Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11579/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:12/04/2014
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS; PRESSUPOSTOS; CONVOLAÇÃO
Sumário:1 – O recurso ao meio processual previsto no artigo 109º e seguintes apenas é processualmente admissível quando se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia.
2 – Não se verificando os pressupostos que legitimam o recurso ao referido meio processual, nem seja invocada situação de facto que sustente o decretamento de providência cautelar, podem os autos ser convolados em acção administrativa especial.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

União de Freguesias de Castro Verde e Casével requereu contra a Direcção Geral da Administração e do Emprego Público e o Ministério das Finanças intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo peticionado a intimação das requeridas a aceitar e efectuar o depósito do Acordo Colectivo de Entidade Empregadora Pública celebrado entre a ora recorrente e o STAL, promovendo em seguida a sua imediata publicação em Diário da República, nos termos do artigo 382º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, tendo, igualmente, formulado pedido subsidiário, caso fosse entendido não estarem reunidos os pressupostos para o decretamento da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, no sentido de ser declarada nula ou anulada a decisão das entidades demandadas que procedeu à recusa do depósito do Acordo Colectivo de Entidade Pública Empregadora assinado entre o ora recorrente e o referido Sindicato, tendo formulado pedido de condenação das demandadas a efectuarem o depósito do referido acordo e promover a sua publicação em conformidade com o prescrito no artigo 382º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.

Por decisão proferida em 3 de Setembro de 2014, o T.A.C. de Lisboa absolveu da instância a entidade requerida, tendo indeferido a pretensão de convolação da intimação para acção administrativa especial.

Inconformado com o decidido, o requerente recorreu para este TCA Sul, tendo formulado as seguintes conclusões:

1º Salvo o devido respeito, o aresto em recurso começa por enfermar em claro e grosseiro erro de julgamento ao não convolar a presente Intimação numa acção administrativa especial - tal como lhe havia sido peticionado a título subsidiário com o argumento de que o acto de recusa do depósito do acordo colectivo pela DGAEP não era um acto administrativo e se inseria antes no quadro de uma relação paritária.

Na verdade,

2º Mesmo que por hipótese não estivessem preenchidos os pressupostos exigidos pelo art° 109° para o recurso ao meio processual nele previsto, sempre se estaria perante um erro no meio processual utilizado, determinando o princípio pro actione - subjacente aos direitos de acesso à justiça e à tutela judicial efectiva - e o disposto no art° 193º do CPC - aplicável subsidiariamente ex vi do art° 1º do CPTA -, a convolação da intimação numa acção especial, sendo claramente errado que o Tribunal a quo não tenha procedido a uma correcção do meio processual com o argumento de que a decisão em causa não era um acto administrativo.

Com efeito.

3° Por força do disposto nos art°s 356° e 382° do RCTFP (à data em vigor), os acordos colectivos de trabalho têm de ser depositados na DGAEP, a quem compete após o depósito proceder à sua publicação em Diário da República, de forma a que aquele acordo entre em vigor.

4º Consequentemente, é claramente errado sustentar-se que a decisão que recusou o depósito de um acordo colectivo e, por essa via, o impede de ser publicado e entrar em vigor não é um acto administrativo e se insere antes numa relação paritária, antes nos parecendo ser bem notório que se está perante uma decisão proferida por um organismo público ao abrigo de normas de direito administrativo (v. art°s 356° e 382° do RCTFP), que produz efeitos num caso concreto (impedindo a publicação e entrada em vigor desse mesmo acordo colectivo), os quais são lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos das partes que o outorgaram, pelo que se está inquestionavelmente perante um acto administrativo passível de impugnação judicial ex vi do disposto no art° 120º do CPA e 50° do CPTA.

Acresce que,

5º Mesmo que por hipótese se estivesse no quadro de uma relação paritária - como erradamente entendeu o Tribunal a quo -, sempre seria inquestionável que havia um erro na forma e meio processual empregue, pelo que, por força do princípio pro actione e do disposto no art° 193° do CPC, estava o juiz a quo oficiosamente vinculado a mandar seguir a forma e meio processual correcto, pelo que teria de convolar a intimação numa acção administrativa comum e não dar por findo o processo com base num argumento exclusivamente formal, pelo que sempre seria notório o erro de julgamento e a violação daquele princípio e artigo.

Por ouro lado,

6° O aresto em recurso incorreu igualmente em erro de julgamento quando entendeu que no caso sub judice não estavam preenchidos os pressupostos a que alude o art° 109° do CPTA com o argumento que uma medida cautelar seria suficiente para assegurar a protecção dos direitos envolvidos, pois, para além de ser caricato que, então, o Tribunal a quo se tenha abstido de decretar a providência cautelar antecipatória que asseguraria a tutela dos direitos em crise - e à face do n° 3 do art° 120° do CPTA o tribunal a quo nem sequer estava vinculado ao que nessa matéria lhe fosse requerido - ,a verdade é que o decretamento da tutela cautelar consumiria o pedido a formular na acção principal — o que denota a impossibilidade de se recorrer a tal tutela (v., neste sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 541) — e deixaria num limbo de incerteza não só direitos que, pela sua importância no quadro constitucional, não podem permanecer incertos, mas também a própria carga horária que os trabalhadores da União de Freguesias teriam de prestar durante todos os anos que mediassem até à decisão da acção principal.”

Contra-alegou o Recorrido, formulando as seguintes conclusões:

“a) A douta sentença recorrida fez uma correta aplicação da lei ao decidir, como decidiu, que não se encontravam preenchidos in casu os pressupostos da admissibilidade do meio processual de Intimação requerido;

b) Com efeito, a urgência de uma decisão de mérito definitiva deve ser aferida em função da irreversibilidade da situação invocada e também do facto de não estar causa a tutela do direito fundamental em si, mas uma iminente impossibilidade no seu exercício, pois a tutela contra actos ou condutas que possam lesar direitos, liberdades e garantias é diversificada e abrangente no âmbito do CPTA, sendo o meio processual de intimação especialmente reservado para os casos em que se pretende assegurar o seu exercício em tempo útil;

c) Ou seja, sobre a Requerente recaía um especial ónus de alegação e prova do invocado perigo iminente para o exercício dos direitos de liberdade sindical e da autonomia das autarquias locais;

d) Todavia, como bem evidenciou o douto aresto em crise, no caso subjudice não foi demonstrada e justificada pela Requerente a especial urgência da intimação decorrente da iminente impossibilidade na execução, em tempo útil, dos direitos que aquela pretende fazer valer nos autos;

e) Até porque a Requerente não teve qualquer problema em “aguardar” mais de três meses sobre a notificação da decisão de recusa do depósito do ACEEP para vir agora reagir contra o mesmo sem que, qualquer facto superveniente - que não foi sequer invocado - justifique a agora invocada urgência ou a iminente necessidade na obtenção de decisão de mérito definitivo

f) Além disso, não deixa de ser contraditório que a ora Recorrente pretenda agora alcançar uma tutela cautelar que nunca peticionou no seu requerimento quando assume que a concessão de providência cautelar antecipatória nunca resolveria definitivamente a questão de fundo dos presentes autos, deixando, segunda a mesma, o exercício dos direitos e deveres das partes e dos próprios trabalhadores da União de Freguesias, estes últimos relativamente ao número de horas diárias e semanais que devem ser cumpridas, num “limbo de incerteza” até à decisão da acção principal impugnatória;

g) De resto, tais considerandos são igualmente contraditórios com a alegação da Recorrente segunda a qual a mera satisfação do pedido cautelar, ainda que a título provisório e precário, esvaziaria e mesmo inutilizaria o pedido condenatório a deduzir na acção principal;

h) Assim como nada é alegado nem resulta demonstrado que, a existir a intervenção do membro do Governo responsável pelas área das finanças e da Administração Pública, a sua presença nas negociações obstasse a que o ACEEP tivesse sido celebrado nos exactos termos em que o foi;

i) É que a alegada impossibilidade de exercício do direito à liberdade sindical e da autonomia do poder local apenas poderia ser apreciada perante uma actuação restritiva por parte do Requerido na negociação deste ACEEP, circunstância que não foi de resto nem alegada nem concretizada;

j) Ora, face à situação retratada não se descortina por que é que a tutela dos direitos e princípios invocados pela Recorrente não pode ser acautelada com recurso a uma acção administrativa especial de condenação à prática do ato devido, complementada, eventualmente, com um pedido de adopção de providencia cautelar de natureza antecipatória, com ou sem decretamento provisório, respectivamente nos termos dos artigos 112° e 120º n°1 alínea a) e c) e 131° do CPTA;

k) Acresce referir que a tutela provisória a assegurar por via de uma hipotética providência cautelar antecipatória para a adopção de conduta positiva, não inutiliza o pedido condenatório a deduzir em sede de acção principal, já que seria no processo principal que a Recorrente poderia obter a tutela final do direito que pretende fazer valer, ou seja, um juízo definitivo sobre o litígio;

1) Deste modo, bem andou, pois, o douto Tribunal a quo ao decidir, como decidiu, a final, no sentido de que não estavam reunidos todos dos pressupostos legais exigidos no artigo 109° do CPTA para o decretamento da intimação requerida;

m) Por outro lado, o erro no meio processual usado redunda em redução clara das garantias do aqui Demandado, no que respeita ao exercício do contraditório, quando o mesmo teria disposto de meios de defesa, designadamente, prazos, substancialmente mais amplos no processo comum (artigo 81° n°1 do CPTA) dos que aqueles que lhe foram proporcionados na pronúncia emitida em processo urgente de Intimação (artigos 36° e 110°, n°1 do CPTA) em razão do seu uso inadequado pela Requerente e ora Recorrente;

n) Por esta razão, entende-se que não será possível reorientar a lide como acção impugnatória pelo que não deverá merecer censura a conclusão expendida na sentença recorrida quanto à improcedência do pedido de convolação dos autos em acção administrativa especial;

o) Assim sendo, não existem razões para pôr em causa o acerto do douto aresto recorrido. “

O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II) Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

A) Em 9 de Janeiro de 2014 a requerente celebrou com o STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional um Acordo Colectivo de Entidade Empregadora (ACEEP), com o objectivo de regular diversos aspectos das relações de trabalho dos trabalhadores ao serviço da requerente e filiados na referida associação sindical (fls. 12 a 33 e 48 a 53 dos autos, cujos teores se dão por reproduzidos);

B) Acordo que a requerente entregou, em 19 de Fevereiro de 2014, para depósito na Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público ao abrigo do artº 356º do RCTFP, com vista a posterior publicação e entrada em vigor (fonte mencionada em A);
C) Após algumas diligências instrutórias (fls. 86 a 120 dos autos), veio recair sobre tal pedido decisão expressa de recusa do pretendido depósito, consubstanciada no despacho da Directora-Geral da DGAEP de 11 de Abril de 2014, exarado na Informação nº 464/DRCT/2104, de 11 de Abril da DGAEP (fls. 72 a 84 dos autos, cujos teores se dão por reproduzidos);

D) E que invoca como fundamento o facto de o Acordo não ser acompanhado dos originais dos títulos de representação do STAL e de o Acordo não ter sido outorgado pelo membro do Governo responsável pelas áreas das Finanças e da Administração Pública;

E) Tendo o Acordo Colectivo de Trabalho sido devolvido (fls. 72 dos autos);

F) A decisão de recusa do depósito do ACEEP foi notificada à requerente em 14 de Abril de 2014 (artigos 6º do requerimento inicial e 29º da resposta da entidade requerida);

G) A apresentação do requerimento inicial da intimação foi registada no SITAF em 17 de Junho de 2014.

III) Fundamentação jurídica

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações importa conhecer do mérito do mesmo.

O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias encontra-se regulado nos artigos 109 e segs do CPTA, nos termos do qual “a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no art. 131º”.
O recurso a este meio processual restringe-se às situações que demandem a emissão urgente de uma decisão definitiva, de mérito, no domínio do exercício de um direito, liberdade ou garantia, constituindo seus pressupostos:
- a necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia;
- que o pedido se refira à imposição de uma conduta positiva ou negativa à Administração ou particulares;
- que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma acção administrativa especial ou comum:

Conforme referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha: “ O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso não se revelem aptas a assegurar a protecção efectiva de direitos, liberdades e garantias.”(1)

Considerou a sentença recorrida não se verificar a necessidade da emissão urgente de uma decisão de fundo do processo indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia, o que mereceu a discordância da recorrente.

Para analisar este fundamento de recurso importa recordar o alegado pela ora recorrente no requerimento inicial como fundamento da necessidade da emissão urgente de uma decisão de fundo, tendo a ora recorrente alegado estar em causa o direito à contratação colectiva – previsto no artigo 56º da C.R.P. – bem como a autonomia do poder local, alegação que se considera insuficiente para permitir concluir pela necessidade da emissão urgente de uma decisão de fundo, necessária para um legítimo recurso à presente via processual.

Com efeito, a ora recorrente – conforme se referiu na decisão recorrida – não alegou factos que permitam concluir pela verificação do pressuposto em apreço, não bastando referir que a tutela cautelar consumiria o pedido a formular na acção principal – o que respeita a questão não atinente com o pressuposto em análise – ou que “…a não resolução imediata e definitiva da presente situação levaria a que, agora e no futuro, as partes contratantes ou se submetessem à vontade governamental ou não veriam durante anos os acordos colectivos que decidissem celebrar entrar em vigor e produzir os seus efeitos, o que na prática conduziria à eliminação do conteúdo mínimo do direito fundamental à contratação colectiva e da garantia institucional da autonomia das Autarquias Locais”.

Com efeito, não se retira da alegação da recorrente, globalmente considerada, a necessidade da emissão urgente de uma decisão de fundo, não se podendo concluir que a não emissão da referida decisão cause uma lesão inevitável dos direitos invocados, ou do direito invocado, concretamente o direito de à contratação colectiva dado que, conforme a recorrente não deixa de reconhecer nos autos, a autonomia do poder local não é um direito, liberdade ou garantia.

A posição da recorrente não é de acolher, ao contrário do que parece ser por esta sustentado, não porque o decretamento de uma providência consumiria a pretensão formulada no processo principal, mas sim porque não se vislumbra uma situação que configure a necessidade da emissão urgente de uma decisão de fundo, sendo que o decretamento de uma providência, para além de conter uma ideia de urgência na decisão, própria das decisões que incidem sobre pretensões cautelares, exige também a existência de prejuízos de difícil reparação ou a verificação de uma situação de facto consumado, o que não está em causa nos autos, nos quais apenas se dirime, quanto a este segmento do recurso, a propriedade do meio processual utilizado pela recorrente.

O que seria necessário para que se considerasse legítimo o recurso à presente forma seria a existência de um quadro – necessariamente alegado pela ora recorrente - que apenas uma decisão urgente fosse susceptível de acautelar; ora, no caso presente nem o direito de liberdade sindical nem a autonomia do poder local – que não é um direito, liberdade ou garantia - com os contornos invocados pela requerente legitimam o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pelo que improcede a argumentação aduzida pela recorrente neste segmento de recurso visando a decisão recorrida.
Aqui chegados importa determinar se assiste razão à recorrente quando ataca a decisão recorrida por não ter convolado os presentes autos de intimação em acção administrativa especial, para o que importa determinar o conceito de acto administrativo para concluirmos se o despacho referido no item C) da matéria de facto assente é subsumível ao conceito de acto administrativo impugnável.

Para a definição de “acto administrativo impugnável” importa considerar, desde logo, o enunciado no n.º 4 do art. 268.º da CRP.
Constitui tal norma constitucional uma garantia impositiva, mas não limitativa, porquanto, impõe ao legislador ordinário que respeite a impugnabilidade contenciosa dos actos lesivos, mas dela não decorre que apenas e só tais actos sejam susceptíveis de impugnação junto dos tribunais.
O CPTA, no seu art. 51.º, veio definir, como princípio geral, o que é tido como acto contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na “eficácia externa”, prevendo-se nesse preceito legal que “ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos …” (n.º 1).
Naquela definição mostra-se pressuposto o conceito material de acto administrativo que se mostra enunciado no art. 120.º do CPA devendo entender-se que actos com eficácia externa são os actos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta.

Conforme referem os Autores supra referidos: (2) “Na caracterização como acto administrativo impugnável o acento tónico é, porém, colocado na eficácia externa.
São externos os actos que produzem efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares ou que afectam a situação jurídico-administrativa de uma coisa. Ao que, hoje, se devem acrescentar os actos que se inscrevem no âmbito de relações entre entidades públicas.
Por contraposição, actos internos são aqueles que se inscrevem no âmbito das relações inter-orgânicas ou das relações de hierarquia e que apenas indirectamente se poderão reflectir no ordenamento jurídico geral.”

Retira-se da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 92/VIII:
“No que diz respeito ao regime processual das pretensões dirigidas à anulação ou à declaração de nulidade ou inexistência de actos administrativos, matéria sobre a qual existe amplíssima elaboração jurisprudencial e doutrinal, procurou-se dar expressão ao que hoje parece ser consensual e satisfação às críticas e sugestões recolhidas durante a discussão pública, sempre com a preocupação de não fazer doutrina nem tomar partido em querelas doutrinais.
Neste sentido, procurou-se definir o acto administrativo impugnável tendo presente que ele pode não ser lesivo de direitos e ou interesses legalmente individuais, mas sem deixar, de harmonia com o texto constitucional, de sublinhar o especial relevo que a impugnação de actos administrativos assume neste caso. Por outro lado, deixa de se prever a definitividade como requisito geral de inimpugnabilidade, não exigindo que o acto tenha sido praticado no termo de uma sequência procedimental ou no exercício de uma competência exclusiva para poder ser impugnado.”

Munidos destes considerandos importa descer ao caso concreto, recordando que por despacho proferido pela Directora-Geral da DGAEP de 11 de Abril de 2014, foi indeferida a pretensão da ora recorrente de depósito de Acordo Colectivo de Entidade Empregadora, celebrado entre a recorrente e o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local.

Prescreviam; à data da celebração do Acordo, os artigos 356º e 357º da Lei nº 59/2008, (3) de 11 de Setembro:
Artigo 356.º
Depósito
1 - O acordo colectivo de trabalho, bem como a respectiva revogação, é entregue para depósito, na Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público, nos cinco dias subsequentes à data da assinatura.
2 - O depósito considera-se feito se não for recusado nos 15 dias seguintes à recepção do acordo colectivo de trabalho nos serviços referidos no número anterior.
Artigo 357.º
Recusa de depósito
1 - O depósito dos acordos colectivos de trabalho é recusado:
a) Se não obedecerem ao disposto no artigo 350.º;
b) Se não forem acompanhados dos títulos de representação exigidos no artigo 347.º;
c) Se os sujeitos outorgantes carecerem de capacidade para a sua celebração;
d) Se não tiver decorrido o prazo de 10 meses após a data da entrada em vigor do acordo colectivo de trabalho;
e) Se não for entregue o texto consolidado, no caso de ter havido três revisões.
2 - A decisão de recusa do depósito, com a respectiva fundamentação, é imediatamente notificada às partes e devolvido o respectivo acordo colectivo de trabalho.

Foi recusado o depósito com base no fundamento de o Acordo não ser acompanhado dos originais dos títulos de representação dos STAL e de o mesmo não ter sido outorgado pelo membro do Governo responsável pelas áreas das Finanças e da Administração Pública, acto – de recusa - que impede a publicação do Acordo na 2ª Série do Diário da República e a entrada em vigor do mesmo – cfr. artigo 382º do diploma supra referido.

Face ao supra referido não se pode acompanhar o entendimento perfilhado na sentença recorrida segundo o qual “a decisão de recusa do depósito integra-se na referida categoria de actos da Administração: o depósito é apenas um dos momentos do procedimento de aprovação dos acordos colectivos de trabalho e é uma das formas de intervenção em tal procedimento, a par das outras formas de intervenção dos outros actores que participam no procedimento, cada uma com os seus pressupostos legais e requisitos necessários.”

Com efeito, e tendo presente os considerandos supra tecidos, o despacho proferido em 11 de Abril de 2014, é um acto administrativo – produz, inequivocamente, efeitos externos – põe fim a um procedimento, impedindo que o Acordo Colectivo de Entidade Empregadora Pública seja publicado e entre em vigor, pelo que, nesta estrita medida, assiste razão à Recorrente quando ataca a decisão recorrida por ter considerado que o aludido despacho não corporiza um acto administrativo, o que constituiu fundamento para indeferimento da pretensão de convolação processual peticionada pela recorrente.

Assim concluindo importará determinar se, na esteira do contra–alegado pelo recorrido, existirá algum óbice processual à referida convolação, tendo este agitado a questão da diminuição das garantias de defesa, questão que importa apreciar.

A questão da convolação em diversa forma de processo constitui corolário imediato do princípio pro actione, expresso no artigo 7º do C.P.T.A., de acordo com o qual “para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.”

Prescreve o artigo 193º do C.P.C.:

“Artigo 193º
Erro na forma do processo ou no meio processual
1. O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo aproveitar-se os que forem estritamente necessários para que o próximo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
2. Não devem, porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.”
(…)

No caso em apreço e prosseguindo os termos supra explanados, tendo-se concluído que a decisão do T.A.C. quanto à inadequação do meio processual não merece qualquer reparo mas que deveria ter sido deferida a pretensão de convolação em acção administrativa especial a eventual questão da diminuição das garantias do recorrido resolver-se-á, se assim for entendido, com o não aproveitamento dos actos – ou de alguns dos actos - já praticados se o T.A.C. de Lisboa entender que do aproveitamento dos mesmos resultará uma diminuição das garantias do ora recorrido não fará tal aproveitamento, sem que exista, ao contrário do invocado, um obstáculo inultrapassável à pretendia convolação, que se entende, nos termos já explanados, dever existir.



IV) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e determinando a convolação dos presentes autos em acção administrativa especial.
Sem custas – cfr. alínea c) do nº 2 do artº 4 do Regulamento das Custas Processuais.
Lisboa, 4 de Dezembro de 2014


Nuno Coutinho


Carlos Araújo


Rui Belfo Pereira

1) Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 538
2)“Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, págs. 258 e 259.
3)Revogada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho