Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 11579/14 |
Secção: | CA - 2º. JUÍZO |
Data do Acordão: | 12/04/2014 |
Relator: | NUNO COUTINHO |
Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS; PRESSUPOSTOS; CONVOLAÇÃO |
Sumário: | 1 – O recurso ao meio processual previsto no artigo 109º e seguintes apenas é processualmente admissível quando se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia. 2 – Não se verificando os pressupostos que legitimam o recurso ao referido meio processual, nem seja invocada situação de facto que sustente o decretamento de providência cautelar, podem os autos ser convolados em acção administrativa especial. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório União de Freguesias de Castro Verde e Casével requereu contra a Direcção Geral da Administração e do Emprego Público e o Ministério das Finanças intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo peticionado a intimação das requeridas a aceitar e efectuar o depósito do Acordo Colectivo de Entidade Empregadora Pública celebrado entre a ora recorrente e o STAL, promovendo em seguida a sua imediata publicação em Diário da República, nos termos do artigo 382º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, tendo, igualmente, formulado pedido subsidiário, caso fosse entendido não estarem reunidos os pressupostos para o decretamento da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, no sentido de ser declarada nula ou anulada a decisão das entidades demandadas que procedeu à recusa do depósito do Acordo Colectivo de Entidade Pública Empregadora assinado entre o ora recorrente e o referido Sindicato, tendo formulado pedido de condenação das demandadas a efectuarem o depósito do referido acordo e promover a sua publicação em conformidade com o prescrito no artigo 382º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas. Por decisão proferida em 3 de Setembro de 2014, o T.A.C. de Lisboa absolveu da instância a entidade requerida, tendo indeferido a pretensão de convolação da intimação para acção administrativa especial. Inconformado com o decidido, o requerente recorreu para este TCA Sul, tendo formulado as seguintes conclusões: 1º Salvo o devido respeito, o aresto em recurso começa por enfermar em claro e grosseiro erro de julgamento ao não convolar a presente Intimação numa acção administrativa especial - tal como lhe havia sido peticionado a título subsidiário com o argumento de que o acto de recusa do depósito do acordo colectivo pela DGAEP não era um acto administrativo e se inseria antes no quadro de uma relação paritária. Na verdade, 2º Mesmo que por hipótese não estivessem preenchidos os pressupostos exigidos pelo art° 109° para o recurso ao meio processual nele previsto, sempre se estaria perante um erro no meio processual utilizado, determinando o princípio pro actione - subjacente aos direitos de acesso à justiça e à tutela judicial efectiva - e o disposto no art° 193º do CPC - aplicável subsidiariamente ex vi do art° 1º do CPTA -, a convolação da intimação numa acção especial, sendo claramente errado que o Tribunal a quo não tenha procedido a uma correcção do meio processual com o argumento de que a decisão em causa não era um acto administrativo. Com efeito. 3° Por força do disposto nos art°s 356° e 382° do RCTFP (à data em vigor), os acordos colectivos de trabalho têm de ser depositados na DGAEP, a quem compete após o depósito proceder à sua publicação em Diário da República, de forma a que aquele acordo entre em vigor. 4º Consequentemente, é claramente errado sustentar-se que a decisão que recusou o depósito de um acordo colectivo e, por essa via, o impede de ser publicado e entrar em vigor não é um acto administrativo e se insere antes numa relação paritária, antes nos parecendo ser bem notório que se está perante uma decisão proferida por um organismo público ao abrigo de normas de direito administrativo (v. art°s 356° e 382° do RCTFP), que produz efeitos num caso concreto (impedindo a publicação e entrada em vigor desse mesmo acordo colectivo), os quais são lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos das partes que o outorgaram, pelo que se está inquestionavelmente perante um acto administrativo passível de impugnação judicial ex vi do disposto no art° 120º do CPA e 50° do CPTA. Acresce que, 5º Mesmo que por hipótese se estivesse no quadro de uma relação paritária - como erradamente entendeu o Tribunal a quo -, sempre seria inquestionável que havia um erro na forma e meio processual empregue, pelo que, por força do princípio pro actione e do disposto no art° 193° do CPC, estava o juiz a quo oficiosamente vinculado a mandar seguir a forma e meio processual correcto, pelo que teria de convolar a intimação numa acção administrativa comum e não dar por findo o processo com base num argumento exclusivamente formal, pelo que sempre seria notório o erro de julgamento e a violação daquele princípio e artigo. Por ouro lado, 6° O aresto em recurso incorreu igualmente em erro de julgamento quando entendeu que no caso sub judice não estavam preenchidos os pressupostos a que alude o art° 109° do CPTA com o argumento que uma medida cautelar seria suficiente para assegurar a protecção dos direitos envolvidos, pois, para além de ser caricato que, então, o Tribunal a quo se tenha abstido de decretar a providência cautelar antecipatória que asseguraria a tutela dos direitos em crise - e à face do n° 3 do art° 120° do CPTA o tribunal a quo nem sequer estava vinculado ao que nessa matéria lhe fosse requerido - ,a verdade é que o decretamento da tutela cautelar consumiria o pedido a formular na acção principal — o que denota a impossibilidade de se recorrer a tal tutela (v., neste sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 541) — e deixaria num limbo de incerteza não só direitos que, pela sua importância no quadro constitucional, não podem permanecer incertos, mas também a própria carga horária que os trabalhadores da União de Freguesias teriam de prestar durante todos os anos que mediassem até à decisão da acção principal.” Contra-alegou o Recorrido, formulando as seguintes conclusões: “a) A douta sentença recorrida fez uma correta aplicação da lei ao decidir, como decidiu, que não se encontravam preenchidos in casu os pressupostos da admissibilidade do meio processual de Intimação requerido; b) Com efeito, a urgência de uma decisão de mérito definitiva deve ser aferida em função da irreversibilidade da situação invocada e também do facto de não estar causa a tutela do direito fundamental em si, mas uma iminente impossibilidade no seu exercício, pois a tutela contra actos ou condutas que possam lesar direitos, liberdades e garantias é diversificada e abrangente no âmbito do CPTA, sendo o meio processual de intimação especialmente reservado para os casos em que se pretende assegurar o seu exercício em tempo útil; c) Ou seja, sobre a Requerente recaía um especial ónus de alegação e prova do invocado perigo iminente para o exercício dos direitos de liberdade sindical e da autonomia das autarquias locais; d) Todavia, como bem evidenciou o douto aresto em crise, no caso subjudice não foi demonstrada e justificada pela Requerente a especial urgência da intimação decorrente da iminente impossibilidade na execução, em tempo útil, dos direitos que aquela pretende fazer valer nos autos; e) Até porque a Requerente não teve qualquer problema em “aguardar” mais de três meses sobre a notificação da decisão de recusa do depósito do ACEEP para vir agora reagir contra o mesmo sem que, qualquer facto superveniente - que não foi sequer invocado - justifique a agora invocada urgência ou a iminente necessidade na obtenção de decisão de mérito definitivo f) Além disso, não deixa de ser contraditório que a ora Recorrente pretenda agora alcançar uma tutela cautelar que nunca peticionou no seu requerimento quando assume que a concessão de providência cautelar antecipatória nunca resolveria definitivamente a questão de fundo dos presentes autos, deixando, segunda a mesma, o exercício dos direitos e deveres das partes e dos próprios trabalhadores da União de Freguesias, estes últimos relativamente ao número de horas diárias e semanais que devem ser cumpridas, num “limbo de incerteza” até à decisão da acção principal impugnatória; g) De resto, tais considerandos são igualmente contraditórios com a alegação da Recorrente segunda a qual a mera satisfação do pedido cautelar, ainda que a título provisório e precário, esvaziaria e mesmo inutilizaria o pedido condenatório a deduzir na acção principal; h) Assim como nada é alegado nem resulta demonstrado que, a existir a intervenção do membro do Governo responsável pelas área das finanças e da Administração Pública, a sua presença nas negociações obstasse a que o ACEEP tivesse sido celebrado nos exactos termos em que o foi; i) É que a alegada impossibilidade de exercício do direito à liberdade sindical e da autonomia do poder local apenas poderia ser apreciada perante uma actuação restritiva por parte do Requerido na negociação deste ACEEP, circunstância que não foi de resto nem alegada nem concretizada; j) Ora, face à situação retratada não se descortina por que é que a tutela dos direitos e princípios invocados pela Recorrente não pode ser acautelada com recurso a uma acção administrativa especial de condenação à prática do ato devido, complementada, eventualmente, com um pedido de adopção de providencia cautelar de natureza antecipatória, com ou sem decretamento provisório, respectivamente nos termos dos artigos 112° e 120º n°1 alínea a) e c) e 131° do CPTA; k) Acresce referir que a tutela provisória a assegurar por via de uma hipotética providência cautelar antecipatória para a adopção de conduta positiva, não inutiliza o pedido condenatório a deduzir em sede de acção principal, já que seria no processo principal que a Recorrente poderia obter a tutela final do direito que pretende fazer valer, ou seja, um juízo definitivo sobre o litígio; 1) Deste modo, bem andou, pois, o douto Tribunal a quo ao decidir, como decidiu, a final, no sentido de que não estavam reunidos todos dos pressupostos legais exigidos no artigo 109° do CPTA para o decretamento da intimação requerida; m) Por outro lado, o erro no meio processual usado redunda em redução clara das garantias do aqui Demandado, no que respeita ao exercício do contraditório, quando o mesmo teria disposto de meios de defesa, designadamente, prazos, substancialmente mais amplos no processo comum (artigo 81° n°1 do CPTA) dos que aqueles que lhe foram proporcionados na pronúncia emitida em processo urgente de Intimação (artigos 36° e 110°, n°1 do CPTA) em razão do seu uso inadequado pela Requerente e ora Recorrente; n) Por esta razão, entende-se que não será possível reorientar a lide como acção impugnatória pelo que não deverá merecer censura a conclusão expendida na sentença recorrida quanto à improcedência do pedido de convolação dos autos em acção administrativa especial; o) Assim sendo, não existem razões para pôr em causa o acerto do douto aresto recorrido. “ O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. II) Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
Foi recusado o depósito com base no fundamento de o Acordo não ser acompanhado dos originais dos títulos de representação dos STAL e de o mesmo não ter sido outorgado pelo membro do Governo responsável pelas áreas das Finanças e da Administração Pública, acto – de recusa - que impede a publicação do Acordo na 2ª Série do Diário da República e a entrada em vigor do mesmo – cfr. artigo 382º do diploma supra referido. Face ao supra referido não se pode acompanhar o entendimento perfilhado na sentença recorrida segundo o qual “a decisão de recusa do depósito integra-se na referida categoria de actos da Administração: o depósito é apenas um dos momentos do procedimento de aprovação dos acordos colectivos de trabalho e é uma das formas de intervenção em tal procedimento, a par das outras formas de intervenção dos outros actores que participam no procedimento, cada uma com os seus pressupostos legais e requisitos necessários.” Com efeito, e tendo presente os considerandos supra tecidos, o despacho proferido em 11 de Abril de 2014, é um acto administrativo – produz, inequivocamente, efeitos externos – põe fim a um procedimento, impedindo que o Acordo Colectivo de Entidade Empregadora Pública seja publicado e entre em vigor, pelo que, nesta estrita medida, assiste razão à Recorrente quando ataca a decisão recorrida por ter considerado que o aludido despacho não corporiza um acto administrativo, o que constituiu fundamento para indeferimento da pretensão de convolação processual peticionada pela recorrente. Assim concluindo importará determinar se, na esteira do contra–alegado pelo recorrido, existirá algum óbice processual à referida convolação, tendo este agitado a questão da diminuição das garantias de defesa, questão que importa apreciar. A questão da convolação em diversa forma de processo constitui corolário imediato do princípio pro actione, expresso no artigo 7º do C.P.T.A., de acordo com o qual “para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.” Prescreve o artigo 193º do C.P.C.: “Artigo 193º 1. O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo aproveitar-se os que forem estritamente necessários para que o próximo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.Erro na forma do processo ou no meio processual 2. Não devem, porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.” (…) No caso em apreço e prosseguindo os termos supra explanados, tendo-se concluído que a decisão do T.A.C. quanto à inadequação do meio processual não merece qualquer reparo mas que deveria ter sido deferida a pretensão de convolação em acção administrativa especial a eventual questão da diminuição das garantias do recorrido resolver-se-á, se assim for entendido, com o não aproveitamento dos actos – ou de alguns dos actos - já praticados se o T.A.C. de Lisboa entender que do aproveitamento dos mesmos resultará uma diminuição das garantias do ora recorrido não fará tal aproveitamento, sem que exista, ao contrário do invocado, um obstáculo inultrapassável à pretendia convolação, que se entende, nos termos já explanados, dever existir. IV) Decisão Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e determinando a convolação dos presentes autos em acção administrativa especial. Sem custas – cfr. alínea c) do nº 2 do artº 4 do Regulamento das Custas Processuais. Lisboa, 4 de Dezembro de 2014 Nuno Coutinho Carlos Araújo Rui Belfo Pereira 1) Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 538 2)“Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, págs. 258 e 259. 3)Revogada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho |