Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04395/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/01/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:OPOSIÇÃO. FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO NO PRAZO DA CADUCIDADE. CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL. CADUCIDADE DO DIREITO À IMPUGNAÇÃO.
Sumário:I)- A partir da revisão constitucional de 1982, acolhendo a melhor doutrina e a mais recente jurisprudência, as contribuições devidas à Segurança Social devem considerar-se como verdadeiros impostos na medida em que no facto tributário que as gera não aparece especificamente contemplada qualquer contrapartida ou actividade administrativa.

II) - Assumindo essas dívidas natureza tributária, como tal, estão sujeitas ao regime da caducidade estabelecido na lei em vigor à data dos factos tributários e das notificações dos actos tributários consagrado no artº 38º do CPPT.

III) – Respeitando as contribuições para a segurança social aos anos de 1996 a 1999 e tendo-se efectivado a notificação em 2005, verifica-se o fundamento da inexigibilidade previsto na al. e) do nº 1 do artº 204º do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SECÇÃO DO TCAS:

1. A...– Lacagem de Alumínios, com os sinais identificadores dos autos, recorreu para o TCAS da sentença do Mº Juiz do TAF de Castelo Branco que julgou improcedente a oposição à execução fiscal contra si instaurada, para cobrança de dívidas provenientes de contribuições para a Segurança Social relativas ao seu sócio – gerente no período de Junho de 1996 a Fevereiro de 1999, no montante global de 2.948,60€, concluindo as suas alegações como segue:
“I - No caso dos autos, tendo em conta a matéria de facto considerada como provada, deveria a oposição apresentada pela recorrente ter sido julgada procedente como provada.
II - Conforme documento já junto aos autos, ficou consignado em acta que o B..., enquanto sócio -gerente não aferiria qualquer remuneração, aliás, e conforme refere a própria sentença e foi alegado pela recorrente, quem desempenhava efectivamente as funções de gerente da recorrente era a outra sócia -gerente, C..., durante o período que decorreu entre 1996 e 1999, tanto que só a partir de 2000 é que o B... passou a ser visto com maior frequência nas instalações da recorrente, pois até então somente se deslocava ali como cliente, a fim de levantar alumínio que aí adquiria. Mais sendo de salientar que aquele B... tinha uma outra actividade de serralharia e de comercialização de automóveis.
III - A melhor doutrina e a mais recente jurisprudência qualificam as contribuições patronais para a segurança social como impostos.
IV - Pelo que, lhes é aplicável o regime de caducidade consagrado no art°33° do CPT e art°45°, n°1 da LGT, e das notificações dos actos tributários consagrado no art°38° do CPPT.
V - Não tendo havido aquela auto -liquidação por parte do contribuinte (entrega das declarações de remunerações), teria de haver uma liquidação por parte do ente público, o que também não aconteceu.
VI - Tendo em conta o momento em que relativamente aos tributos em causa ocorreu o respectivo termo inicial e que houve a primeira exposição (que não liquidação) enviada à recorrente pelo Centro Distrital de Segurança Social da Guarda (19.09.2005 - de acordo com os factos provados na sentença), impõe-se-nos concluir que ocorreu a caducidade do direito à respectiva liquidação, ao contrário do concluído na sentença recorrida.
VII - E, ainda que assim não entendesse, existe ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, uma vez que, não foi assegurado à recorrente meio judicial da impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.
VIII - Como assim não foi determinado pela sentença recorrida, violou a mesma as disposições dos artigos art. 33° do CPT e do artº45° da LGT, 38° do CPPT.
Termos em que, deve a sentença recorrida ser revogada e alterada conformidade, julgando-se a oposição apresentada pela recorrente procedente, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão V. Exas Justiça!”
Não foram apresentadas contra -alegações.
A EPGA emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2.- Na sentença recorrida, com base na análise dos documentos juntos aos autos e do acordo das partes, deram-se como assentes os seguintes factos, ordenados alfabeticamente por nossa iniciativa:
“a) A oponente é uma sociedade comercial constituída por C... e B... decorrendo de um projecto de apoio ao desemprego subscrito pela primeira.
b) Os sócios são casados entre si.
c) Ambos os sócios da sociedade foram designados gerentes no acto de constituição da mesma.
d) Em 30/04/1994 teve lugar uma assembleia geral na sede da sociedade que aprovou, por unanimidade, que o sócio B... não receberia qualquer remuneração uma vez que era sócio de uma outra empresa sedeada no mesmo distrito onde auferia remuneração como gerente.
e) Em 19/09/2005 o Centro Distrital de Segurança Social da Guarda enviou à oponente exposição dando conta de que foi detectado que o sócio B... se encontrava sem contribuições sendo ele remunerado no período entre 06/1996 e 02/1999, apresentando o cálculo da dívida discriminada por capital e juros.
f) Em 06/10/2005 o CDSS reitera a advertência à oponente da dívida pendente, designadamente no que concerne ao sócio B... .
g) Datado de 27/09/2005 é remetido pela oponente um requerimento ao mesmo Centro Distrital Segurança Social a informar que o sócio B... não esteve a trabalhar no período decorrente entre 06/1996 e 02/1999 por motivos pessoais e que só passou a fazer parte da A... a partir de 01/03/1999.
h) Em 12/01/2006 foi instaurado processo de execução fiscal pelo IGFSS – Delegação Distrital da Guarda contra a oponente por dívida de contribuições ao ISS no período entre Junho /1996 e Fevereiro /1999.
i) A sociedade oponente foi citada para a execução fiscal em data não concretamente apurada.
i) O sócio B... efectuou descontos através da empresa "D... Alumínios Ferramentas Agrícolas" no período que decorreu entre Abril de 1994 e Maio de 1996.
k) A partir de Junho de 1996 o sócio-gerente B... não efectuou descontos pela referida empresa nem por qualquer outra.
l) A empresa "D..." cessou actividade em 30/06/1996 assim como Manuel Monteiro deixou de ser seu sócio-gerente.
m) De acordo com a observação que era efectuada pelos trabalhadores da oponente a mesma era gerida pela sócia-gerente C... no período que decorreu entre 1996 e 1999. Só a partir de 2000 é que passou a ser visto com maior frequência nas instalações da oponente pois até então somente se deslocava às mesmas como cliente a fim de levantar alumínio que aí adquiria.
n) Para além de uma outra actividade de serralharia do sócio-gerente Manuel Monteiro este comercializava automóveis de forma não esclarecida.
o) A oponente deduziu a presente oposição judicial em data que não resulta esclarecida.
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Resultou a convicção do Tribunal da análise dos documentos dos autos que não foram impugnados e ainda do teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas.
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FACTOS NÃO PROVADOS
A contrário do que ficou provado resultaram por esclarecer factos.
Designadamente com relevo para a questão a decidir ficou por provar a actividade de comércio de automóveis que alegadamente o sócio-gerente da oponente exercia e o modo como o fazia bem como se pela mesma efectuava contribuições para a Segurança Social.
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A falta de prova decorreu da insuficiência da mesma que incumbia apresentar pela sociedade, não bastando para esclarecimento do Tribunal a prestada testemunhalmente.”
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3. - Fixada a factualidade relevante, vejamos agora o direito donde emerge a solução do pleito, sendo certo que as conclusões de quem recorre balizam o âmbito de um recurso concreto (artºs. 684º e 690º do CPC).
É inquestionável o regime segundo o qual este Tribunal aplica o Direito ao circunstancialismo factual que vem fixado, pelo que a questão que se impõe neste recurso é a de juridicamente fundamentar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que não ocorreu a falta de notificação dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação das contribuições exequendas e, ainda que assim não entendesse, se existe ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, uma vez que, não foi assegurado à recorrente meio judicial da impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.
A sentença recorrida identificou como questões suscitada na oposição a caducidade do direito a liquidar e a inexigibilidade das contribuições.
E isso porque sustentara a oponente que o Tribunal considere decorrido o prazo para a Segurança Social proceder à liquidação dos montantes em dívida uma vez que alega não a ter recepcionado.
Deste modo, visava a oponente a declaração da caducidade do direito a liquidar e daí extrair a impossibilidade de cobrança dos valores em questão na execução fiscal em conformidade com o disposto no art. 45°, n° 1 da LGT.
Sobre a questão da caducidade, o Mº Juiz «a quo» julgou tal fundamento improcedente por considerar que, contrariamente ao sustentado pela oponente, e conforme resulta provado, o Centro Distrital de Segurança Social da Guarda notificou por duas vezes a oponente do valor que detinha em dívida e a que respeitava, concretamente em 19/09/2005 e 06/10/2005, sendo certo que em 27/09/2005 a própria oponente trocou correspondência com o CDSS o que denota ter recepcionado a primeira das notificações de liquidação da dívida.
Saliente-se que Acresce a partir da revisão constitucional de 1982, acolhendo a melhor doutrina e a mais recente jurisprudência, as contribuições devidas à Segurança Social devem considerar-se como verdadeiros impostos na medida em que no facto tributário que as gera não aparece especificamente contemplada qualquer contrapartida ou actividade administrativa.
Assumindo essas dívidas natureza tributária, como tal, estão sujeitas ao regime da caducidade estabelecido na LGT e das notificações dos actos tributários consagrado no artº 38º do CPPT.
Em regra, uma vez que as contribuições à segurança social não dependem de liquidação a fazer por esta, mas pelo próprio contribuinte, aplicando este as percentagens legais às remunerações que paga aos seus funcionários (que ele é que conhece e declara), cabendo-lhe, depois, entregar esses montantes à segurança social no prazo fixado na lei (art° 2.1. do Dec-lei 511/76 de 3 de Julho), estamos perante um caso de obrigação de auto -liquidação em que, se não pagar, segue-se directamente a extracção de certidão de dívida, afim de ser instaurada a execução.
Não obstante as contribuições para a Segurança Social configurarem um caso de auto -liquidação verifica-se, por vezes, o caso de o contribuinte não efectuar a entrega das folhas de remuneração dos trabalhadores que tem ao seu serviço e não efectuar qualquer pagamento, ou então proceder à entrega daquelas folhas, mas sem pagar as respectivas contribuições, sendo indispensável, em tais situações, a prática de um acto que determine a quantia que o contribuinte tem de pagar, através da aplicação da taxa legal à matéria colectável constituída pelas remunerações.
Este acto é um acto de liquidação de tributos que nos termos do disposto nos artigos 36° n°1 do CPPT e 77° n°6 da L.G.T., que deverá ser notificado ao contribuinte no prazo de caducidade de quatro anos previsto no artigo 45° da Lei Geral Tributária. E isso é assim apesar de as dívidas em causa se regerem pelo DL 103/80.
O fulcro da questão decidenda, tendo em conta a causa de pedir invocada na p.i. – “falta de notificação da liquidação do tributo no prazo da caducidade” ou, caso assim não se entenda “ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, uma vez que não foi assegurado à executada meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação” cfr. ponto 11º da p.i. -é o de saber se a oponente deve considerar-se notificada da liquidação dentro do prazo de caducidade nos termos prescritos para a notificação.
É indiscutível que as pessoas têm o direito de ser informadas pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas - cf. o n.°1 do artigo 268.° da Constituição da República Portuguesa.
É certo também que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei - cf. o n.° 3 do citado artigo 268.°.
Ora, é isto exactamente o que pretende a oponente: atacar o acto tributário em causa por o mesmo não lhe ter sido notificada.
A inexigibilidade é a consequência jurídica; a falta de notificação invocada é que constitui a sua causa ou fundamento dessa inexigibilidade.
É certo que só podem dar azo a execução, isto é, a pagamento coercivo, as dívidas certas, líquidas e exigíveis (art. 802° CPC).
E, como é dos princípios, a dívida diz-se exigível quando se verifique a falta de cumprimento voluntário da obrigação, falta que, evidentemente, só vem a verificar-se depois do respectivo vencimento.
Ora, a falta de cumprimento decorre, nas obrigações sem prazo certo, da interpelação do devedor para o efeito [art. 805° n.01 do Código Civil (CC)] que, no caso, se deveria efectuar por via de notificação, a qual funcionará como interpelação para pagamento.
Por outro lado, para que o sujeito passivo entre em mora necessário se toma que a notificação tenha sido eficaz (no sentido de dela ter havido efectivo conhecimento) e regular (no sentido de terem sido cumpridas todas as formalidades legalmente impostas para o efeito).
Ora, a dívida exequenda provém de contribuições para a Segurança Social relativas ao sócio – gerente da oponente no período de Junho de 1996 a Fevereiro de 1999, sendo certo que o CDSS, porque a contribuinte não efectuou a entrega das folhas de remuneração e não efectuou qualquer pagamento, praticou um acto determinativo da quantia que o contribuinte tinha de pagar, acto que, como dissemos, é um acto de liquidação de tributos que nos termos do disposto nos artigos 36° n°1 do CPPT e 77° n°6 da L.G.T., dele notificando a oponente em 19/09/2005 e 06/10/2005, sendo certo que em 27/09/2005 a própria oponente trocou correspondência com o CDSS o que denota ter recepcionado a primeira das notificações de liquidação da dívida.
Assim sendo, não se levantando dúvidas sobre se o CDSS demonstrou ter procedido àquela notificação com observância do imperativo formalismo legal e que a recorrente recebeu a carta contendo a notificação, à partida a notificação efectuada pode e deve considerar-se válida (seja por observância das formalidades legais exigíveis) e regular e eficaz (por não ter chegado ao conhecimento do interessado) pelo que produziu os seus efeitos, designadamente a título de interpelação para pagamento do imposto.
Em suma, a Administração Fiscal procedeu, no caso dos autos, ao envio da carta para notificação da liquidação efectuada em 2005 de contribuições referentes aos anos de 1996 a 1999, é forçoso concluir que tal notificação foi efectivada muito para além do decurso do prazo de caducidade estatuído no artigo 33º do CPT.
Em conclusão, ocorre a inexigibilidade da dívida, fundamento previsto na al. e) do nº 1 do artº 204º do CPPT e invocado pela oponente, acarretando a sua procedência a prejudicialidade da cognição das demais questões suscitadas no recurso.

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4. - Face ao exposto acordam os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a oposição procedente e determinar a extinção da execução quanto à oponente.
Custas pelo recorrida apenas em 1ª instância.
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Lisboa, 01/02/2011
(Gomes Correia)
(Joaquim Condesso)
(Pereira Gameiro) – (Vencido no sentido de que revendo posição negava provimento ao recurso baseando-me no expedido no Ac. Do STA de 23.9.2009 in rec. 436/09 onde se sumariou, além do mais, que no caso de cont. à segurança social não é configurável a caducidade do direito à liquidação).