Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2259/12.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/11/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
EXERCÍCIO DE ADMINISTRAÇÃO/GERÊNCIA ATRAVÉS DE PROCURAÇÃO.
UTILIZAÇÃO DE PRESUNÇÃO JUDICIAL BASEADA NAS REGRAS DA EXPERIÊNCIA. ARTº.351, DO C.CIVIL.
MÉTODO DE AFERIÇÃO DA CULPA DO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, AL.B), DA L.G.T.
CONDUTA CENSURÁVEL DO GERENTE DA SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.8, Nº.1, DO R.G.I.T.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
2. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
3. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
4. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
5. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
6. A jurisprudência e doutrina, com a qual concordamos, tem vindo a ser uniforme no sentido de que, na situação existente nos presentes autos (presença de procuração passada a favor de terceiro), deve entender-se que o administrador ou gerente exerceu a gerência de facto, mesmo que não tenha tido qualquer intervenção pessoal na vida da empresa, para além de nomeação de um procurador para o substituir.
7. Levando em consideração que o opoente era o único gerente da empresa e que a sua assinatura obrigava a mesma, legítimo será presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência - artº.351, do C.Civil) o exercício continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade.
8. A culpa em causa no artº.24, nº.1, da L.G.T., deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
9. Do exame da factualidade provada não se pode concluir que a impossibilidade de pagamento da dívida exequenda objecto do processo de execução de que a presente oposição constitui apenso se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos e que, no exercício da administração da empresa, o opoente/recorrido usou da diligência de um gestor criterioso.
10. O regime de responsabilidade subsidiária previsto no artº.8, nº.1, do R.G.I.T., reveste natureza civil e não padece de qualquer inconstitucionalidade, conforme jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, a qual subscrevemos.
11. Ao abrigo do mencionado regime, em qualquer das alíneas do preceito (als.a) e b), do nº.1, do artº.8, do R.G.I.T.), não existe responsabilidade sem que o não pagamento da multa ou coima seja imputável ao responsável subsidiário, por lhe ser imputável a génese da insuficiência global do património da pessoa colectiva ou a concreta falta de pagamento. Também em ambos os casos, a imputabilidade da falta de pagamento não se presume, não sendo à pessoa que exerce a administração/gerência que cabe o ónus da prova da insuficiência do património ou da falta de pagamento não lhe ser imputável. Tal ónus cabe à Fazenda Pública.
Votação:VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.148 a 158-verso do processo físico que julgou procedente a oposição intentada pelo recorrido, J…………, visando a execução fiscal nº…….-2006/….. e apensos, a qual corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças de Lisboa, contra o opoente revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A., relativas aos anos de 2005 a 2007, e de Coimas e encargos, referentes aos anos de 2006 e 2007, tudo no montante global de € 6.157,27.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.168 a 174 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Os autos à margem identificados visam reagir contra a douta sentença que julgou procedente a presente oposição, à execução fiscal, julgando o oponente parte ilegítima nos processos executivos a que deduz a presente oposição e, a consequente condenação da Fazenda Pública ao pagamento de custas, não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão, sendo outro o seu entendimento, uma vez que, considera que fez uma incorrecta apreciação e valoração da prova constante dos autos, daí resultando, em consequência, erro de julgamento;
2-A presente oposição foi deduzida pelo recorrido, na qualidade de responsável subsidiário pelas dívidas de falta de entrega do pagamento de IVA e, as consequentes coimas fiscais, referentes aos anos de 2005, 2006 e 2007 no montante de € 6.157,27 a serem cobradas, respectivamente no PEF n.º …..2006…….. e apensos, instaurados no SF, contra a devedora originária;
3-Decidiu o Tribunal “a quo” que apesar da sociedade se obrigar com a assinatura do seu gerente único, também resulta provado nos autos que o mesmo subscreveu uma procuração a favor de seu pai, referindo que do ponto de vista jurídico e tendo em conta o instituto jurídico e tendo em conta o instituto da representação que, como dispõe o artigo 258.º do Código Civil “o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado nos limites dos poderes que lhe competem produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”;
4-Referindo «Contudo, e apesar de também ser entendimento da jurisprudência que o facto de o gerente designado, emitir uma procuração a favor de terceiro, não o desresponsabiliza, tal entendimento carece de ser devidamente enquadrado e entendido de acordo com o caso concreto. Referidas as causas que determinaram a emissão da procuração e não resultando dos autos qualquer prova de intervenção do oponente na vida societária, não se pode, assim concluir pelo exercício da gerência de facto pelo oponente»;
5-Concluindo, que a Fazenda Pública não logrou provar que, o ora oponente detinha a qualidade de gerente de facto, praticando actos próprios e típicos inerentes a esse exercício nos anos aqui em causa, decidindo pela ilegitimidade do mesmo para a execução, por falta de verificação dos pressupostos legais da respectiva responsabilização a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 1 da LGT;
6-O ora recorrido (homem de 27 anos à data dos factos), constituiu a devedora originária em 26-07-2005 e, vem alegar que outorgou procuração ao seu pai para que este a pudesse gerir. Contudo, face ao confronto da prova documental e testemunhal, a pessoa por ele designada para a gestão era o pai, homem cheio de dívidas, com o nome sujo na praça, e que colocou a mãe numa situação de penhora de vencimentos;
7-Importa, contudo, referir que a predita procuração outorgada em nome de seu pai, tem por certo que a gerência realizada através de procuração dos gerentes a terceiro, tem de considerar-se gerência de facto, porque os actos praticados pelo mandatário reflectem-se na esfera jurídica do mandante;
8-Verificando-se que o recorrido, neste caso, imputa toda e qualquer responsabilidade à gestão do pai na devedora originária, pelo que, ele próprio acredita que aquela, terá desenvolvido o seu giro normal em função da actividade do pai;
9-Nestas circunstâncias e, tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o ora recorrido foi gerente de facto da devedora originária, sendo que os elementos que o mesmo aponta no sentido de o afastar da sua gerência de facto, não apresentam qualquer valor na medida em que existia um terceiro por si mandatado para o efeito e, que protagonizava todos esses actos, contrariando, desta forma o Tribunal “a quo”;
10-Assim, podemos concluir que, o entendimento de que a mera emissão de procuração desresponsabilizaria o recorrido, conduziria ao afastamento deliberado e unilateral da responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de empresas ou sociedades de responsabilidade limitada pois, continuando embora gerentes ou administradores de direito, facilmente afastariam a responsabilidade subsidiária outorgando procuração para o exercício de tais funções, ou seja, estava assim encontrada a fórmula legal para beneficiar de uma actividade sem ter de arcar com os correspondentes riscos, indo-se, certamente, ao encontro da evasão fiscal;
11-Tal significa, de forma decisiva, que o probatório comporta um conjunto de elementos, que permitem apreender que a ligação entre o recorrido e a prática de actos em representação da devedora originária, uma vez que, foi ele que cumpriu com as obrigações declarativas, quando assinou a declaração de rendimentos Mod. 22 da devedora originária, referente ao período compreendido entre 01.01.2006 a 31.DEZ.2006 (como se pode verificar pelo Doc. 1 de 2 fls. carreado aos autos em sede de contestação;
12-E não se diga que não faz prova, porquanto a entrega das declarações de rendimentos de IRC, são feitas através da internet com senha, pessoal e intransmissível e, sendo ele o único detentor da senha, não pode culpar terceiros;
13-A declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC da devedora originária, espelha a vida societária da mesma naquele período, pelo que, não pode ter sido representante legal (NIF: ……..), assumindo a entrega da mesma, sem conhecer o seu conteúdo;
14-Atente-se ainda, se o recorrido não queria ou podia gerir a devedora originária, sempre poderia ter renunciado à gerência da mesma, ou cessado a actividade, para obviar aos inconvenientes da má gerência de seu pai, tanto mais que reconhecia que o pai tinha dívidas avultadas, ao invés preferiu acreditar no princípio da boa fé (como referiu quando prestou declarações de parte);
15-Não o tendo feito e, continuando a gerir a empresa através de terceiro (seu pai) para o efeito mandatado (através de procuração), a sua responsabilidade subsidiária mantém-se, já que, para todos os efeitos legais, o exercício da gerência de facto é lhe imputável por força do mandato conferido, de modo que, a leitura conjugada dos elementos presentes nos autos é suficiente para afirmar a prática de actos de gerência, contrariando o expendido pelo Tribunal “a quo”;
16-Atento o supra exposto, dúvidas não restam que, ora recorrido tem legitimidade para a reversão, pelo que, na qualidade de responsável subsidiária foi chamado à execução nos termos do disposto nos artigos 23.º, n.ºs 1 e 2 e 24.º, n.º 1, al. b) da LGT, e dos artigos 153.º e 160.º, ambos do CPPT, para pagar as dívidas da devedora originária, por se encontrarem verificados os pressupostos legais da reversão, nomeadamente por ter sido demonstrada a insuficiência do património da devedora originária;
17-Pelo que, o regime do artigo 24.º, n.º 1, b), da LGT, estabelece uma presunção “juris tantum”, relativamente à culpa dos administradores, directores e gerentes, pelas dívidas tributárias vencidas no período de exercício das suas funções, ou seja, a prova de que essa falta de pagamento não lhe é imputável, pertence ao contribuinte revertido;
18-Neste sentido e, tendo presente os elementos carreados para os autos, mormente que o ora recorrido foi citado nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, al. b) da LGT e, tendo, ainda, presente que desde a constituição até à dissolução e encerramento da liquidação ocorrida, foi sócio e gerente da devedora originária e, reportando-se a dívida à falta de entrega do IVA dos anos de 2005, 2006 e 2007, era ao ora recorrido que competia provar que não era responsável, pela falta de pagamento, o que até ao momento, não logrou provar;
19-Refugiando-se na argumentação utilizada para afastar a gerência de facto, nomeadamente, que tinha outorgado uma procuração ao seu pai e, que não podia ter gerido a devedora originária, porquanto, não tinha o dom da ubiquidade, juntando como prova os Doc.s 5, 6, 7, 8 e 9 (ponto 29 da pi);
20-Os Doc.s 6 e 7, referem-se às declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS, com referência aos anos de 2006 e 2007 (provam que, naqueles anos o ora recorrido não trabalhou na empresa indicada na declaração “Transporte logística distribuições” com o NIPC: …….., na A…… dos V……, mas sim, nas empresas com os NIPC: ……. e NIPC …….., ambas, sediadas em Lisboa (como se pode verificar no quadro 7, campo 701 e 702, constantes, respectivamente a fls. 46 e 50 dos autos), em nada, comprovam o alegado no ponto 29.º do petitório, afigura-se à Fazenda Pública, com a devida vénia, que, provam, exactamente o contrário do pretendido;
21-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.182 a 184 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.150 a 153 do processo físico):
A-Contra a sociedade "S….. I….. – G.R.F., Unipessoal, Lda.", com o NIPC ……., foram instaurados, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, os seguintes processos de execução fiscal:
1. Processo n.º …..-2006/……., instaurado em 23/03/2006, por dívida de IVA, do período de tributação de 2005/10 a 2005/12, no montante de € 1.081,36;
2. Processo n.º ……-2006/……,instaurado em 12/10/2006, por dívida de IVA, do período de tributação de 2006/04 a 2006/06, no montante de € 1.544,70;
3. Processo n.º …..-2006/……, instaurado em 29/12/2006, por dívida de IVA, do período de tributação de 2006/07 a 2006/09, no montante de € 1.828,55;
4. Processo n.º …..-2007/….., instaurado em 13/10/2007, por dívida de IVA, do período de tributação de 2007/04 a 2007/06, no montante de € 599,55;
5. Processo n.º ….-2007/….., instaurado em 03/03/2007, por dívidas do ano de 2007, referentes a Coimas, no montante de € 283,38 e Encargos do processo de contraordenação, no montante de € 48,00;
6. Processo n.º …..-2007/……, instaurado em 23/06/2007, por dívidas do ano de 2007, referentes a Coimas, no montante de € 314,35 e Encargos do processo de contraordenação, no montante de € 48,00;
7. Processo n.º …..-2006/……, instaurado em 03/03/2007, por dívidas do ano de 2006, referentes a Coimas, no montante de € 364,31 e Encargos do processo de contraordenação, no montante de € 44,50 (cfr.documentos juntos a fls.3 e 96 do processo físico);
B-Foram apensados ao processo de execução fiscal n.º…..-2006/……., identificado no ponto 1 da alínea anterior, os processos de execução identificados nos pontos 2 a 7 da anterior alínea do probatório (cfr.documento junto a fls.96 do processo físico);
C-Na sequência da apresentação n.º Ap. 2/200…… foi registada na Conservatória de Registo Comercial da M...., a designação do ora oponente, J……, com o n.i.f. …., como gerente único da sociedade identificada na alínea A) supra (cfr. certidão permanente de registo comercial junta a fls.82 e verso do processo físico);
D-Na constituição da sociedade, foi definida como forma de obrigar a mesma, a intervenção de um gerente (cfr.Ap.2/200….. da certidão permanente de registo comercial junta a fls.82 e verso do processo físico);
E-Em 08/08/2005, o oponente, na qualidade de único sócio e gerente da sociedade “S….. I….. – G.R.F., Unipessoal Lda.”, com poderes para o acto, subscreveu documento designado “procuração”, cuja assinatura e letra foi reconhecida no 12.º Cartório Notarial de Lisboa e onde consta, nomeadamente, o seguinte:
«Eu, J……, portador do Bilhete de Identidade n.º 11……, emitido em O….. em 21/06/2005, solteiro, maior, natural de A…., Lisboa, residente na Rua B… P…. n.º…, 13.º Dto, M….., constituo procurador da sociedade S…. I…. G.R.F., Unipessoal Lda., com sede na Rua C…. de R….. n.º…, 5.º D, L…., com o NIF 507….., matrícula n.º 507…../….. da Conservatória do Registo Comercial da M…, do qual sou único sócio, o senhor J….., Divorciado, maior, residente na Rua B…. P…. n.º … 13.º dto, M….., Algés, ao qual com a faculdade de sub-estabelecer, confiro poderes para, em nome da sociedade praticar os seguintes atos: depositar, levantar capitais em bancos, casas bancárias ou instituições de crédito, assinando recibos ou cheques, liquidar contas com devedores ou credores, fazer e aceitar confissões de dívida, assinar contratos de franquia, proceder à alteração de pactos sociais, requerer qualquer ato de registo comercial, representar-me nas competentes repartições de Finanças, receber citações e notificações, usar para o efeito todos os poderes forenses por direito permitidos, os quais deverão ser substabelecidos em advogado ou procurador habilitado sempre que deles tenha de usar.»
(cfr.documento junto a fls.41 a 43 do processo físico; prova testemunhal);
F-Em 20/04/2011, o oponente era funcionário da Empresa S….. & V… S…., Distribuição Lda., sendo, nessa data, «efectivo» na mesma, desde o dia 24/09/2010 (cfr. documento junto a fls.44 do processo físico; prova testemunhal);
G-Em 11/11/2011, no âmbito dos processos de execução mencionados em A), foi proferida informação com o seguinte teor:
« (…) O artigo 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária estabelece que são abrangidas no âmbito subjectivo da responsabilidade tributária todas as pessoas que exerçam funções de administração, mesmo que não sejam gestores de direito. À semelhança da nova redacção do artigo 13.º, introduzida pelo artigo 52.º da Lei 52-C/96, de 27 de dezembro, exige-se assim, cumulativamente, a verificação de uma gerência de direito com a de facto, ou bastando somente a gerência de facto: “Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imutável a falta de pagamento.
O artigo 24.º, n.º1 alínea b) da Lei Geral Tributária faz menção à imputação e não à culpa. No fundo, o preceito legal contém uma presunção de imputação e não de culpa.
Mais informo que, de acordo com os elementos constantes neste SF e da Gestão de Contribuintes e documento da constituição da Sociedade Unipessoal por quotas, a executada teve o seguinte órgão social:
Gerente /Administrador NIF DESDE ATÉ
J………… 205…… 01-08-2005
Face ao disposto no n.º 4 do artigo 23.º da LGT deverá proceder-se à notificação dos contribuintes identificados anteriormente para efeitos do exercício do direito de audição prévia.»
(cfr.documento junto a fls.83 e verso do processo físico);
H-Em 11/11/2011, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Finanças de Lisboa - 2, que determinou a notificação do ora oponente para efeitos de exercício do direito de audição prévia (cfr.documento junto a fls.83 e verso do processo físico);
I-Em 29/11/2011, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Finanças de Lisboa - 2, que determinou a reversão contra o ora oponente, e onde consta, nomeadamente, o seguinte:
«Vem o presente processo com a informação de que não foi exercido o direito de audição por parte do contribuinte:
J………… - NIF ………
Pressupostos da responsabilidade e respetivo ónus da prova:
Foi pressuposto da responsabilidade o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, ocorre quando a falta de pagamento é imputável às pessoas com funções de administração ou gestão. A prova de que essa falta de pagamento não lhe é imputável pertence ao contribuinte revertido.
Assim sendo e ao abrigo do que se estabelece nos artigos 22.º, 23.º e 24.º da LGT, artigos 153.º e 160.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e nos precisos termos da alínea b) n.º 1 do artigo 24.º da LGT reverto a execução contra o gerente – J……. – NIF ……, que responde pelo valor de € 6.157,27. (…)»
(cfr.documento junto a fls.87 e verso do processo físico);
J-Em 18/01/2012, foi emitida certidão de citação do oponente, enquanto responsável subsidiário e no âmbito do processo de execução fiscal nº……-2006/….. e apensos (cfr.documentos juntos a fls.94 a 99 do processo físico);
K-Em 14/02/2012, foi apresentada no Serviço de Finanças de Lisboa - 2, a petição de oposição no âmbito do processo de execução fiscal nº…….-2006/…… e apensos (cfr.data de entrada aposta a fls.4 do processo físico);
L-Em 21/12/2012, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 2, onde consta, nomeadamente, o seguinte:
«Pef n.º …….2005….. e AP. ……2007….. e AP e ……2008….. e AP (…) Com vista à regularização da sua situação tributária exigidos nos presentes autos, em nome de J……., com o NIPC 205……, ao abrigo do artigo 260.º do Código do Procedimento e Processo Tributário, ordeno:
O levantamento da penhora efectuada sobre o imóvel correspondente ao artigo matricial urbano 19…. da freguesia de A…… descrito na Conservatória do Registo de Predial de O….., sob o n.º …../2006….., cujos registos foram efectuados através da AP. 17…, AP. 17… e AP. 17… de 2012/12/14 – penhora, em contrapartida do pagamento de € 21.752,48 (vinte e um mil setecentos e cinquenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos), mediante emissão de cheque visado à ordem do I……..-EPE a levantar no acto da escritura, pelo V……, que irá munido do presente despacho e respetiva certidão de cancelamento, a realizar no dia 28/12/12. (…)»
(cfr.documento junto a fls.140-verso do processo físico);
M-Em 31/12/2012, foi efectuado, pelo oponente, o pagamento da totalidade dos valores em dívida nos processos de execução fiscal referidos na alínea B) do probatório (cfr. documento junto a fls.139 do processo físico; confissão);
N-Na sequência do pagamento efectuado, conforme anterior alínea do probatório, foram extintos os processos de execução fiscal referidos na alínea B) da matéria de facto (cfr.confissão).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não resultaram provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente, nos documentos constantes dos autos, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório.
Para a prova dos factos constantes das Alíneas E) e F), foi considerada a prova documental e ainda o depoimento de M…….., mãe do Oponente, que apesar da ligação familiar logrou esclarecer as razões que determinaram a nomeação do Oponente como gerente da sociedade cujo depoimento foi claro e credível.
Afirmou que o Oponente se limitou a “fazer um favor” a seu pai, já que o mesmo tinha problemas com os bancos e tinha já contraído elevadas dívidas, referindo também que o seu próprio vencimento se encontra penhorado por causa das dívidas contraídas pelo ex-marido.
Confirmou que após ter sido constituída a sociedade, o Oponente emitiu uma procuração a favor do pai para que este pudesse gerir a mesma. Referiu também que o seu filho, ora Oponente, trabalhava por conta de outrem a tempo inteiro, reforçando as suas declarações a credibilidade da prova documental.
As declarações de parte do Oponente, apenas confirmaram os mesmos factos, tendo o mesmo nas suas afirmações, demonstrado convicção e credibilidade.…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, essencialmente, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
O-Em 31/05/2007, o opoente apôs o seu n.i.f., como representante da sociedade executada originária, na declaração de I.R.C., mod.22, referente a 2006, apresentada junto da A. Fiscal (cfr.documento junto a fls.121 e 122 do processo físico).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da falta de prova dos pressupostos da reversão da execução contra o opoente (exercício efectivo da gerência da sociedade executada originária), em consequência do que determinou a sua extinção quanto ao mesmo, tanto quanto aos créditos revertidos de I.V.A., como de coimas.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante alega, em síntese, que a procuração outorgada pelo opoente/recorrido em nome de seu pai, implica que a gestão realizada se deva considerar gerência de facto, porque os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante. Que os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o ora recorrido foi gerente de facto da devedora originária, assim contrariando a decisão do Tribunal “a quo” (cfr.conclusões 1 a 20 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), tal como ao abrigo do artº.8, nº.1, do R.G.I.T. (quanto às dívidas revertidas de coimas), tudo levando em consideração o período temporal (anos de 2005 a 2007) a que respeitam as dívidas que constituem o débito exequendo revertido - cfr.als.A), B) e I) do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, a sentença recorrida concluiu pela procedência da oposição, em consequência da A. Fiscal não ter efectuado prova do exercício efectivo da gerência de facto da sociedade executada originária e por parte do opoente, no período a que se referem as dívidas revertidas (2005 a 2007).
O recorrente, pelo contrário, entende que se verifica a prova da gerência de facto, desde logo, porque a procuração outorgada pelo opoente/recorrido em nome de seu pai, implica que a gestão realizada se deva considerar gerência de facto, dado que os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante.
Quanto às dívidas de impostos revertidas contra o opoente/recorrido no âmbito do processo de execução fiscal nº……-2006/….. e apensos (dívidas de I.V.A., dos anos de 2005 a 2007, cujo termo final do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 2006 e 2007 - cfr.al.A) do probatório), somos forçados a dar razão ao recorrente.
Expliquemos porquê.
Não se olvida que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No entanto, examinando a matéria de facto provada e aditada ao probatório (cfr.als.E) e O) da factualidade provada), deve constatar-se que foi produzida prova da gerência de facto por parte do opoente. Assim é, porquanto, da factualidade provada se retira que o opoente praticou actos de representação (cfr.passagem de procuração a favor de terceiro; entrega de declaração junto da A. Fiscal), da sociedade executada originária, "S…. I….. – G….. R…. F…., Unipessoal, Lda.", fazendo apelo à distinção doutrinária mencionada supra.
A juntar ao acabado de mencionar, dois outros vectores se sublinham e que corroboram no mesmo sentido:
1-A jurisprudência e doutrina, com a qual concordamos, tem vindo a ser uniforme no sentido de que, na situação existente nos presentes autos (presença de procuração passada a favor de terceiro), deve entender-se que o administrador ou gerente exerceu a gerência de facto, mesmo que não tenha tido qualquer intervenção pessoal na vida da empresa, para além de nomeação de um procurador para o substituir (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/1995, rec.18448; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/2/1997, rec.20946; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/7/1997, rec.21502; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/5/1998, rec.19698; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 21/5/2013, proc.6620/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.473);
2-Por outro lado, levando em consideração que o opoente era o único gerente da empresa e que a sua assinatura obrigava a mesma, legítimo será presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência - artº.351, do C.Civil) o exercício continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Aqui chegados, deve concluir-se que, no caso concreto, a Fazenda Pública estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente/recorrido, ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do mesmo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/3/2009, rec.709/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Fundando-se a reversão da execução no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T. (cfr.al.I) do probatório), tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido, no caso o opoente/recorrido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, conforme examinado supra (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 13/11/2014, proc.7549/14; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE).
A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.
Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não resultou de qualquer conduta que lhe possa ser imputável, em termos de causalidade adequada (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da factualidade provada não se pode concluir, de todo, que o opoente/recorrido tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária, "S…. I….. – G. R. F., Unipessoal, Lda.", se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos e que, no exercício da administração, usou da diligência de um "bonus pater familias".
Não pode, pois, considerar-se que o oponente/recorrido tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento das dívidas exequendas/revertidas de I.V.A. que sobre si impendia. Não fazendo tal prova, deve julgar-se procedente este fundamento do recurso e, consequentemente, julgar parte legítima para a execução fiscal nº……-2006/….. e apensos o opoente.
Já quanto às dívidas revertidas de coimas e encargos (cfr.Coimas e encargos, referentes aos anos de 2006 e 2007 - cfr.al.A) do probatório), desde logo, se dirá que o regime de responsabilidade subsidiária previsto no citado artº.8, nº.1, do R.G.I.T., reveste natureza civil e não padece de qualquer inconstitucionalidade, conforme jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, a qual subscrevemos (cfr.ac.Tribunal Constitucional 129/2009, de 12/3/2009; ac.Tribunal Constitucional 150/2009, de 25/3/2009; ac.Tribunal Constitucional (Plenário) 437/2011, de 3/10/2011; ac.Tribunal Constitucional 249/2012, de 22/5/2012; Germano Marques da Silva, Responsabilidade subsidiária dos gestores por coimas aplicadas a pessoas colectivas, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano II, 2009, nº.3, pág.297 e seg.).
Ao abrigo do mencionado regime, em qualquer das alíneas do preceito (als.a) e b), do nº.1, do artº.8, do R.G.I.T.), não existe responsabilidade sem que o não pagamento da multa ou coima seja imputável ao responsável subsidiário, por lhe ser atribuível a génese da insuficiência global do património da pessoa colectiva ou a concreta falta de pagamento. Também em ambos os casos, a imputabilidade da falta de pagamento não se presume, não sendo à pessoa que exerce a administração/gerência que cabe o ónus da prova da insuficiência do património ou da falta de pagamento não lhe ser imputável. Tal ónus cabe à Fazenda Pública (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/1/2005, proc.304/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.3337/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7280/14; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.101).
“In casu”, da análise da matéria de facto provada conclui-se que, em momento algum dos autos, logrou a A. Fiscal provar a culpabilidade do oponente/recorrido na insuficiência patrimonial da pessoa colectiva, ónus este que especialmente lhe incumbia, pelo que, quanto a estas dívidas de Coimas e encargos, se deve considerar improcedente o recurso e, em consequência, julgar-se parte ilegítima o opoente/recorrido no âmbito da execução fiscal nº……-2006/….. e apensos, assim se confirmando a decisão recorrida, neste segmento.
Atento o relatado, julga-se parcialmente procedente o recurso sob apreciação, na parte relativa à responsabilidade subsidiária e consequente legitimidade do opoente/recorrido no âmbito do processo de execução fiscal nº……-2006/….. e apensos, no que diz respeito às dívidas revertidas de I.V.A., dos anos de 2005 a 2007, neste segmento se revogando a sentença recorrida. Já quanto à responsabilidade subsidiária do opoente/recorrido pelo pagamento das dívidas de coimas e encargos, julga-se parcialmente improcedente o recurso e parte ilegítima o recorrido no âmbito do identificado processo de execução fiscal, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO e revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a oposição e parte legítima o opoente J….., no âmbito da execução fiscal nº……-2006/….. e apensos, no que diz respeito às dívidas revertidas de I.V.A., dos anos de 2005 a 2007 (cfr.al.A) do probatório);
2-JULGAR PARCIALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO e, nessa medida, considerar procedente a oposição, embora com a fundamentação expressa supra, e parte ilegítima o opoente J……., no âmbito da execução fiscal nº……-2006/….. e apensos, no que diz respeito às dívidas revertidas de Coimas e encargos (cfr.al.A) do probatório).
X
Condena-se a Fazenda Pública em custas na proporção do decaimento, em ambas as instâncias.
Condena-se o opoente/recorrido em custas na 1ª. Instância e na proporção do decaimento, dado não ter produzido contra-alegações na instância de recurso.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 11 de Abril de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Vital Lopes - 1º. Adjunto)



(Anabela Russo - 2º. Adjunto) - Com voto de vencida



DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDA:

Não acompanho o julgamento que obteve vencimento pelas seguintes razões.

- como resulta do presente acórdão, a questão fulcral do processo - instaurado pelo Oponente na qualidade de revertido - prende-se com a verificação ou não dos pressupostos de responsabilidade subsidiária previstos no artigo 24.º da Lei Geral Tributária, tendo sido instaurados pelo Oponente já na qualidade de revertido,

- em 1ª instância a Oposição foi julgada procedente com fundamento em que se provou que o Oponente, embora único gerente de direito, nunca tinha sido gerente de facto da devedora originária;

- Para tanto, no ponto III " Da Fundamentação" a decisão, o Tribunal a quo, fixou, sob o título de "Dos factos" os que acórdão reproduz nas alíneas A) a N). E para fundamentar a sua "convicção" exarou ainda em sede julgamento de facto que "A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente, nos documentos constantes dos autos, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório.

Para a prova dos factos constantes das Alíneas E) e F), foi considerada a prova documental e ainda o depoimento de M…, mãe do Oponente, que apesar da ligação familiar logrou esclarecer as razões que determinaram a nomeação do Oponente como gerente da sociedade cujo depoimento foi claro e credível.

Afirmou que o Oponente se limitou a "fazer um favor" a seu pai, já que o mesmo tinha problemas com os bancos e tinha já contraído elevadas dívidas, referindo também que o seu próprio vencimento se encontra penhorado por causa das dívidas contraídas pelo ex-marido.

Confirmou que após ter sido constituída a sociedade, o Oponente emitiu uma procuração a favor do pai para que este pudesse gerir a mesma. Referiu também que o seu filho, ora Oponente, trabalhava por conta de outrem a tempo inteiro, reforçando as suas declarações a credibilidade da prova documental.

As declarações de parte do Oponente confirmaram os mesmos factos, tendo o mesmo nas suas afirmações, demonstrado convicção e credibilidade";

- Em sede de julgamento de direito ficou a constar, designadamente, em resumo nosso, que pese embora a existência de uma procuração a terceiro não afaste a imputabilidade da gerência de facto a quem por essa procuração é representado, é preciso proceder a um enquadramento desse facto (citando jurisprudência e doutrina que nos dão indicação nesse sentido) e que, atentas as causas "que determinaram a emissão da procuração" bem como a não existência de qualquer acto pessoal de intervenção na "gestão diária", era de concluir que a Fazenda Pública não lograra realizar a prova que lhe competia.

Em nosso entender a sentença recorrida devia ter sido confirmada, quer porque" as causas da emissão da procuração" estão dadas como provadas - ainda que, rigorosamente, do ponto de vista técnico, mal, na "fundamentação da matéria de facto" - e substanciam claramente uma gestão de favor ou, se preferirmos, provam que o Oponente pese embora a emissão da procuração, nunca foi efectivamente gerente de facto; quer porque estão documentalmente comprovados outros factos importantes, igualmente alegados na petição inicial - designadamente que o Oponente durante os anos de 2005 a 2010 trabalhou sempre para outras sociedades, onde viria a efectivar em 2010 (documentos de fls. 45 a 61, que constituem declarações de rendimentos apresentados nas finanças, todos não impugnados e e declaração da Entidade Patronal de fls. 44).

Em suma, é para nós evidente que a Fazenda Pública não logrou provar que o Oponente foi efectivamente gerente de facto ou, no mínimo, que existem indícios fortes - traduzíveis em factos já apurados e a aditar com base em documentos constante do processo -, que revelam a prova positiva de que que não terá sido mesmo gerente de facto.

E, nesta medida, em nosso entender, devia ter sido mantido o julgado.


Anabela Russo