Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05058/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. DESCONSIDERAÇÃO DE CUSTOS FISCAIS.
FUNDAMENTAÇÃO (FORMAL).
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. As verbas relativas a deslocações, viagens, alimentação e estadas, declaradas pelo sujeito passivo na sua declaração de rendimentos com custos, podem ser desconsideradas pela AT, desde que não sejam subsumíveis ao conceito de custos, quando não sejam indispensáveis para os proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora;
2. Cabe à AT, enquanto fundamentação formal do acto de liquidação, a invocação do preenchimento dos concretos pressupostos legais de que depende o seu direito à liquidação, com elementos claros, suficientes e congruentes, para que possa desconsiderar os elementos declarados pelo sujeito passivo na respectiva declaração de rendimentos, por forma a suportarem o mesmo;
3. Não se encontra devidamente fundamentada a exposição dos factos apresentada pela AT com base nos quais desconsiderou os custos declarados, onde não precisa as concretas premissas em que esteia o seu juízo conclusivo de não puderem constituir custos, que não permitam ao contribuinte apreender as concretas razões que as suportam.


O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Exmo Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 2.ª Unidade Orgânica - que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A...– Gestão de Participações, SA, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


4.1. - O presente recurso visa reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal "a quo", de julgar procedente a impugnação deduzida, fundamentada no entendimento da existência de insuficiente fundamentação por parte da Administração Tributária ao desconsiderar importâncias relativas a despesas com viagens no montante de € 76.437,00, e a título de despesas de representação, no montante de € 58.451,62, dos quais a impugnante não aceitou € 37.174,38.
4.2. - Pela sua importância, invoca-se o douto Parecer elaborado pelo Ministério Público, pugnando pela improcedência da impugnação, cujas partes relevantes se transcreveram no presente recurso.
4.3. - Como se fundamentou nos autos, a Administração Tributária deixou expressamente declarado nos autos e o Tribunal "a quo" deu como provado com interesse para a formação da decisão, alíneas F) e G) do ponto III - Fundamentação, foram, no entendimento da Administração Tributária, devidamente fundamentadas as correcções efectuadas.
4.4. - É pacífico o entendimento de que, a ausência de quaisquer dos requisitos impostos pelo artigo 23° do CIRC, implica a sua não consideração para efeito de custos, devendo, consequentemente, as respectivas importâncias ser adicionadas ao resultado contabilístico e que, não prevendo a lei qualquer presunção, o ónus da prova da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, recaia sobre o contribuinte (artºs. 23° do CIRC e 74°, n° 1 da Lei Geral Tributária).
4.5. - Quanto às despesas com viagens, tendo a impugnante contabilizado as despesas em análise como despesas de "Publicidade", quando as mesmas se reportam a "Deslocações e Estadas", e não tendo provado que tais despesas obedeciam aos requisitos do artigo 23° do CIRC, não devem as mesmas ser consideradas como custos para efeitos fiscais.
4.6. - Quanto às várias despesas qualificadas pela Administração Tributária como "Despesas de Representação", cumpre verificar que o n° 3 do artº 41° do CIRC, considerava despesas de representação "nomeadamente os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no pais e no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
4.7. - Da norma legal citada, decorre que são de considerar como despesas de representação, - além dos encargos suportados num determinado evento com terceiros, os encargos incorridos com os próprios administradores e trabalhadores, quando em representação da empresa num evento.
4.8. - No caso em presença, a impugnante não provou que, pela natureza dos eventos, os montantes suportados são enquadráveis em "Deslocações e Estadas", e muito menos em "Outros custos com o Pessoal". No primeiro caso, não provando que serviços foram prestados pelo pessoal fora do seu local de trabalho, que justificassem validamente tal classificação; no segundo caso, não provou que tais valores ali contabilizados se reportaram a gastos de acção social feitos em benefício dos trabalhadores, bem como recrutamentos, cedência de pessoal ou cursos de formação.
4.9. - O que permite dizer, salvo melhor entendimento, que o tribunal "a quo" não andou bem por duas formas: (i) ao não considerar a conduta irregular da impugnante quanto ao enquadramento contabilístico dos montantes em causa; (ii) ao não reconhecer a inexistência de prova inequívoca, da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos.
4.10. - Quanto à alegada falta fundamentação apontada pelo Tribunal "a quo" na sentença proferida, invocamos conteúdo do Acórdão do STA, datado de 1998-10-28.
4.10. - Do exposto, resulta que não pode pois proceder o entendimento preconizado na sentença proferida, por, salvo melhor interpretação, se fundamentar em erro nos pressupostos de facto, e violação do direito, nomeadamente do artigo 23° do CIRC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, ordenando a manutenção da liquidação.
Porém, V. Exas. decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, dizendo acompanhar a fundamentação do parecer pré-sentencial do Ministério Público junto do Tribunal “a quo” que nesse sentido se pronunciou.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se os actos de desconsideração das verbas inscritas a título de custos por despesas de publicidade, deslocações, alojamento, alimentação e estadias, se encontram formalmente fundamentados.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) A Impugnante desenvolve a sua actividade económica no sector da Consultoria para Negócios de Gestão (cfr. documento de fls. 16 do processo administrativo (PA)).
B) A Impugnante é tributada pelo regime do lucro consolidado respeitante ao grupo A...- Gestão e Participações, SA (documento a fls. 18 do PA).
C) A Impugnante apresentou declaração de IRC (modelo 22) relativa ao exercício de 1998, na qual apurou um lucro tributável consolidado de 5.274.439€, que originou uma matéria colectável consolidada de 3.257.873,12 (documento de fls. 86 e 88 dos autos).
D) Na sequência de deliberação da Inspecção Tributária (IT), procedeu esta à análise interna da declaração de rendimentos Mod. 22 do IRC da Impugnante, respeitante ao ano de 1998, da qual resultaram correcções ao lucro tributável consolidado de natureza meramente aritméticas, de 1.198.630,12€, pelo que a matéria colectável foi alterada para 4.456.503,24€. (documento a fls.18 e 54 do PA).
E) Da intervenção inspectiva efectuada resultaram diversas correcções efectuadas pela IT que respeitam à Impugnante e às seguintes empresas do grupo, nos valores que se descrevem (documento a fls. 28 do PA):
a)-A...-Gestão e Participações, SA - 6456,94€;
b)- A...- Veículos Pesados, SA - 1455730,59€;
c)- A...-Veículos Ligeiros, SA - 926960,50€;
d)- B...-Importação de Automóveis, SA - 177937,11€;
2.567.085,14€;
Resultados internos (a decrescer) - 1.368.455,02€;
Montante das correcções efectuadas: 1.198.630,12€
F) Foi efectuada uma correcção respeitante a despesas com viagens, no montante total de 76.437,00€, com a seguinte fundamentação (fls. 25 dos PA): "Não acresceu, no Q 17 do Mod. 22 do IRC de 1998, a importância de 22.399,73€ referente a despesas não aceites como custo fiscal por terem sido contabilizadas, como despesas de publicidade, deslocações e estadas, através das facturas abaixo indicadas, indevidamente documentadas por não ter apresentado qualquer talão de passageiro; por haver disparidade entre o número de passagens aéreas (21+37) e o número de pessoas relacionadas nos anexos das citadas facturas, donde se conclui, que não foi justificada a indispensabilidade dos custos para a obtenção dos proveitos (...) Não acresceu, no Q 17 do Mod. 22 do IRC de 1998, a importância de 54.037,27€ repente a despesas não aceites como custo fiscal por terem sido contabilizadas, como despesas de publicidade, através das facturas abaixo indicadas, indevidamente documentadas por não ter apresentado qualquer talão de passageiro e por não existir qualquer elemento que comprove a indispensabilidade destes custos para a realização dos proveitos sujeitos à tributação;”.
G) Foram efectuadas correcções no valor total de 58.451,62€ com os seguintes fundamentos:
a)- à ora Impugnante, no valor de 3 607,56 €, relativo à aquisição de 710 bilhetes para adultos e 180 para crianças, para acesso à Expo-98, que a IT considerou que "o número de bilhetes adquiridos excede o número de trabalhadores em serviço da empresa, pelo que se concluiu que as referidas despesas deveriam ser consideradas como despesas de representação, de acordo com a definição consagrada no n.º 3 do art.º 41.º do CIRC. . ." (cfr. quadro constante do relatório da IT, a fls. 20 do PA; e ponto 4.1.1.2 do mesmo relatório, a fls. 21 do PA);
b)- à A...-Pesados, no valor de 30 281,02 €, sendo 29 519,49 € relativos a despesas com alojamento, alimentação e transportes, no âmbito de deslocações e estadas de administradores e trabalhadores da empresa "que em face dos documentos de suporte apresentados e pela sua natureza, deveriam ter sido contabilizados como despesas de representação" (cfr. ponto 4.1.2.1 do mesmo relatório, a fls. 21 do PA), e 761,53€ relativos a despesas com alimentação/lanches dos administradores e dos trabalhadores "que em face dos documentos de suporte apresentados e pela sua natureza, deveriam ter sido contabilizados como despesas de representação" (cfr. quadro constante do relatório da IT, a fls. 20 do PA; e ponto 4.1.2.1.2 do mesmo relatório, a fls. 22 do PA);
c)- e à A...ligeiros, no valor de 24 563,04 €, sendo 16 476,82 € relativos a despesas com alojamento, alimentação e transportes, no âmbito de deslocações e estadas de administradores e trabalhadores da empresa "que em face dos documentos de suporte apresentados e pela sua natureza, deveriam ter sido contabilizados" como despesas de representação" (cfr. ponto 4.1.3.1.1 do mesmo relatório, a fls. 24 do PA), 7 559,13 € relativos a viagens efectuadas pelos administradores e trabalhadores da empresa "que em face dos documentos de suporte apresentados e pela sua natureza, deveriam ter sido contabilizados como despesas de representação" (cfr. ponto 4.1.3.1.1 do mesmo relatório, a fls. 24 do PA), e 527,09 € relativos a "outros custos com pessoal" respeitantes a encargos com alimentação dos administradores e trabalhadores da empresa "que em face dos documentos de suporte apresentados e pela sua natureza, deveriam ter sido contabilizados como despesas de representação" (cfr. quadro constate do relatório da IT, a fls. 20 do PA; e ponto 4.1.3.1.3 do mesmo relatório, a fls. 25 do PA).
H) Na sequência das correcções efectuadas e discriminadas na alínea E) foi emitida a liquidação adicional de IRC do ano de 1998 n.º 8310037412, no montante de 551.187,88€ (documento a fls.19 dos autos).
I) A Impugnante apresentou a p.i. em 14/04/2003 (fls. 2 dos autos).
****
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


4. Para julgar procedente a impugnação sobre as verbas desconsideradas como custos fiscais, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese que, quanto à verba de € 76.437,00, relativa despesas com viagens, deslocações e estadias, que a fundamentação utilizada pela AT não é adequada para o efeito, sendo que a discrepância apontada entre o número de passageiros não justifica minimamente a conclusão que não foi justificada a sua indispensabilidade, já que não foi colocada em causa a natureza das viagens e quanto à correcção relativa à verba de € 58.451,62, relativa a despesas de alojamento, alimentação e transportes, por se tratar de uma mera conclusão, sem alicerçar em factos concretos que permitam desconsiderar as verbas integrantes deste montante, já que também não foi colocada em causa a existência de tais custos, regularmente documentados.

Para a recorrente Fazenda Pública, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto é contra esta (e outra fundamentação) que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal proceder ao reexame da decisão recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação, desde logo pugnando que a desconsideração dessas verbas se encontrava devidamente fundamentada, por referência ao que no relatório da IT se expendeu para o caso, bem como invocando um acórdão do STA e que ao arrimo da sua doutrina a posição por si defendida merece acolhimento, tendo, contudo, na sua grande parte, dirigido a fundamentação do recurso tendo como alvo os pressupostos fácticos e jurídicos inerentes aos custos fiscais, pelas suas diversas rubricas – cfr. alíneas 4.4 a 4.9 e 4.10 – que como se viu, essa foi uma vertente sobre que a sentença recorrida se não pronunciou, e que por isso, nesta parte, o recurso carece de objecto.

Vejamos então.
(1) Que os actos tributários devam ser fundamentados não discordam, quer a recorrente, quer a recorrida, bem como a M. Juiz do Tribunal “a quo”, ainda que no caso, quanto à fundamentação existente das verbas desconsideradas como custos no acto de liquidação impugnado, a unanimidade já não exista, em que a sentença recorrida, por um lado, defendem tal não fundamentação, ao passo que a recorrente, vem pugnar pela sua existência, bem como a Exma PGA, junto deste Tribunal, no seu parecer.

A exigência legal da fundamentação tem em vista colocar o administrado em condições de conhecer e compreender o "iter" cognoscitivo, valorativo e volitivo do respectivo autor e, consequentemente, de se poder determinar pela aceitação ou pela impugnação do acto.

É sabido que a administração tem o dever de fundamentar os actos administrativos em geral, de modo claro, suficiente e congruente - cfr. os artigos 268.º n.º3 da Constituição, 1.º do Dec.Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, 124.º e 125.º do Código de Procedimento Administrativo - bem como os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes, especialmente daqueles que não pertençam ao tipo de actos "em série" ou "em massa", como hoje acontece, por força daquelas normas e das dos art.ºs 19.º alínea b), 21.º e 82.º do CPT, 77.º da LGT e 60.º do CPPT.

Esta obrigação não tem por objectivo único a "protecção por essa via dos direitos e interesses dos administrados mas inclui, em primeira linha, a garantia de um procedimento decisório correcto" - José Carlos Vieira de Andrade, O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, pág. 43. Não se visa, pois, e apenas, que o particular fique ciente das razões por que a Administração decidiu de uma e não de outra maneira; quer-se, também, impor à Administração, por, esta via, uma necessária reflexão e ponderação explícitas das razões e argumentos em confronto, que a fundamentação do acto deve patentear, assim tornando transparente a actividade administrativa.
Daí que não baste dizer, em demonstração do cumprimento do dever de fundamentar, que o administrado reagiu contra o acto administrativo, revelando, com essa reacção, ter atingido o alcance e razões do acto. Por um lado, não é seguro que o administrado não tenha apenas "adivinhado" os fundamentos ocultos do acto administrativo, que dele mesmo, acto, devem transparecer. Por outro lado, o legislador quis que a administração não decidisse imponderadamente, obrigando-a a plasmar na fundamentação as razões da sua opção, de tal modo que a própria administração se aperceba, ao fundamentar, do bem ou mal fundado da sua escolha, a tempo de emendar a mão, se disso for caso, e que o acto se apresente transparente.
Isto para concluir que não é decisivo o argumento, aliás, frequente, de acordo com o qual só o facto de o acto ter sido contenciosamente recorrido, com a decorrente imputação de vícios, já demonstra que ele estava devidamente fundamentado.

A fundamentação consiste em deduzir a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos por que se resolve de certa maneira e não de outra, in Marcello Caetano, "Manual de Direito Administrativo", Vol. I, pág. 477.

Numa fórmula abrangente será de considerar como fundamentação a exteriorização das razões de facto e de direito, que servem de suporte a uma decisão, esclarecedoras dos necessários e legais pressupostos e da motivação do agente.
Assim "o dever de fundamentação expressa apresenta-se como «um instituto» tendo como centro de referência uma declaração que reúne todas e quaisquer razões que o autor assuma como determinantes da decisão, sejam as que exprimam uma intenção de agir, demonstrando a ocorrência concreta dos pressupostos legais, sejam as que visam explicar o conteúdo escolhido a partir dessa adesão ao fim, manifestando a composição de interesses considerados para adoptar a medida adequada à satisfação do interesse público no caso", obra citada pág. 22.

Concretizando aquela noção de fundamentação diremos que a declaração em que se consubstancia há-de ser necessariamente justificante do acto que suporta, pela enunciação dos pressupostos possíveis e dos motivos coerentes e credíveis aptos à pertinência material do acto; isto é, as razões de facto e de direito invocadas hão-de traduzir-se num discurso que justifique, como possível e credível, o acto.

Nesta medida tal discurso há-de ser claro, congruente ou racional e suficiente por..."conter os elementos bastantes, capazes ou aptos a basear a decisão", ou por outras palavras, "os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente".

Esta, pois, a noção de fundamentação formal, imposta pelo nosso ordenamento jurídico, distinta da fundamentação substancial caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo (cfr. obra citada 231)(2).

A este respeito e finalmente cabe, apenas, referir a possibilidade da fundamentação por remissão, situação em que "quaisquer invocações de factos ou de avaliações só pertencem à fundamentação se forem assumidos pelo decisor ou se este para elas remeter, por força da lei, esses fundamentos são, como as respectivas documentações, «integrados» no acto" (cfr. obra citada, 228).
...

No caso, tendo em conta que a AT desconsiderou as citadas verbas declaradas pelo sujeito passivo e ora recorrida, na respectiva declaração de rendimentos relativa a 1998, a título de despesas de publicidade e de deslocações e estadias dos administradores e trabalhadores, importa desde logo revisitar os respectivos conceitos, de custos fiscais, nas várias vertentes em que no caso foram subsumidas tais verbas, a fim de aquilatar se no caso a AT produziu fundamentação clara, suficiente e congruente, em ordem a permitir dar a conhecer à impugnante e ora recorrida, porque razão teve lugar tal desconsideração desses custos declarados e poder determinar-se pela sua aceitação ou impugná-los, judicial ou graciosamente, se não com a mesma não concordasse.

A noção geral de custo, então, encontrava-se contida na norma do art.º 23.º do CIRC, em termos que, se consideravam custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, com um catálogo a título exemplificativo contido nas suas alíneas a) a j), pelo que outros poderiam existir, desde que subsumidos no então corpo do artigo (mais tarde, seu n.º1, pela redacção introduzida pelo art.º 5.º, n.º2 da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro – OE para 1995), bem com todos os outros subsumidos nos seus artigos seguintes, como as despesas de representação, até certo montante, nos termos do art.º 41.º, n.º1, alínea g) e seu n.º2.

No caso, como consta na matéria das alíneas F) e G) do probatório fixado na sentença recorrida, recolhida do relatório do exame à escrita da impugnante e ora recorrida, cuja cópia consta de fls 21 e segs do PA apenso, a citada verba de € 76.437,00, desdobrada em duas outras, que haviam sido declaradas e contabilizadas como despesas de publicidade, deslocação e estadas, não foram aceites como custo fiscal a este título, e cuja fundamentação se cingiu a ... indevidamente documentadas por não ter apresentado qualquer talão de passageiro; por haver disparidade entre o número de passagens aéreas (21+37) e o número de pessoas relacionadas nos anexos das citadas facturas, donde se conclui, que não foi justificada a indispensabilidade dos custos para a obtenção dos proveitos (...)...indevidamente documentadas por não ter apresentado qualquer talão de passageiro e por não existir qualquer elemento que comprove a indispensabilidade destes custos para a realização dos proveitos sujeitos à tributação..., não se vendo como a invocada falta do talão de passageiro possa justificar a não aceitação do custo assente nas facturas respectivas, passadas pelo prestador dos serviços, cuja essencialidade não foi colocada em causa, bem como a invocada conclusão de disparidade entre o número de passagens aéreas e o número de pessoas relacionadas como tendo usufruído dessas viagens, possa sustentar a conclusão de que não foi justificada a indispensabilidade das mesmas para a obtenção dos lucros ou para a manutenção da fonte produtora, sendo que tal conclusão não pode emergir das premissas invocadas, quando jamais foi colocada em causa a natureza de tais viagens, como bem se fundamentou na sentença recorrida ao referir que, a fundamentação constante do relatório de inspecção não é adequada para a desconsideração dos custos, existindo, no mínimo, uma fundamentação deficiente, que não esclarece concretamente a motivação do acto que, nos termos do n.º2 do art.º 125.º do CPA, equivale à sua falta, causa de anulação do acto, como bem se decidiu nas mesma sentença.

E quanto à verba de € 58.451,62, integrante de três outras, todas relativas a aquisição de bilhetes para a EXPO 98, estadias, alojamento, alimentação e transportes, de administradores e trabalhadores da empresa, tiveram como única fundamentação ...o número de bilhetes adquiridos excede o número de trabalhadores em serviço da empresa, pelo que se concluiu que as referidas despesas deveriam ser consideradas como despesas de representação, de acordo com a definição consagrada no n.º 3 do art.º 41.º do CIRC. . . que em face dos documentos de suporte apresentados e pela sua natureza, deveriam ter sido contabilizados como despesas de representação ... que em face dos documentos de suporte apresentados e pela sua natureza, deveriam ter sido contabilizados como despesas de representação... que em face dos documentos de suporte apresentados e pela sua natureza, deveriam ter sido contabilizados como despesas de representação... que em face dos documentos de suporte apresentados e pela sua natureza, deveriam ter sido contabilizados como despesas de representação... que em face dos documentos de suporte apresentados e pela sua natureza, deveriam ter sido contabilizados como despesas de representação..., onde, aqui, a insuficiência de fundamentação formal é, ainda, bem mais flagrante, sendo que no primeiro caso é mesmo desadequada, ao ligar o número de bilhetes adquiridos para a EXPO com o número de trabalhadores ao serviço da empresa, quando parte desses bilhetes (180), nos dizeres dessa própria fundamentação, se destinaram a crianças, que certamente, não poderiam ser trabalhadores da empresa, desta forma, igualmente, padece, a desconsideração das citadas verbas de falta de fundamentação formal causa de anulação da liquidação impugnada, na parte respectiva, como igualmente se decidiu na sentença recorrida.

Quanto à doutrina do acórdão do STA de 28-10-1998, que a recorrente cita na matéria da sua conclusão 4.10, sem indicar o número do acórdão a que se reporta, nem mesmo na matéria das suas anteriores conclusões, mas tão só a transcrição de parte do seu sumário, na matéria da sua anterior alegação no ponto 3.13, que pelo seu conteúdo, permite identificar que se trata do acórdão n.º 16217, da 2.ª Secção do STA, em cujo ponto III do seu sumário, contém o texto que a recorrente transcreve, contudo, não vimos que a posição nele sufragada possa estear a posição por si defendida de existência de suficiente fundamentação na desconsideração das citadas verbas, quando o mesmo, ainda que invoque que a fundamentação não tem que ser exaustiva, sempre vem afirmar que a mesma tem de conter a descrição expressa das premissas em que assenta o acto, de molde a dar a conhecer ao interessado porque o mesmo teve lugar e não com um outro conteúdo, sentido e alcance que, de resto, foi acolhido na fundamentação supra e que traduz, ao que saiba, doutrina e jurisprudência correntes(3).

Porém, no caso, como acima se deu conta, tal descrição expressa ou precisa das premissas dessa desconsideração de tais verbas foram elementos que não vimos invocados pela AT para as desconsiderar como custos fiscais, daí se ter entendido que as mesmas se não encontravam suficientemente fundamentadas, por isso em linha com aquela jurisprudência invocada pela recorrente, que não ao seu arrepio, como a mesma parece pretender ao vir invocar a sua doutrina nas suas alegações recursivas.


Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Sem custas, face à isenção de que então gozava a recorrente.


Lisboa, 20/06/2012

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO


1- Seguiu-se aqui, de perto, a fundamentação do acórdão deste TCAS n.º 4272/10, o qual teve como Relator igualmente o do presente.
2- Cfr. em sentido semelhante o acórdão do STA de 25.9.1996, recurso n.º 20 396.
3- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, o recente acórdão do STA de 10-3-2011, recurso n.º 862/10.