Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:567/04.4BELSB-A
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
PRAZO DE EXECUÇÃO ESPONTÂNEA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
JUROS DE MORA
Sumário:I. Quando a execução do julgado anulatório se consubstancia no pagamento de uma quantia certa, é de aplicar o prazo previsto no art.º 175.º, n.º 3, do CPTA, ainda que haja atos a praticar pela executada com vista à efetivação do pagamento.
II. O art.º 43.º, n.º 5, da LGT, admite a cumulação de juros de mora e juros indemnizatórios, atenta a distinta natureza que lhes está inerente
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Recorrente ou executada ou AT) veio apresentar recurso da decisão proferida a 11.05.2016, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e parcialmente procedente o pedido de execução de julgado.

Nas alegações apresentadas, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

“a) O presente recurso vem interposto contra a sentença de 11/05/2016, proferida em sede de execução de julgado da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que a mesma, no ponto II) do seu segmento decisório, determina o seguinte: "Procedente o pedido de pagamento de juros de mora, calculados sobre o montante de € 74.713,72, contados desde o termo do prazo para a execução espontânea (29/ 04/2013) até à data da emissão da nota de crédito (10/01/2014), a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas; lll. julgo procedente o pedido de juros indemnizatórios sobre o montante de € 38.059,93, contados desde a data do pagamento indevido (22/ 12/2003) até à emissão da nota de crédito (10/10/2013); IV. julgo procedente o pedido de juros de mora, calculados sobre o montante de € 38.059,93, contados desde o termo do prazo para a execução espontânea (29/04/20 13) até à data da emissão da nota de crédito (10/10/2013), a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas;

b) Na pendência do julgado, a AT efectuou o pagamento de juros indemnizatórios no montante de € 30.073,81, pelo período contínuo de 22/ 12/2003 a 10/01/ 2014.

c) A decisão incorre em erro de direito ao fixar o prazo de execução espontânea em 30 dias.

d) O prazo de execução espontânea da decisão em causa não se enquadra no n.º 3 do artigo 175.º CPTA, mas sim o seu n.º 1 (i.e., três meses), porquanto a execução do julgado não se reconduz ao mero pagamento de uma quantia pecuniária, que desde logo se mostre certa e líquida, mas antes à prática de atos administrativos.

e) O cumprimento do dever de executar uma decisão judicial que anule esse ato administrativo passa pela necessária constituição da administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato em causa não tivesse sido praticado (artigo 173.º CPTA).

f) A AT não se conforma com a sentença na parte sob recurso por considerar que a entidade ora Recorrida já está plenamente ressarcida quanto aos juros devidos pelo retardamento na restituição do imposto anulado, quer no período que antecedeu o prazo legal para execução espontânea do julgado, quer no período subsequente que terminou com a emissão da nota de crédito, sendo seu entendimento que relativamente ao mesmo período de tempo, não são devidos juros de mora, ou que o seu cômputo inicial nunca se poderá fixar em 29/04/2013 mas sim em 22/07/2013, sendo que após essa data apenas e só serão devidos juros moratórios e não indemnizatórios.

g) A questão decidenda é uma questão de direito, mais concretamente a de saber qual o termo inicial de cálculo dos juros de mora previstos no art. 43º da LGT quando a AT não cumpre espontaneamente o julgado no prazo expressamente previsto para o efeito, constituindo-se em mora nos termos do nº 2 do art. 102º da LGT.

h) A jurisprudência do STA que tem vindo a pronunciar -se, uniformem ente, no sentido de que não há cumulação de juros indemnizatórios e juros de mora relativamente ao mesmo período temporal por não se poder justificar uma dupla compensação pela mesma privação de disponibilidade da quantia indevidamente paga (por ex. os acórdão de 19/12//2001, recurso nº 26608, de 20/10/2004, recurso nº 338/04, de 02/05/2007, recurso nº 9/7, de 02/03/2011, no processo nº 0880/11),

i) Mais concretamente que "em virtude da liquidação ilegal são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórias nos termos do art. 102.º, n.º 2”, conforme acórdão de 02/07/2008, no processo nº 0303/08, e acórdão de 17/06/2009, no processo nº 0447/07, nos quais se remete para o autor Lima Guerreiro, na sua Lei Geral Tributária anotada, Editora Rei dos Livros, páginas 420-421.

j) Ambos os juros partilham a mesma natureza indemnizatória, o que resulta da jurisprudência e da doutrina anteriores à redacção do nº 5 do art. 43.º da LGT introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12 (OE 2012), a propósito quer da taxa de juros de mora, ao concluir que seria a taxa prevista para os juros indemnizatórios, quer a propósito da não cumulação de juros de mora e juros indemnizatórios no mesmo período temporal sob pena de duplicação injustificada de reparação do mesmo prejuízo.

k) Sendo pacífico na jurisprudência que a "a taxa dos juros moratórias a favor do contribuinte é a taxa de juros legal de 4% ao ano", conforme entendimento sufragado pelo STA no acórdão de 31/01/2008, no processo nº 0839/07, e acórdão de 02/07/ 2008, no processo nº 0303/08, sendo aquela função reparadora concretizada, nas duas espécies de juros, através da mesma taxa de juros legais, fixada ao abrigo do art. 559º do Código Civil.

l) Quanto aos respectivos períodos de retardamento, pronunciou-se o STA, considerando que "em virtude da liquidação ilegal são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórias nos termos do art. 102.º, n.º 2", conforme acórdão de 02/07/2008, no processo nº 0303/08, e acórdão de 17/06/2009, no processo nº 0447/07, nos quais se remete para o autor Lima Guerreiro, na sua Lei Geral Tributária anotada, Editora Rei dos Livros, páginas 420-421.

m) Daquelas teses resulta, em síntese, que existindo incumprimento da execução espontânea do julgado e havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, aos respectivos períodos de retardamento aplica-se a mesma taxa legal de 4% ao ano, inexistindo cumulação de juros indemnizatórios e juros de mora relativamente ao mesmo período temporal.

n) Com o aditamento daquele nº 5 o legislador passou a dispor expressamente sobre qual a taxa dos juros de mora previstos no nº 2 do art. 102º da LGT, mais concretamente que "são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas ".

o) Alcançou-se, deste modo, uma igualdade de tratamento entre os juros de mora devidos ao contribuinte e os juros de mora devidos ao Estado, conforme resulta da redacção do nº 3 do art. 44º da LGT introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12.

p) A entender-se de outro modo, o legislador teria acolhido uma solução legislativa manifestamente desproporcional e destituída de qualquer justificação razoável.

q) Juros indemnizatórios e juros moratórias a favor do contribuinte são, portanto, duas realidades jurídicas afins que têm um regime semelhante e desempenham a mesma função logo não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo.

Nos termos do supra exposto, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando a sentença recorrida na parte em que a mesma condena a AT ao pagamento de juros de mora, a partir de 29/04/2013 até a data da emissão da nota de crédito, a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dividas ao Estado e outras entidades públicas”.

D….. – S….., SA (doravante Recorrida ou Exequente) apresentou contra-alegações, tendo concluído nos seguintes termos:

“A) O presente recurso vem interposto, pela Fazenda Pública, da sentença proferida no âmbito do processo n.º 567/04.4BELSB-A, deduzido para a execução de julgado da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa de Lisboa, no processo de impugnação judicial n.º 567/04.4BELSB;

B) Nas suas alegações de recurso a Fazenda Pública defende que a sentença proferida pelo Tribunal a quo incorre em erro de julgamento quanto à matéria de direito.

C) Para justificar a sua posição a Fazenda Pública invoca que a execução espontânea da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo de impugnação judicial, não se reconduzia ao mero pagamento de uma quantia pecuniária, mas antes na prática de um acto administrativo, pois o cumprimento do dever de executar uma decisão judicial compreende a necessária reconstituição da situação que existiria se o acto em causa não fosse praticando - reconstituição essa que não se compagina com o mero pagamento de uma quantia pecuniária.

D) Com base nesta sua argumentação considera que a execução espontânea da referida sentença judicial ocorreu em 22/07/2013, e não em 29/04/2013, por entender ser aplicável o prazo de três meses previsto no artigo 175.º, n.º 1 do CPTA.

E) Para além disso, refere, também, que os juros indemnizatórios e os juros moratórias a favor do contribuinte são duas realidades jurídicas afins e que, por desempenharem a mesma função, não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo.

F) Dos fundamentos aduzidos pela Digna Representante da Fazenda Pública, são duas as questões que integram o objecto do presente recurso: i) a definição do prazo de execução espontânea que deve ser aplicado à sentença proferida em sede de impugnação judicial e; ii) se para o mesmo período temporal poderá haver cumulação de juros de mora e juros indemnizatórios;

G) Resulta da sentença proferida no âmbito do processo de impugnação judicial, que a Autoridade Tributária foi condenada na restituição da quantia paga pela ora Recorrida a título de liquidação adicional de IRC e no pagamento de juros indemnizatórios, bem como no pagamento das custas de parte;

H) Desta forma, a execução da referida sentença consiste, logicamente, no pagamento de uma quantia pecuniária, pelo que nos termos do artigo 160.º, n.º 1 e 175.º, n.º 3 do CPTA, aplicáveis ex vi pelo artigo 146.º, n.º 1 do CPPT, o prazo para a execução espontânea da sentença é de 30 dias, tendo o seu terminus ocorrido em 29/04/2013 - como foi de resto decidido na sentença proferida pelo tribunal a quo,

I) Pelo que, nesta parte, não merece qualquer censura a sentença do Tribunal a quo.

J) No que concerne à alegada impossibilidade de cumulação, sobre o mesmo período temporal, de juros de mora e juros indemnizatórios, importa esclarecer que não assiste razão à Autoridade Tributária.

K) O artigo 100.º da LGT "A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei. "

L) A propósito da atribuição de juros indemnizatórios o n.º 1 do artigo 43.º da LGT dispõe que: "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

M) Por seu turno, o artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, sob a epígrafe "Juros lndemnizatórios" prevê que: "Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos. "

N) No caso em apreço a Autoridade Tributária não questionou a legalidade da atribuição dos juros indemnizatórios, mas, apenas a sua cumulação com os juros de mora.

O) Sobre a atribuição de juros de mora dispõe o n.º 2 do artigo 102.º da LGT que "em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea''.

P) Por sua vez com o aditamento do n.º 5 do artigo artigo 43.º da LGT, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, passou a prever-se que "No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora de fim da na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.

Q) Da interpretação sistemática deste conjunto de preceitos resulta invariavelmente que, com as alterações introduzidas pelo legislador através da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, os juros moratórias em dobro e os juros indemnizatórios são cumuláveis.

R) Com efeito, resulta da leitura do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, conjugada com a dos artigos 100.º e 102.º, n.º 2, ambos da LGT e com o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, que os juros de mora em dobro e os juros indemnizatórios passaram a ser cumuláveis desde o termo final do prazo estabelecido por lei para a execução voluntária das sentenças dos tribunais tributários até à emissão da respectiva nota de crédito (Neste sentido, veja-se DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.º

S) Sobre esta questão já se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 18/02/2016, proferido no âmbito do Processo n.º 09163/15, tendo concluído pela admissibilidade de cumulação dos juros de mora e dos juros indemnizatórios.

T) Face ao exposto, deverá o recurso apresentado pela Fazenda Pública, ser julgado totalmente improcedente. O que desde já se requer”.

O recurso foi admitido, com subida imediata e efeito suspensivo.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público foi notificado dos termos do art.º 146.º do CPTA, considerando não ser de emitir parecer, atento o âmbito constante da mencionada disposição legal.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, ex vi art.º 279.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, no tocante à definição do termo inicial de contagem do prazo a partir do qual são devidos juros indemnizatórios?

b) Há erro de julgamento, na medida em que não são aplicáveis juros indemnizatórios e juros de mora cumulativamente?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 22/12/2003, a Exequente procedeu ao pagamento da liquidação adicional de IRC n.º …..940, do ano de 1999, datada de 19/11/2003, no valor total de € 112 773,65, sendo € 87 341,67 a título de IRC e € 25 431,98 a título de juros compensatórios – cfr. fls. 25 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

B) Em 30/03/2004, a Exequente procedeu ao pagamento da taxa de justiça no valor de € 578,50, no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 567/04.4BELSB – cfr. fls. 274 do processo de impugnação apenso;

C) Em 30/03/2004, a Exequente apresentou impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC, identificada em A), a qual correu termos neste Tribunal sob o n.º 567/04.4BELSB – cfr. fls. 2 e 3 do processo de impugnação apenso;

D) Em 13/01/2015, foi proferido despacho de revogação parcial do ato tributário de IRC do ano de 1999, mantendo-se a liquidação adicional de IRC, do ano de 1999, pela quantia de € 59 085,00 a título de imposto e € 15 628,72 respeitante a juros compensatórios, perfazendo o total de € 74 713,72 – cfr. teor do ofício de fls. 290, informação de fls. 313 a 319, parecer e despacho de fls. 320, todos do processo administrativo apenso ao processo de impugnação;

E) Em 27/02/2013, foi proferida sentença no processo de impugnação judicial mencionado em B), de cujo teor resulta o seguinte: “A impugnante invoca a caducidade do direito à liquidação, relativo aos pagamentos ocorridos nos meses de Janeiro a Novembro de 1999 (…).

Resulta do probatório que foi proferido despacho de revogação parcial do acto impugnado, em 13/01/2005, considerando que «apenas se encontram caducados os montantes liquidados até ao mês de Agosto de 2003, inclusive, sendo exigíveis os montantes liquidados nos meses de Setembro a Dezembro do mesmo ano.». Pelo que, relativamente a esta parte revogada pela Administração Tributária, declaro a inutilidade superveniente da lide (…) prosseguindo os autos de impugnação quanto ao restante, designadamente a liquidação adicional respeitante às correcções relativas aos restantes pagamentos efectuados nos meses de Setembro a Dezembro, no ano de 1999.

(…)

4 – Direito a juros indemnizatórios

(…)

Resulta do probatório que, a Impugnante pagou a liquidação adicional (cfr. facto P) pelo que, tem direito à restituição daquilo que pagou.

(…)

Pelo exposto, concluo que são devidos juros indemnizatórios, por erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT. Os juros serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido (em 22/12/2003) até à data da emissão da respectiva nota de crédito, por aplicação do artigo 61.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (…).

(…)

V – DECISÃO

Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (artigo 287.º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC) aplicável por força do artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) relativamente ao montante de €38 059,93 (=112 773,65 - €74.713,72 (cfr. facto Q) e procedente no demais.

Custas pela Fazenda Pública.. (…)” – cfr. fls. 319 a 335 do processo de impugnação apenso;

F) A sentença referida em E) foi comunicada à Impugnante, por ofício de 28/02/2013, enviado por carta postal através de correio registado – cfr. fls. 338 do processo de impugnação apenso;

G) A sentença referida em E) foi comunicada à Representante da Fazenda Pública, por ofício de 28/02/2013, enviado por carta postal através de correio registado – cfr. fls. 339 do processo de impugnação apenso;

H) Em 19/03/2013, a Exequente requereu no processo de impugnação referido em B) o reembolso do montante de € 1 157,00, a título de custas de parte, tendo apresentado nota justificativa e discriminativa – cfr. fls. 341 a 347 do processo de impugnação apenso;

I) Em 10/10/2013, a Autoridade Tributária procedeu à emissão da nota de crédito no montante de € 38 059,93, com data de transferência de 16/10/2013 – cfr. fls. 34 dos autos;

J) Em 10/01/2014, foi emitido uma nota de reembolso – liquidação n.º …..940, tendo a Autoridade Tributária procedido à restituição do montante de € 74 713,72 – cfr. fls. 48 e 49 dos autos;

K) Em 16/01/2014, foi emitida uma nota de reembolso – liquidação n.º …...344, no montante de € 30 073,81, a título de juros indemnizatórios calculados sobre o valor de € 74 713,72, no período de 22/12/2003 a 10/01/2014 à taxa de 4%, o qual foi pago por cheque de 16/01/2014 – cfr. fls. 50 e 51;

L) Em 28/10/2013, foi apresentada a presente execução – cfr. fls. 2 e 3 dos autos”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento relativamente ao dies a quo

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, ao fixar o prazo de execução espontânea em 30 dias, porquanto, na sua perspetiva, in casu não é de aplicar o disposto no n.º 3 do art.º 175.º do CPTA, mas sim o seu n.º 1, dado que a execução de julgado não se reconduz ao mero pagamento de quantia pecuniária, mas antes à prática de atos administrativos.

Vejamos.

Atento o disposto no art.º 100.º da LGT, “[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

Assim, havendo anulação de ato tributário está a AT obrigada à reconstituição da situação atual e hipotética, por forma a reconstituir na esfera do administrado a situação que o mesmo teria se o ato ilegal não tivesse sido praticado.

A este respeito, há que atentar no disposto no art.º 102.º, n.º 1, da LGT, segundo o qual se aplicam as normas do CPTA, ao nível das execuções de sentenças, bem como no já mencionado art.º 100.º da LGT e no art.º 1.º do CPPT, que determina a prevalência das normas da LGT sobre as daquele código.

Por seu turno, o art.º 175.º do CPTA, na redação anterior à que lhe foi dada pelo DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, definia o prazo de três meses para cumprimento do dever de executar, por parte da Administração, no caso de julgado anulatório. Para o caso de pagamento de quantia certa estava previsto, no n.º 1 do art.º 170.º do CPTA, o prazo de 30 dias. Da mesma forma previa o n.º 3 do já mencionado art.º 175.º que, “quando a execução da sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária, não é invocável a existência de causa legítima de inexecução e o pagamento deve ser realizado no prazo de 30 dias”.

Ambos os prazos são contados nos termos constantes do Código do Procedimento Administrativo (CPA – cfr. art.º 87.º).

Traçado este quadro, a questão que cumpre, em primeiro lugar, dirimir prende-se com a determinação do prazo a aplicar: se o prazo de 3 meses, se o prazo de 30 dias.

Desde já se adiante que se acompanha o entendimento do Tribunal a quo.

Explicitando.

Para determinar qual dos prazos a aplicar, há que atentar, naturalmente e em primeiro lugar, aos termos da decisão a executar.

Assim, como resulta do segmento decisório da sentença exequenda [cfr. facto E)], foi julgada extinta a instância, quanto à parte da liquidação objeto de revogação, no valor de 38.059,93 Eur., e julgada procedente a impugnação quanto ao demais (74.713,72 Eur.).

Desde segmento decisório, resulta especificamente computado o valor a restituir.

Ou seja, estamos perante uma situação em que, do julgado anulatório, resulta que a sua execução se consubstancia no pagamento de uma quantia certa.

Invoca a Recorrente, como já referimos, que a execução deste julgado comporta a prática de atos administrativos, pelo que não se pode configurar como um pagamento de quantia certa.

Não acompanhamos, no entanto, esse entendimento.

Não se ignora, naturalmente, que, para efeitos de execução do julgado, tenham de ser levados a cabo pela executada atos com vista à efetivação do pagamento. Não obstante trata-se de atos de execução material, inerentes à própria devolução do valor em causa (1). Uma interpretação em sentido distinto conduziria a uma impossibilidade de aplicação do prazo previsto no n.º 3 do art.º 175.º do CPTA, o que não foi pretendido pelo legislador (2).

Aliás, sublinhe-se, em termos de decisão judicial a proferir para efeitos de execução de julgado anulatório, caso a AT não tivesse restituído espontaneamente o valor do imposto pago, a mesma seria no sentido da condenação à restituição da quantia em causa, não havendo que determinar os concretos atos a praticar, como sucede nas situações subsumíveis ao n.º 1 do art.º 175.º do CPTA(3).

Assim, é de considerar o prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado da sentença exequenda, prazo que, in casu, tal como referido pelo Tribunal a quo, terminou a 29.04.2013.

Como tal, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento atinente à cumulação de juros indemnizatórios e juros moratórios

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao considerar cumuláveis os juros de mora com os juros indemnizatórios, porquanto, em seu entender, tal cumulação não é admissível, atenta a natureza indemnizatória de ambos os juros. Considera ainda que um entendimento em sentido diverso implicaria que o legislador tivesse acolhido uma solução legislativa manifestamente desproporcional e destituída de qualquer justificação razoável, decorrendo ainda das suas alegações que tal consubstanciaria uma solução inconstitucional por violação do princípio da igualdade.

Vejamos.

Em situações como a dos autos, nas quais se entendeu existir uma situação de erro imputável aos serviços, a reconstituição da situação atual e hipotética passa, desde logo, pela restituição do valor pago, o que, in casu, já ocorreu.

Não obstante, essa reconstituição não se queda pela simples devolução, em singelo, do valor pago. Aliás, nem outra solução seria defensável, porquanto o administrado vê-se, durante um período de tempo mais ou menos longo, privado de uma quantia pecuniária que despendeu no pagamento de uma liquidação ilegal, pelo que sempre teria de ser de alguma forma ressarcido por essa privação. Trata-se de um reflexo do desiderato constitucionalmente consagrado nos termos do qual “[o] Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem” (cfr. art.º 22.º da Constituição da República Portuguesa – CRP).

É neste seguimento que é de considerar o regime atinente aos juros indemnizatórios.

Assim, nos termos do art.º 43.º da LGT, na redação então vigente:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. (…)

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.

Por seu turno, o art.º 61.º do CPPT consagra que:

“1 - O direito aos juros indemnizatórios é reconhecido pelas seguintes entidades:

a) Pela entidade competente para a decisão de reclamação graciosa, quando o fundamento for erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido;

b) Pela entidade que determina a restituição oficiosa dos tributos, quando não seja cumprido o prazo legal de restituição;

c) Pela entidade que procede ao processamento da nota de crédito, quando o fundamento for o atraso naquele processamento;

d) Pela entidade competente para a decisão sobre o pedido de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, quando não seja cumprido o prazo legal de revisão do ato tributário.

2 - Em caso de anulação judicial do ato tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.

3 - Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respetivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo.

4 - Se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea.

5 - Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos…”.

Portanto, para que haja direito a juros indemnizatórios, é necessário, antes de mais, que, atendendo ao disposto no art.º 43.º da LGT, se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a “falta do próprio serviço, globalmente considerado” (4).

A ratio subjacente a esta previsão consubstancia-se na imputabilidade do erro aos serviços, como reflexo da não atuação em conformidade com a lei, ao arrepio, desde logo, do disposto no art.º 266.º, n.ºs 1 e 2, da CRP (cfr. igualmente o art.º 55.º da LGT) (5).

Por outro lado, há que considerar a redação do n.º 5 do art.º 43.º da LGT, atinente aos juros de mora.

Sobre esta questão, é de chamar à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.06.2017 (Processo: 0279/17), proferido no âmbito de recurso para uniformização de jurisprudência, no qual, em síntese, se considerou admissível a cumulação de juros indemnizatórios e juros moratórios, atento disposto no n.º 5 do art.º 43.º da LGT, que implicou a existência de uma distinta natureza entre os dois tipos de juros. Extrai-se da fundamentação deste Acórdão designadamente:

“[E]ste inciso legal [art.º 43º, n.º 5 da LGT] veio impor uma sanção à AT no caso de ter que devolver, na sequência de decisão judicial transitada em julgado, quantias respeitantes a impostos cuja liquidação não era devida, se o não fizer até ao termo do prazo de execução espontânea de tal decisão judicial. // E a sanção é precisamente o pagamento de juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. // Tal como anteriormente, e pelas mesmas razões, também agora se deve considerar que sendo devidos pela AT juros indemnizatórios respeitantes a imposto indevidamente pago, cfr. artigo 100º () e 43º, n.º 1 (), ambos da LGT e artigo 61º, n.º 5 () do CPPT, tais juros destinam-se a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária (…). // E igualmente, os juros de mora, quando devidos, cfr. artigo 102º, n.º 2 () da LGT, têm como função, também uma função indemnizatória (…). //O disposto no artigo 43º, n.º 5, bem como o disposto no artigo 44º, n.º 3 (), ambos introduzidos pela referida LOE para 2012, tiveram unicamente como objectivo exercer pressão sobre os devedores para que solvam rapidamente as suas obrigações. Na verdade, não se encontra na previsão de tais preceitos qualquer fundamento ressarcitório ou indemnizatório. // Como já vimos, o contribuinte é ressarcido –relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossado do imposto pago e não devido- por via dos juros indemnizatórios ou moratórios, a administração tributária é ressarcida –relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossada do imposto devido- por via dos juros compensatórios (…) e por via dos juros moratórios (…) // Ou seja, o legislador ao elevar para o dobro a taxa dos juros de mora devidos pelo contribuinte, nos termos do artigo 44º, n.º 3 e ao instituir a obrigação do pagamento de juros de mora, a favor do contribuinte, a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, cfr. artigo 43º, n.º 5, sendo que incluiu tal obrigação de pagamento de juros de mora no preceito legal que dispõe sobre os juros indemnizatórios também a favor do contribuir, não pretendeu, claramente, estabelecer um regime legal em que os juros indemnizatórios e moratórios fossem alternativos ou que mutuamente se excluíssem. // Antes pretendeu instituir uma sanção para as situações de incumprimento grave (…) a par das restantes sanções já legalmente previstas, a sanção pecuniária compulsória, cfr. artigo 169º e a responsabilidade civil e disciplinar da administração e dos seus órgãos, cfr. artigo 159º, ambos do CPTA. Enquanto que os normais juros indemnizatórios, compensatórios e de mora são estabelecidos, essencialmente, na perspectiva do credor, de modo a que se diminuam as suas perdas pela privação da quantia que lhe é devida, estes juros de mora agravados são estabelecidos na perspectiva do devedor, de modo a que o mesmo se sinta efectivamente compelido a efectuar o pagamento em falta”.

Assim, face a esse entendimento, a que se adere, é admissível a cumulação de juros indemnizatórios e juros de mora, porquanto, ao contrário do que refere a Recorrente, os mesmos não têm, distintamente do que resultava do regime pretérito, uma natureza idêntica. Com o regime atual, aos juros de mora passou a estar subjacente, como referido no aresto mencionado supra, uma função sancionatória, visando obstar a retardamentos nos pagamentos a efetuar por parte da AT.

Esta interpretação em nada atenta contra os princípios da proporcionalidade ou da igualdade, constitucionalmente consagrados.

Com efeito, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso parte da existência de vários interesses conflituantes, cuja relação é preciso determinar. Esta relação conflituante implica que haja sacrifícios a suportar por parte de um dos titulares dos interesses em causa. O princípio da proporcionalidade surge assim como princípio conformador desses vários interesses conflituantes (6).

É definido por referência aos três subprincípios que nele se podem discernir: o da proporcionalidade em sentido estrito, o da necessidade e o da adequação.

O princípio da proporcionalidade em sentido estrito tem a ver com a ponderação das desvantagens decorrentes da adoção de determinado meio e das vantagens conferidas pela prossecução do fim visado.

No que respeita ao princípio da necessidade ou da exigibilidade ou da menor ingerência possível, implica ele que o interesse que seja sacrificado o seja da menor forma possível.

Finalmente, o princípio da adequação ou da conformidade ou da idoneidade determina que, para a prossecução do interesse público, sejam adotadas medidas apropriadas aos fins visados. Terá, pois, de haver adequação dos meios utilizados aos fins a alcançar.

Ora, não se alcança, e nem isso é consubstanciado pela Recorrente, de que forma a solução em causa se apresenta como desproporcional. É certo que, sendo uma opção legislativa de cariz sancionatório, naturalmente que a mesma comporta uma configuração de alguma forma gravosa, justamente para conferir efetividade ao tal cariz sancionatório que pretende impor. Ademais, bastará proceder ao pagamento dentro do prazo para a execução espontânea da sentença para ser evitado o pagamento de juros de mora agravados. Como tal, a solução legislativa em causa não se afigura desproporcional.

Igualmente não se considera que a solução em causa atente contra o princípio da igualdade.

Em termos gerais, a CRP determina, desde logo, no art.º 13.º, que “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

“O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global, conjugando dialecticamente as dimensões liberais, democráticas e sociais inerentes ao conceito de Estado de direito democrático e social (art . 2°) . Na sua dimensão liberal, o princípio da igualdade consubstancia a ideia de igual posição de todas as pessoas, independentemente do seu nascimento e do seu status, perante a lei, geral e abstracta, considerada subjectivamente universal em virtude da sua impessoalidade e da indefinida repetibilidade na aplicação. A dimensão democrática exige a explícita proibição de discriminações (positivas e negativas) na participação no exercício do poder político, seja no acesso a ele (…) seja na relevância dele (…), bem como no acesso a cargos públicos (…). A dimensão social acentua a função social do princípio da igualdade, impondo a eliminação das desigualdades fácticas (…). Com estas três dimensões, o princípio da igualdade é estruturante do Estado de direito democrático e social, dado que: (a) impõe a igualdade na aplicação do direito, fundamentalmente assegurada pela tendencial universalidade da lei e pela proibição de diferenciação de cidadãos com base em condições meramente subjectivas (igualdade de Estado de direito liberal); (b) garante a igualdade de participação na vida política da colectividade e de acesso aos cargos públicos e funções políticas (igualdade de Estado de direito democrático); (c) exige a eliminação das desigualdades de facto para se assegurar uma igualdade material no plano económico, social e cultural (igualdade de Estado de direito social)” (7).

A igualdade na aplicação do direito vai para além da igualdade formal, implicando, sim, igualdade material, que tem subjacente a ideia de tratamento igual do que é igual e tratamento diferente do que seja diferente.

Ou seja, no essencial, o princípio da igualdade impõe uma proibição do arbítrio e da discriminação sem razão atendível.

Ora, a perspetiva de violação do princípio da igualdade invocada pela Recorrente, no sentido de que a interpretação seguida pelo Tribunal a quo afasta a igualdade de tratamento entre os juros de mora devidos ao contribuinte e os juros de mora devidos ao Estado, não merece acolhimento, porquanto trata-se de situações materialmente distintas.

Chama-se, a este propósito, novamente à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.06.2017 (Processo: 0279/17), onde se refere:

“O disposto no artigo 43º, n.º 5, bem como o disposto no artigo 44º, n.º 3 (…), ambos introduzidos pela referida LOE para 2012, tiveram unicamente como objectivo exercer pressão sobre os devedores para que solvam rapidamente as suas obrigações. Na verdade, não se encontra na previsão de tais preceitos qualquer fundamento ressarcitório ou indemnizatório. // (…) [O] legislador (…) pretendeu instituir uma sanção para as situações de incumprimento grave (…). // Portanto, não tem, assim, qualquer sentido a referência que a recorrente faz ao facto de tais juros de mora em dobro, devidos conjuntamente com os juros indemnizatórios, se tratarem de juros usurários, nos termos do disposto nos artigos 559º-A e 1146º, ambos do Código Civil. Às concretas obrigações de juros, e às concretas taxas de juros agravadas estabelecidas como novidade pela LOE para 2012, não são aplicáveis tais preceitos legais uma vez que tais juros não se destinam a exercer função remuneratória ou reparadora, antes se destinam a exercer uma função sancionatória, desincentivadora de comportamentos omissivos das obrigações que resultam para as partes das decisões judiciais transitadas em julgado. // (…) [N]ão se vê que esta interpretação que se faz dos artigos 43.°, 100° e 102º, n.° 2 da LGT e 61º do CPPT, possa violar o princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP. // O estabelecimento pelo legislador de obrigações de juros de mora com taxa agravada e de taxas agravadas de juros de mora, visa o sancionamento de comportamentos omissivos graves e, portanto, tais regimes são estabelecidos em função da necessidade de dissuasão de tais comportamentos. // O princípio da igualdade estabelecido naquele artigo 13º da CRP visa, no essencial, que ninguém, face à lei ou às decisões dos tribunais, seja beneficiado ou prejudicado em função da sua própria condição pessoal. // Estando toda a actividade da administração tributária sujeita ao princípio da legalidade, nos termos do disposto no artigo 55º da LGT, bem como está especialmente obrigada ao cumprimento das decisões judiciais nos termos do disposto no artigo 158º, n.º 1 do CPTA, ex vi, do disposto no artigo 146º, n.º 1 do CPPT, impende sobre si uma obrigação acrescida, face aos particulares, de cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado. (…) [N]ão se pode concluir que a interpretação que se faz dos preceitos legais em questão afecte o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, uma vez que estamos perante situações concretas diferentes, relativamente às quais o legislador pode, e quis, dispor de modo diverso”.

Assim, podendo ser cumulados juros de mora com juros indemnizatórios nos termos já explanados, nada há a apontar à decisão recorrida.

Como tal, carece de razão a Recorrente também nesta parte.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de maio de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)


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(1) Cfr., neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 531.

(2) V. neste sentido os Acórdãos deste TCAS de 22.03.2018 (Processo: 08341/15) e de 14.03.2019 (Processo: 204/14.9BELRS).

(3) V. a este propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2010, p. 1137.

(4) Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 539.

(5) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.11.2009 (Processo: 681/2009).

(6) Vitalino Canas, «Princípio da Proporcionalidade», Dicionário Jurídico da Administração Pública, Vol. VI, Lisboa, 1994, pp. 591 e ss. e 610 e ss.

(7) Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Vol. I, 14.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 336 e 337.