Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:711/05.4BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:11/26/2020
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR ATO ILÍCITO;
ANULAÇÃO DO ATO POR VÍCIO DE FALTA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA;
DANOS IN ITINERE/MEDIO TEMPORE.
Sumário:i) Um ato administrativo anulado por falta de audiência prévia, não é insuscetível, absolutamente e em qualquer caso, de ser considerado um ato ilícito, para o efeito de poder fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil extracontratual.
ii) Os comprovados danos in itinere, também denominados de medio tempore, decorrentes da falta de disponibilidade do bem, uma vez que a renovação do ato não elimina a ilicitude do ato original, nem a causalidade do ato para os danos incorridos, e que, por força da regra da irretroatividade dos atos renovadores, estes últimos não podem revestir eficácia ex tunc, deverão ser ressarcidos, caso a tal nada mais obste.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

P..., EIRL., intentou ação administrativa de especial de impugnação de ato administrativo, de 22.03.2005, que procedeu ao encerramento do seu estabelecimento B... Bar, contra o Município de Cascais.

Por acórdão de 09.02.2006, foi anulado o despacho impugnado e foram julgados improcedentes os pedidos de condenação do Município de Cascais no pagamento de indemnização a título de responsabilidade extracontratual.

Não se conformando, veio o A., ora Recorrente, interpor recurso, concluindo da seguinte forma:

«(…) Do erro de julgamento

1. O Tribunal a quo para a sua convicção sobre a matéria de facto provada, considerou no seu douto acórdão, pag. 15, os documentos junto aos autos e o processo administrativo.

2. Do rol de factos que o Tribunal considerou provados não constam factos absolutamente fundamentais invocados pelo Autor em sede de PI, não contestados pela Ré, e que constam no processo instrutor junto aos autos em documentos públicos escritos e assinados pelos seus autores e que o Município de Cascais reconhece a sua fé pública.

3. Os factos omitidos na pronúncia de facto são os constantes dos números 16° a 20° da PI, e número 39°, factos que o Tribunal a quo fez tábua rasa omitindo-os no seu julgamento;

4. Ao não considerar como provados os factos omitidos nos documentos administrativos o douto Tribunal incorreu em erro de julgamento sobre matéria de facto com consequências iminentes para o mérito da causa.

Da ilegalidade do acto

5. Ao acto impugnado não se aplica o DL 168/97.

Isto porque,

6. Quem definiu, organizou, tramitou e decidiu o procedimento com base noutra legislação que não DL 168/97 foi sempre o Município de Cascais e nunca o particular.

7. Quem considerou que o estabelecimento era amovível foi a Administração e não o particular.

8. Não é o particular que tem de provar que o estabelecimento é amovível

9. É a Administração que tem de justificar por mudou de opinião porque ao particular cabe seguir as regras procedimentais exigidas pela a Administração.

10. As indicações do Município de Cascais eram que o estabelecimento não necessitava de licença de utilização porque era amovível e por isso o particular não pode ser responsabilizado por um erro na interpretação da lei, que se admite sem conceder.

11. Tal posição foi sempre abrigada na informação da Direcção Geral do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo de 30.11.2000.

12. Os factos omitidos pelo douto Tribunal a quo levariam, a que por um lado, a qualificação e definição jurídica do estabelecimento fosse considerado como estabelecimento amovível e a emissão do horário de funcionamento por outro consubstancia-se um acto final de licenciamento do estabelecimento na ordem jurídica.

Da violação do principio da boa fé e da tutela da confiança

13. Para esta causa de anulação do acto, o erro de julgamento sobre a da matéria facto torna-se decisiva.

14. A matéria de facto omitida pelo douto Tribunal a quo, sustenta na plenitude toda a violação do princípio da boa fé por parte do Município de Cascais.

15. O Autor não está juridicamente desprovido de qualquer título sobre o domínio público para ocupar o local.

16. O douto Tribunal a quo reconhece que os efeitos do acto praticado pela CCRLVT em 06.06.2003 que determinou a caducidade da licença n° 267/DPM se encontram suspensos por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proc. 275/04.6TA, facto este considerado provado pelo douto Tribunal a quo sobre a letra “q”.

17. Há violação do princípio da boa fé porquanto os serviços da demandada entende em 2001 debaixo de um parecer da Direcção Regional do Ambiente que o estabelecimento é amovível e por isso não é licenciado pelo DL 168/97 (Chefe de Divisão de Licenciamento das Actividades Económicas), vide processo instrutor e factos omitidos, e sem aviso prévio a mesma Chefe de Divisão de Licenciamento das Actividades Económicas, fundamenta um acto de encerramento do estabelecimento motivado juridicamente com legislação que em 2001 ela própria rejeitou;

18. Tal comportamento viola a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa, alínea do n° 2 do artigo 6-A do CPA;

19. Há violação do princípio da tutela da confiança porquanto durante anos a fio a Câmara Municipal de Cascais considerou e reconheceu através da prática de actos sucessivos, (veja-se todas as licenças provisória que emitiu, mesmo sem vistoria sanitárias; A vistoria sanitária que mandou realizar; os diversos pareceres dos serviços onde consideravam, que não se poderiam encerrar o estabelecimento e que o mesmo era considerado como quiosque amovível emissão do mapa de horário de funcionamento, etc, etc.) em que era destinatário o recorrente, criando no espírito do particular a convicção que de que toda a sua actividade estaria regularizada e agora de um momento para o outro, sem aviso prévio e sem dar ao particular vem encerrar o estabelecimento com o fundamento de que a legislação aplicável é o DL 168/97 que a própria sempre rejeitou.

20. Há violação do princípio da tutela da confiança porquanto o particular programou toda a sua vida profissional em função do comportamento da Administração, criando, investindo e explorando o seu estabelecimento com toda a crença e confiança que a Administração lhe demonstrava e agora de um momento para outro a Administração manda encerrar o estabelecimento com o fundamento de que a legislação aplicável é o DL 168/97 que a própria sempre rejeitou.

21. Houve violação do princípio da boa fé e da tutela da confiança e como tal a situação em concreto do particular deve ser considerada como se consolidada na ordem jurídica.

Da violação do princípio da proporcionalidade e do principio da justiça

22. Novamente o erro de julgamento sobre a matéria de facto se torna decisivo para o mérito da causa.

23. A Administração não indicou a base legal que determinou o encerramento do Estabelecimento.

24. Há violação do principio da proporcionalidade, porquanto no conteúdo do acto ora impugnado não há uma única norma que invocada pela Administração que sanciona o particular com encerramento.

25. Tal facto devia fazer parte da fundamentação iuris do acto, o que levaria a nulidade do acto, vicio que o Tribunal a quo tinha o dever de verificar.

26. Admitindo sem conceder, que a legislação aplicável é o DL 168/97, a norma aplicável face aos fundamentos de facto informados pela Administração é o artigo 39° do DL 168/97, sanções acessórias, que aqui se dá por inteiramente reproduzida

27. A Administração não prova a existência de algum processo de contra-ordenação que levasse à aplicação de uma sanção acessória.

28. A Administração só pode encerrar um estabelecimento desde que respeite os princípios previstos no n° 1 do artigo 39°;

29. A Administração não demonstrou a gravidade do comportamento do agente com a manutenção do estabelecimento aberto e que colocava em perigo a segurança e saúde dos utentes, quando foi a própria Administração que permitiu o seu funcionamento por mais 10 anos nas mesmas condições que ora funciona;

30. A Administração não prova a reiteração do comportamento do particular, porque foi ela que sempre considerou que o procedimento era o legal emitindo-lhe o horário de funcionamento do estabelecimento;

31. E nunca lhe ordenou o encerramento do estabelecimento B... Bar, instaurou processo de contra-ordenação em que o particular reitera-se o seu comportamento ilícito perante a Administração;

32. Não existe a reiteração do comportamento ilegal por parte do particular

33. Não há à culpa do agente, porque nunca houve nenhum processo de contra-ordenação contra o particular.

34. Há violação do princípio da proporcionalidade acto de encerramento demonstrado pelo processo instrutor de que a demandada faz fé pública porque não existe comportamento grave, reiterado e culposo do agente.

35. Existe desproporcionalidade entre o fim da norma e o fim do acto, entre o fim da lei e os meios escolhidos para atingir esse fim, tendo em conte as circunstâncias de facto que dão causa ao acto e todas as medidas previstas para atingir o fim da norma;

36. O fim do acto tem de enquadra-se no fim da lei e este não tem necessariamente que ser o encerramento.

37. Há violação do princípio da justiça porquanto face a tudo exposto a Administração andou mal o equilíbrio da decisão.

38. A Administração não se pautou por critérios materiais mínimos de justiça, consagrados como direitos fundamentais do particular numa última ratio de subordinação da Administração ao Direito.

39. Há violação do princípio da justiça porquanto, se durante anos a fio o particular teve a sua situação ilegal por responsabilidade da Administração, por critérios de dignidade ético-jurídica e parâmetros matérias mínimos de justiça a Administração devia proporcionar ao particular a possibilidade de regularizar a situação de facto que ela própria criou.

40. Se assim não for, mal se compreenderia o julgamento que o douto Tribunal a quo faz da inexistência de audiência prévia.

41. O Tribunal a quo ao admitir que face ao caso e aos factos em apreço a Administração poderia ter outro comportamento, quer dizer que legalmente, o estabelecimento podia ter sido mantido aberto face ao bloco legal aplicável, nos quais consta todos os princípios jurídicos invocados pelo Autor.

42. Deve concluir-se então segundo aquele entendimento do Tribunal a quo que, ao estabelecimento lhe é aplicável

a. O DL 67/98, ou

b. Que por violação do principio da boa fé e da tutela da confiança a situação jurídica ilegal se convalidou em legal, ou

c. Por violação do principio da proporcionalidade e da justiça reconhecer ao particular o direito de regularizar a sua situação factual e jurídica que lhe foi criada por responsabilidade do aqui Réu Município de Cascais.

43. Pelo que, os factos omitidos pelo douto Tribunal a quo, sempre que não levassem, por um lado, a qualificação e definição jurídica do estabelecimento fosse considerado como estabelecimento amovível e a emissão do horário de funcionamento como acto final consubstanciador do licenciamento do estabelecimento na ordem jurídica ou a convalidação de uma situação ilegal sem responsabilidade do particular, em legal, sempre levariam à condenação da Administração a reconhecer ao particular o direito de regularizar a sua situação factual e jurídica cuja responsabilidade é do aqui Réu Município de Cascais.

Da responsabilidade civil

44. Novamente o erro de julgamento sobre a matéria de facto se torna decisivo para o mérito da causa.

45. O facto de o estabelecimento esteve encerrado durante 49 dias, entre 23 de Março 2005 a 9 de Maio de 2005 é absolutamente notório perante os factos considerados provados pelo douto Tribunal a quo, veja -se os factos v) a bb).

46. O estabelecimento teve encerrado por acto praticado pela Administração, que o próprio Tribunal considera que o acto de encerramento é ilícito, por falta de audiência prévia.

47. Deve considerar-se três dos pressupostos da responsabilidade civil estão preenchidos, a saber o facto, a ilicitude da conduta e o nexo de causalidade.

48. Quanto à prova dos danos novamente o Tribunal a quo, erra no julgamento da prova porque constam dos autos documentos que provam os danos provocados pelo encerramento.

49. Os documentos são folhas de caixa mensais de Fevereiro, Março, Maio e Junho de 2004, e a declaração trimestral de IVA, Março, Junho Setembro e Dezembro 2004 e bem assim o modelo 3 do IRS sobre os rendimentos de 2004 do Autor.

50. O Tribunal a quo ao não considerar que os danos provocados ao Autor não se encontravam provados por via documental apresentada pelo demandante, devia faze-lo com base na analise critica das provas que lhe cumpre conhecer conforme artigo 659° n° 3 do CPC.

51. O Tribunal a quo tem de se justificar porque não se considera idóneos aqueles documentos para a prova dos factos.

52. O Tribunal a quo tem de se justificar a lógico que se incidiu sobre a apreciação da prova de modo claro e inteligível para se apurar o respectivo escrutínio da decisão, caso contrario existirá falta de fundamentação.

53. Se o estabelecimento esteve encerrado por 49 dias seguidos devido ao acto praticado pela Administração e reconhecido pelo Tribunal a quo, a consequência lógica de tal é que o estabelecimento não teve rendimentos.

54. Logo se não teve rendimentos, teve prejuízos, prejuízos esses calculados em comparação com valores do ano anterior, conforme documentos oficiais e da sua própria contabilidade apresentados pelo requerente.

55. Pelo exposto, deve considerar-se que o particular sofreu um prejuízo a de 18000 euros (dezoito mil euros) de danos emergentes, pelo período de 49 dias em que o estabelecimento esteve encerrado entre 23 de Março 2005 a 9 de Maio de 2005 por efeito do acto ilegal de encerramento do estabelecimento praticado pela Administração.(…)»

Contra-alegou o R., ora Recorrido, Município de Cascais, tendo concluído como se segue:

«(…)
A. O Recorrente explora um estabelecimento de restauração e bebidas, implantado em terrenos do domínio público marítimo e não dispõe nem de licença de utilização daquele domínio, nem de licença para o exercício da referida actividade de prestação de serviços, sendo evidente que o incumprimento da lei decorre da conduta do Recorrente e não do acto praticado pelo Recorrido, sendo que este mais não fez que repor a legalidade;

B. O estabelecimento do Recorrente encontra-se em pleno funcionamento sem qualquer autorização ou licença administrativa, que nos termos da lei lhe permitisse o exercício da actividade de restauração e bebidas, situação esta que o Recorrente, com total impunidade, tem logrado manter ao longo dos anos, em claro desrespeito pela ordem jurídica instituída;

C. Vem o Recorrente alegar, sem demonstrar, que o seu estabelecimento teria características de uma estrutura amovível e, consequentemente, não lhe seria aplicável o D.L. 168/97. No entanto, bastará consultar o processo instrutor para facilmente se concluir que o estabelecimento do A. nada tem de amovível, pois que os seus elementos construtivos se encontram incorporados no solo com carácter de permanência. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao considerar os factos alegados pelo Recorrente como não provados, uma vez que “não logrou o Autor demonstrar que o controvertido espaço se trataria de uma estrutura amovível, limitando-se a invocar tal circunstância”;

D. O Recorrente limitou-se a invocar que o estabelecimento teria estado encerrado durante um período de 49 dias, sem, contudo, tentar sequer provar tal asserção. Assim, nunca o Tribunal poderia dar como provados factos apenas invocados — c, aliás, contestados — quando nenhuma prova desses factos tenha sido produzida, como foi o caso;

E. Pelo que não se verificam os alegados erros de julgamento alegados pelo Recorrente;

F. Por outro lado, o acto impugnado em nada violou os princípios da boa-fé, da confiança, da proporcionalidade ou da justiça, sendo certo que tão pouco o Recorrente demonstra em que terão consistido essas alegadas ilicitudes;

G. De facto, a Câmara Municipal de Cascais nunca comunicou ao Recorrente, ainda que informalmente, que o seu estabelecimento não estava sujeito ao licenciamento, previsto no D.L. 168/97, induzindo-o em erro. E o Recorrente sempre reconheceu que não é titular de qualquer licença de utilização, tal como exige o citado diploma;

H. Mostra-se, assim, correcto o entendimento do Tribunal a quo quanto à alegada violação do princípio da boa fé e da confiança, quando afirma que “o facto é que o particular não pode considerar que a sua situação naquele local é necessariamente permanente e definitiva, não sendo susceptível de se consolidar na ordem jurídica a sua permanência no local desprovido das necessárias licença”;

I. O mesmo se diga quanto à alegada violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça. De facto, o n.° 2 do artigo 18° do mesmo diploma determina que “caducada a licença ou a autorização de utilização para serviços de restauração ou de bebidas, o alvará respectivo é cassado e apreendido pela Câmara Municipal devendo ser encerrado o estabelecimento”. Se tal encerramento é obrigatório em caso de caducidade da licença, por maioria da razão o será quando tal licença nem sequer foi emitida, como é a situação dos autos. De facto, o Recorrido tinha o poder- dever de ordenar o encerramento do estabelecimento do Recorrente, uma vez que o mesmo não dispunha do alvará de licença de utilização previsto no D.L. 168/97. O Recorrido actuou, assim, no exercício de poderes vinculados;

J. Mostra-se, pois, correcta a conclusão a que chega o Tribunal: “importa sublinhar que se entende ser a decisão de encerramento do estabelecimento [...] potencialmente proporcional e conforme com o princípio da justiça, pois que a consequência abstracta para o funcionamento de estabelecimento daquele tipo, sem licença é efectivamente o encerramento”, tanto mais quanto é patente não ter o Autor logrado demonstrar a violação do princípio da proporcionalidade e da justiça, não se podendo retirar da matéria de facto dada como provada a existência de uma qualquer conduta, designadamente desproporcionada ao nível da opção consubstanciada no acto. Assim, ao contrário do alegado pelo Autor, o encerramento do estabelecimento não seria excessivo, não se verificando, assim, o vicio de violação de lei por ofensa ao princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 266°, n.° 2 da CRP, improcedendo assim o alegado vido”;

K. Não existe, pois, qualquer contradição entre a fundamentação e a sentença, ao contrário do que alega o Recorrente;

L. Por último, já se demonstrou que o acto impugnado não é ilícito, não sendo articulado qualquer facto de onde resulte a culpa do Recorrente, ficando, assim, por demonstrar os pressupostos da responsabilidade civil em que este baseia o seu pedido de indemnização;

M. A isto acresce que o Recorrente invoca elevados danos supostamente emergentes do acto impugnado, mas não articula um único facto que permita compreender como terá este calculado o valor dos prejuízos que alega ter sofrido. No entanto, sempre se dirá que o estabelecimento em causa nunca deixou de funcionar, já que o Recorrente não acatou voluntariamente a determinação constante do acto impugnado, pelo que nenhum prejuízo este lhe causou;

N. E mesmo que prejuízos houvesse, estes seriam imputáveis ao Recorrente porque directamente decorrentes da sua conduta ilícita - recorde-se que este manteve e mantém em funcionamento, há longo tempo, o seu estabelecimento de restauração e bebidas, localizado em domínio público marítimo, sem que para tanto esteja munido das licenças previstas na lei, sabendo perfeitamente que, ao manter tal situação de ilegalidade, corria o risco de ver encerrado o seu estabelecimento, pelo que não pode vir agora pretender o ressarcimento de alegados danos a que ele próprio deu causa;

O. Como conclui, e bem, o Tribunal a quo, “não se vislumbra ter ocorrido qualquer circunstância que viabiliza a atribuição de qualquer das indemnizações requeridas pelo Autor. Na realidade, e tendo presente que o ónus da prova, no que concerne ao dever de indemnização por parte da Entidade Demandada, cabia ao Autor, o que não resultou demonstrado, quer quanto aos valores peticionados, quer quanto ao preenchimento dos requisitos a que se aludiu, não estão assim reunidos os pressupostos e requisitos que permitiriam atribuir-lhe uma indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual, mormente nos temos do supra referido DL n.° 48.051 de 21 de Novembro de 1967(…).»

Neste tribunal, o DMMP não emitiu pronúncia.

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

A decisão recorrida anulou o ato impugnado por falta de realização da audiência dos interessados e, em face disso, pese embora tenha referido que tal decisão prejudicava o conhecimento dos restantes vícios imputados, mais considerou que tal não invalidava «que sumariamente se proceda à sua abordagem.» Além de tais vícios, o A., formulou um pedido de indemnização. Tal pedido foi julgado improcedente por não provado.

O presente recurso foi interposto ao abrigo do disposto no art. 141.°, n.° 1 e n.° 2, do CPTA.

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, podem resumir-se nos seguintes termos:

i) Erro de julgamento sobre a matéria de facto;

ii) Erro de julgamento por errada aplicação de lei subjacente à decisão sobre a (i)legalidade do ato impugnado;

iii) Erro de julgamento ao não ter considerado violados os princípios da boa-fé e da tutela da confiança e, bem assim, da proporcionalidade e da justiça;

v) Erro de julgamento ao não ter deferido o pedido de condenação do Recorrido no pagamento da quantia de 500.000 €, acrescida da quantia de 18.000 € a título de indemnização pelos prejuízos emergentes do ato impugnado, no período em que o mesmo esteve encerrado por força daquele.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto julgada provada pelo tribunal a quo é aqui transcrita ipsis verbis:

«(…)

a) A CMC oficia o aqui Autor, em 2 de Maio de 1991, do deferimento da instalação de um snack-bar no Passeio Marítimo de S. João do Estoril. (Cfr. fls. 11 PA);

b) A Direcção-Geral de Portos oficia o aqui Autor, em 27 de Maio de 1991, da autorização da instalação do snack-bar, no passeio marítimo Estoril-Cascais, junto à praia da Rata. (Cfr. fls. 12 PA);

c) Em 25 de Setembro de 1991, foi constituída por escritura o Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada, que adoptou a firma “P..., EIRL” (Cfr. fls. 92 a 95 PA);

d) Em 7 de Julho de 1994, o aqui autor, requereu à Câmara Municipal de Cascais a aprovação da denominação, classificação e realização de vistoria para o estabelecimento denominado a B... (Cfr. fls. 1 PA);

e) A Autoridade de Saúde, em 23 de Novembro de 1994, afirma nada ter a opor, naquela data, à concessão do respectivo alvará sanitário. (Cfr. fls. 21 v);

f) Em 6 de Junho de 1997, a CMC emite declaração onde refere que o Snack-Bar B... “está autorizado, provisoriamente, por um período de 90 dias, a funcionar sem o respectivo Alvará sanitário, enquanto decorrem as necessárias diligências para a sua obtenção”. (Cfr. fls. 47 PA);

g) Por exposição datada de 04/03/1997, o requerente solicitou ao Ministério do Ambiente, autorização para a renovação, nos termos da 11ª condição na licença e para a construção de um telheiro, para o que pede a cedência de mais 50 m - (Cfr. fls. 57 PA);

h) Em 5 de Novembro de 1999, a Direcção Regional de Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo, emite licença de ocupação de Domínio Público Marítimo n° 267/99, referente ao B... Bar, para uma área coberta de 80m2 e descoberta de 125m2. (Cfr. fls. 66 PA);

i) Em 12 de Outubro de 2000, a Autoridade de Saúde de Cascais, declara que “... tendo procedido à vistoria verificou, na presente data, estarem cumpridas as condições higio-sanitárias e de segurança requeridas para instalação e funcionamento do mencionado estabelecimento, pelo que o nosso parecer é favorável à concessão do Alvará de Utilização. (Cfr. fls. 81 PA);

j) Em 5 de Novembro de 2000, a Direcção Regional de Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo, emite licença de ocupação de Domínio Público Marítimo n° 267/99, referente ao B... Bar, para uma área coberta de 80m2 e descoberta de 125m2. (Cfr. fls. 85 PA);

k) Em 17 de Abril de 2001, foi deferido o horário de funcionamento do estabelecimento do aqui Autor, pela CMC. (Cfr. fls. 107 PA);

l) Em 6 de Junho de 2003, a CCDRLVT oficia o aqui Autor nos seguintes termos: “... constatou esta Direcção Regional, encontrar-se a licença n° 267/DPM caducada, por ausência de validação do Projecto de Arquitectura de adaptação do POOC Cidadela/Forte de S. Julião da Barra.

Nestes termos, encontra-se V. Ex.a destituído de justo titulo para continuar a proceder à ocupação e utilização da parcela de domínio público Marítimo, devendo consequentemente proceder à imediata cessação da actividade aí desenvolvida.” (Cfr. fls. 126 PA);

m) Em 13 de Novembro de 2003, a CMC oficia o aqui Autor no sentido de “. no prazo máximo de 10 dias úteis, proceder à entrega do mapa de funcionamento do estabelecimento visado por esta Câmara, em 20 de Abril de 2001.” (Cfr. fls. 130 PA);

n) Em 20 de Novembro, é o aqui Autor notificado por via postal do oficio referido, na alínea anterior (Cfr. fls. 131 PA);

o) Em 8 de Janeiro de 2004, o Autor requer à CMC que se abstenha de praticar qualquer acto ilegal lesivo dos seus interesses, designadamente a cassação do mapa de horário de funcionamento. (Cfr. fls. 139 PA);

p) Em 12 de Março de 2004, a Chefe de Divisão de Actividades Económicas da CMC, emite parecer, onde refere, designadamente que: “De acordo com a informação do Assessor Jurídico, Dr. J..., quando caduca a licença do domínio hídrico não existe fundamento legal para caducar a licença de utilização e em consequência encerrar os estabelecimentos. Assim e dado a proximidade da época balnear, julgo que deveria ser solicitada a intervenção urgente da CCRD para resolução do assunto.” (Cfr. fls. 148 PA);

q) No âmbito da Providencia Cautelar que correu neste Tribunal sob o n° 275/04.6TA foi proferida decisão de 1.ª instancia onde se determinou a “... a suspensão de eficácia da decisão proferida em 6/6/2003, pela CCRDLVT, que determinou a caducidade da licença n° 267/DPM e o encerramento do estabelecimento B... Bar.(Cfr. fls. 33 a 56);

r) Em 1 de Março de 2005, a Arqt.ª Maria João Fialho, da CMC dirige ao Presidente da Câmara um “Memorandum”, no qual propõe, designadamente: “No âmbito das obras de requalificação da orla costeira em curso, designadamente a obra do paredão promovida pela SANEST (cuja conclusão está prevista para finais do corrente), na qual está prevista a substituição integral dos pavimentos, o facto do titular ter procedido à ampliação da área coberta do estabelecimento (avançando e cobrindo a Área A de esplanada = 83 m2 - conforme Planta II, Em anexo) impede que, nesta área, se possa substituir o pavimento do paredão, o que se considera ser preocupante, uma vez que o assentamento do pavimento neste troço do passeio marítimo se encontra em fase de conclusão. Em face dos curtos prazos da empreitada e, em face da postura irregular deste estabelecimento, julga-se de remeter esta situação para a Polícia Municipal/Fiscalização no sentido de encetar os procedimentos com vista à aplicação das necessárias coimas (pelas obras ilegais efectuadas: fecho da esplanada; substituição do sistema de segurança das fachadas), bem como pelo estacionamento ilegal da viatura no paredão; Encetar os procedimentos tendentes ao encerramento do estabelecimento e total libertação do espaço de bens e haveres, dando um prazo máximo de 8 dias (úteis) para o titular proceder à demolição da Área A da esplanada (que ilegalmente cobriu, repondo assim a situação anterior à infracção) informando-o que, findo este prazo, a CMC procederá ao seu desmantelamento, imputando-lhe posteriormente os correspondentes custos - com vista a permitir a conclusão do assentamento do pavimento até finais de Março do corrente, em redor deste estabelecimento, conforme está previsto na obra do paredão(Cfr. fls. 120 e 121 ProcQ);

s) Sobre o “Memorandum” despachou, em 2 de Março de 2005, o Presidente da CMC, “Concordo” (Cfr. fls. 120 Proc°);

t) Em 22 de Março de 2005, a Chefe de Divisão de Licenciamento das Actividades Económicas da CMC emite parecer onde se refere:

De acordo com o art° 140° do Decreto-Lei no 57/2002, de 11 de Março, que alterou o Decreto-Lei no 168/97, de 4 de Julho, o funcionamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas depende apenas da titularidade de licença ou autorização de utilização para serviços de restauração ou de bebidas, a qual constitui, relativamente a estes estabelecimentos, a licença prevista nos altos 62° e 74° do Decreto-Lei no 555/99, de 16 de Dezembro.

A licença ou a autorização de utilização para serviços de restauração e ou de bebidas destina-se a comprovar, para além da conformidade da obra concluída com o projecto aprovado, a adequação do estabelecimento ao uso previsto bem como, a observância das normas relativas às condições sanitárias e à segurança contra riscos de incêndios.

Com efeito, as estruturas, as instalações e o equipamento do estabelecimento em apreço, devem estar a funcionar em boas condições e ser mantida em perfeito estado de conservação e higiene, por forma a evitar que seja posta em causa a saúde dos seus utentes.

Acresce ainda que, o referido estabelecimento deve estar dotado dos meios adequados para a prevenção dos riscos de incêndio, de acordo com as normas técnicas estabelecidas na legislação.

Dado que este estabelecimento não possui o licenciamento legalmente exigível para este tipo de actividade, estando nesta data, em plena laboração, não estão garantidas o cumprimento das normas atrás descritas nomeadamente, das normas higio- sanitárias e de prevenção de riscos de incêndios.

Pelo exposto proponho que:

1. Seja cessada de imediato, a utilização do referido estabelecimento uma vez que, sem tal medida, há justo receio de se produzir lesão grave e de difícil reparação dos interesses públicos em causa, nomeadamente, a saúde pública e segurança das pessoas (artigo 84° do Cód. Proc. Administrativo);

2. Caso o estabelecimento não seja encerrado o proprietário do mesmo incorrerá na prática de crime de desobediência previsto e punido pelo art° 348° do Código Penal;

3. Nos termos da alínea a) do n° 1 do art° 103° do Código do Procedimento Administrativo seja dispensada a audiência prévia, por se tratar de decisão urgente, dado poder estar em causa a saúde e a segurança dos utentes;

4. Seja dado conhecimento de decisão ao explorador do estabelecimento, ao Departamento de Polícia Municipal, à Polícia de Segurança Pública, à Polícia Marítima e à CCDR.” (Cfr. fls. 156 a 158 PA);

u) Sobre o referido parecer despachou o Vereador M..., igualmente em 22 de Março de 2005, “Concordo”. (Cfr. fls. 158 PA);

v) O aqui Autor foi notificado do Despacho referido na alínea anterior por notificação pessoal efectuada a 23 de Março de 2005. (Cfr. fls. 166v PA);

w) O Processo Cautelar foi intentado a 14 de Abril de 2005 (Cfr. SITAF);

x) Em 15 de Abril de 2005, o Vereador M..., profere Despacho onde “reconhece existir fundamento legal em manter a execução do acto administrativo”. (Cfr. fls. 192 PA);

y) Em 15 de Abril de 2005, é o aqui Autor notificado presencialmente do despacho referido na alínea anterior (Cfr. fls. 193v PA);

z) Em 15 de Abril de 2005, a Divisão de Fiscalização da CMC procede ao encerramento e selagem do estabelecimento. (Cfr. fls. 194 PA);

aa) Em 18 de Abril, o aqui Autor requer, no Processo Cautelar, que ”deve ser declarada a ineficácia do acto de execução indevida praticado pelo Município de Cascais em 15-04-2005, pelo ...Vereador da CMC...” (Cfr. fls. 62 a 73);

bb) Em 9 de Maio de 2005 é proferido despacho no qual se conclui: “... nos termos do n° 6 do Art° 128° do CPTA, declara-se a ineficácia dos actos de execução, do acto cuja suspensão é requerida, consubstanciado no Despacho do Vereador M..., de 15 de Abril de 2005, mantendo-se assim, a proibição de execução do acto, decorrente do n° 1 do mesmo Art° 128° do CPTA.” (Cfr. fls. 135 a 138);

Nenhum outro facto relevante foi considerado provado.»

Aditam-se à matéria de facto, ao abrigo do art. 662.º do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA, os seguintes factos:
cc) Em 14.07.2006 foi levantado pela Polícia Marítima de Cascais o Auto de Notícia em virtude daquele estabelecimento não possuir Alvará de Licença de Utilização para Serviços de Restauração e Bebidas, entretanto arquivado pela entidade autuante – cfr. doc. 1 junto ao requerimento de 25.06.2020, fls. 765, ref. SITAF e doc. 1 junto ao requerimento de 21.07.2020, fls. 779, ref. SITAF.

dd) Em 30.07.2012 foi levantado pela mesma entidade novo Auto de Notícia com idêntico fundamento – cfr. doc. 2 junto ao requerimento de 25.06.2020, fls. 765, ref. SITAF.

ee) Em 2013 o Recorrente submeteu à Câmara Municipal de Cascais (CMC) o pedido de licenciamento do estabelecimento de restauração e bebidas denominado “B... Bar”, sito na Praia das Moitas, em Cascais, o qual deu origem ao processo administrativo SPO n.º 468/2013 – cfr. requerimento de 25.06.2020, fls. 765, ref. SITAF, não impugnado.

ff) Em termos construtivos o projeto apresentado naquele processo consiste numa estrutura metálica com área de esplanada, incluindo: Sala de Refeições; Instalações sanitárias; Esplanada (duas áreas distintas); Cozinha / copa; Bar; Dispensa / arrumos – cfr. requerimento de 25.06.2020, fls. 765, ref. SITAF, não impugnado.

gg) Este processo tem sido analisado pelos serviços da CMC, nomeadamente, em sede da Comissão Interna Mista (CIM), a qual integra representantes da Câmara Municipal de Cascais, Agência Portuguesa do Ambiente, ACES – Unidade de Saúde Pública de Cascais, Capitania do Porto de Cascais, Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (Parque Natural Sintra Cascais) – cfr. requerimento de 25.06.2020, fls. 765, ref. SITAF, não impugnado.

hh) Não tendo o projeto merecido parecer favorável de todas as entidades que integram a CIM, o Recorrente tomou a iniciativa de propor a sua reformulação no sentido de melhorar as condições do estabelecimento e, assim, dar também resposta às questões técnicas/inconformidades identificadas pelas referidas entidades – cfr. requerimento de 25.06.2020, fls. 765, ref. SITAF e requerimento de 21.07.2020, fls. 779, ref. SITAF.

ii) Essa reformulação assentará, conforme requerimento do interessado, na remodelação total das instalações do “B... Bar”, melhorando as condições de funcionamento do estabelecimento – cfr. requerimento de 25.06.2020, fls. 765, ref. SITAF, e requerimento de 21.07.2020, fls. 779, ref. SITAF.

jj) Por despacho exarado em 21.02.2020 pelo Chefe de Divisão de Centros Históricos da Câmara Municipal de Cascais foi concedido ao Recorrente o prazo de 6 meses, por este requerido, para entregar a mencionada reformulação do projeto – cfr. requerimento de 25.06.2020, fls. 765, ref. SITAF, não impugnado.

II.2. De direito

O discurso fundamentador contra o qual se insurge o Recorrente, é o seguinte:

«(…) Em face do que antecede, refira-se, desde já, que se entende que a não realização da Audiência dos interessados tem efeitos invalidantes face ao acto cuja impugnação vem requerida.

Da ilegalidade do Acto

Em face do que supra se expendeu, a presente questão encontra-se de algum modo prejudicada, o que não invalida que sumariamente se proceda à sua abordagem.

Em síntese invoca o Autor que se verificará “vício de violação de lei, que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis”, em virtude de vir invocado “o Art° 14° do DL n° 57/2002, de 11 de Março que alterou o DL n° 168/97, de 4 de Julho”, reportado a estabelecimentos de restauração e bebidas, quando deveria ser aplicável o DL n° 67/98, de 18 de Março, por se tratar de estrutura amovível.

Em qualquer caso, não logrou o Autor demonstrar que o controvertido espaço se trataria de uma estrutura amovível, limitando-se a invocar tal circunstância, pelo que tendo o Município proferido o acto, cuja impugnação vem requerida, no pressuposto de se tratar de um estabelecimento convencional de restauração e bebidas, ao qual seria aplicável o DL 168/97, entende-se este o regime como o aplicável, até prova em contrário.

Da Violação do principio da boa-fé e da tutela da confiança

Entende o Autor que terá havido por parte da Entidade Demandada violação dos princípio referidos, em virtude desta ter, alegadamente “mudado injustificadamente os critérios com que se pautou durante anos” tendo-lhe sucessivamente emitido licenças provisórias, “o que equivale a dizer que a situação jurídica eventualmente ilegal se consolidou na ordem jurídica.”

Sem necessidade de especial desenvolvimento, refira-se que o espaço onde o controvertido estabelecimento se encontra implantado é de domínio público, no caso marítimo, ao que acresce, como o Autor reconhece, o facto das licenças que foram sendo concedidas serem naturalmente provisórias.

Em face do que antecede, e embora se deva reconhecer que a conduta adoptada pelo Município aqui Demandado nem sempre se possa considerar como isenta de criticas, o que é facto é que o particular não pode considerar que a sua situação naquele local é necessariamente permanente e definitiva, não sendo susceptível de se consolidar na ordem jurídica a sua permanência no local desprovido das necessárias licenças.

Claro está que, como resultou do facto provado “r” a intenção de “despejo” do aqui Autor, poderia estar relacionado, não necessariamente com os factos invocados no acto cuja impugnação vem requerida, mas pela necessidade de libertar toda a zona a fim de aí realizar obras, designadamente de repavimentação.

Em qualquer caso, não se logrou demonstrar a relação directa entre os dois factos, em face do que não há que tirar ilações de tal circunstância, não se provando emergentemente o alegado Desvio de Poder.

Em face do que antecede, e sem prejuízo do que ficou dito, entende-se não demonstrada a alegada violação dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança.

Da violação do principio da proporcionalidade e do principio da justiça.

Alega o Autor, em síntese, que mesmo que a situação seja ilegal, o que não concede, ainda assim, o encerramento do estabelecimento sempre seria uma decisão desproporcional, por excessiva, uma vez que não se proporciona a possibilidade de regularizar a situação, o que só por si constituiria “vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade e princípio da justiça, previstos nos artigos 5°, 6° CPA”.

Naturalmente que tudo o que se dirá estará necessariamente condicionado pelo facto de termos entendido estar comprometido o acto cuja impugnação vem requerida, em face da circunstancia de não ter sido realizada a Audiência dos interessados.

Em qualquer caso, e independentemente dessa circunstância, importa aferir da alegada desproporcionalidade da decisão da administração e do princípio da justiça.

Sem prejuízo dos já reiteradamente referidos vícios procedimentais verificados, importa sublinhar que se entende ser a decisão de encerramento do estabelecimento, não fossem aqueles factos, potencialmente proporcional e conforme com a princípio da justiça, pois que a consequência abstracta para o funcionamento de estabelecimento daquele tipo, sem licença, é efectivamente o encerramento.

É certo que o princípio da proporcionalidade, impõe que as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só os afectem em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar (art. 5.°, n.° 2, do C.P.A.).

Assim, por obediência ao princípio da proporcionalidade a Administração deverá escolher dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes do que disponha aqueles que sejam menos gravosos ou que causem menos danos.

A Administração está vinculada à observância do princípio da proporcionalidade, daí que na actuação administrativa tenha de existir uma proporção adequada entre os meios empregados e o fim que se pretende atingir.

A proporcionalidade terá de se verificar:

a) entre o fim da lei e o fim do acto;

b) entre o fim de lei e os meios escolhidos para atingir tal fim;

c) entre as circunstâncias de facto que dão causa ao acto e as medidas tomadas.

(…)

Neste contexto, a Administração deverá escolher dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes de que disponha aqueles que sejam menos gravosas, ou seja, que causem menos danos.

Estamos, aqui, no âmbito do denominado princípio da intervenção mínima, por forma a que se consiga compatibilizar o interesse público e os direitos dos particulares, de modo a que o princípio da proporcionalidade jogue como um factor de equilíbrio, garantia e controle dos meios e medidas.

(…)

Ora, em face dos critérios acabados de enunciar é patente não ter o Autor logrado demonstrar a violação do princípio da proporcionalidade e da justiça, não se podendo retirar de matéria de facto dada como provada a existência de uma qualquer conduta, designadamente desproporcionada ao nível da opção consubstanciada no acto.

Assim, ao contrário do alegado pelo Autor, o encerramento do estabelecimento não seria excessiva, não se verificando, assim, o vício de violação de lei por ofensa ao princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 266°, n.° 2, da CRP, improcedendo assim o alegado vicio.

Da Responsabilidade Civil

Vem finalmente o Autor requerer “pela prática de um acto ilegal ... o pagamento de uma indemnização no valor de 18.000€”.

Caso “o tribunal considere que o acto é válido, caberá ainda assim, responsabilidade civil extracontratual do Município de Cascais por violação grosseira do princípio da boa-fé e da tutela da confiança por durante cerca de 10 anos fazer incorrer negligentemente o particular em erro” sendo neste caso peticionados 500.000€.

(…)

Como reiteradamente e de modo pacífico tem vindo a decidir a jurisprudência do STA, a responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes corresponde, no essencial, ao conceito civilista de responsabilidade civil consagrado no art°. 483°, n° 1 do CCivil, que pressupõe, cumulativamente: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano vd., p. ex., ac. de 17.01.02 - R° 44476, de 6.03.02, de 28.06.02 - R° 47263, de 06.05.03 - R° 1449/02 e de 10.03.94 - R° 694/02..

Em face do que supra ficou dito, não vislumbra ter ocorrido qualquer circunstância que viabiliza a atribuição de qualquer das indemnizações requeridas pelo Autor.

Na realidade, e tendo presente que o ónus da prova, no que concerne ao dever de indemnização por parte da Entidade Demandada, cabia ao Autor, o que não resultou demonstrado, quer quanto aos valores peticionados, quer quanto ao preenchimento dos requisitos a que se aludiu, não estão assim, reunidos os pressupostos e requisitos que permitiriam atribuir-lhe uma indemnização a titulo de Responsabilidade civil extracontratual, mormente nos termos do supra referido DL n° 48.051 de 21 de Novembro de 1967 (…)»

Vejamos.

i) Do erro de julgamento sobre a matéria de facto
Alega o Recorrente que a decisão recorrida omite factos na decisão que proferiu sobre a matéria de facto, fazendo dos mesmos «tábua rasa (…) no seu julgamento».
Os alegados factos são:
«1. Em 08.11.2000, a Câmara Municipal de Cascais pede informações à Direcção Geral do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo (autoridade com jurisdição na orla marítima à data) para informar se a estrutura é fixa ou amovível, a fim de confirmar o licenciamento exigível – cfr. processo instrutor fis. 84;
2. A resposta da Direcção Geral do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo vem em 30.11.2000 e não pode ser mais clara: “...muito embora a estrutura do estabelecimento lhe confira um carácter desmontável,...” – cfr. processo instrutor fls. 85 ou 86 e seguintes não se percebe a numeração.
3. Dada a informação da Direcção Geral do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo, a Câmara Municipal de Cascais considera que o estabelecimento é amovível e solicita ao recorrente que este peça o horário de funcionamento – cfr. processo instrutor fls. 84 ou 87, não se percebe a numeração ou fls. 81 ou 90.
4. Em 27.03.2001 o requerente pediu o horário do estabelecimento, tendo sido deferido em 17.05.2001cfr. processo instrutor fls. 64 (negritos nossos).

Ora, da matéria de facto considerada provada na decisão recorrida, consta que:
« j) Em 5 de Novembro de 2000, a Direcção Regional de Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo, emite licença de ocupação de Domínio Público Marítimo n° 267/99, referente ao B... Bar, para uma área coberta de 80m2 e descoberta de 125m2. (Cfr. fls. 85 PA);
k) Em 17 de Abril de 2001, foi deferido o horário de funcionamento do estabelecimento do aqui Autor, pela CMC. (Cfr. fls. 107 PA);» (negritos nossos).

Do exposto resulta que a invocada omissão/deficiência da matéria de facto não se verifica, pois que os factos que o Recorrente pretende ver aditados estão compreendidos, nos seus aspetos essenciais, nos factos considerados provados nas citadas alínea J) e k), embora não com datas inteiramente coincidentes, mas cujo teor se reconduz aos mesmos factos e ilações que o Recorrente dos mesmos pretende tirar.

O Recorrente alega ainda que devia ser aditado o seguinte facto:
««5. A Câmara Municipal de Cascais através da sua Chefe de Divisão das Actividades Económicas, reconhece que o estabelecimento, não se encontra licenciado pelo DL 168/97 – cfr. processo instrutor fls. 55 e 58, 81, 84, 98 101.»

Porém, tal erro, a existir, fica prejudicado pela decisão que se irá proferir sobre a alegada violação dos princípios da boa-fé e da confiança, como melhor explicitaremos infra.

Por fim, pretende ainda o Recorrente seja aditado o seguinte facto:
«6. O estabelecimento esteve encerrado durante 49 dias, entre 23 de Março 2005 a 9 de Maio de 2005.»

Porém, verifica-se que da matéria de facto provada na decisão recorrida foi dado como provado o seguinte:
«z) Em 15 de Abril de 2005, a Divisão de Fiscalização da CMC procede ao encerramento e selagem do estabelecimento. (Cfr. fls. 194 PA);
aa) Em 18 de Abril, o aqui Autor requer, no Processo Cautelar, que ”deve ser declarada a ineficácia do acto de execução indevida praticado pelo Município de Cascais em 15-04-2005, pelo ...Vereador da CMC...” (Cfr. fls. 62 a 73);
bb) Em 9 de Maio de 2005 é proferido despacho no qual se conclui: “... nos termos do n° 6 do Art° 128° do CPTA, declara-se a ineficácia dos actos de execução, do acto cuja suspensão é requerida, consubstanciado no Despacho do Vereador M..., de 15 de Abril de 2005, mantendo-se assim, a proibição de execução do acto, decorrente do n° 1 do mesmo Art° 128° do CPTA.” (Cfr. fls. 135 a 138).»

Sendo a data da selagem do estabelecimento, a 15.04.2005 – cfr. alínea z) da matéria de facto -, a data que deve ser considerada para o efeito pretendido pelo Recorrente e não a de 23.03.2005 que indica, na ausência de demais prova, por referência ao facto constante da alínea v) da matéria de facto.

Nestes termos, claudicam, in totum, os invocados erros de julgamento sobre a matéria de facto. Avancemos.

ii) Do erro de julgamento por errada aplicação de lei subjacente à decisão sobre a (i)legalidade do ato impugnado em virtude do estabelecimento ser amovível e não se aplicar o direito invocado pelo Município de Cascais.
Alega o Recorrente que o seu estabelecimento teria características de uma estrutura amovível e, consequentemente, não lhe seria aplicável o Decreto-Lei n.º 168/97, de 04.07. (1) - Regime jurídico da instalação e do funcionamento dos estabelecimentos de restauração e de bebidas mas sim, o Decreto-Lei n.º 67/98, de 18.03. - Estabelece as normas gerais de higiene a que devem estar sujeitos os géneros alimentícios, bem como as modalidades de verificação do cumprimento dessas normas. Mais alega, como se expôs supra, que o próprio Recorrido o terá admitido.
É manifesto que, mesmo considerando a versão que mais beneficia o Recorrente, a admissão pelo Recorrido, em algum momento, de que o estabelecimento em causa era amovível, tal é irrelevante para efeitos da definição correta do direito aplicável e, dúvidas não há que o Recorrente não “monta” e “desmonta” o seu estabelecimento em cada época balnear, antes o mantendo com as mesmas características e localização ao longo de todos estes anos.
Acresce que, “estruturas amovíveis” são “quiosques”, “roulottes” ou pequenas “barracas” que se instalam num dado local durante alguns dias, podendo ser instaladas, noutros locais, características estas que não partilha o estabelecimento do Recorrente.
Razão pela qual, improcede o invocado vício de violação de lei por errada subsunção dos factos ao direito.

iii) Do erro de julgamento ao não ter considerado violados os princípios da boa-fé e da tutela da confiança, por comportamento desleal e contrário do Recorrido, ao mudar os critérios com que se pautou durante largos anos, relativo à classificação do estabelecimento, responsabilizando o particular por atitudes e comportamentos que ele própria autorizou e por atividades que incentivou e, bem assim, dos princípios da proporcionalidade e da justiça face à medida drástica de encerramento do estabelecimento sem dar ao Recorrente a possibilidade de regularizar a situação, que foi criada pela própria Administração.

Regressemos à matéria de facto provada, pois que esta se revela muito útil para o conhecimento deste vício:
« l) Em 6 de Junho de 2003, a CCDRLVT oficia o aqui Autor nos seguintes termos: “... constatou esta Direcção Regional, encontrar-se a licença n° 267/DPM caducada, por ausência de validação do Projecto de Arquitectura de adaptação do POOC Cidadela/Forte de S. Julião da Barra.
Nestes termos, encontra-se V. Ex.a destituído de justo titulo para continuar a proceder à ocupação e utilização da parcela de domínio público Marítimo, devendo consequentemente proceder à imediata cessação da actividade aí desenvolvida.” (Cfr. fls. 126 PA);
m) Em 13 de Novembro de 2003, a CMC oficia o aqui Autor no sentido de “no prazo máximo de 10 dias úteis, proceder à entrega do mapa de funcionamento do estabelecimento visado por esta Câmara, em 20 de Abril de 2001.” (Cfr. fls. 130 PA);
n) (…)
o) Em 8 de Janeiro de 2004, o Autor requer à CMC que se abstenha de praticar qualquer acto ilegal lesivo dos seus interesses, designadamente a cassação do mapa de horário de funcionamento. (Cfr. fls. 139 PA);
p) Em 12 de Março de 2004, a Chefe de Divisão de Actividades Económicas da CMC, emite parecer, onde refere, designadamente que: “De acordo com a informação do Assessor Jurídico, Dr. J..., quando caduca a licença do domínio hídrico não existe fundamento legal para caducar a licença de utilização e em consequência encerrar os estabelecimentos. Assim e dado a proximidade da época balnear, julgo que deveria ser solicitada a intervenção urgente da CCRD para resolução do assunto.” (Cfr. fls. 148 PA);
q) No âmbito da Providência Cautelar que correu neste Tribunal sob o n° 275/04.6TA foi proferida decisão de 1.ª instancia onde se determinou a “... a suspensão de eficácia da decisão proferida em 6/6/2003, pela CCRDLVT, que determinou a caducidade da licença n° 267/DPM e o encerramento do estabelecimento B... Bar.(Cfr. fls. 33 a 56);
r) (…)
s) (…)
t) Em 22 de Março de 2005, a Chefe de Divisão de Licenciamento das Actividades Económicas da CMC emite parecer onde se refere:
De acordo com o art° 140° do Decreto-Lei no 57/2002, de 11 de Março, que alterou o Decreto-Lei no 168/97, de 4 de Julho, o funcionamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas depende apenas da titularidade de licença ou autorização de utilização para serviços de restauração ou de bebidas, a qual constitui, relativamente a estes estabelecimentos, a licença prevista nos altos 62° e 74° do Decreto-Lei no 555/99, de 16 de Dezembro.
A licença ou a autorização de utilização para serviços de restauração e ou de bebidas destina-se a comprovar, para além da conformidade da obra concluída com o projecto aprovado, a adequação do estabelecimento ao uso previsto bem como, a observância das normas relativas às condições sanitárias e à segurança contra riscos de incêndios.
Com efeito, as estruturas, as instalações e o equipamento do estabelecimento em apreço, devem estar a funcionar em boas condições e ser mantida em perfeito estado de conservação e higiene, por forma a evitar que seja posta em causa a saúde dos seus utentes.
Acresce ainda que, o referido estabelecimento deve estar dotado dos meios adequados para a prevenção dos riscos de incêndio, de acordo com as normas técnicas estabelecidas na legislação.
Dado que este estabelecimento não possui o licenciamento legalmente exigível para este tipo de actividade, estando nesta data, em plena laboração, não estão garantidas o cumprimento das normas atrás descritas nomeadamente, das normas higio- sanitárias e de prevenção de riscos de incêndios.
Pelo exposto proponho que:
1. Seja cessada de imediato, a utilização do referido estabelecimento uma vez que, sem tal medida, há justo receio de se produzir lesão grave e de difícil reparação dos interesses públicos em causa, nomeadamente, a saúde pública e segurança das pessoas (artigo 84° do Cód. Proc. Administrativo);
2. Caso o estabelecimento não seja encerrado o proprietário do mesmo incorrerá na prática de crime de desobediência previsto e punido pelo art° 348° do Código Penal;
3. Nos termos da alínea a) do n° 1 do art° 103° do Código do Procedimento Administrativo seja dispensada a audiência prévia, por se tratar de decisão urgente, dado poder estar em causa a saúde e a segurança dos utentes;
4. Seja dado conhecimento de decisão ao explorador do estabelecimento, ao Departamento de Polícia Municipal, à Polícia de Segurança Pública, à Polícia Marítima e à CCDR.” (Cfr. fls. 156 a 158 PA);
u) Sobre o referido parecer despachou o Vereador M..., igualmente em 22 de Março de 2005, “Concordo”. (Cfr. fls. 158 PA);» [sendo este o ato impugnado na ação subjacente ao presente recurso].

Ora, ao contrário do que invoca o Recorrente, decorre dos factos supra transcritos que a ausência de “titulo” para poder explorar o estabelecimento em apreço, decorre, em primeira linha, de uma decisão da CCDR, de 06.06.2003 – cfr. alínea l) da matéria de facto - embora esta decisão esteja suspensa – cfr. matéria de facto supra.

A decisão do Recorrido, de 22.03.2005, impugnada na ação que está subjacente ao presente recurso – cfr. alínea u) da matéria de facto – tem como fundamento a ausência da licença prevista no art. 140° do Decreto-Lei n.º 57/2002, de 11.03., que alterou o Decreto-Lei n.º 168/97, de 04.07. – ao impor ao funcionamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas a titularidade de licença ou autorização de utilização para serviços de restauração ou de bebidas.
Tal decisão não está errada, e nem a circunstância de in illo tempore o Recorrido poder ter praticado atos em sentido diverso, impedem que se reponha a legalidade, pois não há direitos na ilegalidade, isto, sem prejuízo de poder a Administração incorrer em responsabilidade extracontratual, caso se verifiquem os seus específicos pressupostos.

Por seu turno, o seu invocado carácter excessivo, violador dos princípios da confiança e da boa-fé, atento o tempo de funcionamento que o estabelecimento em apreço beneficia - cfr. alega o Recorrente – em face da procedência do vício de falta de audiência prévia – que determinará seja notificado o Recorrente de um projeto de decisão, para sua audição, sendo que, só após, e perante o que for ali alegado e existir à data, será praticado um novo ato - julga-se esta questão prejudicada e, bem assim, ultrapassada, também, face aos factos posteriores – cfr. alíneas cc) a jj) da matéria de facto.

iv) Do erro de julgamento ao não ter deferido o pedido de condenação do Recorrido no pagamento da quantia de 500.000 €, acrescida da quantia de 18.000 € a título de indemnização pelos prejuízos emergentes do ato impugnado.
Desde já se pode adiantar, que, tendo o tribunal a quo anulado o ato impugnado, o valor de indemnização será não mais do que 18.000€ - peticionado que foi para a hipótese de o tribunal a quo julgar o ato ilegal – e não de 500.000€ - peticionado que foi para a eventualidade de o tribunal a quo julgar o ato impugnado legal – cfr. pedido formulado.

Alega o Recorrente, quanto a este aspeto, o seguinte:
«(…) se existe prova, ainda que mal julgada pelo douto Tribunal a quo sobre o encerramento do estabelecimento por parte da demandada, e se o próprio Tribunal considera que o acto de encerramento é ilícito, então tem de considerar-se por inerência que três dos pressupostos da responsabilidade civil estão preenchidos, a saber, o facto, a ilicitude da conduta e o nexo de causalidade.
Relativamente à prova dos danos novamente o Tribunal a quo , erra no julgamento da prova.
Foram junto à PI, documentos que provam claramente os danos provocados pelo encerramento, designadamente folhas de caixa mensais de Fevereiro, Março, Maio e Junho de 2004, e a declaração trimestral de IVA, Março, Junho Setembro e Dezembro 2004 e bem assim o modelo 3 do IRS sobre os rendimentos de 2004 do Autor.
Ora, se o Tribunal a quo considerava que os danos provocados ao Autor não se encontravam provados por via documental apresentada pelo demandante, então no seu acórdão, o Tribunal devia ter dado como não provado os factos com base na analise critica das provas que lhe cumpre conhecer conforme artigo 659° n° 3 do CPC. Não basta dizer que o Autor não logrou provar os valores peticionados, o que é falso, tem de se justificar porque não se considera idóneos aqueles documentos para a prova dos factos.
Ou seja, tem de se justificar o itinerário cognoscitivo que se seguiu para apreciação da prova de modo claro e inteligível, no sentido de se escrutinar a motivação da decisão, caso contrario existirá falta de fundamentação.
Ora, se o estabelecimento esteve encerrado por 49 dias seguidos devido ao acto praticado pela Administração e reconhecido pelo Tribunal a quo, a consequência lógica de tal é que o estabelecimento não teve rendimentos.
Logo se não teve rendimentos, teve prejuízos, prejuízos esses calculados em comparação com valores do ano anterior, conforme documentos oficiais e da sua própria contabilidade apresentados pelo requerente.
Pelo exposto, deve considera-se que o particular sofreu um prejuízo de 18000 euros (dezoito mil euros) de danos emergentes, pelo período de 49 dias em que o estabelecimento esteve encerrado entre 23 de Março 2005 a 9 de Maio de 2005 por efeito do acto ilegal de encerramento do estabelecimento praticado pela Administração.»

Antes de mais, e conforme se expôs supra, será a data da selagem do estabelecimento – a 15.04.2005, cfr. alínea z) da matéria de facto - a data que deve ser considerada como termo a quo para o efeito pretendido pelo Recorrente e não a de 23.03.2005 que indica, na ausência de demais prova, por referência ao facto constante da alínea v) da matéria de facto.
No demais, aceita-se, tal como refere o Recorrente e decorre da alínea bb) da matéria de facto, que seja a data de 09.05.2005, o termo final do período de encerramento forçado do estabelecimento em apreço.

Mas, quanto ao demais, o Recorrente tem razão.
Vejamos porquê.
Como salienta Alexandra Leitão (2), a «Administração rege-se sempre pelo princípio da legalidade, entendido enquanto preferência de lei e reserva de lei, constituindo o bloco de legalidade o fundamento e o limite de toda a atuação administrativa. Por outro lado, qualquer atuação administrativa tem, necessariamente, como objetivo a prossecução do interesse público.
Os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público conferem, assim, o enquadramento axiológico que justifica a existência de uma responsabilidade pública pelo exercício da função administrativa. Como salientam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, a própria localização do instituto da responsabilidade pública em sede constitucional, no artigo 22.º da CRP, “significa que ele não transporta apenas uma lógica indemnizatória ressarcitória decalcada da responsabilidade do direito civil”, antes é um princípio estruturante do Estado de Direito.
No entanto, o artigo 22.º tem também um alcance subjectivo e é uma norma directamente aplicável, consagrando um direito fundamental à reparação dos danos, sem prejuízo da margem de densificação deixada ao legislador ordinário.
O facto de os particulares actuarem no exercício da sua liberdade, e a Administração de acordo com o princípio da competência significa que esta incorre em responsabilidade não só quando viole a lei, mas também quando actue sem título habilitante.
Por outro lado, sendo a função administrativa pré-determinada legalmente, verifica-se uma tendência para a objectivização da responsabilidade decorrente do exercício da mesma, patente na assimilação do conceito de ilegalidade ao de ilicitude e na consagração de presunções de culpa (…)

Por seu turno, a decisão recorrida entendeu o seguinte:
«(…) tendo presente que o ónus da prova, no que concerne ao dever de indemnização por parte da Entidade Demandada, cabia ao Autor, o que não resultou demonstrado, quer quanto aos valores peticionados, quer quanto ao preenchimento dos requisitos a que se aludiu, não estão assim, reunidos os pressupostos e requisitos que permitiriam atribuir-lhe uma indemnização a titulo de Responsabilidade civil extracontratual, mormente nos termos do supra referido DL n° 48.051 de 21 de Novembro de 1967, (…)»

Desde já se adianta que não acompanhamos a conclusão a que chegou a decisão recorrida.

Comecemos pela ilicitude.
Ao caso em apreço, atendendo à data da prática dos factos, aplica-se o regime previsto no Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.1967, que regia a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, sendo que a discussão em torno de se saber se qualquer desconformidade do ato administrativo à lei e ao direito equivalia ao preenchimento do pressuposto da ilicitude, àquela data, era já ganha por uma maioria evidente na doutrina (3) e também na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (4) que, considerando o disposto nos art.s 2.º e 6.º daquele diploma legal, defendia que a violação de preceitos jurídicos não era, por si só, fundamento bastante para responsabilizar a Administração, exigindo a ofensa de direitos subjetivos ou de disposições legais destinadas a proteger os interesses materiais do lesado (5).
Porém, não basta seguirmos uma linha de subjetivação da ilicitude para resolver a nossa questão, é necessário ainda olhar para o tipo de vício ou norma violada pelo ato impugnado, ilegal, para poder concluir definitivamente, se o mesmo é ilícito.
De facto, aos que, na doutrina, [A] defendem que a violação de normas instrumentais/formais (por oposição a normas substantivas/materiai (6) não constitui, em caso algum, ato ilícito, por não visarem aquelas a proteção de interesses materiais dos particulares, cuja esfera jurídica sempre poderia ter sido afetada por ato (expurgado do vício externo) com conteúdo decisório idêntico (7), [B] opõem-se os que não afastam do conceito de ilicitude a violação de normas de índole instrumental, por considerarem inserir-se no escopo ou fim de proteção destas (também) interesses subjetivos dos destinatários do ato administrativo anulado com fundamento na sua infração (8). Para a doutrina que perfilha a segunda das posições enunciadas, a renovabilidade/renovação do ato não é uma questão que assuma relevo no plano da ilicitude, mas sim nos domínios do nexo causal ou do cálculo da indemnização (9).

Débora Melo Fernandes, conclui, também, que na Jurisprudência do STA existe (10), de igual forma, uma “summa divisio” que se resume aos termos enunciados no parágrafo anterior e contrapõe os arestos que [A] negam a existência de ilicitude(i) por as normas violadas não visarem tutelar posições jurídicas subjetivas dos particulares, (ii) por a ilegalidade não influir no sentido da decisão ou, ainda, (iii) por o vício não implicar a sua “inutilização decisória” – aos acórdãos que [B] aceitam que as ilegalidades formais, procedimentais e orgânicas preenchem o conceito amplo de ilicitude (11), concluindo pela eventual relevância excludente de responsabilidade do comportamento lícito alternativo não neste plano, mas no do nexo causal.
Porém, o Tribunal Constitucional, através do seu acórdão n.º 154/2007 – P.65/02 (12) -, teve oportunidade de se pronunciar sobre esta questão, tendo afirmado, numa situação em que estava em causa um ato anulado por falta de fundamentação sem que se tivesse verificado a respetiva renovação, como ocorreu no caso em apreço, que «(…) não é compatível com o artigo 22.º da Constituição uma interpretação do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 48.051 que exclua sempre e em qualquer caso a responsabilidade do Estado por danos verificados na sequência de um acto administrativo anulado por falta de fundamentação, quando a sentença anulatória não for executada e não for praticado novo acto, sem o vício que determinou a anulação, com o fundamento de que se não verifica nunca o pressuposto da ilicitude do acto», tendo, cautelosamente acrescentado que « (…) isto se diz sem embargo de se não excluir a possibilidade de o pedido de indemnização vir a ser julgado improcedente por não verificação de qualquer dos pressupostos da responsabilidade civil”, não afastando, por exemplo, uma eventual relevância negativa do comportamento lícito alternativo a aferir em sede de nexo de causalidade.

Face a todo o exposto, errou a decisão recorrida ao considerar que nenhum dos pressupostos da responsabilidade extracontratual se verificavam no caso em apreço, pois dúvidas não há que o ato impugnado, e que está subjacente a este pedido de indemnização, foi praticado com preterição da audiência prévia do Recorrente, ato esse que a própria decisão recorrida anulou, sendo que, nessa parte, já transitou em julgado, pois não foi objeto de recurso.

Acresce que o direito de audiência prévia consubstancia uma manifestação ímpar dos princípios da participação e do contraditório/defesa dos administrados, legal e constitucionalmente previstos, pelo que o ato em apreço violou uma norma, à data o art. 100.º do CPA1991, que no seu escopo, ou fim de proteção, incluía indubitavelmente (também) interesses subjetivos dos destinatários do ato.

Neste pressuposto, retomando o caso em apreço, o ato que está subjacente à presente ação de responsabilidade extracontratual do Recorrido por facto ilícito, é um ato de natureza ablativa – uma ordem de encerramento -, ilegal e ilícito por preterição do direito de audiência prévia.
Acresce que, a quantia peticionada reporta-se a danos in itinere, ou seja, apenas enquanto o ato produziu efeitos, pelo que, mesmo que venha a ser renovado e seja válido, durante o período em que produziu efeitos o ato impugnado pode ter feito o Recorrido incorrer em responsabilidade extracontratual, verificados que estejam os demais requisitos desta.

Assim, face a todo o exposto, imperioso se torna concluir que o ato impugnado, praticado pelo Recorrido, e que está subjacente ao pedido de efetivação de responsabilidade extracontratual por facto ilícito, ao ter determinado o encerramento do estabelecimento do Recorrente, já anulado pela decisão recorrida, por preterição de audiência prévia, é um ato ilícito, gerador de responsabilidade extracontratual do Recorrido, pelos danos que tenha provocado, in itinere, ou seja, durante o período em que produziu efeitos.

E isto porque, quanto a estes danos, também denominados de medio tempore, decorrentes da falta de disponibilidade do bem, uma vez que a renovação do ato não elimina a ilicitude do ato original, nem a causalidade do ato para os danos incorridos, e que, por força da regra da irretroatividade dos atos renovadores, estes últimos não podem revestir eficácia ex tunc, terá a Administração de os ressarcir (13), caso a tal nada mais obste. O que nos leva à apreciação dos demais requisitos legais para efetivação da responsabilidade extracontratual do Recorrido.

Da culpa
A este propósito preceituava o art. 4.º n.º 1, do Decreto-Lei nº 48.051, de 21.11.1967, que a culpa era apreciada nos termos do art. 487º, do CC, o qual, no seu n.º 2, determina como critério para aferir da mesma o critério abstrato do bom pai de família, o qual, quando transposto para o âmbito das entidades públicas, implica a comparação do comportamento ilícito apurado com o que seria exigível a um funcionário ou agente zeloso e cumpridor dos seus deveres funcionais.
Ora, constituía entendimento reiterado do STA, em relação ao regime do citado Decreto-Lei n.º 48.051, que, quando fosse violado o dever de boa administração pela prática de um ato administrativo ilegal – como sucedeu no caso em apreço - o elemento culpa dilui-se na ilicitude, ou seja, a demonstração da ilicitude da atividade praticada pela autoridade administrativa traduz, simultaneamente, a verificação da mera culpa funcional, suficiente para preencher o respetivo pressuposto.
Neste sentido, veja-se a doutrina que dimana do acórdão do STA de 29.02.1996, P. 38 045, nos termos que aqui se transcrevem: «O desconhecimento ou errada interpretação da lei não pode deixar de gerar ilicitude e, também, culpa relevante (a título de negligência), já que o correcto manuseamento dos textos legais, salvos casos de excepção, é exigível aos titulares dos órgãos e agentes do Município».
E do acórdão de 09.10.2012, P. 565/12, também do STA: «(…) partindo da ideia, por outros partilhada, de que a anulação de um acto administrativo é, em si mesmo, “um índice de anormalidade de funcionamento do serviço”, já que “o primeiro dever da Administração é conhecer e respeitar o Direito” (Vide Mário Aroso de Almeida, “ Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, p. 827 e demais Doutrina aí citada), este Supremo Tribunal, em relação ao regime do DL nº 48 051, consolidou, há muito, jurisprudência inclinada a considerar que toda a ilegalidade da Administração é de considerar culposa, sem necessidade de outras indagações, dado que “quando é violado o dever de boa administração pela prática de um acto administrativo ilegal, o elemento culpa dilui-se na ilicitude, assumindo a culpa o aspecto subjectivo da ilicitude” (Cfr., entre outros, os acórdãos de 1996.03.21 – rec. nº 35 909 e de 1996.12.03 – rec. nº 39 020), e que “quando os factos alegados são ilícitos, por violação de normas legais e regulamentares, desde logo arrastam uma presunção judicial de negligência

No caso em apreço, não vemos razões para divergir desta jurisprudência consolidada, tanto mais que a ilegalidade e ilicitude do ato que está subjacente à presente ação para efetivação de responsabilidade extracontratual decorre da preterição de audiência prévia, fase elementar e, em regra, obrigatória, após a instrução de qualquer procedimento administrativo.

Do nexo de causalidade e dos danos
A jurisprudência do STA tem considerado que à responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, por factos ilícitos, se aplica o art. 563°, do CC.
Por seu turno, o art. 563.º do CC, norma que estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigação de indemnização, consagra a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa correspondente aos ensinamentos de Enneccerus-Lehmann, segundo a qual uma condição do dano deixará de ser causa deste, sempre que, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano» .
Nesta medida, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado. Depois, há que ver, se aquele facto era, em abstrato, ou em geral, segundo as regras da vida, causa adequada ou apropriada, para a produção do dano.
Ou seja, à luz desta teoria não serão ressarcíeis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, isto é, aqueles cuja ocorrência com ele estejam numa relação de adequação causal, sendo que, neste pressuposto, e tal como escreve ALMEIDA COSTA «(…) O nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e medida da obrigação de indemnizar.».
A questão que agora se impõe, é a seguinte: o ato que está subjacente à presente ação para efetivação de responsabilidade extracontratual por facto ilícito terá sido a causa dos danos invocados pelo Recorrente?
Se dúvidas não temos sobre o encerramento do estabelecimento, na ausência demais factos alegados, entre os dias 15.04.2005 – data em que o estabelecimento foi selado – cfr. alínea z) da matéria de facto - e 09.05.2005 – data em que foram julgados ineficazes os atos de execução do ato impugnado – sendo também esta a data limite admitida pelo Recorrente.
A decisão recorrida deu por não verificado este pressuposto, tendo, para tal, considerado que «tendo presente que o ónus da prova, no que concerne ao dever de indemnização por parte da Entidade Demandada, cabia ao Autor, o que não resultou demonstrado, quer quanto aos valores peticionados, quer quanto ao preenchimento dos requisitos a que se aludiu»
Por seu turno o Recorrente, em sede de alegações, reitera que suportou prejuízos e que estes se devem ao encerramento do seu estabelecimento, tendo alegado, em suma, o seguinte: «(…)
Foram junto à PI, documentos que provam claramente os danos provocados pelo encerramento, designadamente folhas de caixa mensais de Fevereiro, Março, Maio e Junho de 2004, e a declaração trimestral de IVA, Março, Junho Setembro e Dezembro 2004 e bem assim o modelo 3 do IRS sobre os rendimentos de 2004 do Autor. (…)
Ora, se o estabelecimento esteve encerrado por 49 dias seguidos devido ao acto praticado pela Administração e reconhecido pelo Tribunal a quo, a consequência lógica de tal é que o estabelecimento não teve rendimentos.
Logo se não teve rendimentos, teve prejuízos, prejuízos esses calculados em comparação com valores do ano anterior, conforme documentos oficiais e da sua própria contabilidade apresentados pelo requerente.
Pelo exposto, deve considera-se que o particular sofreu um prejuízo de 18000 euros (dezoito mil euros) de danos emergentes, pelo período de 49 dias em que o estabelecimento esteve encerrado entre 23 de Março 2005 a 9 de Maio de 2005 por efeito do acto ilegal de encerramento do estabelecimento praticado pela Administração.» (negritos nossos).
E, na verdade, na situação em apreço, temos por adquirida a verificação do pressuposto nexo de causalidade e dano, mesmo que este não resulte quantificado – desde logo, em virtude da alteração do termo a quo para o cômputo de período de encerramento que apenas na presente decisão se levou a cabo – assim considerando que o do valor líquido dos mesmos poder ser relegado para liquidação de sentença.
Conclui-se, assim, pela verificação do necessário nexo de causalidade entre a atuação ilícita do Recorrido e os prejuízos que tenham decorrido do ato impugnado, no período em que este determinou o encerramento do estabelecimento do Recorrente, em montante a liquidar em execução de sentença, nos termos e por todos os fundamentos supra expostos.
Assim sendo, outra decisão não resta que não seja a de conceder parcial provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, conhecendo em substituição, condenar o recorrido no pagamento da indemnização pelos prejuízos que tenham decorrido do ato impugnado, no período em que, nos termos supra expostos, na sequência deste o estabelecimento do Recorrente esteve encerrado, em montante a liquidar em execução de sentença.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, conhecendo em substituição, condenar o recorrido no pagamento da indemnização pelos prejuízos que tenham decorrido do ato impugnado, no período em que, nos termos supra expostos, na sequência deste o estabelecimento do Recorrente esteve encerrado, em montante a liquidar em execução de sentença, ordenando a baixa dos autos para o efeito.

Custas pelo Recorrente e Recorrido, atendendo ao respetivo decaimento, que se fixa em 50% para cada.

Lisboa, 26.11.2020.

Dora Lucas Neto

*

A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira.

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(1) Vigente à data dos factos e entretanto revogado pelo “Novo regime de instalação e modificação dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas”, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 234/2007, de 19.06.
(2) in Duas questões a propósito da responsabilidade extracontratual por (f)actos ilícitos e culposos praticados no exercício da função administrativa: da responsabilidade civil à responsabilidade pública. Ilicitude e presunção de culpa, disponível aqui: http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/artigo-responsabilidade2.pdf
(3) v. neste sentido, entre outros, GOMES CANOTILHO, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, Coimbra, 1974, pg. 75, nota 17, e Comentário ao Ac. STA de 12 de Dezembro de 1989, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 3816, Ano 125, 1992-1993, pgs. 83 e 84; RUI MEDEIROS, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, Almedina, 1992, pg. 168; MARGARIDA CORTEZ, Responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais e concurso de omissão culposa do lesado, Stvdia Ivridica, 52, 2000, pgs. 70-72.
(4) A título de exemplo, v. acórdãos do STA de 12.12.1989, P.24814; de 16.02.1995, P36023; de 01.07.1997, P.41588; de 04.11.1998, P.40165, e de 24.03.2004, P.1609/02.
(5) Na verdade, o n.º 1 do art. 9.º do novo regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31.12., que revogou o DL 48051, de 21.11.1967, ao dispor que: 1 - Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, veio apenas clarificar este entendimento doutrinária e jurisprudencialmente já maioritário, no sentido de que a violação, pela Administração, de normas jurídicas não constitui sempre uma atuação ilícita, sendo necessário verificar se dessa violação resultou numa ofensa a direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos.
(6) Distinção seguida por, entre outros, MARGARIDA CORTEZ, op. cit., pgs. 72-75 - Normas formais/instrumentais são as que regulam os aspetos organizatórios, funcionais e formais do exercício do poder, abrangendo esta categoria as normas formais stricto sensu, as procedimentais e as orgânicas ou de competência. Por seu turno, as normas substantivas/materiais são todas as que conformam diretamente o conteúdo decisório do ato.
(7) GOMES CANOTILHO, op. cit., idem; MARGARIDA CORTEZ, op. cit., pgs.74-79 e 144, e O crepúsculo da invalidade formal? in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 7, janeiro/fevereiro, 1998, pg. 38.
(8) RUI MEDEIROS, op. cit., pgs. 169 e 170; CARLOS ALBERTO CADILHA, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, Anotado, Coimbra, 2008, pgs. 152-154; ESTÊVÃO NASCIMENTO DA CUNHA, Ilegalidade Externa do Acto Administrativo e Responsabilidade Civil da Administração, Coimbra Editora, 2010, pgs. 226-228, e ALEXANDRA LEITÃO, op. cit., pg. 52, entre outros.
(9) DÉBORA MELO FERNANDES, in A Responsabilidade civil da Administração por atos administrativos afetados por vícios externos e a eventual relevância negativa do comportamento lícito alternativo, e-publica, vol.3, n.º 7, Abril 2016, disponível em www.e-publica.pt, consultado a 19.04.2020, autora que seguiremos de perto em diversos pontos da abordagem desta questão.
(10) Cfr. texto e notas de rodapé n.ºs 20 a 23, op.cit..
(11) A título de exemplo, à data dos factos, os ac.s do STA de 23.10.2008, P.0264/08, e de 04.11.2008, P.0104/08.
(12) Disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/
(13) DÉBORA MELO FERNANDES, op. cit.