Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:101/08.7BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IMPUGNAÇÃO
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
HORA CERTA
Sumário:I - A falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação constitui, por força da lei, ilegalidade invalidante do acto de liquidação, susceptível de constituir não só fundamento de impugnação judicial, mas também fundamento de oposição à execução fiscal, por expressa previsão legal na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
II - A notificação pessoal de acto tributário, a realizar de acordo com as regras da citação, poderá ser efectuada de acordo com qualquer das modalidades de citação pessoal previstas no CPC, designadamente através de contacto pessoal do funcionário com o notificando, através da citação/notificação com hora certa e subsequentes termos legais aplicáveis (artigos 239°, 240° e 241° do CPC de 1961).
III - A notificação com hora certa, que se tem por efectuada na data da afixação da nota a que se referia o artigo 240°, n° 3, do CPC, e não na do envio ou da recepção da carta exigida pelo artigo seguinte, obsta à caducidade do direito à liquidação, se feita dentro do respectivo prazo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM, não se conformando com a sentença de 2018.03.22, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J... e C... contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, respeitante ao ano de 2003, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, formula as seguintes conclusões:

51. A sentença da qual se recorre assenta no facto de entender o julgador que a liquidação impugnada não foi validamente notificada aos contribuintes dentro do respetivo prazo de caducidade, o que leva à conclusão de que a mesma seria ilegal, por desconformidade com o determinado no artigo 45° da Lei Geral Tributária (LGT).

52. Ora, considera a Fazenda Pública que a notificação em causa se realizou no prazo determinado no artigo 45° da LGT, através de notificação pessoal.

53. A norma prevista no n° 1 do artigo 38° do CPPT define a regra da notificação através de carta registada com aviso de receção " (...) sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências."

54. Determina, no entanto, o n° 5 do mesmo artigo que:
"As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário."

55. No caso vertente, optou a administração fiscal, tal como é sua prerrogativa de acordo com a lei, por proceder à notificação pessoal, em lugar de notificar o contribuinte por via postal.

56. O n° 1 do artigo 192° do CPPT remete para o Código de Processo Civil (CPC) a regulação do modo como se devem efetuar as citações pessoais, diploma esse que, aliás, é aplicável subsidiariamente sempre que o próprio CPPT não regule a questão como é o caso (v. alínea e) do artigo 2.° do CPPT).

57. A alínea b) do n.° 2 do artigo 233° do CPC determina que:
"2 - A citação pessoal é feita mediante:
(…)
b) Contacto pessoal do solicitador de execução ou do funcionário judicial com o citando. 

58. No caso em apreço, a funcionária dos Serviços de Inspeção Tributária, devidamente mandatada para o efeito (v. documento n.° 11, em anexo à contestação) deslocou- se ao domicílio fiscal dos Impugnantes no dia 28 de dezembro de 2007 com o objetivo de proceder à notificação pessoal do ato tributário de liquidação de IRS ora Impugnado.

59. Uma vez que os ora Impugnantes não se encontravam no seu domicílio fiscal, procedeu a funcionária, nos termos do n° 1 do artigo 240° do CPC à notificação para hora certa, deixando o documento afixado na porta da residência (v. documentos n.° 12 e 13, em anexo à contestação).

60. No dia e hora marcados no documento acima referido, dirigiu-se, mais uma vez, a Inspetora Tributária ao domicílio fiscal dos Impugnantes com o objetivo de proceder à notificação.

61. Uma vez que os ora Impugnantes não se encontravam na sua residência, nem se encontrou ninguém a quem deixar a notificação, nos termos do n° 3 do acima referido artigo 240° do CPC, a notificação foi feita através da afixação da mesma na porta do seu domicílio fiscal, perante duas testemunhas que a assinaram.

62. No dia 3 de janeiro de 2008, por carta registada foi remetida a comunicação referida no artigo 241° do CPC.

63. Assim, podemos concluir que os ora Impugnantes se devem considerar validamente notificados do ato de liquidação de IRS do exercício de 2003 no dia 29 de dezembro de 2007, dentro do prazo de caducidade previsto no artigo 45° da LGT.

64. Logo, o ato foi praticado em tempo, tal como aceitam os Impugnantes, como também foi validamente notificado em tempo, de acordo com as regras previstas para esse efeito no CPPT e no CPC, não enfermando, consequentemente de qualquer ilegalidade.

65. A prova testemunhal não permitiu igualmente contrariar o aqui descrito, ao contrário do que afirma o julgador, que, ele próprio entende verificadas todas as formalidades legais ao caso aplicáveis.

66. Afirmou-se que os impugnantes não se encontravam nas datas em causa na sua residência, o que também é afirmado pela Administração Fiscal.

67. Afirma-se, mas não se comprova que não havia qualquer documento afixado na residência.

68. Sendo que a administração fiscal apresentou prova da respetiva afixação, com documento assinado por duas testemunhas, tal como exigido pela lei, para este tipo de notificação.

69.Discorda-se, assim, que a prova testemunhal apresentada surja como de maior relevância do que a que já constava dos autos prestada pela inspetora tributária e pelas testemunhas que assinaram o documento.

70. Assim, consideramos que estamos perante uma situação de valoração da prova, de que se discorda, pelo facto de permitir uma discutível sobreposição da palavra de um à de outro.

Nestes termos e nos melhores de Direito, que se requer a V. Exa. que se digne julgar improcedente a presente impugnação, aceitando e julgando procedente o presente recurso.


Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso e de se verificar o erro na forma do processo, do qual se transcreve:
A AT – REGIÃO AUTÓNOMA MADEIRA interpôs recurso da DECISÃO exarada no TAF do FUNCHAL que julgou procedente a IMPUGNAÇÃO, v.g. FLS 380 / 387 em síntese com os argumentos infra referidos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO tomou posição em 1ª Instância cfr FLS 151 / 378 que se reproduz integralmente e sem reserva.
A douta SENTENÇA JUDICIAL consigna que:
J... e mulher, C..., contribuintes fiscais n.º 1... e 1…, respetivamente, residentes na Rua Dr. J..., Campanário, Ribeira Brava, vêm apresentar impugnação judicial da liquidação adicional n.º 2007 5... referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do exercício de 2003, e correspetivos juros compensatórios, da qual resultou um montante a pagar de € 14.629,64.
(…)
Alegam, em síntese:
Preterição do direito de audição prévia em sede inspetiva;
Caducidade do direito de liquidação, uma vez que a notificação do ato tributário em escrutínio apenas foi efetivada em 02 de janeiro de 2008, quando a mesma deveria ter ocorrido até ao dia 31 de dezembro de 2007.
A DECISÃO fundamenta-se nos seguintes factos:
Que os destinatários da notificação da liquidação adicional de IRS referente ao exercício de 2003 (os ora Impugnantes), não chegaram a ter conhecimento do ato até, pelo menos, 02 de janeiro de 2008, data em que foram rececionadas no seu domicílio as respetivas notificações das notas de liquidação e de demonstração de compensação [pontos 10. e 11. da matéria assente].
E ainda que os Impugnantes se ausentaram do seu domicílio na parte da manhã do dia 28 de dezembro de 2007, para uma outra habitação sua propriedade situada nas montanhas, e que apenas voltaram no dia seguinte, ou seja, em 29 de dezembro de 2007, ao final da tarde, não se tendo deparado com qualquer nota de notificação na respetiva porta exterior da moradia [pontos 13. a 15. do probatório].
Consequentemente os Impugnantes não chegaram a ter conhecimento do ato até ao termo do dia 31 de dezembro de 2007 e que, por isso, a liquidação não foi validamente notificada dentro do respetivo prazo de caducidade, por motivo que não lhes é imputável.
Pela procedência do segundo dos vícios elencados na petição inicial, ficam por conhecer dos demais.
Após INQUIRIÇÃO das testemunhas v.g. Acórdão do TCAS a FLS 236 a ausência do domicílio fica comprovada.
Trata-se de uma liquidação adicional de IRS a forma a observar para a notificação da respetiva liquidação há-de ser a mesma que a lei estipula para o imposto a que respeita, ou seja, no caso, a forma legal de “carta registada”.
Assim basta que a carta registada seja entregue no domicílio fiscal dos contribuintes até ao último dia do prazo legal. No caso concreto os serviços procederam a notificação pessoal com hora certa e foi realizada a afixação da notificação na porta de residência e domicílio fiscal com prova testemunhal.
Ora as notificações em causa nos termos do artº 149º do CIRS sobre actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada. Todavia, estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.
Uma liquidação oficiosa deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS.
Em bom rigor a AT usou a fórmula de citação pessoal superior ao formalismo exigido por Lei.
Consequentemente a notificação com hora certa terá de se considerar válida e operante com inexistência de caducidade do direito de liquidação.
Acresce que a eventual falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade é por força da alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT um fundamento mais de oposição à execução fiscal por tal facto determinar a inexigibilidade da dívida exequenda e os contribuintes impugnaram a liquidação. Sem discutir a sua legalidade o que pode configurar o erro na forma de processo.
Pelo que concluímos que a mui douta DECISÃO terá de ser revista

Notificados deste parecer para se pronunciarem sobre o eventual erro na forma do processo, os Recorridos vieram defender que a falta de notificação do tributo dentro do prazo de caducidade constitui simultaneamente fundamento de impugnação judicial e de oposição à execução fiscal.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo a de saber se a liquidação do imposto foi notificada dentro do prazo de caducidade.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. Pela ordem de serviço n.º OI200700470, datada de 10 de setembro de 2007, foi determinada a realização de ação inspetiva interna, de âmbito parcial, para verificação do cumprimento das obrigações tributárias dos ora Impugnantes, referentes a IRS do exercício de 2003 – cfr. doc. n.º 05 junto com a petição inicial e doc. n.º 04 junto com a contestação.

2. No dia 11 de dezembro de 2007, foi proferido relatório de inspeção tributária, relativo ao procedimento inspetivo mencionado no ponto antecedente, de onde resultou uma correção à matéria tributável de IRS de 2003, no montante de € 34.648,58 – cfr. doc. n.º 05 junto com a petição inicial e doc. n.º 04 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. Sobre o relatório de inspeção mencionado no ponto anterior recaiu despacho de concordância do Chefe de Divisão, datado de 11 de dezembro de 2007 – cfr. doc. nº 05 junto com a petição inicial e doc. n.º 04 junto com a contestação.

4. Os Impugnantes foram notificados das correções resultantes do procedimento inspetivo efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI200700470, por ofício n.º 11071, datado de 11 de dezembro de 2007 – cfr. doc. nº 05 junto com a petição inicial.

5. Com base nas correções efetuadas em sede inspetiva, foi emitida, em 20 de dezembro de 2007, a liquidação adicional de IRS n.º 2007 5..., e dos correspetivos juros compensatórios, da qual resultou um montante de imposto de € 28.360,48 – cfr. docs. n.º 08 e 11 juntos com a petição inicial.

6. Em 26 de dezembro de 2007, foi efetuada compensação n.º 2007 00... da qual resultou um saldo a pagar de € 14.629,64 – cfr. doc. n.º 10 junto com a petição inicial.

7. No dia 28 de dezembro de 2007, a Subdiretora da Direção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira emitiu “mandado”, com o seguinte teor:

“[...] MANDO à Inspetora Tributária Dra. C..., que, visto este por mim assinado, notifique(m) o(s) sujeito(s) passivo(s) J... e C..., NIF´s 1… e 1…, com domicílio fiscal à Rua Dr. Francisco J..., freguesia do Campanário, para, no prazo de 30 dias a contar da notificação, efetuar o pagamento do valor em euros de 14.629,64, resultante da Liquidação de IRS e respetivos juros compensatórios, do exercício de 2003.
[...]” – cfr. doc. n.º 11 junto com a contestação, também constante do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. Não tendo encontrado os Impugnantes no respetivo domicílio, a Inspetora Tributária mandada deixou afixada na respetiva porta, em 28 de dezembro de 2007, nota para “notificação para hora certa”, na qual se consignou o seguinte:

“Para cumprimento de um mandado de notificação assinado pela Subdirectora Regional dos Assuntos Fiscais, datado de 28 de Dezembro de 2007, contra os Sujeitos Passivos J... e C..., com os Nif 2… e 1…, e em virtude de os mesmos não se encontrarem no seu domicílio fiscal, de harmonia com o disposto no artigo 240.º do Código de Processo Civil, fica notificado o Sr. J... e a Sr.ª C…, de que voltarei no dia 29 de Dezembro de 2007, pelas 15:00 horas, a fim de a notificar definitivamente da liquidação de IRS, relativa ao exercício de 2003, com o n.º 2007 5....
[...]” – cfr. docs. n.º 12 e 13 juntos com a contestação, também constantes do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9. No dia 29 de dezembro de 2007, a Inspetora Tributária mandada não encontrou os Impugnantes no respetivo domicílio, nem encontrou ninguém a quem deixar a notificação, tendo, então, e perante duas testemunhas, procedido à afixação na respetiva porta nota com o objeto da “notificação”, segundo a qual:

“Considera-se, por este meio, notificado os Sujeitos Passivos – J... e C..., com o Nif 2… e 1…, com morada à Rua Dr. F…, Campanário, da Liquidação de IRS n.º 2007 5..., relativa ao exercício de 2003, da Direção Geral dos Impostos.
Mais ficam notificados para, até ao dia 2008-02-06 efetuar o pagamento da importância de € 14.629,64 apurada, resultante da liquidação de IRS, relativa ao ano a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa da liquidação [...].
[...]” – cfr. docs. n.º 14 e 15 juntos com a contestação, também constantes do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10. Em 28 de dezembro de 2007, foram expedidos, por cartas registadas, os seguintes ofícios de notificação dirigidos aos Impugnantes:
- Pelo Registo CTT n.º RY454…PT, notificação da liquidação mencionada no ponto 5. que antecede;
- Pelo Registo CTT n.º RY4543…PT, notificação da compensação mencionada no ponto 6.;
- Pelo Registo CTT n.º RY4543…PT, notificação da demonstração da liquidação de juros compensatórios – cfr. docs. n.º 08 a 12 juntos com a petição inicial.

11. Os registos postais referidos no ponto anterior foram a distribuição no dia 02 de janeiro de 2008, tendo a entrega sido conseguida no mesmo dia – cfr. docs. n.º 09, 11 e 12 juntos com a petição inicial.

12. Por ofício n.º 60, datado de 03 de janeiro de 2008, foi expedida notificação por carta registada (registo CTT RO 8629 … 5 PT, aceite no mesmo dia) dirigida aos Impugnantes, com o seguinte teor:

“Para conhecimento de V. Exªs. informa-se que, no passado dia 29 de dezembro, foi efetuada a notificação por afixação na porta do Vosso domicílio fiscal, ao abrigo do n.º 3 do artigo 240.º, do Código de Processo Civil, em virtude de não termos encontrado em nenhum local nas diversas procurado para a realização das diligências.
Assim, nos termos do art.º 241.º do mesmo diploma legal, comunicamos que, até 2008-02-06, deverá efetuar o pagamento da importância de 14.629,64 €, resultante da liquidação n.º 2007 5... do IRS, respeitante ao exercício de 2003, conforme nota demonstrativa de liquidação, que se encontra à sua disposição na Secretaria destes Serviços.
[...]” – cfr. doc. n.º 16 junto com a contestação e doc. n.º 13 junto com a petição inicial, também constante do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

13. Os Impugnantes ausentaram-se do seu domicílio na parte da manhã do dia 28 de dezembro de 2007, para uma outra habitação sua propriedade situada em zona montanhosa – cfr. depoimento da testemunha D....

14. No dia 29 de dezembro de 2007, ao final da tarde, os Impugnantes voltaram à sua habitação, sita na Rua Dr. F..., freguesia do Campanário – cfr. depoimento da testemunha D....

15. Aquando do regresso dos Impugnantes à sua habitação sita na Rua Dr. F..., freguesia do Campanário, não se encontrava afixada qualquer nota de notificação na respetiva porta exterior da moradia – cfr. depoimento da testemunha D....


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:
A decisão da matéria de facto, efetuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do Processo Administrativo apenso, referidos em cada um dos pontos do elenco da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.
A convicção do Tribunal alicerçou-se também no depoimento da testemunha D..., filha dos Impugnantes, que revelou ter um conhecimento direto dos factos sobre os quais foi inquirida, em virtude de ter acompanhado os seus pais na deslocação que fizeram no dia 28 de dezembro de 2007 e no respetivo retorno.
Não obstante os laços familiares que ligam a testemunha aos Impugnantes, o seu depoimento mostrou-se claro, credível, seguro e objetivo, convencendo o Tribunal da sua veracidade.
A testemunha explicitou que no dia 28 de dezembro de 2007, pela manhã, deslocou-se com os seus pais (ora Impugnantes) para uma casa de montanha (como era normal suceder na quadra natalícia), tendo lá pernoitado e regressado no dia seguinte (29 de dezembro de 2007), ao final da tarde. Aduziu, de igual forma, que aquando do regresso à residência dos Impugnantes não se encontrava qualquer nota de notificação (ou qualquer outro elemento) afixada à porta da residência, mais esclarecendo que a referida porta é de ferro e composta por grades, adjacente a uma estrada muito movimentada e sem alpendre ou qualquer outra proteção e referindo que quando chegaram estava uma forte intempérie, com bastante chuva.
As circunstâncias relatadas, agregadas à firmeza e segurança expressas pela testemunha no seu depoimento, permitiram criar no Tribunal a convicção segura que aquando do regresso dos Impugnantes à sua habitação não se encontrava afixada qualquer nota de notificação na respetiva porta exterior da moradia (o que presumivelmente se deveu às condições climatéricas adversas).
Pelo que ficou dito, foi o depoimento da testemunha D... positivamente valorado para a fixação dos pontos 13., 14. e 15. da matéria assente.


II.2 Do Direito

Os ora Recorridos vieram impugnar a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2003, com fundamento em preterição do direito de audição prévia e falta de notificação do tributo no prazo de caducidade.

Em 2011.06.30, foi proferida sentença julgou procedente a impugnação e anulou a liquidação, por falta de audição prévia dos Contribuintes antes da liquidação, decisão revogada por Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul que ordenou a baixa dos autos para, após a devida aquisição processual, ser conhecido do outro fundamento da impugnação alegado.

Em 2018.03.22, foi proferida a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação, por a liquidação em causa não ter sido validamente notificada aos impugnantes dentro do respetivo prazo de caducidade e, logo, anulou a liquidação adicional de IRS impugnada.

É desta sentença que vem interposto o presente recurso, defendendo a Recorrente que padece de erro de julgamento, por o tributo ter sido validamente notificado dentro do prazo de caducidade.

Comecemos a análise pela questão suscitada pelo Ministério Público relativa ao erro na forma do processo

Entendem, pois, os Impugnantes, ora Recorridos, que a liquidação adicional de IRS relativa ao exercício de 2003, foi notificada aos Contribuinte depois de decorrido o prazo de caducidade respetivo.

Em regra, a falta de notificação do tributo aos contribuintes no prazo da caducidade da respetiva liquidação, constitui sim fundamento válido de oposição. Mas não é assim em todos os casos.

Como bem é sabido, a oposição constitui uma contra pedido do devedor à ação executiva, correspondendo aos tradicionais embargos de executado. Não visa a anulação da liquidação, mas a extinção da execução fiscal pela eventual procedência de algum dos fundamentos taxativamente indicados hoje no artigo 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e que impliquem a extinção, total ou parcial da dívida exequenda em relação ao executado.

E, a inexigibilidade, por falta de notificação da liquidação, constitui, em princípio, um vício posterior ao ato dessa mesma liquidação, que não contende com a sua validade, mas tão só com a sua eficácia perante o contribuinte: constitui um válido fundamento de oposição subsumível à sua alínea i) do nº1 do artigo 204.º CPPT, especificado contudo, na sua alínea e), que se tal falta de notificação se reportar ao período da respetiva caducidade da liquidação, desta se conhecerá, porém, nesta sede processual. Clarifica em alínea própria que a falta de notificação afeta a eficácia do ato de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que deve essa invocada e conhecida a falta de notificação.

Contudo, se a falta de notificação da liquidação ao contribuinte no prazo da caducidade, pode ser fundamento de oposição, tal não significa que a falta de notificação da liquidação tempestiva não possa, por força do preceituado no artigo 45/1 da Lei Geral Tributária (LGT), ser ilegalidade invalidante desse ato e, nessa justa medida, fundamento de impugnação judicial.

Diz o artigo 45º da LGT, com a epígrafe caducidade do direito à liquidação:

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
(…)
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

Assim, a interrupção do prazo de caducidade do direito a liquidar pela administração tributária ocorre não no momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira pratica o ato, mas no momento da notificação ao sujeito passivo desse ato de liquidação.


E só com a notificação é que se pode considerar encerrado o procedimento de liquidação

Neste sentido vai a mais recente jurisprudência dos tribunais superiores, da qual citamos o Ac. STA de 2019.10.30, Proc nº 01528/08.0BELRS, do qual se transcreve:

(…)
Esclarecedor a este propósito é CASIMIRO GONÇALVES; após se pronunciar sobre a notificação como requisito da eficácia do acto, elucida: «a obrigatoriedade da notificação da liquidação no prazo de caducidade não retira ao próprio acto da notificação a natureza de requisito de eficácia, embora para efeitos de caducidade tal notificação tenha, por força da lei, definido um regime especial, pois que releva, agora, também como pressuposto da caducidade do direito à liquidação por parte do Estado, esta sim, uma ilegalidade concreta que afecta a validade do acto de liquidação e que, como tal, é susceptível de fundamentar a respectiva impugnação» (Ob. cit., pág. 237.).
Acompanhamos esta jurisprudência e doutrina, no sentido de que a falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade fere de ilegalidade o procedimento de liquidação (a liquidação em sentido amplo), ainda que o acto de liquidação (a liquidação em sentido estrito) tenha sido praticado dentro desse prazo. Como tal, não vislumbramos obstáculo a que essa ilegalidade seja invocada em impugnação judicial, que é o meio próprio para a invocação de todas as ilegalidades do acto (cf. art. 99.º do CPPT), designadamente a preterição de formalidades legais ocorridas no procedimento de liquidação.
(…)
Na verdade, a consagração na referida alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT como fundamento de oposição à execução fiscal da «[f]alta de notificação da liquidação do tributo no prazo da caducidade» não permite deduzir a conclusão de que esse fundamento é exclusivo da oposição e de que não pode ser invocado em sede de impugnação judicial. Só assim não seria se essa norma incorporasse de algum modo um elemento de taxatividade – designadamente expresso pela afirmação de que a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo da caducidade só ou apenas poderia ser fundamento de oposição à execução fiscal – que permitisse dela deduzir uma norma de sentido oposto como regime-regra, ou seja, que esse fundamento não poderia ser invocado em qualquer outro meio processual, o que não sucede.
A nosso ver, o que a alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT veio salientar foi que nas situações em que não se demonstrou a existência de notificação ocorrida dentro do prazo da caducidade, o contribuinte pode reagir contra essa liquidação, não só mediante impugnação judicial, mas também em sede de oposição à execução fiscal.
Ou seja, o legislador, em face de alguma jurisprudência que não permitia que, nos casos em que a notificação da liquidação ocorreu para além do termo do prazo da caducidade, o executado usasse a oposição à execução fiscal para reagir – por considerar que o único modo de reacção era a impugnação judicial, uma vez que estava em causa a legalidade da liquidação, atento o disposto no art. 45.º, n.º 1, da LGT [e, anteriormente, o art. 33.º do Código de Processo Tributário (CPT)] – veio, esclarecendo essas situações, consagrar mais uma possibilidade (relativamente às já existentes no CPT) excepcional de em sede de oposição à execução fiscal se discutir a legalidade concreta da liquidação da dívida exequenda, tal como acontecia já com os fundamentos hoje previstos nas alíneas a), g) e h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT [e, antes, nas alíneas a), f) e g) do art. 286.º CPT].
Como também bem salientou o já citado acórdão de Supremo Tribunal, o art. 1.º do CPPT, reconhecendo a supremacia da LGT, nunca consentiria a interpretação de que a alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT revogou o n.º 1 do art. 45.º da LGT, na parte em que este atribui à falta de notificação tempestiva efeito invalidante.
Concluindo, podemos dizer que a falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação constitui, por força da lei (art. 45.º, n.º 1, da LGT), ilegalidade invalidante do acto de liquidação (cf. art. 99.º do CPPT), susceptível de constituir não só fundamente de impugnação judicial, mas também fundamento de oposição à execução fiscal, por expressa previsão legal na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (Neste sentido, se bem o interpretamos, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., nota 34 b) ao art. 204.º, págs. 488/489.)

Assim, e sem necessidade de mais consideração concluímos que não se verifica, pois, no caso, o alegado erro na forma do processo. A falta de notificação do tributo no prazo de caducidade é fundamento de impugnação judicial.

O tributo impugnado é relativo a IRS do exercício de 2003 e, para determinação do prazo de caducidade, o artigo 92º CIRS remetia diretamente para os artigos 45º e 46º da LGT.

Nos termos do citado artigo 45º LGT, o prazo de caducidade nos impostos periódicos conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou seja, começou a correr em 2004.01.01 e terminou em 2008.12.31, não se tratando, aliás, no caso em análise, de facto controvertido.

A Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM, no exercício dos seus poderes discricionário, determinou que a notificação da liquidação adicional de IRS fosse efetuada por contacto pessoal, por funcionário, que mandatou para o efeito (artigo 38/5 CPPT).

Neste caso, a notificação pessoal deve efetuar-se seguindo as formalidades previstas no Código de Processo Civil para a citação (artigo 38/6 CPPT), que desde já adiantaremos que foram cumpridas.

Não tendo encontrado os notificandos no seu domicílio, nem pessoa para receber a notificação, afixou aviso com indicação de hora certa para proceder à diligência.

No dia e hora agendados, voltando a não encontrar os notificandos nem pessoa para a transmitir aos contribuintes e na presença de duas testemunhas, afixou a respetiva nota.

No mesmo dia, 29 de dezembro de 2004, foram enviadas 3 cartas registadas com a liquidação, a demonstração da compensação efetuada e a demonstração da liquidação dos juros, respetivamente, cartas essas que apenas foram recebidas pelos Contribuintes, no dia 2 de janeiro de 2005.

Os Impugnantes, ora Recorridos, não negam, antes confirmam que não se encontravam no seu domicílio naquele dia, nem colocam em causa que o aviso tenha sido afixado à porta naquele mesmo dia. Alegam, tão simplesmente que quando regressaram a casa, à porta não se encontrava afixado qualquer aviso.

Não alegam, pois, expressamente, não terem tido culpa ou que não tomaram conhecimento da notificação por facto que não lhes é imputável ou justo impedimento.

Todavia, cabia aos Impugnantes, ora Recorridos, o ónus de alegar e provar que o não conhecimento do teor do ato notificando não lhes era imputável.

A Fazenda Pública dissente da sentença recorrida alegando erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, defendendo que a notificação deve ter-se por efetuada na data da afixação da nota e não na do envio ou da receção da carta exigida pelo artigo 241º CPC, na versão então vigente, e que tal obsta à caducidade do direito à liquidação, porque foi feita dentro do respetivo prazo de caducidade.

Com efeito, a perfeição da notificação da liquidação basta-se com o cumprimento das formalidades previstas no CPC para a citação.

E, como tem decidido a jurisprudência do STA, da qual citamos apenas os Acórdão de 2007.11.07, Proc. n° 648/07 e de 2012.01.31, Proc. nº 0674/11, a notificação com hora certa, tem-se por efetuada na data da afixação da nota a que se refere o artigo 240°, n 3, do CPC, e não na do envio ou da receção da carta exigida pelo artigo seguinte, obsta à caducidade do direito à liquidação, se feita dentro do respetivo prazo.

Temos assim que os impugnantes, ora Recorridos foram notificados da liquidação em 29 de dezembro de 2004, e logo, dentro do prazo de caducidade respetivo.
A sentença recorrida que assim não decidiu não se pode, pois, manter, merecendo, assim, provimento o presente recurso o que determina a revogação da sentença recorrida.


Sumário/Conclusões:


I - A falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação constitui, por força da lei, ilegalidade invalidante do acto de liquidação, susceptível de constituir não só fundamento de impugnação judicial, mas também fundamento de oposição à execução fiscal, por expressa previsão legal na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
II - A notificação pessoal de acto tributário, a realizar de acordo com as regras da citação, poderá ser efectuada de acordo com qualquer das modalidades de citação pessoal previstas no CPC, designadamente através de contacto pessoal do funcionário com o notificando, através da citação/notificação com hora certa e subsequentes termos legais aplicáveis (artigos 239°, 240° e 241° do CPC de 1961).
III - A notificação com hora certa, que se tem por efectuada na data da afixação da nota a que se referia o artigo 240°, n° 3, do CPC, e não na do envio ou da recepção da carta exigida pelo artigo seguinte, obsta à caducidade do direito à liquidação, se feita dentro do respectivo prazo.

III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.

Custas pelos Recorridos, que decaíram, com dispensa do pagamento da taxa de justiça por não terem contra-alegado.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 28 janeiro de 2021
Susana Barreto