Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05090/11
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/16/2012
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IVA.
CONSEQUÊNCIAS DO ACORDO OBTIDO NO PROCEDIMENTO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL.
VIOLAÇÃO DO MANDATO PELO REPRESENTANTE DO CONTRIBUINTE NA COMISSÃO DE REVISÃO.
DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Sumário: I) Alcançando-se acordo no processo de revisão da matéria tributável, em regra, não poderá na impugnação judicial da liquidação operada com base nele assacar-se qualquer ilegalidade da avaliação indirecta em decorrência do disposto no art. 86º nº 4 da L.G.T..

II) Sendo a relação entre a contribuinte e o seu representante na Comissão de Revisão juridicamente qualificável como de mandato com representação assumido e com base no qual o perito agiu, fica a mesma sujeita ao disposto nos artigos 258º e seguintes, pelo que, o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último, sendo o devedor responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor (cfr. artº 800º, nº 1 do CC).

III) Não obstante o art. 86º nº 4 da L.G.T. não permita que, quando a liquidação tiver por fundamento o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável, na impugnação do acto tributário de liquidação, em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, possa ser invocada qualquer ilegalidade desta, não pode considerar-se o sujeito passivo vinculado pelo acordo que seja obtido, sempre que não se demonstre que o representante agiu dentro dos limites dos seus poderes de representação e não agiu em sentido contrário a estes poderes.

IV) Considerando que este em causa o exercício de um direito de natureza análoga a um direito fundamental, impõe-se notar que a Recorrida pugnou em sede de revisão pela falta de preenchimento dos pressupostos para o recurso à avaliação indirecta, o que significa que tal situação teria de ser tratada no âmbito da Comissão de Revisão, o que não sucedeu, sendo que a realidade em apreço não se conforma com subentendidos, o que implica que o representante da Recorrida não discutiu a matéria que esta pretendia ver analisada e sem que se vislumbre nos autos a existência de poderes para o efeito, ultrapassou essa questão para entrar numa outra dimensão, numa outra fase do procedimento, comportamento que se considera incompatível com a posição assumida pela Recorrida, pelo que, não dispondo de poderes para o efeito, tem de proceder a alegação da Recorrida quando defende que o acordo não a vincula.

V) A realidade agora exposta mostra-se ultrapassada quanto à questão do recurso aos métodos indirectos, dado que, neste âmbito, a sentença recorrida considerou legítimo o recurso à aplicação dos métodos indirectos, em virtude da impossibilidade de apurar a verdadeira situação patrimonial da empresa, não restando outro caminho à AT senão lançar mão de tais métodos indiciários, verificando-se que a Recorrida não lançou mão do disposto no disposto no art. 684º-A nº 1 do C. Proc. Civil.

VI) A liquidação foi efectuada efectivamente com base nos valores apurados através do acordo dos peritos, o que significa que a sentença recorrida não andou bem ao desviar a sua atenção para o procedimento da AT vertido no Relatório de Inspecção, nomeadamente com referência ao valor considerado de 1,442% em termos de descontos, para depois concluir pela não fundamentação material de tal critério, pois que considerando os termos da liquidação apontada nos autos, são os elementos agora apontados e sublinhados que importa considerar nesta matéria, o que significa que, analisando o probatório, resulta manifesto que a ora Recorrida não logrou evidenciar factos susceptíveis de demonstrar, de provar o excesso na respectiva quantificação, até porque se preocupou, tal como a sentença recorrida, com a matéria exposta no RIT, recorrendo mesmo ao exposto pelos Peritos para defesa da sua tese, olvidando que aquilo que estava em causa era a realidade descrita pelos Peritos, não emergindo dos autos nenhum elementos capaz de ultrapassar esta questão.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário ( 2ª Secção ) do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 16/06/2011, que julgou procedente a IMPUGNAÇÃO deduzida por “Selecção ……………………Lda”, tendo como pano de fundo a liquidação adicional de IVA, referentes ao exercício de 1998, no montante de € 38.767,01 a título de imposto e € 8.535,11 de juros compensatórios.

Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 243-255 ), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(...)
I) Dispõe o art. 92º n.º 1 da LGT que: O procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver, e visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeito de liquidação.
II) E havendo acordo entre os peritos, o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada, conforme dispõe o art. 92º n.º 3 da LGT, devendo o acordo fundamentar a nova matéria tributável encontrada em caso de alteração da matéria inicialmente fixada, cf. art. 92º n.º 4 da LGT.
III) Sendo que, em caso de acordo, a administração tributária não pode alterar a matéria tributável acordada (salvo em caso de trânsito em julgado de crime de fraude fiscal envolvendo os elementos que serviram de base à sua quantificação) - cf. artigo 92º n.º 5 da LGT.
IV) Por sua vez, como se refere na douta sentença recorrida, no n.º 4 do artigo 86° da LGT dispõe-se que na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo.
V) Assim, como também se refere na douta sentença recorrida: “Na verdade e na sendo do doutrinado por Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Sousa, in LGT anotada, 3ª ed., pág. 429 e seg., da parte final deste artigo resulta, literalmente, que o sujeito passivo, se tiver havido acordo no processo de revisão da matéria colectável, não poderá impugnar a liquidação com fundamento em ilegalidade ocorrida no processo de avaliação indirecta.
VI) Ora, tendo perfeita aplicação ao caso dos presentes autos o regime legal que resulta das disposições legais acima mencionadas, outra conclusão não se poderá extrair que não seja a de que, em virtude do acordo obtido no âmbito do processo de revisão da matéria tributável, se encontrava vedada à Impugnante a impugnação relativamente ao erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável.
VII) Contudo, os autores acima citados (em V), na obra citada e na anotação a este artigo 86° da LGT, consideram que a relação entre o sujeito passivo e o perito por si indicado, se configura uma relação de representação, justifica-se que se estabeleça a vinculação do sujeito passivo pela actuação deste perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (artigos 1178º n.º 1 e 258º do Código Civil)
VIII) Continuando “Porém, não poderão também deixar de aplicar-se a esta vinculação as restrições que a mesma lei civil estabelece em relação à vinculação dos representados pelos actos dos seus representantes, por não haver qualquer razão para, numa matéria em que está em causa a possibilidade de exercício de um direito de natureza análoga a um direito fundamental, estabelecer um regime mais oneroso para o representado do que o se estabelece, em geral, para qualquer relação jurídica Ora, nos termos da lei civil, mesmo quando o mandatário é representante, por ter recebido poderes para agirem nome do mandante, os seus actos só produzem efeitos em relação à esfera jurídica deste se forem praticados dentro dos limites dos poderes que lhe foram conferidos ou sejam por este ratificados, expressa ou tacitamente (arts. 258º, n.º 1, e 268.º, n.º 1, aplicáveis por força do preceituado no art. 1178.º, n.º 1, e art. 1163.º, todos do Código Civil) regime este que, aliás, encontra suporte legal expresso em matéria tributária no n°1 do art. 16.º da L.G.T., que estabelece genericamente que os actos em matéria tributária praticados por representante em nome do representado só produzem efeitos na esfera jurídica deste dentro dos limites dos poderes de representação”.
IX) Concluindo: “Assim, nos casos em que o representante do sujeito passivo defender ou aceitar, no procedimento de avaliação indirecta, posições distintas das defendidas por este, designadamente ao formular o pedido de revisão da matéria colectável, não poderá considerar-se o sujeito passivo vinculado pelo acordo que seja obtido, se não se demonstrar que o representante agiu dentro dos limites dos seus poderes de representação e não agiu em sentido contrário a estes poderes»
X) Todavia, se no caso dos presentes autos, como bem faz notar a douta sentença recorrida, o acordo entre o perito nomeado pelo contribuinte e o perito da administração tributária não corresponde à revogação total da matéria tributável fixada por métodos indirectos por falta de preenchimento do respectivos pressupostos que o ora impugnante solicitava no seu pedido de revisão da matéria colectável, dai não decorre, sem mais, que o sujeito passivo possa impugnar a matéria tributável apurada através do acordo obtido.
XI) Isto porque se encontra bem explícito na lei que o procedimento de revisão da matéria colectável visa o estabelecimento de um acordo entre os intervenientes, do qual resultam as consequências já acima referidas, nomeadamente que não pode a AT liquidar imposto em montante diverso do acordado.
XII) Ora, o ora impugnante não poderia desconhecer que o perito por si indicado o iria “representar no debate contraditório a que alude aquele artigo 92º n.º 1 da LGT, e que o iria representar para efeito de chegar ou não ao acordo previsto na lei.
XIII) Pelo exposto, decorre da própria lei a atribuição ao perito nomeado pelo contribuinte dos poderes para celebrar o acordo visado pelo procedimento de revisão da matéria colectável.
XIV) Facto que em nada prejudica o contribuinte, como sucedeu no caso em apreço nos presentes autos, uma vez que o contribuinte, devido ao acordo obtido no âmbito do procedimento de revisão, beneficiou de uma redução na matéria colectável que lhe havia sido anteriormente fixada.
XV) A situação descrita teria pleno enquadramento na previsão do art. 258° do CC, isto é: “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.”
XVI) Já o mesmo não sucede quanto à previsão do art. 268º n. 1 do CC (“o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.’), porquanto, foram conferidos ao perito indicado pelo contribuinte, pelo próprio pedido de revisão da matéria tributável, poderes de representação.
XVII) Poderia, no entanto, suscitar-se a questão de o perito indicado pelo contribuinte para o representar para efeitos deste procedimento de revisão agir com abuso dos seus poderes, i.e., celebrando um acordo contrário às instruções que lhe tenham sido dadas pelo contribuinte.
XVIII) Nos autos, no entanto, não foi feita qualquer prova de que tivessem sido dadas instruções ao perito, no sentido de que não poderia chegar a acordo com o perito da administração tributária, sendo que, como acima se refere, decorre da própria lei a atribuição ao perito nomeado pelo contribuinte dos poderes para celebrar o acordo visado pelo procedimento de revisão da matéria colectável.
XIX) Certo é que, mesmo que tivessem existido instruções dadas ao perito que este tivesse desrespeitado, teria de se ter em atenção o disposto no artigo 1163° do CC: “Comunicada a execução ou inexecução do mandato, o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que teria de pronunciar-se, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, vale como aprovação da conduta do mandatário, ainda que este haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as instruções do mandante, salvo acordo em contrário.”
XX) E, in casu, sabendo o ora impugnante que a liquidação em caso de acordo obtido no âmbito do procedimento de revisão a Administração Tributária seria efectuada com base naquele acordo, caso entendesse que o mesmo não era válido, teria de se pronunciar nesse sentido, logo na sequência da sua notificação de que o pedido de revisão da matéria colectável foi apreciado pelos peritos intervenientes na reunião conforme acta que lhe foi enviada, fls. 398 e ss do PAT, e não apenas em sede de reclamação graciosa ou impugnação após a sua notificação da liquidação.
XXI) Com efeito, a não se entender deste modo, estar-se-á a subverter, além da letra, todo o espírito da lei, que prevê que antes da liquidação se procure obter um acordo, do qual se faz decorrer toda uma série de consequências.
XXII) Lei que, além das normas já supra citadas, determina no artigo 86° n.° 3 da LGT que em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação depende da prévia reclamação nos termos da presente lei, reclamação essa que no artigo 91° se concretiza no procedimento de revisão de matéria colectável.
XXIII) Não se podendo ignorar que, na situação dos autos, a vingar a tese defendida na douta sentença recorrida, aquele procedimento de revisão da matéria colectável, que a lei impõe preceda a impugnação, não teve lugar, pois de facto, em concreto, apenas se reconduziu ao acto de apresentação do pedido de revisão.
XXIV) Sem prejuízo do que atrás fica exposto, cumpre dizer que, se não devesse a presente impugnação ser improcedente em virtude de se encontrar vedada a possibilidade de discussão da quantificação ou dos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, ainda assim deveria ser a impugnação improcedente pelos motivos que em seguida se referem.
XXV) Tal como refere a douta sentença recorrida, a determinação da matéria colectável com o recurso a presunções ou a estimativas não constitui um apuramento real da actividade do contribuinte, mas antes aproximado, verosímil, razoável, que pode ser contrariado e infirmado perante prova em que efectivamente se demonstre que tal matéria tem menor dimensão do que a encontrada ou que se encontra errado o critério utilizado ela Administração Fiscal.
XXVI) De facto, dispõe o artigo 74º n.º 3 da LGT que “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”.
XXVII) Sucede, no entanto que não foi feita qualquer prova susceptível de justificar que o critério utilizado pela Administração Tributária levou a um apuramento da matéria tributável excessivo.
XXVIII) Isto porque, a liquidação foi efectuada efectivamente com base nos valores apurados através do acordo dos peritos, reduzindo a margem bruta das vendas presumidas para 30%, cf. G) do probatório e liquidação impugnada.
XXIX) O mesmo é dizer que não têm cabimento, no caso vertente, as considerações explanadas na douta sentença relativas a qualquer desconto não fundamentado de 1.442%, sobre 36,442%, dado que não foi esse efectivamente o critério utilizado e que conduziu ao apuramento da matéria colectável ora impugnada.
XXX) Sabendo-se que incumbia à impugnante o ónus da prova relativamente ao excesso na quantificação, não tendo essa prova sido feita, não poderá a impugnação ser procedente.
XXXI) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.”

A recorrida “Selecção ………………………….., Lda.” apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar a existência de acordo no âmbito do procedimento de revisão descrito nos autos enquanto elemento que afasta a impugnação relativamente ao erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável e bem assim analisar a matéria da errada quantificação da matéria tributável.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) A Impugnante na declaração de IRC de Modelo 22 para o exercício de 1998, indicou no item CAE - 52441 - correspondente a comércio a retalho de mobiliário e artigos de iluminação”. (Doc. Anexo 3 ao Relatório de Inspecção)
B) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 56212 de 02.12.2000, a Impugnante foi sujeita a uma acção de fiscalização, sendo o período inspeccionado o exercício de 1998.
C) Na sequência da acção de fiscalização a que alude a al.B) foi emitido o Relatório Final do qual se extrai:
“Exercício de 1998
Anomalias em sede de IRC
Conta 6221951 - encontra-se contabilizado nesta conta o montante de 11,971,15 euros referente à renda anual da fracção AT e garagens na Rua ………… n.º 13 localizadas no ……….., não obstante ter o recibo sido emitido em A………– Anexo 1, inquirido o sócio gerente sobre qual a necessidade das instalações em causa, foi indicado pelo mesmo que estas se destinavam ao alojamento dos empregados que se deslocam com muita frequência ao ……….. – Anexo 2, no entanto verifica-se da análise à contabilidade que existem verbas pagas aos empregados quer na rubrica de deslocações e estadas, quer em ajudas de custo que se destinam afazer face exactamente a este tipo de deslocações – Anexo 3, pelo que nos termos do n.º1 do art. 23º do GIRC, a referida despesa não será aceite como custo do exercício.
(…)
IV MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECUSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Da análise efectuada à contabilidade do sujeito passivo “Selecção ………………… Lda”, foram detectadas várias anomalias assim identificadas:
1. Verificação de duas facturas com o mesmo número, mesma data e destinadas ao mesmo cliente mas com descritivos e valores diferentes, são exemplo as facturas n° 10685 de 10/03/98 - Anexo 6 - e n° 10692 ele 11/08/98 - Anexo7. Relativamente às facturas n° 10685 verifica-se mesmo que cada uma das impressões da mesma é efectuada em papéis com timbre diferente
Desta forma verifica-se que o programa de facturação utilizado pelo sujeito passivo permite efectuar várias impressões de uma factura mantendo-lhe a numeração mas alterando-lhe o descritivo e respectivo valor:
2. Da análise efectuada às contas correntes de fornecedores constatou-se existir um fornecedor Espanhol - Hermanos …….., S.A- C.1.f…………, com um saldo devedor - Anexo S, pelo que se solicitou, através de diligências efectuadas pelo sujeito passivo, o envio por parte do fornecedor da conta corrente que este mantinha com o seu cliente” Selecção ………………….., Lda” Anexo 9, tendo-se concluído que o saldo devedor advinha do facto de não ter sido lançada na contabilidade da “Selecção” a factura n° 42744 no montante de 2 327 739 pesetas ou seja 14 035,08 euros ( 2 813 771$00)
3. Relativamente á facturação da Loja sita no ………..Shopping cuja actividade se iniciou em Março de 1998, foram solicitados ao contribuinte os duplicados das facturas, afim de se poder aferir da correcta sequência numérica das mesmas, no entanto os referidos duplicados não foram exibidos pelo sujeito passivo com a jus4ficação de que os mesmos se teriam extraviado - anexo 2, tendo no entanto procedido à impressão das facturas pois segundo o sujeito passivo O programa de facturação permite imprimir sempre que se pretenda uma factura já emitida bem como proceder a alterações da mesma, a referida impressão elas facturas foi efectuada em papel não timbrado, aquele não consta a identificação do emitente - “ Selecção Moveis” e onde a identificação do destinatário é escassa, constando apenas o primeiro e último nome do mesmo - Anexo 10;
4. A partir de 2 de Novembro o contribuinte inicia a emissão de Vendas a Dinheiro na Loja do ………….Shopping - Anexo 1 I. no entanto verifica-se que algumas das vendas a dinheiro não contêm os preços de venda unitários dos diferentes produtos, sendo apresentado um valor único correspondente à totalidade dos produtos vendidos naquela venda a dinheiro - Anexo 12.
5. Foram efectuados alguns testes aos inventários apresentados pelo sujeito passivo, tendo-se verificado algumas anomalias, tais como:
Em 09/01/98 foram vendidas 2 “Telefonera Ref” 162 Nogal “através da factura n° 525P Anexo 13, no entanto a 31/12/97 apenas constava 1 “Telefonera Ref” 162 Nogal em Inventário - Anexo 14, não se tendo verificado nenhuma aquisição deste artigo até 09/01/98.
Em 09/01/98 foram vendidas 3 “Mesa TV Ref’ 166 Nogal” através da factura nº525P - Anexo 13, no entanto não constava nenhuma “ Mesa TV Ref” 166 Nogal “no inventário a 31/12/97 e não foi adquirido qualquer produto até 09/01/98 com esta designação.
Em 09/01/98 foram vendidos 2 “Mesa TV Refª 163 Nogal através da factura n° 525P - anexo 13, no entanto não constava nenhuma em inventário a 31/12/97 nem foi adquirido qualquer produto até 09/01/98 com esta designação.
Em 14/01/98 foi vendido 1 “Cabide 100 Cerejo “através da factura n° 533P - Anexo: 15, no entanto não constava nenhum em inventário a 31/12/97, nem foi adquirido qualquer produto até 09/01/98 com esta designação.
6. Não obstante apenas se ter verificado proveitos provenientes da Loja 003 da ………..Shopping, verificou-se que em Fevereiro de 1998 foi feita uma entrega de material proveniente do fornecedor espanhol - Hermanos ………... S.A. e em nome da “Selecção …………………, Lda na Loja 008 do referido …………. Shopping - Anexo 16.
7. Da análise efectuada verificou-se que as facturas emitidas pelo sujeito passivo não mencionam “original” nem “duplicado”.
8. Foi efectuada uma amostragem aleatória e significativa aos produtos comercializados pelo sujeito passivo, tendo-se apurado uma margem bruta ponderada de comercialização sobre as vendas de 36.442 quando a mesma margem de comercialização declarada pelo sujeito passivo ascende a 26.68% (mod.22) - Anexo s.
9. No apuramento da margem mencionada no ponto anterior, foi necessário proceder à identificação dos produtos nas facturas de venda de …….., ……..c Loja do ………….. Shopping, tendo-se verificado que os códigos dos produtos indicados nas facturas emitidas em ………. são diferentes dos mencionados nas facturas emitidas no…. (quer na loja quer na venda por grosso) - Anexos 7, 10 e 15, no entanto no inventario a 31/12/98, que é um inventario global (Armazém …….., Armazém ………. - Loja) os códigos mencionados são os das facturas emitidas por Lisboa, encontrando-se isto mesmo confirmado através do Termo de Declarações efectuado pelo sócio Gerente - Anexo 2.
Tendo em conta as situações anómalas atrás relatadas, verifica-se estarem reunidas as condições para determinação do lucro tributável e IVA devido por métodos indirectos - art. 52º do CIRC e art. 84º do CIVA, nas condições previstas nos art. 87º a 89° da LGT, uma vez que se constata a impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável.
V – Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
1. IRC
Conforme mencionado na alínea 8 no ponto anterior, foi efectuada uma amostragem aleatória a um elevado número de produtos, lendo-se chegado a uma margem bruta ponderada de comercialização sobre as vendas de 36,42% para tal foram efectuadas três amostragens, uma às vendas da Loja do …………….Shopping, outra às vendas por grosso do ……… e por último às vendas por grosso de …….., tendo-se chegado a margens medias de comercialização sobre as vendas de respectivamente 49,7% - Anexo 17,36,3% - Anexo 28 e 34,4% - Anexo 19.
A amostragem foi efectuada em escudos para facilidade de cálculos, uma vez que o resultado da mesma não se encontra afectado por tal procedimento.
Calculou-se o peso que cada um “sectores” tem nas vendas globais:


MesesVendas da Loja

Arrábida
(escudos)
Vendas grosso Porto (escudos)Vendas grosso Lisboa (escudos)
Janeiro7 549 18114 208 541
Fevereiro8 805 65413 381 386
Março2 038 61510 601 62913 790 371
Abril4 381 7457 901 42614 642 197
Maio4 257 3236 966 36015 419 063
Junho2 482 9698 029 46516 594 376
Julho1 839 18612 807 05421 318 873
Agosto2 642 3047 434 0979 730 456
Setembro2 638 0007 701 80014 347 500
Outubro3 422 60011 664 80017 215 664
Novembro2 282 56112 724 00015 437 988
Dezembro2 371 27812 968 20019 002 496
Total-%9%-25356 58135%-115 148 66656% 185 088911
Procedendo-se de seguida ao calculo da margem ponderada:
( (0.090*0,497)+(0,35*0,363)+( 0,56*0,344))=0,3644

Margem Ponderada = 0,36442
Face à já mencionada impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, de acordo com o exposto no ponto IV do presente relatório e de acordo com a alínea i) do n.º1 do art. 90° da LGT a determinação da matéria tributável terá como base uma margem de 35% sobre as vendas, ou seja à margem apurada por amostragem para o exercício de 1998 de 36,442% será deduzido 1,442% para fazer a eventuais descontos financeiros praticados pelo sujeito passivo.
A utilização da margem apurada por amostragem justifica-se pelo facto de ser significativamente mais elevada do que a declarada pelo sujeito passivo na Declaração de Rendimentos Mod. 22 apresentada para o mesmo ano de 26,68%. (...)
2. IVA
As correcções efectuadas em sede de IRC estão sujeitas a IVA à taxa de 17% nos termos do art. 18° n°1 alínea c) e de acordo com o art. 84º, ambos do CIVA.
Desta forma o imposto em falta ascende a:
45 328 302$00*17%= 7 705 811$00 = 38 436,42 euros
O imposto em falta será imputado a cada um dos períodos de tributação de acordo como peso das vendas declaradas de cada um desses mesmos períodos.
Desta forma vem:
PeríodosVenda Loja ArrábidaVendas grosso Porto (escudos)Vendas grosso Lisboa (escudos)%

Vendas
Imposto em falta (euros
(escudos)
98017 549 18114 208 5416,632 548,33
98028 805 65413 381 3866,752 594,46
98032 038 61510 601 62913 790 3718,043 090,29
98044 381 7457 901 42614 642 1978,193 147,94
98054 257 3256 966 36015 419 0638,113 117,19
98062 482 9698 029 46516 594 3768,253 171,00
98071 839 18612 807 05421 318 87310,944 204,94
98082 642 3047 434 0979 730 4566,032 317,72
98092 638 0007 701 80014 347 5007,522 890,42
98103 422 60011 664 80017 215 6649,833 778,30
98112 282 56112 724 00015 437 9889,263 559,21
98122 371 278

9%-28 356
581
12 963 200

35%-115 146
666
19 002 496

56% 185 088 911
10,45

100,00
4 016,62

38436,42
Imposto em falta - exercício de 1998 = 38 456,42 EUROS (7 705 811$00)
(Doc. fls. 131/190 dos autos)
D) Com base no Relatório de Inspecção a que alude a al.C) do probatório a AT apurou o montante de € 38 456,42 de imposto (IVA) em falta exercício de 1998. (Doc. fls. 131/190 dos autos)
E) Em 05.09.2002, a Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável contra a fixação do IRC, apurada com recurso á aplicação de métodos indirectos, no qual nomeou na qualidade de Perito: “Dr. Eduardo ………………, revisor oficial de contas. e Perito independente” e conclui assim: Termos em que se requer a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, através da respectiva revogação total; por falta de preenchimento dos respectivos pressupostos.” ( Doc. fls. 168/178 do processo administrativo tributário apenso)
F) A Impugnante veio desistir da nomeação de perito independente. (Doc. fls. 387 do processo administrativo tributário apenso)
G) A Comissão de Revisão veio a reunir em 30.10.2002, tendo nessa comissão elaborado a Acta n.º 64/2002 da qual se extrai, designadamente o seguinte:
“- Os Peritos intervenientes nesta reunião, deliberaram por acordo, relativamente à matéria tributável/Imposto que foi fixado com recurso à aplicação de métodos indirectos, pela forma seguinte:
IVA
Exercício de 1998 fixado em € 38 436 42 seja alterado para € 16 278,49 (dezasseis mil duzentos setenta oito euros e quarenta cêntimos. (...)
Após análise dos elementos constantes do processo, nomeadamente do relatório resultante da acção inspectiva e do pedido de revisão apresentado pelo contribuinte, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e tendo em conta o debate estabelecido na presente reunião entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, verificou-se acordo entre os referidos peritos nos seguintes termos:
Tendo em atenção a margem bruta das vendas, de 35% apurada através de amostragem, pela inspecção tributária, que esteve na base da fixação da matéria tributável em sede de IRC e de IVA, e a margem bruta das vendas, de 25,03%, apurada através de amostragem pelo sujeito passivo, junta à sua petição de revisão.
Tendo ainda em atenção que nenhuma daquelas margens se encontra devidamente fundamentada. A da inspecção tributária porque não teve em conta o peso relativo dos clientes, no que se refere a preços praticados, nem a relação rotatividade dos artigos/ margem bruta de comercialização. A do sujeito passivo porque embora alegando tais condicionantes não comprovou face aos artigos e clientes seleccionados, para efeitos de elaboração da amostragem.
Tendo finalmente em consideração que os valores para este sector de actividade (CAE 52441), no que se refere a margem bruta (R16-Rácios de IRC, base de dados da DGCI), em anexo (Anexo 1), ronda os 30% foi acordado reduzir a margem bruta de vendas aplicável para efeitos de apuramento das vendas presumidas para 30% com o seguinte reflexo;
IVA
Vendas declaradas € 1 598 839,13
Custo das Vendas corrigido € 1 186 208, 23
Vendas Corrigidas € (1 186 208,23/1-0,3,) €1 694 583,19
Vendas a tributar € (1 694 583,19 - €1 598 889,13) = 95 744,06
Imposto em falta € (95 744,06X 17%)= 16 276,49”. ( Doc. fls. 23/24 do processo reclamação graciosa apenso)
H) Em 02.12.2002, foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º 2341171, relativa ao exercício de 1998, no montante de 16.276,49, com data limite de pagamento voluntária a 28.02.2003. (Doc. fls. 156 do processo de reclamação graciosa apenso)
I) Em 18.03.2003, a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IVA a que alude a al. G) do probatório. (Doc. fls. 1/18 do processo de reclamação graciosa apenso)
J) Em 27.09.2005, por despacho do Director de Finanças Ajunto da Direcção de Finanças de Lisboa foi a reclamação graciosa a que alude a al. I) do probatório indeferida. (Doc. fls. 44/48 do processo de reclamação graciosa apenso)
L) Em 19.10.2005, foi a Impugnante notificada do despacho de indeferimento expresso a que alude a al. J) do probatório. (Doc. fls. 51/52 do processo de reclamação graciosa apenso)
M) O perito nomeado pela Impugnante “não era ninguém ligado á empresa”. (Depoimento da 1ª testemunha
N) A Impugnante emitiu no exercício de 1998 cerca de 5800 facturas. (Depoimento da 1ª testemunha
O) As vendas a retalho efectuadas ao Arrábida ……. representam cerca de 9% do total das vendas efectuadas no ano de 1998. (Depoimento da 1ª testemunha
P) As vendas às grandes superfícies - C…………. - representam 35% do total das vendas efectuadas no ano de 1998. (Depoimento da 1ª testemunha
Q) Na altura da Feira ……….. deslocam-se ao ………. cerca de 10 empregados da Impugnante, desde pessoal para montar os stands a comerciais. (Depoimento da 1ª testemunha
R) O apartamento do ……….. não permitia albergar todos os colaboradores da Impugnante que se deslocam ao ………por ocasião das Feiras porque era pequeno, o que levava alguns deles a dormirem em Hotéis. (Depoimento da 1ª e 2ª testemunha)
S) A Impugnante concedeu sob o preço de venda descrito nas Facturas n.°s 560P, 682P, 703P 782P, 884P, 928P, 1167P, 1191P, 1340P, 1388P, 1550P, 1550P, 1662P, 1680P, 1688P, 1879P, 1910P, 1919P, 1919P, 1960P, 1986P, 2004P, 2348P, 2598P, e 2738P desconto de pagamento no valor de 5%. (Doc. facturas reportadas no Anexo 18 ao Relatório de Inspecção)
T) A Impugnante concedeu sob o preço de venda descrito nas Facturas n.ºs 540P, 655P, 771P, 545P, 536,775P, 565P, 742P, 744P, 754P, 784P, 785P, 89P descontos nos valores respectivamente de 2%, 7% e 20%. ( Doc. facturas reportadas no Anexo 18 ao Relatório de Inspecção)
U) Em 02.11.2005, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que dos autos constam, e depoimento prestado pelas testemunhas José ……………….., José Eduardo …………………… e Paulo ……………. tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos e que se prende, desde logo, com a existência de acordo no âmbito do procedimento de revisão descrito nos autos, situação que, no entender da Recorrente, coloca em crise a virtualidade da pretensão da Recorrida, pois que em virtude de tal acordo, encontrava-se vedada à Impugnante a impugnação relativamente ao erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável.

Com efeito, tal como refere a Recorrente, dispõe o art. 92º n.º 1 da LGT que: O procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver, e visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeito de liquidação e havendo acordo entre os peritos, o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada, conforme dispõe o art. 92º n.º 3 da LGT, devendo o acordo fundamentar a nova matéria tributável encontrada em caso de alteração da matéria inicialmente fixada, cf. art. 92º n.º 4 da LGT, sendo que, em caso de acordo, a administração tributária não pode alterar a matéria tributável acordada (salvo em caso de trânsito em julgado de crime de fraude fiscal envolvendo os elementos que serviram de base à sua quantificação) - cf. artigo 92º n.º 5 da LGT.
Por sua vez, continua a Recorrente, como se refere na douta sentença recorrida, no n.º 4 do artigo 86° da LGT dispõe-se que na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo.
Neste ponto, e como aponta a Recorrente, a sentença acolhe o doutrinado por Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Sousa, in LGT anotada, 4ª ed., 2012, pág. 746-748, onde se aponta que:
“….
A LGT, no entanto, vem introduzir uma importante alteração deste regime, que pode permitir encarar esta questão com outra perspectiva.
Na verdade, neste diploma, deixou de fazer-se qualquer referência a deveres imparcialidade e independência técnica da pessoa nomeada pelo sujeito passivo para participar na avaliação indirecta, aludindo-se a relação de representação entre o sujeito passivo e o perito por si designado (art. 91.º, n.º 1) .
Configurando-se esta relação como de representação, justificar-se-á que se estabeleça a vinculação do sujeito passivo pela actuação deste perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (arts . 1178.º, n.º 1, e 258.º do CC).
Porém, não poderão também deixar de aplicar-se a esta vinculação as restrições que a mesma lei civil estabelece em relação à vinculação dos representados pelos actos dos seus representantes, por não haver qualquer razão para, numa matéria em que está em causa a possibilidade de exercício de um direito de natureza análoga a um direito fundamental, estabelecer um regime mais oneroso para o representado do que o se estabelece, em geral, para qualquer relação jurídica.
Ora, nos termos da lei civil, mesmo quando o mandatário é representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, os seus actos só produzem efeitos em relação à esfera jurídica deste se forem praticados dentro dos limites dos poderes que lhe foram conferidos ou sejam por este ratificados, expressa ou tacitamente (arts. 258.º, n.º 1, e 268.º, n.º, aplicáveis por força do preceituado no art. 1178.º, n.º 1, e art. 1163.º, todos do CC), regime este que, aliás, encontra suporte legal expresso em matéria tributária no n.º 1 do art. 16.º da LGT, que estabelece genericamente que os actos em matéria tributária praticados por representante em nome do representado só produzem efeitos na esfera jurídica deste dentro dos limites dos poderes de representação.
Assim, nos casos em que o representante do sujeito passivo defender ou aceitar, no procedimento de avaliação indirecta, posições distintas da defendidas por este, designadamente ao formular o pedido de revisão da matéria colectável, não poderá considerar-se o sujeito passivo vinculado pelo acordo que seja obtido, se não se demonstrar que o representante agiu dentro dos limites dos seus poderes de representação e não agiu em sentido contrário a estes poderes. …”.

Neste domínio, cabe ainda ter presente que o mandato, sendo um contrato e fonte obrigacional, tem na sua raiz determinante, um acordo de vontades, sendo o contrato pelo qual um dos contraentes (o mandatário) se obriga a realizar um dos diversos actos jurídicos por conta do outro (mandante), verificando-se que o art. 1157º do C. Civil aponta que o mandato é o contrato estabelecido entre quem encarrega outrém de praticar um ou mais actos jurídicos «por conta » do mandante, e quem aceita essa obrigação é o mandatário.
Diga-se ainda que o mandato não é um contrato-fim, mas antes um contrato-meio, tendente à realização de outro ou outros actos, tendo o mandato com representação uma finalidade directa que é, no aspecto que aqui releva, único, qual seja, a prática desse acto ou actos a que se reporta.
Na verdade, no mandato sem representação, o mandante age por conta do mandante, mas em nome próprio, o que acarreta a consequência de, praticado o acto ou actos para que o mandato foi outorgado, os efeitos destes actos se reflectirem não na esfera jurídica do mandante, mas na do mandatário.
Estaremos em presença de mandato com representação, regulado no artº 1178º do C. Civil onde se estabelece que se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto nos artºs 258 e seguintes do mesmo Código.

Como se afirma na sentença recorrida, a ora Recorrida veio alegar que o perito por si nomeado extravasou os poderes de representação conferidos, na medida em que no pedido de revisão questionou o próprio recurso à avaliação indirecta e, como tal, o acordo não a vincula.

Na sentença recorrida, considerando os termos do pedido formulado em sede de revisão, foi atendida a alegação da ora Recorrida, situação que a Recorrente questiona no âmbito do presente recurso, pois que não foi feita qualquer prova de que tivessem sido dadas instruções ao perito, no sentido de que não poderia chegar a acordo com o perito da administração tributária, sendo que, como acima se refere, decorre da própria lei a atribuição ao perito nomeado pelo contribuinte dos poderes para celebrar o acordo visado pelo procedimento de revisão da matéria colectável, sendo que, mesmo que tivessem existido instruções dadas ao perito que este tivesse desrespeitado, teria de se ter em atenção o disposto no artigo 1163° do CC: “Comunicada a execução ou inexecução do mandato, o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que teria de pronunciar-se, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, vale como aprovação da conduta do mandatário, ainda que este haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as instruções do mandante, salvo acordo em contrário.” e, in casu, sabendo o ora impugnante que a liquidação em caso de acordo obtido no âmbito do procedimento de revisão a Administração Tributária seria efectuada com base naquele acordo, caso entendesse que o mesmo não era válido, teria de se pronunciar nesse sentido, logo na sequência da sua notificação de que o pedido de revisão da matéria colectável foi apreciado pelos peritos intervenientes na reunião conforme acta que lhe foi enviada, fls. 398 e ss do PAT, e não apenas em sede de reclamação graciosa ou impugnação após a sua notificação da liquidação.
Pois bem, na situação em apreço, entende-se que a decisão recorrida não merece censura neste domínio, considerando que este em causa o exercício de um direito de natureza análoga a um direito fundamental, matéria que não se compadece com o tipo de análise realizado pela Recorrente.
Com efeito, embora o exposto pela Recorrente sobre a natureza e finalidade do procedimento de revisão tenha todo o sentido, a matéria em causa exige uma análise detalhada do procedimento, impondo-se notar que a Recorrida pugnou em sede de revisão pela falta de preenchimento dos pressupostos para o recurso à avaliação indirecta, o que significa que tal situação teria de ser tratada no âmbito da Comissão de Revisão, o que não sucedeu.
Naturalmente, poderá argumentar-se que em função do acordo apurado na Comissão, tal situação pressupõe a assunção da validade do recurso à avaliação indirecta.
No entanto, a realidade em apreço não se conforma com subentendidos, não se compreendendo a inexistência de qualquer alusão a esta matéria, que era a questão essencial a tratar, considerando-se apenas o elemento da quantificação da matéria colectável, o que significa que se avançou para uma etapa do procedimento, sem que estivesse estabilizada a base de apreciação dessa questão, o que implica que o representante da Recorrida não discutiu a matéria que esta pretendia ver analisada e sem que se vislumbre nos autos a existência de poderes para o efeito, ultrapassou essa questão para entrar numa outra dimensão, numa outra fase do procedimento, comportamento que se considera incompatível com a posição assumida pela Recorrida, pelo que, não dispondo de poderes para o efeito, tem de proceder a alegação da Recorrida quando defende que o acordo não a vincula, não podendo censurar-se a sentença recorrida neste domínio.

Avançando, importa notar que a realidade agora exposta mostra-se ultrapassada quanto à questão do recurso aos métodos indirectos, dado que, neste âmbito, a sentença recorrida considerou legítimo o recurso à aplicação dos métodos indirectos, em virtude da impossibilidade de apurar a verdadeira situação patrimonial da empresa, não restando outro caminho à AT senão lançar mão de tais métodos indiciários, verificando-se que a Recorrida não lançou mão do disposto no disposto no art. 684º-A nº 1 do C. Proc. Civil que estabelece que “no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”, sendo que, nos termos do disposto no nº 2 do mesmo preceito “pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”, o que significa que se mostra estabilizada a pronúncia sobre o recurso aos métodos indiciários, o que nos remete de imediato para a matéria da errada quantificação da matéria tributável.
Neste domínio, a Recorrente aponta que a determinação da matéria colectável com o recurso a presunções ou a estimativas não constitui um apuramento real da actividade do contribuinte, mas antes aproximado, verosímil, razoável, que pode ser contrariado e infirmado perante prova em que efectivamente se demonstre que tal matéria tem menor dimensão do que a encontrada ou que se encontra errado o critério utilizado ela Administração Fiscal, sendo que, dispõe o artigo 74º n.º 3 da LGT que “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”, verificando-se que não foi feita qualquer prova susceptível de justificar que o critério utilizado pela Administração Tributária levou a um apuramento da matéria tributável excessivo, na medida em que a liquidação foi efectuada efectivamente com base nos valores apurados através do acordo dos peritos, reduzindo a margem bruta das vendas presumidas para 30%, cf. G) do probatório e liquidação impugnada, o que significa que não têm cabimento, no caso vertente, as considerações explanadas na douta sentença relativas a qualquer desconto não fundamentado de 1.442%, sobre 36,442%, dado que não foi esse efectivamente o critério utilizado e que conduziu ao apuramento da matéria colectável ora impugnada.

Desde logo, nesta matéria, é ponto assente que o artigo 74º n.º 3 da LGT dispõe que “em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”.
Por outro lado, como bem observa a Recorrente, a liquidação foi efectuada efectivamente com base nos valores apurados através do acordo dos peritos, reduzindo a margem bruta das vendas presumidas para 30%, cf. G) do probatório e liquidação impugnada.
Assim sendo, é manifesto que a sentença recorrida não andou bem ao desviar a sua atenção para o procedimento da AT vertido no Relatório de Inspecção, nomeadamente com referência ao valor considerado de 1,442% em termos de descontos, para depois concluir pela não fundamentação material de tal critério.
Com efeito, tal como consta do ponto G) do probatório, a Comissão de Revisão veio a reunir em 30.10.2002, tendo nessa comissão elaborado a Acta n.º 64/2002 da qual se extrai, designadamente o seguinte:
“- Os Peritos intervenientes nesta reunião, deliberaram por acordo, relativamente à matéria tributável/Imposto que foi fixado com recurso à aplicação de métodos indirectos, pela forma seguinte:
IVA
Exercício de 1998 fixado em € 38 436 42 seja alterado para € 16 278,49 (dezasseis mil duzentos setenta oito euros e quarenta cêntimos. (...)
Após análise dos elementos constantes do processo, nomeadamente do relatório resultante da acção inspectiva e do pedido de revisão apresentado pelo contribuinte, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e tendo em conta o debate estabelecido na presente reunião entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, verificou-se acordo entre os referidos peritos nos seguintes termos:
Tendo em atenção a margem bruta das vendas, de 35% apurada através de amostragem, pela inspecção tributária, que esteve na base da fixação da matéria tributável em sede de IRC e de IVA, e a margem bruta das vendas, de 25,03%, apurada através de amostragem pelo sujeito passivo, junta à sua petição de revisão.
Tendo ainda em atenção que nenhuma daquelas margens se encontra devidamente fundamentada. A da inspecção tributária porque não teve em conta o peso relativo dos clientes, no que se refere a preços praticados, nem a relação rotatividade dos artigos/ margem bruta de comercialização. A do sujeito passivo porque embora alegando tais condicionantes não comprovou face aos artigos e clientes seleccionados, para efeitos de elaboração da amostragem.
Tendo finalmente em consideração que os valores para este sector de actividade (CAE 52441), no que se refere a margem bruta (R16-Rácios de IRC, base de dados da DGCI), em anexo (Anexo 1), ronda os 30% foi acordado reduzir a margem bruta de vendas aplicável para efeitos de apuramento das vendas presumidas para 30% com o seguinte reflexo;
IVA
Vendas declaradas € 1 598 839,13
Custo das Vendas corrigido € 1 186 208, 23
Vendas Corrigidas € (1 186 208,23/1-0,3,) €1 694 583,19
Vendas a tributar € (1 694 583,19 - €1 598 889,13) = 95 744,06
Imposto em falta € (95 744,06X 17%)= 16 276,49”. ( Doc. fls. 23/24 do processo reclamação graciosa apenso).
Nesta medida, e considerando os termos da liquidação apontada nos autos, são os elementos agora apontados e sublinhados que importa considerar nesta matéria, o que significa que, analisando o probatório, resulta manifesto que a ora Recorrida não logrou evidenciar factos susceptíveis de demonstrar, de provar o excesso na respectiva quantificação, até porque se preocupou, tal como a sentença recorrida, com a matéria exposta no RIT, recorrendo mesmo ao exposto pelos Peritos para defesa da sua tese, olvidando que aquilo que estava em causa era a realidade descrita pelos Peritos, não emergindo dos autos nenhum elementos capaz de ultrapassar esta questão, o que significa que a sentença recorrida procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada, pelo que incorreu em erro de julgamento devendo ser revogada por via da procedência do presente recurso.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente a presente impugnação.
Custas pela Recorrida em ambas as Instâncias.
Notifique-se. D.N..

Lisboa, 16 de Outubro de 2012
Pedro Vergueiro
Pereira Gameiro
Joaquim Condesso (vencido nos termos do voto que segue em anexo)
VOTO DE VENCIDO
X
Votei vencido o presente acórdão, pelas razões que exponho infra.
Como se constata da fundamentação jurídica do presente acórdão, o perito nomeado pela sociedade impugnante não tinha poderes para estruturar o acordo de revisão da matéria colectável em sede de comissão de revisão e conforme consta da al.G), do probatório, a tal conclusão se chegando a fls.25 do projecto de acórdão, conclusão essa com que concordamos.
Ora, não sendo vinculativo o acordo em sede de recurso de revisão, haveria que retirar consequências jurídicas da mesma ineficácia, quanto ao acto final do procedimento que consiste na liquidação de I.V.A. relativa ao ano de 1998 e que constitui objecto dos autos.
Em resumo, salvo melhor opinião, a liquidação impugnada não poderia manter-se na ordem jurídica devendo ser anulada.
Atento tudo o referido, pugnava pelo não provimento do recurso e consequente manutenção na ordem jurídica da decisão recorrida.
X
Lisboa, 16 de Outubro de 2012
O Juiz Desembargador (2º. Adjunto)
(Joaquim Manuel Charneca Condesso)