Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:859/18.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:RECLAMAÇÃO JUDICIAL;
DISPENSA DE GARANTIA;
CONCEITO DE FORTES INDÍCIOS;
ÓNUS DE PROVA;
SENTENÇA;
ACTO JURISDICIONAL;
OBJECTO E ÂMBITO DO RECURSO.
Sumário:1. A dispensa de prestação de garantia depende da verificação cumulativa de dois requisitos: um objectivo: a situação causar prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; e um subjectivo, consubstanciado na imputação da insuficiência ou inexistência de bens ao executado.
2. Cabe ao executado o ónus da prova de a situação causar prejuízo irreparável ou de se verificar manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
3. Demonstrada a manifesta falta de meios económicos pelo executado, ao mesmo não é exigível que demonstre igualmente que a situação que causa prejuízo irreparável, dado que o requisito objectivo em causa tem duas formulações alternativas, bastando a demonstração de uma delas.
4. Cabe à AT o ónus da prova da existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
5. Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
6. Limitando-se a Recorrente a assacar à sentença, que é um acto jurisdicional, vícios próprios dos actos administrativos, o recurso está votado ao insucesso nessa parte.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


1 – RELATÓRIO

P............... – Comércio de Automóveis, Lda., recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito do processo de execução fiscal n.º ............... e apensos.

Com o requerimento de recurso, a Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes Conclusões:
«
1 – A Recorrente não se conforma com a decisão de direito prolatada pelo tribunal a quo com fundamento na insuficiência dos factos provados.
2 – Os factos dados como provados com interesse para o objeto do recurso são:
A. Em 22/02/2011 foi registada a constituição da sociedade P............... Comércio de Automóveis Unipessoal, Lda., com o objeto de importação, exportação e comércio de veículos automóveis. Prestação de serviços no ramo automóvel (cfr. fls. 28).
D. Em 01/06/2018 foi registada a alteração do objeto da sociedade passando a ser: importação, exportação e comércio de veículos automóveis. Prestação de serviços no ramo automóvel. Exercício da atividade de intermediário de crédito e da prestação de serviços de consultoria relativamente a contratos de crédito (cfr. fls. 29).
F. Em 12/04/2018 foi instaurado no Serviço de Finanças de Seixal 1, o processo de execução fiscal
no ............... e apensos em nome de P............... Comércio de Automóveis, Lda., para cobrança de dívida de IVA e IRC no montante total de € 3.355.134,48 (como consta do processo de execução fiscal em apenso).
H. Em 03/07/2018 foi apresentada junto do serviço de finanças de Seixal 1 a petição e impugnação judicial em nome da ora reclamante e referente às liquidações adicionais de IVA dos anos de 20014, 20015 e 20016 (cfr. fls. 39).
K. No período compreendido entre 25/05/2018 e 13/12/2018 foram vendidos pela reclamante à sociedade E............, Lda., os 114 veículos automóveis melhor identificados nas faturas de fls. 141 a 197/verso.
O. Com referência ao processo de execução fiscal ............... foram efectuados pela ora reclamante pagamentos, no valor de € 20.000,00 cada, em 05/06/2019, 22/04/2019, 18/03/2019, 25/02/2019, 23/01/2019, 29/12/2018, 19/11/2018, 25/10/2018,19/09/2018, 22/08/2018, 23/07/2018, 19/06/2018, 29/05/2018 (cfr. teor de fls. 217/229).
R. A P............... é proprietária do imóvel onde funcionam as suas instalações estando hipotecado à C............ (cfr. art. 18º da petição corroborado com os depoimentos das testemunhas).
U. A partir da ação de inspeção a P............... começou a fazer a faturação de acordo com as indicações da administração tributária (cfr. depoimento da 2a testemunha).
V. As vendas de veículos automóveis à E............ são feitas ao valor de mercado (cfr. depoimento das testemunhas).
3 - Os factos provados são insuficientes para se concluir que existem fortes indícios de que a Recorrente tenha atuado dolosamente.
4 - Os factos provados são insuficientes para se concluir que a venda das viaturas identificadas no ponto K da decisão recorrida constituem uma atuação dolosa da recorrente.
5 - A decisão recorrida padece de um erro notório de julgamento, por ter erroneamente valorado os elementos constantes dos autos, violando, dessa forma, o disposto nos artigos 52.º, nº4 da LGT e 170.º, nº3 do CPPT.
6 - A decisão recorrida é nula por falta de fundamentação no que concerne à consideração da existência de fortes indícios e no que concerne à qualificação/equiparação de atuação consciente, com atuação dolosa, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, b) do CPC.
7 – O tribunal a quo não fundamentou se foi a venda das viaturas, ou se foi a venda das viaturas à sociedade E............, Lda, que motivou a conclusão de que a conduta da Recorrente é dolosa, que faz da sentença nula, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1 do CPC.
8 - Não se alcança da decisão recorrida o processo lógico, o raciocínio expresso que conduz à decisão de direito.
9 - Tecnicamente, as viaturas são um ativo circulante da Recorrente, ou seja, são uma mercadoria que, enquanto tal, se destinam a ser transacionadas.
10 - Nenhum juízo de censura merece a atuação da Recorrente em proceder à venda de viaturas que constitui a sua principal atividade.
11 - Renunciar à venda de viaturas equivaleria à paralisação da sua atividade.
12 – As viaturas foram vendidas entre maio e dezembro de 2018, de acordo com as regras da oferta e da procura, e foram pagas pelo preço de mercado.
13 - A E............, Lda é mais um cliente.
14 - Face ao valor das viaturas vendidas – € 1.091.499,98 - e ao valor da divida de € 3.355.134,48, - que com mais custas e acrescido de 25% representa o valor de € 4.193.918,10 - indicada no ponto “F” da decisão recorrida, ainda assim as referidas viaturas seriam sempre insuficientes.
15 - As vendas não configuram um ato de diminuição de garantia patrimonial, na medida em que se trata de um ato de comércio inerente à própria atividade e que teve como contrapartida o pagamento do preço.
16 - As viaturas, pela sua natureza de mercadorias, não podem ser consideradas nesta equação, pois a sua venda é o escopo da atividade da Recorrente.
17 - E estão sujeitas a uma depreciação progressiva imposta pelo decurso do tempo, pelo que considerando que a Recorrente impugnou judicialmente todos os atos tributários de liquidação e que requereu a suspensão das execuções, cujos processos correm termos na Unidade Orgânica 2, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada sob os números 663/18.0BEALM e 701/18.7BEALM, quando as respectivas decisões judiciais transitarem em julgado o valor das viaturas será certamente muito inferior ao preço que a Recorrente já recebeu e com o qual tem pago avultadas quantias à Autoridade Tributária.
18 – A recorrente tem procedido ao pagamento das quantias referidos no ponto “O” dos factos provados, que totalizam, na presente data a quantia de € 380.000,00.
19 - Além dos pagamentos realizados pela recorrente referidos no ponto “O” dos factos provados, e apesar de não constar da decisão recorrida pois não foi matéria invocada face à data em que foi apresentada a reclamação, a recorrente, fruto do exercício da sua atividade de venda de viaturas, procedeu ao pagamento, entre janeiro de 2018 e a presente data, da quantia € 2.781.363,92 que se justifica do seguinte modo:
a. pagamento da totalidade das liquidações adicionais de IVA, bem como dos respetivos juros compensatórios, dos anos de 2012 e 2013, no montante global de € 560.589,84,
b. Por conta das liquidações de IVA e IRC, relativo aos anos de 2014, 2015 e 2016, a recorrente pagou a quantia de € 952.254,52.
c. Relativo ao exercício “normal” de 2018, a Recorrente pagou ao Autor, em 1 de julho de 2019, a titulo de IRC a quantia de € 576.023,71;
d. Por conta do IRC de 2019, já procedeu ao pagamento da quantia de € 342.782,00;
e. Procedeu ao pagamento, nos prazos legalmente fixados para o efeito, a título de IVA, resultante do exercício da sua atividade nos anos de 2018 e 2019, da quantia de €910.303,69;
20 - Se a estratégia fosse obstar ao pagamento, fosse dissipar património, fosse prejudicar o Estado Português, não se iria constituir sociedades com sede no mesmo local da Recorrente, com sede em local em que iriam ficar sob a mesma jurisdição da Direção de Finanças de Setúbal/SF Seixal, que executava as ações de inspeção, sociedades que teriam como gerente a companheira do gerente da Recorrente, que vivem em união de facto, e de cuja relação nasceu o seu único filho e que trabalha na Policia Judiciária e que já havia sido gerente da Recorrente.
21 - Os valores liquidados pela Autoridade Tributária a titulo de IVA NÃO FORAM RECEBIDOS pela Recorrente.
22 – A Recorrente nunca teve bens suficientes para prestar uma garantia no valor de € 4.193.918,10. (€ 3.355.134,48 x 1,25).
23 - Em caso de dúvida sobre as intenções da Recorrente, devia o tribunal ter valorado positivamente os pagamentos mensais, no montante de € 20.000,00, que a recorrente efetuou desde maio de 2018 e que, na presente data, se mantém, no total de € 380.000,00.
24 - Saber se existem fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa da recorrente é, depois da redação introduzida ao n.º 4 do artigo 52º da LGT, pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, matéria que deve ser averiguada e provada pela Autoridade Tributária e não pela Recorrente.
25 – A Autoridade Tributária não provou a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa da recorrente e não resultando dos factos provados essa realidade, decidiu mal o douto Tribunal.
26 - Resulta, assim, claro o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo, por erro na interpretação e na aplicação do direito.
27 – A decisão recorrida está ferida com o vicio da falta de fundamentação, previsto no artigo 77º da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, consagrado sob a epigrafe “Direitos e Garantias dos Administrados”;
28 - A decisão recorrida está ferida com o vicio do princípio do inquisitório, expresso no artigo 58º da LGT;
29 - A decisão recorrida viola o princípio da legalidade tributária, da proporcionalidade e da justiça, previstos no artigo 55º da LGT;
30 – O presente recurso deve ter efeito suspensivo.
Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências Juízes Conselheiros, se requer muito respeitosamente, seja concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, a douta decisão seja revogada in totum e comutada por outra que julgue procedente a reclamação apresentada pela Recorrente, dispensando-a de apresentar garantia, só assim se alcançando e fazendo JUSTIÇA!
Mais se requer a suspensão de todas as execuções instauradas contra a Recorrente até trânsito em julgado da decisão judicial que venha a ser prolatada.».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Precedendo decisão liminar de incompetência hierárquica proferida no STA, foram os autos remetidos a este tribunal para conhecimento do objecto do recurso.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste tribunal emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso não merece provimento.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 278.º, nº5, do CPPT e artigo 657.º, nº4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central do recurso reconduz-se a indagar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir ter a AT demonstrado a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do executado.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:
«

Compulsados os autos e vista a prova produzida, com interesse para a decisão, apuraram-se os seguintes factos:

A. Em 22/02/2011 foi registada a constituição da sociedade P............... Comércio de Automóveis Unipessoal, Lda., com o objeto de importação, exportação e comércio de veículos automóveis. Prestação de serviços no ramo automóvel (cfr. fls. 28).

B. Em 03/11/2016 foi registada a alteração para sociedade por quotas, passando a denominar-se P............... Comércio de Automóveis, Lda., sendo sócios A............ e C............, com uma quota de € 2.500,00 cada um (cfr. fls. 28/verso).

C. Em 29/01/2018 foi registada a alteração do contrato da sociedade referida na alínea anterior sendo sócios A............, com uma quota de € 500,00 e M....................., Lda com duas quotas, uma no valor de € 2.000,00 e outra de € 2.500,00 (cfr. fls. 28 verso/30).

D. Em 01/06/2018 foi registada a alteração do objeto da sociedade passando a ser: importação, exportação e comércio de veículos automóveis. Prestação de serviços no ramo automóvel. Exercício da atividade de intermediário de crédito e da prestação de serviços de consultoria relativamente a contratos de crédito (cfr. fls. 29).

E. Em 03/01/2018 foi registada a constituição da sociedade E............, Lda., sendo sócios C............ com uma quota de € 5,00 e M....................., Lda., com uma quota de € 4.995,00 e tendo por objeto: Comércio por grosso e a retalho de veículos automóveis; manutenção e reparação de veículos automóveis e de suas partes e peças; comércio a retalho de qualquer tipo de partes, peças e acessórios para veículos automóveis. Importação e exportação. Atividades de mediadores de seguros. Atividade de aluguer de veículos ligeiros sem condutor, transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros, outras atividades de serviços de apoio prestados às empresas, n. e., consultoria para os negócios e a gestão (cfr. fls. 48).

F. Em 12/04/2018 foi instaurado no Serviço de Finanças de Seixal 1, o processo de execução fiscal nº ............... e apensos em nome de P............... Comércio de Automóveis, Lda., para cobrança de dívida de IVA e IRC no montante total de € 3.355.134,48 (como consta do processo de execução fiscal em apenso).

G. Em 18/05/2018 foi apresentado requerimento pela ora reclamante dirigido à Diretora de Finanças de Setúbal, no qual era solicitada a suspensão de diversos processos de execução fiscal, com dispensa de prestação de garantia, invocando não dispor de bens que possam constituir garantia idónea e o disposto no nº 4 do art. 52º da LGT (cfr. fls. 1/10 do processo executivo em apenso).

H. Em 03/07/2018 foi apresentada junto do serviço de finanças de Seixal 1 a petição e impugnação judicial em nome da ora reclamante e referente às liquidações adicionais de IVA dos anos de 20014, 20015 e 20016 (cfr. fls. 39).

I. Em 05/07/2018 foi proferida informação pela divisão de justiça tributária da direção de finanças de Setúbal sobre o requerimento mencionado na alínea G) com o seguinte teor:


















(cfr. teor de fls. 29/verso a 37/verso do apenso).

J. Em 09/07/2018 foi exarado na informação mencionada na alínea anterior, despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia com o seguinte teor “Confirmo. Pelo que indefiro o pedido de dispensa de prestação da garantia, tal como vem proposto na presente informação” como consta de fls. 29 do apenso.

K. No período compreendido entre 25/05/2018 e 13/12/2018 foram vendidos pela reclamante à sociedade E............, Lda., os 114 veículos automóveis melhor identificados nas faturas de fls. 141 a 197/verso.

L. Em 11/07/2018 foi emitido ofício de notificação do despacho mencionado na alínea J) e dirigido ao mandatário da ora reclamante através de carta registada com aviso de receção (registo postal nº …………..PT) (cfr. teor de fls. 41/42).

M. O aviso de receção mencionado na alínea anterior foi assinado em 17/07/2018 (cfr. fls. 40 do apenso).

N. Em 27/07/2018 foi enviada por registo postal ao serviço de finanças de Seixal 1 a petição de reclamação constante de fls.6/26 (cfr. fls. 62 dos autos).

O. Com referência ao processo de execução fiscal ............... foram efetuados pela ora reclamante pagamentos, no valor de € 20.000,00 cada, em 05/06/2019, 22/04/2019, 18/03/2019, 25/02/2019, 23/01/2019, 29/12/2018, 19/11/2018, 25/10/2018,19/09/2018, 22/08/2018, 23/07/2018, 19/06/2018, 29/05/2018 (cfr. teor de fls. 217/229).

P. Com data de 30/05/2018 e de 18/06/2019 o M……… informou a ora reclamante não ser possível o deferimento de prestação de garantia no montante de € 4.178.838,26 (cfr. fls. 230/verso e 231).

Q. Em 17/06/2019 foi emitido ofício pela Direção de Finanças de Setúbal dirigido a este tribunal com o seguinte teor:



(cfr. fls. 136).

R. A P............... é proprietária do imóvel onde funcionam as suas instalações estando hipotecado à C............ (cfr. art. 18º da petição corroborado com os depoimentos das testemunhas).

S. A E............, Lda., a P............... Comércio de Automóveis, Lda., e a M....................., Ld.a, têm a sua sede no mesmo local –…………………, nº 145, Flor da Mata, Seixal - existindo um parque de estacionamento onde estão veículos automóveis das sociedades E............ e da P............... (cfr. fls. 28 e 48 e depoimento da 1ª testemunha).

T. Quando surgiram as questões com a administração tributária houve necessidade de criar uma estrutura que permitisse a continuação da P......... para fazer face a esses compromissos, daí a criação da E............, Lda., e da M....................., Lda. (cfr. depoimento de 1ª testemunha).

U. A partir da ação de inspeção a P............... começou a fazer a faturação de acordo com as indicações da administração tributária (cfr. depoimento da 2ª testemunha).

V. As vendas de veículos automóveis à E............ são feitas ao valor de mercado (cfr. depoimento das testemunhas).
* *
A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e acima expressamente referidos em cada uma das alíneas do probatório, bem como do depoimento das testemunhas melhor identificadas na ata de inquirição de fls. 132/135.
* *
Não se mostra provado que a ora reclamante tenha apresentado requerimento pedindo a implementação do regime extrajudicial de recuperação de empresas (RERE).
Tendo sido notificada a reclamante para a apresentação de cópia do respetivo requerimento, como consta do despacho proferido em audiência de inquirição de testemunhas, a fls. 134, veio a reclamante apresentar os documentos de fls. 200/241 verso.
Compulsados os referidos documentos constata-se a existência de dois requerimentos nos quais é mencionado o RERE (cfr. fls. 213/verso a 215/verso) sem que exista qualquer comprovativo da entrada desses requerimentos nos serviços da administração tributária, razão pela qual o tribunal considera o facto acima enunciado como não provado.
Não existem mais factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente, em causa está apenas indagar se o probatório permite extrair o juízo fáctico quanto existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado na dispensa de prestação de garantia.

Ou seja, a Recorrente diverge da sentença quanto aos juízos de facto nela efectuados sobre a culpa pela inexistência de património social. Vejamos.

Nos termos do art.º 52.º da LGT, é admissível a suspensão do processo de execução fiscal, designadamente em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução, desde que prestada garantia idónea ou desde que a AT, a requerimento do executado, o isente de tal prestação (cf. n.º 4).

O art.º 170.º do CPPT determina os termos do procedimento do pedido de dispensa de garantia.

Como resulta do quadro normativo referido, a dispensa de prestação de garantia depende da verificação cumulativa de dois requisitos:
- Um requisito objectivo: a situação causar prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido;
- Um requisito subjectivo, consubstanciado na imputação da insuficiência ou inexistência de bens ao executado.
In casu, não está em causa a apreciação do primeiro dos requisitos indicados.

Na verdade, o segmento da decisão reclamada segundo o qual a AT concluiu “não se encontrar a executada em situação passível de dispensa de garantia por não considerarmos verificados quer o requisito de prejuízo irreparável, quer o requisito de insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis” não foi validado na sentença que, em vista da prova produzida, concluiu diferentemente pela verificação da situação de insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, não integrando esse juízo fáctico da sentença a matéria controvertida neste recurso.

Onde a Recorrente se não conforma com a sentença recorrida é no tocante à existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado, alegando que a factualidade aportada ao probatório não suporta o juízo formulado na sentença quanto à verificação daqueles indícios. Vejamos.

Como já referimos já, o art.º 52.º da LGT consagra dois requisitos cumulativos, um objectivo e um subjectivo.

O requisito subjectivo, ora em apreciação, respeita à imputação da insuficiência ou inexistência de bens ao executado.

Até à redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, o n.º 4 do art.º 52.º configurava nestes termos tal requisito: “desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”.

Durante a vigência dessa redacção, entendeu-se que caberia ao executado a alegação e demonstração da verificação de todos os pressupostos, objectivo e subjectivo – vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.01.2015, tirado no proc.º 01489/14.

Com a Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, que é a aplicável aos autos, houve uma maior circunscrição deste requisito, passando a exigir-se “… que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”.

Esta nova redacção evidencia uma mudança de paradigma relativamente a este requisito subjectivo, deixando de ser um requisito que cabia ao interessado alegar e provar e passando a caber à AT o ónus da prova da sua demonstração, através da evidenciação de indícios de actuação dolosa do interessado. Neste sentido, vd. os Acórdãos deste TCAS de 19.07.2017 (Processo: 576/17.3BESNT), de 08.03.2018 (Processos: 321/17.3BEBJA e 1868/17.7BELRS), de 14.02.2019 (Processo: 1585/18.0BELRS), de 16.09.2019 (Processos: 513/19.0BESNT e 254/19.9BELRS), de 17.10.2019 (Processo: 830/19.0BELRA) e de 24.01.2020 (Processo: 1623/19.0BELRS). Vd. ainda Anabela Russo e Fátima Reis Silva, «O Processo Especial de Revitalização no espaço de conexão da jurisprudência dos tribunais comuns e dos tribunais tributários», Revista de Direito da Insolvência, 2017, n.º 1, pp. 146 e ss.

A lei não se basta com a mera existência de indícios, antes impõe à Administração tributária que apresente elementos probatórios de solidez bastante para se poder concluir que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado, dito de outro modo, impõe que aqueles indícios se fundem na recolha de provas sérias, provas que deixem uma impressão já nítida da conduta dolosa do interessado na situação de insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis.

Transpondo estes considerandos para o caso dos autos, constata-se que a Recorrente, “P............... – Comércio de Automóveis, Lda.”, tem vindo a transferir veículos automóveis que fazem parte do seu activo circulante para uma outra sociedade, “E............, Lda.”, alegando a reclamante e ora Recorrente que pretende realizar facturação e dar cumprimento às suas obrigações fiscais, de modo a não perder o seu estatuto alfandegário de importadora de veículos automóveis de outros Estados membros da União Europeia, nem de intermediária financeira.

Essa actuação intencional da executada tem como consequência, como referem a sentença e o Exmo. Senhor PGA, o agravamento da insuficiência de bens penhoráveis e a frustração de uma eventual penhora dos mesmos pela Administração tributária.

Nem venha a Recorrente dizer que se limitou a dar continuidade à sua actividade, que é justamente a da venda de veículos automóveis (daí fazerem parte do seu activo circulante) e com o produto dessas vendas tem vindo a satisfazer as dívidas tributárias, mais acrescentando que os veículos sempre se deteriorariam se fosse paralisada a sua comercialização e foram alienados a preços de mercado, como consignado aliás no probatório.

Esses argumentos poderiam, eventualmente, merecer ponderação em sede de prejuízo irreparável decorrente da penhora dos veículos do seu activo circulante e consequente paralisação da actividade comercial da executada, mas não valem para abalar os fortes indícios de actuação dolosa da executada na dissipação de bens do património social, para mais no contexto probatório em que há ligações de proximidade entre os sócios de ambas as empresas, a executada e aquela para quem têm sido alienados os veículos automóveis.

A sentença não incorreu no apontado erro de julgamento ao concluir, com base na factualidade dos autos, pela existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado, validando neste segmento a decisão reclamada.

O recurso não merece provimento por este fundamento.

Quanto à alegada falta de fundamentação da decisão recorrida, por violação do disposto no art.77.º da LGT e 268.º da CRP; de violação do princípio do inquisitório, expresso no art.º 58.º da LGT; e de violação da legalidade tributária, da proporcionalidade e da justiça, plasmados no art.º 55.º da LGT, de duas uma: ou a Recorrente pretende invocar no recurso vícios da decisão administrativa reclamada e não da sentença, que não podemos conhecer porque, como é pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre; ou a Recorrente está a assacar à sentença, que é um acto jurisdicional, vícios próprios dos actos administrativos, o que, em qualquer caso, conduz ao não provimento do recurso também neste segmento.

Improcedem in totum as conclusões da alegação.

O valor do processo é de 3.355.134,48 Euros.

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Em sede de reclamação das decisões do órgão da execução fiscal, é, em 1.ª instância, aplicável a Tabela II do RCP, cuja previsão implica o pagamento de uma taxa de justiça fixa, apenas condicionada por dois intervalos (valor até 30.000,00 Eur. e valor superior a 30.000,00 Eur.), com a consequente não aplicação do mencionado art.º 6.º, n.º 7. Não obstante, em sede de recurso, é aplicável a Tabela I-B do RCP, motivo pelo qual há que atentar ao referido art.º 6.º, n.º 7.

In casu, atentas as questões em apreciação, a conduta processual das partes e a circunstância de questões jurídicas muito similares já terem sido objecto de apreciação em recentes Acórdãos deste TCAS (vd. entre outros, o Ac. de 02/06/2020, tirado no proc. 2056/19.3BELRS), julga-se adequado, proporcional e razoável que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, o que se determinará no dispositivo.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes-desembargadores da 2.ª Subsecção deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias, sem prejuízo da dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça, que aproveita a ambas as partes.

Lisboa, 04 de Junho de 2020



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Vital Lopes





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Anabela Russo





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Mário Rebelo