semelhança da testemunha J... que, na mesma audiência especificou "No dia fomos fazer uma escritura na Estação de Loulé fomos apanhar o comboio às 7 da manhã e havia pouca luz no local íamos andando assim a minha mulher mete o pé esquerdo num buraco e eu joguei-lhe a mão ao braço se não batia no comboio" (o destaque é nosso).

III. iii) Além disso, os factos ocorreram em finais de Setembro em que às 7 da manhã ainda é praticamente de noite, pelo que considera-se que o tribunal "a quo" violou os princípios da experiência comum e o artigo 607º, nº 5 ab initio do C.P.C. (aplicável ex vi artigo 42º, nº 1 do C.P.T.A.), por não ter incluído na matéria de facto provada a descrição do contexto de pouca luz e o chão molhado e esburacado no qual a queda se deu, culpando a lesada por esta queda e isentando por completo a Recorrida que, no mínimo, teria que ter sinalizado o local e, como iremos ver, não o fez.

IV. Deveria o tribunal "a quo" ter considerado como provado , na alínea D) dos factos assentes (Cfr. Página 5 da sentença recorrida) o seguinte:

"Pelo oficio de 2005.02.03, a Ré comunicou à Autora, designadamente o seguinte "que a nossa Empresa tenciona proceder à renovação do pavimento das referidas plataformas, a curto prazo " e "mais se informa que a zona mais degradada, e que terá estado na origem da vossa reclamação já foi reparada", terminando tal oficio "lamentando o transtorno causado"(Cfr. Doc.nº4 da petição inicial)"uma vez que se tratam de partes de um texto emitido pelos próprios serviços da Recorrida, "o diretor de Gestão de contratos comerciais, V...", com manifesta relevância para o apuramento da sua responsabilidade (Cfr. "a zona mais degradada e que terá estado na origem da vossa reclamação já foi reparada") .

V. Ao contrário do referido nas páginas 19 e 20 da sentença recorrida, deveria ter sido dado por provado que "Logo após a queda e durante o dia em que a mesma ocorreu, a Autora sofreu dores e teve de colocar gelo".

VI. Tal alteração da decisão sobre a matéria de facto, por motivo de erro da apreciação da prova testemunhal e documental produzida, fundamenta-se na ponderação e avaliação conjunta e conjugada do seguinte:

VI.i) O tribunal não levou em conta o teor do relatório pericial que está reproduzido na alínea U) dos factos dados por assentes (Cfr. Página 11 da sentença recorrida), da autoria do Sr Dr. H..., especialista em Ortopedia do Instituto de Medicina Legal de Faro, no qual este refere o expressamente o seguinte "Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o acidente e a fractura da base do 5° metatársico. Existiu causalidade traumática suficiente. Existiu também causalidade clínica suficiente para a doente manifestar como sequelas tendinite dos peroneais ".

VI.ii) Nem todas as lesões ósseas e/ou musculares produzem de igual modo a mesma necessidade imediata de intervenção hospitalar ou até cirúrgica ou manifestam os seus efeitos de modo instantâneo (cfr. Facto notório, nos termos do disposto no artigo 5º, nº 2, alínea c) e 412º, nº l do C.P.C. (aplicável ex vi artigo 42º, nº 1 do C.P.T.A.).

VI.iii) O tribunal não ponderou sequer os depoimentos do Sr W... e J... que, na audiência de discussão e julgamento de 15 de Abril de 2013, no caso do 1º ("W..."), a instâncias do mandatário da Recorrente sobre como ficou a Recorrente após a queda, "A senhora começou logo a queixar-se" (o destaque é nosso)

A instâncias do mandatário da Recorrente: "E depois?" Ao que o Sr. W... respondeu: "Chegamos a Lisboa, apanhamos um táxi que a Sra já não podia andar, e fomos fazer a escritura."

A instâncias do mandatário da Recorrente: "Relativamente às dores como é que ela lidou com essas dores?" Ao que o Sr. W... respondeu: "Sempre a queixar-se torcia-se toda com dores"

A instâncias do mandatário da Recorrente: "Sabe se ela pôs alguma coisa no pé? ". Ao que o Sr. W... respondeu: "Sim quando íamos para lá gelo, mas não passava"

A instâncias do mandatário da Recorrente: "A viagem foi com um certo sofrimento?" Ao que o Sr. W...: "Sim a viagem a torcer-se toda fomos almoçar ela nem comeu nada cheia de dores via-se mesmo que ela tinha muitas dores".

A testemunha J..., na mesma audiência, questionado pelo mandatário da Recorrente sobre o que sucedeu após a queda, respondeu "Continuaram a viagem e pediu gelo" e ainda a nova pergunta do mesmo mandatário "Tinha dor? inchaço?..,, ao que respondeu "Dor sim, inchaço não muito. Quando chegámos fomos de táxi fazer a escritura, voltaram para a Gare do oriente para comer qualquer coisa e voltou a pedir gelo ".

VII) Deveria, por fim, o tribunal "a quo" ter considerado como provado que, "O buraco na calçada do pavimento da estação de Loulé/Quarteira que foi objecto da reclamação referida na alínea B) dos factos dados por provados não se encontrava devidamente sinalizado pela Ré" .

VIII) Tal alteração da decisão sobre a matéria de facto, por motivo de erro da apreciação da prova testemunhal e documental produzida, fundamenta-se na ponderação e avaliação conjunta e conjugada do seguinte:

VIII.i) Inexisténcia de sinalização nas fotos referidas na alínea A) dos factos dados por provados e doc. nº l da p.i., tendo as testemunhas W... e J… as reconhecido.

VIII.ii) Na carta da Recorrida junta como documento nº 4 da p.i. e aceite na alínea D) dos factos assentes da página 5 da sentença recorrida, (ainda que de modo incompleto como já vimos na alínea IV das presentes conclusões), "o diretor de Gestão de contratos comerciais, V..." nada referiu sobre a existência de sinalização, o que, a ter ocorrida, seria necessariamente uma boa forma de responder à utente reclamante.

VIII. iii) O tribunal "a quo" não levou em consideração a contradição do depoimento das testemunhas da Recorrida D... e J... com o teor do doe. nº 4 da p.i. e a alínea D) dos factos provados (Cfr. Pág. 5 da sentença recorrida), onde os primeiros ou não sabiam ou, no caso da testemunha D... diz, naquela estação, "buracos penso que não", o que só por si, esvazia por completo a credibilidade de todo o seu depoimento.

VIII. iv) Porém, o depoimento da testemunha D... ao afirmar que o acidente ocorreu (como é que ele sabe isso se não esteve no local?) tinha ocorrido numa fase ainda não remodelada e que só o foi depois, o que coincide (aqui sim) com o teor do doe. nº 4 da p.i. e a alínea D) dos factos provados (Cfr. Pág. 5 da sentença recorrida).

Com efeito, na audiência de discussão e julgamento de 15 de Abril de 2013, a instâncias da mandatária da Recorrida: "Teve conhecimento do acidente?" ao que o Sr D... respondeu "Foi-me perguntado mais tarde se eu tinha tido conhecimento, não, não tive conhecimento".

A instâncias da mandatária da Recorrida sobre o assunto, respondeu o Sr D... "(...) houve remodelações nos anos de 2003/2004. Houve obras que acabaram e outras que estavam numa outra fase, mas buracos penso que não. O acidente foi numa parte que não tinha sido remodelada, foi depois do acidente."

VIII. v) Por sua vez, a instâncias do mandatário da Recorrente, confrontado com as fotos juntas como doc. nº 1 da p.i. e mencionadas na alínea

A) dos factos dados por assentes (onde não consta qualquer sinalização), onde se perguntou como qualifica essas fotos e se o pavimento está calcetado, o Sr J... respondeu "Normalmente o piso está sempre calcetado, mas não pode dizer nada porque não estava naquela estação" (o destaque é nosso).

VIII.vi) Não se perceber (e o tribunal "a quo" não o explica) porque ê que o depoimento das testemunhas presenciais W... e J... foram total e absolutamente desconsideradas, quando a 1º , na audiência de discussão e julgamento de 15 de Abril de 2013, questionada a instâncias do mandatário da Recorrente se "Os buracos tinham alguma sinalização? Alguma coisa a dizer perigo um triângulo ou qualquer coisa assim?", respondeu "não, nada, nada, nada" e o 2º, J..., na mesma audiência, perante a mesma questão, respondeu "não, nada, nada".

IX) A sentença recorrida viola o disposto no artigo 607°, 4 do C.P.C. ex vi artigo 42º, nº l do C.P.T.A., ao não indicar os "factos não provados", o que, em última análise se pode até subsumir numa situação de nulidade de sentença, ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1 , alínea b) do C.P.C. e violação do artigo 154º, nº 1 do C.P.C., ambos aplicáveis ex vi artigo 42º, nº 1 do C.P.T.A.

X. A sentença recorrida viola também o disposto no artigo 607°, 4 do C.P.C. ex vi artigo 42º, nº 1 do C.P.T.A. ao não compatibilizar, de forma critica, ''toda a matéria de facto adquirida" pois, no que diz respeito à questão da sinalização, aceitou apenas o depoimento das testemunhas (não presencia is e totalmente contraditórios com o teor das Alíneas A e D dos factos assentes da Recorrida D... e J... (cfr. 2º Parágrafo da página 20 da sentença recorrida) e devia também ter levado em consideração (ainda que em conjugação) o depoimento das duas testemunhas (presenciais) W... e J... ou, se entendia que tais depoimentos não deveriam ser levados em consideração, deveria ter expressamente mencionado quais os motivos pelos quais entendia que tais depoimentos não foram considerados.

XI) Assim, em face de todo o supra exposto, com a correcção da decisão sobre a matéria de facto dada por provada e assente , resulta que que a Recorrida deveria ter sido responsabilizada pelos danos mencionados nas alíneas G) , I) J) a S) U) W) V) dos factos assentes na sentença recorrida, a arbitrar pelo tribunal, por se encontrarem observados os pressupostos da responsabilidade quer por via do artigo 2º, nº 1 e 4º do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967, quer por via da violação dos deveres acessórios de segurança, nos termos do disposto nos artigos conjugados 487°, nº2; 492º, nº2 e 762º, nº2 do Código Civil (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Dezembro de 2010 (Proc. nº 984/07.8 TVLSB.P1.S1) uma vez QUE:

- Existiam testemunhas presenciais do acidente.

- Existe uma admissão escrita da Recorrida (Cfr. Doc. nº 4 da p.i. e D dos factos assentes).

- Ficou demonstrado que o passeio se encontrava em mau estado e com buracos, suas dimensões e tipo de piso.

- Ficou demonstrado o contexto da luminosidade, visibilidade e estado do tempo

- O estado do piso da estação cuja manutenção e vigilância está a cargo da Requerida (Cfr. Alínea C) dos factos assente) teria sido determinante na queda da Recorrente e que esta queda não podia ter tido outra causa que não o referido buraco.

- O buraco não se encontrava devidamente sinalizado pela Recorrida.

XII) Caso assim não se entendesse, no âmbito do seu poder de julgamento e aplicação da lei, ainda no âmbito da responsabilidade civil subjectiva (culposa e ilícita) , o tribunal "a quo" poderia ainda ou aplicar o disposto no artigo 494º do Código Civil se entendesse que a culpa da Recorrida foi diminuta. Ou, se o tribunal entendia que a Recorrente também teve uma quota-parte de responsabilidade, em termos de culpa, deveria, então, ter fixado a responsabilidade de cada um deles (Cfr. Artº497º do Código Civil).

XIII) Por mera cautela e dever de patrocínio, subsidiariamente se viesse a considerar que a matéria de facto dada como provada foi julgada de forma correcta, ainda assim, a sentença recorrida não levou em consideração, de forma oficiosa (Cfr. Artigos 5º, nº3 e 607º, nº3 do C.P.C. aplicáveis ex vi artigo 42º, nº 1 do C.P.T.A.), a responsabilidade objectiva pelo risco que, em qualquer caso, deveria ter levado sempre à condenação da Recorrida no pagamento de uma indemnização tendo por base os danos mencionados nas alíneas G), I), J) a S) U) W) V) dos dados considerados assentes.

XIV) Tal responsabilidade pelo risco da Recorrida resulta do disposto no artigo artigo 8º do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967 ln (Cfr. Maria da Glória Garcia "A Responsabilidade Civil do Estado e demais Pessoas Colectivas Públicas”, Conselho Económico e Social, Série Estudos e Documentos , Lisboa, 1997, pág 31), interpretado e aplicado à luz do disposto no artigo 22º da Constituição da República Portuguesa (Cfr Gomes Canotilho "O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos N. Coimbra: 1974. Páginas. 96-109; Antônio Dias Garcia "Da responsabilidade civil objectiva do Estado e demais entidades públicas ". in Fausto Quadros (Coord.). "Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública” Coimbra. Almedina. 2 Edição. Página.197. Ou, ainda, de modo ainda mais radical, a Prof. Carla Amado Gomes, apelando a uma aplicação conjunta do artigo 22º da CRP com a cláusula geral do Estado Social de Direito, consagrado no artigo 2.º da CRP, segundo a qual o Estado não se pode eximir da compensação pelos danos que as sua acções e omissões provocam, caso revistam uma intolerabilidade superior à normal (Cfr. "A responsabilidade Administrativa pelo risco na Lei 67/2007, de 31 de Dezembro: uma solução arriscada?'. in Carla Amado Gomes (Org.). "Três Textos sobre o Novo regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas”. Lisboa: 2008. Página 83).

XV- No caso sub judice, os 2 requisitos exigidos pelo no disposto no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 48.051 , de 21 de Novembro de 1967 encontram-se devidamente observados porquanto, por um lado, os prejuízos sofridos pela Recorrida são manifestamente "anormais" , se levarmos em conta o teor combinado e conjugado do referidos nas alíneas G), I), U) W) V) dos dados considerados assentes e por outro esses mesmos danos resultam da ocorrência de uma actividade expecionalmente perigosa (gare de estação ferroviária em estado de intervenção/correcção pendente) associada à chegada e partida de comboios eléctricos que, por natureza, pode em tese e potência, atentar contra a integridade física dos seus utentes, sendo que tal constatação constitui um manifesto facto notário (Cfr. artigo 5°, nº 2, alínea c) e 412º, nº 1 do C.P.C., aplicável ex vi artigo 42 °, nº l do C.P.T.A.). Ou como diz a prof. Glória Garcia, em situação análoga, "(.... )Entram no campo da responsabilidade pelo risco os danos provenientes de acidentes na execução de obras públicas" Op. Cit.Página 31.

XVI- A estes requisitos acresce a constatação do tribunal "a quo" segundo a qual "Verifica-se pela observação das duas fotografias, a cores, da estação de comboios de Loulé/Quarteira, que num trecho circunscrito do pavimento faltam pedras e, supostamente, foi nesse local que a Autora tropeçou" (Cfr. 1º parágrafo da página 18 da douta sentença).

Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência a sentença recorrida ser revogada sendo substituída por nova decisão, sendo que salvo melhor opinião, ao abrigo do disposto no artigo 662º , nº 1 do C.P.C. (aplicável ex vi artigo 42° do C.P.T.A.), o presente tribunal de recurso (atenta a prova documental e as transcrições dos depoimentos supra mencionados) encontra-se em condições de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, sem necessidade de descida ao tribunal de 1ª instância, da seguinte forma:

a) Introdução dos seguintes factos novos dados por provados.

a. 1.) "No dia 29 de Setembro de 2004, a Autora embarcou no comboio Alfa, com destino a Lisboa, cerca das 7 horas, havia pouca luz e o piso da plataforma de embarque e desembarque encontrava-se molhado e com parte da calçada arrancada".

a.2.) "Logo após a queda e durante o dia em que a mesma ocorreu, a Autora sofreu dores e teve de colocar gelo".

a.3) "O buraco na calçada do pavimento da estação de Loulé/Quarteira que foi objecto da reclamação referida na alínea B) dos factos dados por provados não se encontrava devidamente sinalizado pela Ré".

b) Acrescento da alínea D) dos factos assentes da seguinte forma

"Pelo ofício de 2005.02.03, a Ré comunicou à Autora, designadamente o seguinte "que a nossa Empresa tenciona proceder à renovação do pavimento das referidas plataformas, a curto prazo " e "mais se informa que a zona mais degradada, e que terá estado na origem da vossa reclamação já foi reparada", terminando tal ofício "lamentando o transtorno causado"(Cfr. Doc.nº4 da petição inicial)"

Caso assim não se entenda, requer-se, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 662º do C.P.C., aplicável ex vi artigo 42º, nº l do C.P.T.A., a consequente descida dos autos à 1ª instância, para efeitos do cumprimento do disposto nas alíneas e) e d) daquele mesmo artigo 662º, nº2 do C.P.C. e ainda do seu nº3, consoante o que venha a ser decidido, sobre esta matéria, pelo douto tribunal de recurso.


A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.



Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do disposto nos artigos 146º do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.


Com dispensa de vistos do actual colectivo, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se o tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, omitindo factos essenciais à apreciação e decisão da causa;

- Se o tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, tendo efectuado uma deficiente apreciação e ponderação da prova produzida;

- Se o tribunal a quo errou no julgamento de direito ao não ter concluído pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil da Recorrida; e, subsidiariamente,

- Se o tribunal a quo errou por não ter sequer ponderado um eventual concurso de culpas, fixando a indemnização devida nessa correspondência



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) Duas fotografias, a cores, da estação de comboios de Loulé, nas quais se pode ver que um trecho circunscrito do pavimente não se encontra empedrado (cfr doc nº 1 da pi);

B) Em 2004.09.29, a Autora preencheu um impresso da Ré, no qual se pode ler o seguinte: “No dia 29/9/04, às 7 h, quando estava para embarcar no Alfa reparado com urgência para que não aconteçam acidentes. Quando me queixei no regresso Pendular com destino a Lisboa, na estação de Loulé, encontra-se na gare um buraco na calçada, onde sem se aperceber enfiou o pé esquerdo, torceu e por pouco não caiu. Daí resultou que ficou com uma entorse no pé esquerdo com inchaço e muitas dores. Agradece que seja o funcionário da estação apenas me deu este impresso e não se mostrou minimamente atencioso” (cfr doc nº 2 da pi);

C) Pelo ofício de 2004.11.30, a CP Longo Curso e Regional, comunicou à Autora, designadamente, o seguinte: “Informamos que, sendo a Rede Ferroviária Nacional – REFER, EP, a Entidade a quem cabe a gestão das Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé infraestruturas das estações, procedemos ao encaminhamento da reclamação para aquela Empresa, que certamente lhe dará a melhor atenção” (cfr doc nº 3 da pi);

D) Pelo ofício de 2005.02.03, a Ré, comunicou à Autora, designadamente, o seguinte: “a nossa Empresa tenciona proceder à renovação do pavimento das referidas plataformas, a curto prazo” (cfr doc nº 4 da pi);

E) Por carta de 2005.02.12, a Autora veio requerer à Ré, o pagamento das despesas e uma indemnização no valor não inferior a €500,00 (cfr doc nº 5 da pi);

F) Em 2005.10.24, a Autora realizou Ecografia das Partes Moles do Tornozelo Esquerdo (cfr doc nº 7 da pi);

G) Na Informação Clínica do Hospital Privado S..., de 2006.12.13, o médico, Dr. R... referiu que a Autora “terá sofrido acidente (queda) em 29/09/04 de que resultou „Fractura da Base 5 Metatársico do Pé Esquerdo. Fez tratamento conservador, imobilização gessada, tendo consolidado a fractura” (cfr doc nº 8 da pi);

H) Na Informação Clínica do Hospital Privado S..., de 2007.11.06, o médico, Dr. R... referiu, designadamente, que a Autora “Esta doente tem sido seguida em consulta para quadro recorrente (…)” (cfr doc nº 9 da pi);

I) No Relatório Clínico do Hospital Privado S..., de 2008.12.16, o médico, Dr. R... referiu, designadamente, que a Autora “Doente que sofreu FRACTURA DE BASE DO 5º METATARSIANO EM 29.09.2004” (cfr doc nº 11 da pi);

J) Factura emitida em 2004.10.08, emitida pelo Hospital Privado S..., em nome da Autora, no valor de €73,29 (cfr doc nº 13 da pi);

K) Factura emitida em 2004.11.10, emitida pelo Hospital Privado S..., em nome da Autora, no valor de €17,50 (cfr doc nº 14 da pi);

L) Factura emitida em 2005.10.18, emitida pelo Hospital Privado S..., em nome da Autora, no valor de €20,00 (cfr doc nº 15 da pi);

M) Factura emitida em 2005.11.09, emitida pelo Hospital Privado S..., em nome da Autora, no valor de €15,00 (cfr doc nº 16 da pi);

N) Factura emitida em 2005.11.29, emitida pelo Hospital Privado S..., em nome da Autora, no valor de €15,75 (cfr doc nº 17 da pi);

O) Recibo emitido em 2006.12.04, emitido por F..., Lda., em nome da Autora, no valor de €35,00 (cfr doc nº 18 da pi);

P) Factura emitida em 2006.12.13, emitida pelo Hospital Privado S..., em nome da Autora, no valor de €15,00 (cfr doc nº 19 da pi);

Q) Factura emitida em 2006.11.28, emitida pelo Hospital Privado S..., em nome da Autora, no valor de €15,00 (cfr doc nº 20 da pi);

R) Factura emitida em 2007.11.06, emitida pelo Hospital Privado S..., em nome da Autora, no valor de €15,76 (cfr doc nº 21 da pi);

S) Factura emitida em 2008.12.16, emitida pelo Hospital Privado S..., em nome da Autora, no valor de €18,54 (cfr doc nº 22 da pi);

T) Pela carta de 2008.11.10 da Sociedade de Advogados, L... & Associados, com o assunto: ‘Danos Físicos por motivo de más condições da estação de Loulé/ Quarteira’, dirigida à Ré, expressa designadamente o sentido de “procurar vias extra-judiciais de resolução amigável dos contenciosos, agradecíamos que nos respondessem o que entendem por conveniente relativamente ao presente assunto” (cfr doc nº 24 da pi);

U) Na ‘Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil’, realizada em 2010.07.20, consta o seguinte:


«Imagem no original»


V) Na Resposta ao Pedido de Esclarecimentos respeitante à ‘Avaliação Médico Legal em Direito Cível’, de 2010.12.03, pode ler-se o seguinte:


«Imagem no original»

cfr fls 229 e seguintes);

W) No relatório Clínico do Hospital Privado S..., de 2007.11.06, o médico, Dr. R... refere o seguinte:


«Imagem no original»

Não foram fixados factos não provados.

Não foi autonomamente consignada a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.



II.2. De direito

Discorda a Recorrente da sentença de 23.12.2014 do TAF de Loulé que julgou improcedente a acção de responsabilidade civil extracontratual por si proposta contra a REFER e absolveu esta do pedido de pagamento do reembolso das despesas médicas, no valor de EUR 240,84, dos danos patrimoniais em valor não inferior a EUR 500,00, dos danos não patrimoniais actuais em valor não inferior a EUR 10.000,00, e danos patrimoniais e danos não patrimoniais futuros em valor não inferior a EUR 8.000,00 e respectivos juros de mora.

As razões dessa discordância, e que constituem o objecto do recurso, começam por assentar na impugnação da matéria de facto que vem fixada.

Porém, ainda que observado o disposto no art. 640.º do CPC, correspondente ao art. 685.º-B do CPC/1961, certo é que a alteração da matéria de facto pretendida se apresenta como desnecessária. Os factos provados são suficientes para a decisão de causa e para a reapreciação da decisão recorrida.

A questão está sim na valoração daquela factualidade provada, na aplicação de presunções judiciais e da subsunção jurídica feita pelo tribunal recorrido, concretamente do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Posto isto, para concluir pela inexistência da responsabilidade civil da REFER, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:

“(…) no dia 29 de Setembro de 2004, sofreu uma entorse no pé esquerdo em virtude de ter tropeçado num buraco existente no pavimento da plataforma da estação ferroviária de Loulé/ Quarteira, no momento em que entrava para o comboio Alfa com direcção a Lisboa, que lhe causou nomeadamente muitas dores, graves dificuldades em dormir, não poder realizar grandes percursos a pé, não conduzir veículos automóveis e privação de calçar sapatos de salto alto.

Analisando.

Nos termos do nº 1 do artº 2º do Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967, para que um ente público responda civilmente é necessário que se verifique um efeito danoso como consequência, nos moldes da teoria da causalidade adequada, de acto ilícito praticado culposamente pelos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa desse exercício.

Dito de outro modo, podemos isolar como pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, os seguintes:

1. - o facto - acto de conteúdo positivo ou negativo - traduzido numa conduta voluntária de um órgão ou seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas;

2. - a ilicitude - que advém da ofensa, por esse facto, de direitos de terceiros ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios;

3. - a culpa - a qual exprime um juízo de reprovabilidade da conduta do agente que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade deste, quer ele tenha representado ou prefigurado no seu espírito determinado efeito da sua conduta e querido esse efeito como fim da sua actuação (dolo), quer apenas tenha previsto o efeito como possível, acreditando na sua não verificação por leviandade ou incúria (negligência consciente), ou nem sequer tenha concebido a possibilidade de o facto se verificar, por imprevidência, descuido imperícia ou inaptidão, quando podia e devia prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida (negligência inconsciente);

4. - o dano - lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros;

5. - o nexo de causalidade entre o facto (acto ou omissão).

Segundo a jurisprudência firme e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, é aplicável à responsabilidade civil extracontratual das autarquias locais por factos ilícitos praticados no exercício de gestão pública a presunção de culpa prevista no nº 1 do artº 493º do Código Civil – cfr Acórdão do Pleno de 2002.10.03, Recurso 45.160 in www.dgsi.pt .

Nestas situações, verifica-se uma inversão das regras relativas ao ónus da prova, estabelecidas no artº 342º do Código Civil, incumbindo ao lesado apenas o ónus da prova do facto que serve de base à presunção, e cabendo ao Autor da lesão a prova principal de que não teve qualquer culpa no acidente gerador dos danos, bem como a de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, adequadas a evitar o acidente, ou de que este se deveu a caso fortuito ou de força maior só por si determinante do evento danoso.

In casu, não logrou a Autora fazer prova cabal de que, como alegou, quando se dirigia para a estação de Loulé/ Quarteira para apanhar o comboio Alfa Pendular com direcção a Lisboa, “no momento em que ia entrar no referido comboio, a A. tropeçou, com o seu pé esquerdo, num buraco que se encontrava aberto na calçada da referida estação”, o que provocou o pagamento dos danos que ora reclama.

Desde logo, por duas ordens de razões. A saber:

Em primeiro lugar, resulta da prova testemunhal, mais precisamente das testemunhas, J..., marido da Autora e de W... que a acompanhavam no momento do ocorrido, pelo primeiro que “a mulher tropeçou nas covas do chão” e pelo segundo, que aquela “não viu o buraco quando iam a entrar para o comboio e tropeçou”.

Verifica-se pela observação das duas fotografias, a cores, da estação de comboios de Loulé/ Quarteira, que num trecho circunscrito do pavimento faltam pedras e, supostamente, foi nesse local que a Autora tropeçou.

Com efeito, aquela, em 2004.09.29, preencheu um impresso da Ré, no qual se pode ler o seguinte: “No dia 29/9/04, às 7 h, quando estava para embarcar no Alfa Pendular com destino a Lisboa, na estação de Loulé, encontra-se na gare um buraco na calçada, onde sem se aperceber enfiou o pé esquerdo, torceu e por pouco não caiu. Daí resultou que ficou com uma entorse no pé esquerdo com inchaço e muitas dores. Agradece que seja reparado com urgência para que não aconteçam acidentes. Quando me queixei no regresso o funcionário da estação apenas me deu este impresso e não se mostrou minimamente atencioso” (o sublinhado é nosso).

É a própria Autora que admite que “sem se aperceber enfiou o pé esquerdo” num buraco, o que vale por dizer que estava desatenta e, devido a essa falta de cautela, tropeçou.

Por outro lado, a Autora esteve um dia inteiro, desde as 7.00 horas da manhã até à hora do regresso do comboio a Loulé, cerca das 21.20 horas, com o pé torcido. Isso não a impediu de tratar dos seus assuntos, tendo deixado para depois, o socorro para o acidente sofrido.

Salienta-se a propósito da procura de terapêutica hospitalar para as dores que a Autora dizia, então, sentir, que o seu marido, J..., testemunhou que a levou ao Hospital Privado de S..., no próprio dia do acidente. Contudo, a prova documental revela que a Autora foi assistida no referido Hospital, na consulta de atendimento permanente, em 2004.10.08 – cfr factura emitida, em nome da Autora, no valor de €73,29 – ou seja, nove dias após o acidente por ela sofrido.

Neste sentido, e em segundo lugar, a prova documental apresentada nos autos, mostra-se contraditória com o testemunhado, e é manifestamente insuficiente para provar o que a Autora vem sindicar.

Por sua vez, a demora de nove dias na procura de diagnóstico e tratamento pela Autora para a sintomatologia apresentada aliada à circunstância de após ter torcido o pé, continuou a locomover-se, indo inclusive a Lisboa, não traduz a veemência das dores que dizia sentir e não deve ter contribuído para aliviar eventuais sequelas de não ter sido tratada e medicada imediatamente.

A propósito, refere-se outro exemplo, em 2005.10.24, a Autora realizou Ecografia das Partes Moles do Tornozelo Esquerdo, ou seja, o acidente deu-se em 29 de Setembro de 2004 e mais de um ano depois é que a Autora se submeteu a um exame complementar de diagnóstico para apurar a lesão sofrida.

Com efeito, na Informação Clínica do Hospital Privado S..., de 2006.12.13, o médico, Dr. R... refere que a Autora “terá sofrido acidente (queda) em 29/09/04 de que resultou „Fractura da Base 5 Metatársico do Pé Esquerdo. Fez tratamento conservador, imobilização gessada, tendo consolidado a fractura”. Também esta Informação clínica, data de mais de dois anos após o acidente e o médico afirma que a Autora “Fez tratamento conservador, imobilização gessada, tendo consolidado a fractura”, mas o que se comprova documentalmente, como supra aludido, é que a Autora o iniciou nove dias depois do evento, e não se apurou se este hiato de tempo foi, ou não, atempado para tratar convenientemente a lesão apresentada, obviando a eventuais sequelas.

Neste sentido, a diminuta factualidade apurada e à míngua de outra não permitem descortinar a ocorrência do facto que possa considerar-se como ilícito, nos termos dos artºs 2º e 6º, ambos do citado Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967.

Entende-se também que uma vez que a própria Ré refuta esse ónus – a testemunha, D..., disse que a gare não tinha buracos nessa altura e a testemunha, J…, afirmou que em caso de obras, estas são sempre sinalizadas – não tendo ficado provado o modo e por que via o mesmo se deu, não pode subsumir-se a sua responsabilidade pelo pagamento do reembolso das despesas médicas, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.

Aqui chegados, conclui-se que não ficou provado que no caso sub juditio se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Ré.

Reitera-se, ainda que, não pode ser escamoteado e também não foi elidido o circunstancialismo de o acidente que nos ocupa, ter sido ocasionado por um descuido ou desatenção da Autora que não olhou convenientemente para o caminho que percorria na plataforma da gare da estação de Loulé/ Quarteira quando ia apanhar o comboio Alfa Pendular.

Do que antecede, tudo visto e ponderado, a acção terá necessariamente de improceder, na sua totalidade.

Em suma, ante a matéria de facto provada, deve concluir-se que não se verificam, no caso, os pressupostos da invocada responsabilidade civil, designadamente, a ilicitude, o dano, o nexo de causalidade e a culpa”.

Mas o assim decidido não se pode manter.

O regime da responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, à data da ocorrência dos factos dos presentes autos encontrava-se regulado pelo Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, que prevê a responsabilidade administrativa por danos decorrentes do exercício da função administrativa a diferentes títulos, entre eles a responsabilidade por facto ilícito e culposo (ou delitual), na qual se integra a responsabilidade por violação dos deveres de vigilância que incumbem à Administração, presumindo-se a sua culpa.

Considerando o pedido formulado pelo A. e a causa de pedir que o sustenta, verifica-se que imputa responsabilidade por culpa in vigilando à Ré REFER.

A responsabilidade delitual da Administração (das pessoas coletivas administrativas e dos titulares de órgãos e agentes) configura uma responsabilidade subjetiva, decorrente de uma conduta violadora de direitos subjetivos ou de interesses legalmente protegidos, encontrando o seu fundamento na proibição da provocação ilegal de danos na esfera dos particulares, impondo a sua reintegração mediante a atribuição de uma indemnização.

Assim, para que se esteja perante uma responsabilidade administrativa aquiliana, com o consequente dever de indemnizar, mostra-se necessário aferir do preenchimento cumulativo dos cinco pressupostos previstos no referido Decreto-Lei (artigos 2.º e 4.º) [como se disse: i) Facto voluntário; i) Ilicitude; i) Culpa; iii,) Danos/prejuízos; e iv) Nexo de causalidade (adequada) entre o facto (voluntário, ilícito e culposo) e o dano sofrido].

O ónus de alegação e prova dos pressupostos incumbe a quem, com base na responsabilidade, pretende fazer valer o seu direito, designadamente o de crédito indemnizatório (cfr n.° 1 do artigo 342.° e n.° 1 do artigo 487°, do C.C.).

Ora, a responsabilidade decorrente da culpa in vigilando corresponde a uma responsabilidade delitual, tendo, igualmente, de se verificar todos os requisitos referidos, mas com particularidade de existir uma presunção juris tantum da culpa, cabendo ao réu o ónus de a ilidir. In casu, considerando a matéria de facto provada, há que verificar se existe um facto ilícito subjetivamente imputável à Ré e se, objetivamente, os danos são imputáveis a esse mesmo facto.

No caso concreto em análise, face ao que vem alegado, constata-se que não está em causa um acto por parte da ora Recorrida, mas, diversamente, a ausência do mesmo, ou seja, a omissão do cumprimento de um dever que se mostrava devido: falta de manutenção, conservação, vigilância e sinalização do pavimento da estação ferrovia onde ocorreu o acidente.

Ora, do probatório fixado é possível retirar que:

Das fotografias da estação de comboios de Loulé, juntas aos autos, pode ver-se que um trecho circunscrito do pavimento não se encontra empedrado (cfr. A) supra). E que em 29.09.2004 a Autora preencheu um impresso da Ré, no qual se pode ler: “No dia 29/9/04, às 7 h, quando estava para embarcar no Alfa reparado com urgência para que não aconteçam acidentes. Quando me queixei no regresso Pendular com destino a Lisboa, na estação de Loulé, encontra-se na gare um buraco na calçada, onde sem se aperceber enfiou o pé esquerdo, torceu e por pouco não caiu. Daí resultou que ficou com uma entorse no pé esquerdo com inchaço e muitas dores” (cfr. o doc nº 2 da pi, não impugnado, e dado como provado em B) supra). De igual, pelo ofício de 3.02.2005, a Ré, comunicou à Autora, designadamente, o seguinte: “a nossa Empresa tenciona proceder à renovação do pavimento das referidas plataformas, a curto prazo” (cfr. o doc. nº 4, junto com a p.i. e não impugnado, dado como provado em D) supra, sendo que do mesmo documento se faz constar “[m]ais se informa que a zona mais degradada, e que terá estado na origem da vossa reclamação já foi reparada” – 2.º§).

Por outro lado, da prova pericial resulta igualmente que: “[o]s elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o acidente e a fractura da base do 5.º metatársico.// Existe também causalidade traumática suficiente.// Existe também causalidade clínica suficiente para a doente manifestar como sequelas tendinite dos peroneais” (cfr. o provado em U) supra).

Desta factualidade pode concluir-se com suficiente segurança - presunção judicial assente na factualidade supra evidenciada - que a A. colocou o seu pé esquerdo num buraco que se encontrava no pavimento da aludida estação ferroviária, nas circunstâncias de tempo e de modo por si alegadas.

Aliás, não se concebe sequer o raciocínio neste ponto desenvolvido pelo tribunal a quo quando afirma que “não logrou a Autora fazer prova cabal de que, como alegou, quando se dirigia para a estação de Loulé/ Quarteira para apanhar o comboio Alfa Pendular com direcção a Lisboa, “no momento em que ia entrar no referido comboio, a A. tropeçou, com o seu pé esquerdo, num buraco que se encontrava aberto na calçada da referida estação”, o que provocou o pagamento dos danos que ora reclama.

Desde logo, por duas ordens de razões. A saber:

Em primeiro lugar, resulta da prova testemunhal, mais precisamente das testemunhas, J..., marido da Autora e de W... que a acompanhavam no momento do ocorrido, pelo primeiro que “a mulher tropeçou nas covas do chão” e pelo segundo, que aquela “não viu o buraco quando iam a entrar para o comboio e tropeçou”.

É que, e para além de se ter que fazer notar que a prova testemunhal não foi sequer levada ao probatório, certo é que resulta manifesto que a A., para usar a descrição do tribunal a quotropeçou nas covas do chão” e que aquela «não viu o buraco quando iam a entrar para o comboio e tropeçou». Ou seja, existia um buraco no pavimento e que a A. tropeçou no mesmo; sobre isso não temos qualquer dúvida.

Resulta, pois, do probatório que ocorreu um sinistro no pavimento da estação ferroviária Loulé/Quarteira”, o qual se inscreve no domínio da Ré, ora Recorrida (o que não vem contraditado), que envolveu a A.

Como atrás se disse, tal responsabilidade corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos consagrado no C.Civil.

Assim, também por via de tal correspondência, a culpa dos titulares do órgão ou agentes é apreciada nos termos do artigo 487.° do C.C., ou seja pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso.

Aplicando esta regra à responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, requer-se a diligência exigível a um funcionário ou agente típico, isto é zeloso e respeitador da lei e dos regulamentos.

De acordo ainda com tal correspondência, em matéria de responsabilidade civil por actos ilícitos culposos, no âmbito dos atos de gestão pública, em face do disposto no artigo 487.° n.º1 do C.C., é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo nos casos em que haja presunção legal de culpa.

Havendo esta presunção, como se trata de mera presunção juris tantum, a mesma pode ser ilidida pelo autor da lesão, mediante prova da inexistência de culpa. É o que resulta do estatuído pelo artigo 350.° n.º 2, ainda do C.Civil.

Não vem sequer questionado o dever de conservação, reparação e de fiscalização cometido no caso à ora Recorrida, mormente quanto ao bom estado do piso e condições de segurança das estações ferroviárias.

E se alguém, como sucedeu com a Autora e ora Recorrente, tropeçou num buraco existente no piso da estação, é de concluir que a ocorrência se deveu ao carácter, pelo menos, irregular, deficiente do pavimento. Cabe à parte contra a qual tal facto seja invocado patentear que esta conclusão, retirada da aprendizagem das regras físicas, não funcionou em concreto nem teve relação com a ocorrência.

Ora, dos factos provados, resulta ex abundantia que a ora Recorrida não se exime do dever que sobre ela recaía de fiscalização, manutenção e reparação do dito piso da estação; tanto assim é que assumiu expressamente que “tenciona[va] proceder à renovação do pavimento das referidas plataformas, a curto prazo” (cfr. o provado em D) supra).

Donde, ao incumprir o dever de vigilância que lhe permitiria salvaguardar o risco de quedas na estação ferroviária adoptou uma conduta omissiva ilícita.

No que se refere ao requisito da culpa, tem aqui aplicação a presunção estabelecida no artigo 493º, n.º 1 do Código Civil à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, regulada no Decreto-lei n.º 40851.

Dispõe aquele preceito legal que:

Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”

Há, portanto, no caso, uma presunção legal de culpa, a culpa in vigilando (à semelhança dos artigos 491.° e n.° 3 do artigo 493.° do CC.), ocorrendo, como se disse já, a inversão das regras do ónus da prova, conforme resulta do n.° 1 do artigo 344.° e do n.° 2 do artigo 350.° do C.C., porquanto ao lesado apenas incumbe o ónus da prova do facto que serve de base à presunção, enquanto que ao réu (que omitiu os deveres de vigilância) incumbe ilidir a presunção, demonstrando que não teve culpa (ou seja, que os seus agentes cumpriram o dever de fiscalizar a coisa, de forma sistemática e adequada), ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, ou que os danos foram agravados por acção/omissão do lesado ou ainda que se deveram a caso fortuito ou de força maior só por si determinante do evento danoso.

No caso sub judice, a A. logrou demonstrar que o acidente foi causado pelo buraco existente no pavimento da estação ferroviária, presumindo-se, assim a culpa da Ré e ora Recorrida (e ficando dispensada da prova da culpa concreta ou de serviço da parte daquele).

Ora, neste particular, perante o que vem provado na sentença recorrida, nada permite concluir que a ora Recorrente tivesse contribuído para o evento danoso, prova que incumbia à Ré e que esta não logrou fazer (nem o procurou assegurar nesta instância por via de recurso subordinado). Com efeito, nenhum facto foi dado como provado neste sentido, nem da leitura conjugada da factualidade dada como provada é sequer possível extrair minimamente a existência de uma conduta por parte da A. que tivesse sido concorrencial para o resultado danoso produzido.

Assim sendo, incumbia à Ré demonstrar que efetuou todas as diligências necessárias com vista ao correto cumprimento das obrigações de vigilância que sobre ele impendem, que adoptou todas as medidas adequadas a evitar a ocorrência de sinistros, nomeadamente sinalizando o obstáculo em causa.

Sucede que, nada disso foi feito, razão pela qual não foi ilidida a presunção de culpa que sobre a Ré e ora Recorrida recaía.

Neste contexto a presunção de culpa só ficaria ilidida com a prova do cabal cumprimento de todas as obrigações de guarda e vigilância por banda da Ré, ora Recorrida, ou a demonstração de que tinham sido tomadas todas as medidas para que o evento danoso não pudesse ter ocorrido. Nada disto vem minimamente indiciado, nem, muito menos, provado.

Termos em que se conclui que a Ré e ora Recorrida omitiu culposamente um dever de vigilância que lhe era legalmente exigível.

Vejamos agora do preenchimento dos dois últimos pressupostos da responsabilidade: a ocorrência de danos e a existência de nexo de causalidade entre os mesmos e a conduta omissiva.

Cumpre, pois, determinar quais os danos sofridos pela Autora e ora Recorrente e se entre eles e o dano existe um nexo de causalidade adequada, sendo que não são ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevêm ao facto ilícito, mas apenas os abstratamente suscetíveis de ser causados por aquele facto e que concretamente tenham sido por ele causados (art. 563.º do C. Civil).

A propósito do nexo de causalidade, determina a lei que quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 563º do C.Civil).

E a indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação real em que o facto lesivo deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse a lesão (art. 562.º C.Civil).

No referido contexto, o nexo de causalidade implica que a acção ou a omissão do agente seja uma das condições concretas do evento e que, em abstrato, seja adequada ou apropriada ao seu desencadeamento (causalidade adequada).

No que aos danos patrimoniais concerne, no caso dos autos, resulta provada a existência de danos concretos causais do evento. Nesse particular, para além do que vem provado em F) e G), H) e I) supra, o relatório pericial é inequívoco na atribuição do nexo causal, pelo que se transcreve o mesmo na sua parte aqui relevante:


E conforme a factualidade apurada, concretamente em J) a S) os danos materiais ascenderam ao valor total de EUR 242,84. Relativamente a este dano, facilmente se conclui pela existência do nexo de causalidade exigido pelo art. 563.º do Código Civil, pois que se apresenta como consequência normal e comprovada do acidente.

Pelo que a Autora e ora Recorrente tem o direito a ser indemnizada a título de danos patrimoniais na quantia peticionada de EUR 240,84, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da data da citação (momento em que a Ré ficou constituída em mora, nos termos do n.° 1 do art. 804.°, 2.ª parte do n.°3 do art. 805.° e art. 806°, todos do C.Civil.) até ao efetivo e integral pagamento.

Já quanto aos danos patrimoniais peticionados em valor não inferior a EUR 500,00, decorrente da imobilização da A. pelo período de 1 mês e período de respectiva recuperação e para o futuro, certo é que nada se provou; e nada se provou porque a A. a esse propósito nada de concreto alegou (ónus de alegação que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais de distribuição do ónus da prova). E por nada ter sido alegado, também nenhuma prova competiria sobre a existência desse dano, o que também impede que qualquer quantum a esse propósito seja relegado para incidente de liquidação.

Com efeito, não se provando aqui dano, por ausência de alegação especifica quanto à existência do mesmo, não cabe apurar o quantum indemnizatório respectivo (danos sofridos pelo lesado). Assim, neste ponto improcede o pedido.

Vejamos agora a indemnização peticionada a título de danos não patrimoniais.

No que concerne aos danos não patrimoniais, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil, “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”, isto é, “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”. De igual modo, contam-se nas demais circunstâncias do caso as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo desconsiderar-se os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência (cfr., i.a., o ac. deste TCAS de 24.05.2012, proc. n.º 2705/07).

Neste contexto, a fixação da indemnização por apelo ao disposto no citado art. 496.º, n.º 3, não consubstancia uma actividade arbitrária, pois que importa ponderar a gravidade dos danos, os fins gerais e especiais a que se inclinam as indemnizações daquele tipo e a prática jurisprudencial em situações similares. Pois que, na quantificação da indemnização por danos não patrimoniais, com recurso à equidade, devem ponderar-se, nomeadamente, os valores fixados noutras decisões jurisprudenciais.

E, tal como se disse no ac. do TCAN de 30.11.2012, proc. n.º 1905/08.6BEPRT: “A indemnização por danos morais não pretende reconstituir as coisas no estado anterior ao da lesão, antes procura compensar o respectivo lesado pelos danos que sofreu, proporcionando-lhe algum bem estar económico que neutralize, dentro do que é possível, a intensidade da dor física ou da dor psíquica sofrida” (também o ac deste TCAS de 29.10.2015, proc. nº 8485/12, por nós relatado)

Perante a matéria assente, concretamente a factualidade vertida no relatório pericial, temos a evidenciar o seguinte:

Por sua vez quanto aos incómodos motivados pela dor em consequência do acidente, de acordo com a mesma perícia:

Sendo também de relevar (idem):

Por outro lado (idem):

Sendo que, como constante em V) supra, dos esclarecimentos à perícia prestados relativamente ao dano futuro, terá que evidenciar-se o seguinte:

Ou seja, a indemnização a arbitrar deverá levar em linha de conta, os períodos de incapacidade temporária geral (de 9.11.2004 a 29.12.2004), temporária profissional total (de 29.09.2004 a 8.11.2004) e incapacidade temporária profissional parcial (de 9.11.2004 a 29.12.2004), bem como o grau de dor (3/7), o dano estético (1/7), sendo a incapacidade permanente geral ponderada no seu grau mínimo (1 ponto).

Assim, tendo presente o diminuto período de imobilização (pouco mais de 1 mês), sendo que de 9.11.2004 a 29.12.2004 a A. pode desenvolver o seu trabalho habitual ainda que com algum desconforto de dor e rigidez do tornozelo, a ausência de sequelas, o dano estético com impacto mínimo, a ligeira dor sofrida e um mínimo de incapacidade permanente geral, julga-se adequado fixar a indemnização devida em EUR 2.0000,00.

Sobre esta quantia são devidos juros de mora, a contar da data da prolação do presente acórdão, até integral pagamento, calculados à taxa de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor.

O valor ora arbitrado, atendeu ao que decorre da factualidade provada quanto à extensão e gravidade dos danos causados, à jurisprudência em casos análogos ((cfr., i.a., os ac.s do TCAN de 20.03.2015, proc. n.º 68/12.7BEVIS, de 8.02.2013, proc. n.º 115/04BEMDL, de 27.01.2012, proc. n.º 1876/04.8BEPRT, de 30.11.2012, proc. n.º 1905/08.6BEPRT; do TCAS de 20.05.2010, proc. n.º 6052/10, em especial do ac. de 29.10.2015, proc. nº 8485/12; do TRL de 17.12.2014, proc. n.º 35/13.3; do TRG de 13.02.2020, proc. nº3646/18.7T8VCT.G1) e levou ainda em consideração a situação económica das partes. Neste particular nada de relevante foi por estas alegado, sendo assim de presumir que a indemnização fixada não contende com a capacidade financeira da REFER, nem impõe arbitramento de grau superior relativamente às necessidades da lesada.

Continuando, quanto aos danos não patrimoniais futuros (peticionados em valor não inferior a EUR 8.000,00), não pode o pedido proceder.

Com efeito, decorre da matéria de facto provada que não foi atribuído dano futuro, nem rebate profissional, nem prejuízos ao nível da “afirmação pessoal”. O que, de resto, foi devidamente explicitado e confirmado pelos esclarecimentos à perícia prestados e dos quais, aliás, resulta a forte probabilidade de remissão dos sintomas/cura.

Em resumo, nada mais cumprindo apreciar, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, verifica-se uma conduta omissiva ou negligente por parte da Ré, ora Recorrida, que é causal do acidente, não tendo esta logrado ilidir a presunção de culpa que sobre si se abatia (presunção que se entende válida e aplicável), devendo esta ser responsabilizada pelo danos patrimoniais sofridos pela Autora no montante de EUR 240,84, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da data da citação, bem como a título de danos não patrimoniais, conforme explicitado supra, na quantia que se fixa em EUR. 2.000.00.



III. Conclusões

Sumariando:

i) À responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito de gestão pública, concretamente por violação dos deveres de manutenção do bom estado do pavimento das plataformas das estações ferroviárias, é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.º, n.º 1, do Código Civil.

ii) Por beneficiar desta presunção, o Autor lesado só tem que demonstrar a realidade dos factos causais que lhe servem de base para que se dê como provada a culpa do ente público que tem a cargo o dever de fiscalização e conservação da via (artigos 349.º e 350.º, n.º 1 do Código Civil), cabendo a este ilidir tal presunção (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).

iii) A condenação do lesante a título de danos patrimoniais, será correspondente ao montante dos prejuízos provados consequenciais do evento danoso.

iv) No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a situação económica do lesante e do lesado, e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo desconsiderar-se os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.

v) É adequado atribuir uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de EUR 2.000,00, tendo por referência os danos atendíveis em consequência de um entorse num pé motivado pela existência de um buraco no pavimento e consistentes num diminuto período de imobilização (pouco mais de 1 mês), a ausência de sequelas, o dano estético com impacto mínimo, a ligeira dor sofrida e um mínimo de incapacidade permanente geral.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;

- Julgar a acção parcialmente procedente e condenar a Ré e ora Recorrida a pagar à A. e ora Recorrente:

i) A título de danos patrimoniais, a quantia de EUR 240,84, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da data da citação; e

ii) A título de danos não patrimoniais, a quantia de EUR 2.000,00, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, contados desde a data da emissão da presente decisão.

- Quanto ao mais julgar a acção improcedente e absolver a Ré do pedido.

Custas por ambas as partes, com decaimento que se fixa em 2/3 para a Ré/Recorrida e 1/3 para a Autora/Recorrente.

Lisboa, 14 de Maio de 2020


Pedro Marchão Marques

Alda Nunes

Lina Costa