Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12589/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/26/2015
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE – OPOSIÇÃO – CONDENAÇÃO POR CRIME PUNÍVEL COM PENA DE PRISÃO DE MÁXIMO IGUAL OU SUPERIOR A 3 ANOS SEGUNDO A LEI PORTUGUESA
Sumário:
I – De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade, constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa “a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa”.
II – O que releva no âmbito da previsão normativa contida na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade é a moldura abstrata da pena e não aquela em que concretamente o requerente da nacionalidade tenha sido condenado.
III – Existindo dúvidas quanto à correspondência, na lei portuguesa, quanto ao tipo legal de crime pelo qual o requerido foi condenado nos tribunais ingleses, dúvidas existem também quanto à respetiva moldura penal (abstrata), segundo a lei portuguesa.
IV – O que importa determinar para efeitos do disposto na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade é se o crime pelo qual o requerente da nacionalidade foi condenado pela justiça inglesa é punível, na lei portuguesa, com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO


Cezayki…………………………………..(devidamente identificado nos autos) inconformado com a decisão de procedência da Oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa (a que aludem os artigos 9º e 10º da Lei da Nacionalidade e os artigos 56º ss. do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL. nº 237-A/2006, de 14, de Dezembro), deduzida pelo Ministério Público no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa (Proc. nº 2553/14.7BELSB) proferida por aquele Tribunal em 21/04/2015, e que assim, ordenou o arquivamento do processo pendente na Conservatória dos Registos Centrais com vista à concessão da nacionalidade portuguesa, vem interpor o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue improcedente a Oposição deduzida.

Nas suas alegações formula as seguintes conclusões nos seguintes termos:
a) Tribunal a quo não se pronunciou sobre as questões levantadas pelo Réu, plasmadas nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º e 41º, todos da citada contestação do mesmo.

b) O Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submeti­ do à sua apreciação (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC),

c) A Sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, prevendo a nulidade da sentença quando o juiz não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar.

d) O Tribunal a quo na sua fundamentação não indicou a matéria de factos provados e matéria de factos não provados.

e) Limitou-se a indicar apenas a matéria de factos provados, omitindo-se a matéria de factos não provados, violando claramente o disposto previsto no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, ex. vi o disposto no artigo 1º, do CPTA.

Pelo que,

f) A sentença é nula por violação clara da citada disposição legal (cfr art.º 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC).

g) O Tribunal a quo pronunciou-se sobre as questões de que não podia tomar conhecimento quando refere que "... também apurou nos autos que o R. não tem qualquer ligação efectiva à comunidade portuguesa..." esta questão não foi suscitada pelas partes e que a mesma não seja de conhecimento oficioso.

h) Atendendo ao espírito do legislador previsto no artigo 9.º, alínea b) da Lei da Nacionalidade, prevendo apenas impedimento de atribuição da nacionalidade portuguesa, os cidadãos que tivessem sido condenados, em concreto, com a pena de prisão igual ou superior a três anos, o que não é o caso do ora Réu. Pelo que,

i) O Recorrente foi condenado com a pena de multa, no montante de 2.000,00 Libras, a sua condenação em concreto não atinge os três anos e, como tal, a condenação de pena de multa sofrida pelo mesmo, não constitui factor impeditivo da atribuição de nacionalidade portuguesa ao Recorrente.

j) Relativamente ao dito crime de dano, ocorrido em 22 de Dezembro de 2012, não houve qualquer condenação, havendo apenas advertência feita pela polícia londrina, e, como tal, não se pode ser aplicada como factor impeditivo à atribuição da nacionalidade.

k) Uma vez que falta um dos requisitos que é condenação, com trânsito em Julgado da sentença (cfr art.º 9º, alínea b), da LN), o que não aconteceu.

l) Sendo certo que, a aplicação do preceituado no artigo 9º, alínea b) da LN, não é automática, exigindo a condenação com trânsito em julgado, pela prática do referido crime, em concreto, ser condenado com uma pena de prisão igual ou superior a três anos, pondo em causa a idoneidade moral e civil para o estrangeiro aceder ao estatuto de nacional".

m) Ademais, a sentença recorrida não concretize, com factos concretos, as razões conducentes à verificação de não ser desejável a pretendida aquisição da nacionalidade.

n) Deve ser atribuída a nacionalidade portuguesa ao Recorrente, por este ter preenchido os requisitos previstos na lei que lhe confere este direito.


O recorrido Ministério Público contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, com confirmação da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:
1 - Nos termos da alínea b) do artº 9° da Lei da Nacionalidade, constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.

2 - O significado literal de tal alínea b) corresponde ao significado mais comum das palavras (crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos), não havendo nenhuma razão não gramatical para um resultado interpretativo mais lato ou mais restrito do significado literal.

3 - Estatui o nº 3 do artº 9° do Código Civil: "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. "

4 - Ora, "in casu", se a lei e o legislador se quisessem referir à pena concreta, teria sido muito fácil dizê-lo, não devendo o intérprete supor que o legislador é irracional e que não se soube exprimir, da forma mais adequada.

5 - Pelo que, concludentemente, a alínea b) do artº 9 da Lei da nacionalidade não contém, uma norma jurídica que tolere ponderações ou sopesamentos por parte da Administração ou do juiz.

6 - Verifica-se o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto na al. b) do artº 9° alínea b) da Lei da Nacionalidade quando existe condenação, com trânsito em julgado das sentenças, pela prática de crimes abstractamente puníveis com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a três anos.

7 - Ainda que a medida concreta das penas aplicadas tenha sido fixada em pena de multa ou em pena de prisão inferior a três, suspensa na sua execução.

8 - Sendo irrelevante que a pena se mostre cumprida e esteja, até, extinta, uma vez que o requisito legalmente previsto é a condenação pelo crime e não a subsistência da pena.

9 - Igualmente há que referir que, um dos requisitos para que possa ser concedida a nacionalidade portuguesa é a prova da ligação efectiva à comunidade nacional (arts. 9°, al. a) da Lei nº 37/81, de 03/10, e 22°, nº 1, al. a) do DL nº 322/82, de 12/8);

10 - Incumbia e incumbe actualmente ao requerente da aquisição da nacionalidade o ónus da prova da ligação efectiva à comunidade nacional (art. 22°, nº 1, al. a) do DL nº 322/82 de 12.08 e alterado pelo art. 56°, nº 2 do do DL nº 237-A/2006 de 14.12).

11 - Tratando-se a acção de oposição à aquisição de nacionalidade, de acção de simples apreciação negativa, de acordo com o disposto no art. 343°, nº 1 do C.C. "compete ao requerido a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga".

12 - O recorrente não fez prova de tal ligação à comunidade portuguesa, conforme resulta da matéria de facto dada como assente e que se fundamenta na documentação junta aos autos.

13 - O Requerido/Recorrente apenas demonstrou que celebrou casamento com uma cidadã portuguesa, no dia 27 de Agosto de 2009, no Reino Unido da Grã­Bretanha e Irlanda do Norte.

14 - Sendo, apenas e tão só o fundamento apresentado para prova da sua alegada ligação.

15 - Sendo tal realidade manifestamente insuficiente para integrar o conceito de ligação efectiva à comunidade portuguesa.

16 - Assim, bem decidiu o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ao julgar procedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade da recorrente e ao ordenar o arquivamento do processo conducente ao registo respectivo, pelo que deve ser confirmada.

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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ das questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, importa a este Tribunal decidir:
- se a decisão recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, a que alude o artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC – (conclusões a) a c) das alegações de recurso);
- se a decisão recorrida é nula por violação do artigo 607º nºs 4 e 5 do CPC – (conclusões d) a f) das alegações de recurso);
- se a decisão recorrida incorreu em nulidade por excesso de pronúncia – (conclusão g) das alegações de recurso);
- se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, de direito, ao julgar procedente a oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa com fundamento na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade – (conclusões h) a n) das alegações de recurso).

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos:
1 – O R. Cezayki ………………………………………., de nacionalidade santomense, nasceu a 26.10.1984, em Lobata, São Tomé, São Tomé e Príncipe, filho de pais de nacionalidade santomense ( cfr. docº. patente nos autos).

2 – O R. celebrou casamento civil, em 27.08.2009, em Londres, Reino Unido, com a cidadã portuguesa Maria ……………………………., conforme assento de casamento lavrado sob o nº. 85/2011, no Consulado Geral de Portugal, em Londres, Grã-Bretanha (cfr. docº. patente nos autos).

3 – Em 01.11.2013, na Conservatória do Registo Civil de Cascais, o R. prestou declaração para a aquisição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do artº. 3º/Lei 37/81, com fundamento no celebrado casamento, na sequência do que foi instaurado o devido processo (cfr. docºs. patentes nos autos).

4 – Em 12.11.2007, o R. foi julgado e condenado pela justiça inglesa pela prática de crime de falsas declarações, e em 22.12.2012 pela prática de um crime de dano (cfr. docº. patente nos autos).


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B – De direito

Da decisão recorrida
O Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa julgou procedente a Oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa (prevista no artigo 56º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL. nº 237-A/2006, de 14, de Dezembro) que ali foi deduzida pelo Ministério Público ordenando consequentemente o arquivamento do processo pendente na Conservatória dos Registos Centrais com vista à concessão da nacionalidade portuguesa do aqui recorrente.
Decisão que tendo por base a matéria de facto que nela foi dada como provada (vertida supra) assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«A Lei Orgânica nº2/2006, de 17 de Abril, veio introduzir alterações estruturais na Lei nº.37/81, de 3 de Outubro, e o Dec.Lei nº.237 -A/2006, de 14 de Dezembro, veio aprovar o novo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, e revogar o Dec.Lei nº.322/82, de 12 de Agosto.

O pedido de aquisição de nacionalidade do requerido fundamenta -se no disposto no art. 3º da Lei da Nacionalidade, por ter celebrado casamento com cidadã portuguesa, há mais de 3 anos.

O R. não contestou a presente acção.

No caso subjudice está em causa a aquisição da nacionalidade por casamento com cidadã de nacionalidade portuguesa (cfr. dos factos provados).

Porém, resulta dos factos provados que o requerido foi julgado e condenado pela prática de um crime de falsas declarações correspondente a conduta de falsas declarações para obter lucros para si ou outra pessoa reconduz-se ao crime de burla , p. e p . pelo art.º 217º do Código Penal, com pena de prisão até 3 anos, factos provados nos autos, e um crime de dano p.p. pelo artº do Código Penal, com a pena de prisão até, também, três anos, o que fundamentou a presente oposição à pretensão de aquisição de nacionalidade pelo ora R..

Em face do disposto no artº.9º/b)/Lei da Nacionalidade, constitui – entre outros – pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa, o facto de o estrangeiro que pretende obter a nacionalidade portuguesa não ter sido condenado, pela prática de um crime punível com a pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa. Tal, é o caso vertente.

Tal significa que independentemente da condenação em concreto ser de pena de prisão ou de multa, bem como o respectivo “quantum”, o que o legislador exige é que o crime pelo qual o agente seja condenado se enquadre na citada previsão normativa.

Em suma, face ao supra expendido, e ao facto do requerido ter sido condenado pela prática de crimes, cuja moldura penal é superior a três anos, forçoso é de concluir pela procedência da presente oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.

Além disso, também se apurou nos autos que o R. não tem qualquer ligação efectiva à comunidade portuguesa. E, a "ligação efectiva à comunidade portuguesa " passou a constituir um pressuposto de aquisição da nacionalidade, no pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade, logo, a demonstração (prova) da existência de factos reveladores de uma total ausência de sentimento de pertença efectiva à comunidade nacional, no seu todo, impede e obsta à aquisição da nacionalidade portuguesa, e importa, necessariamente, a procedência de oposição, ou seja, e adoptando a posição de que incumbe – hoje – ao Ministério Público a prova dos factos que se reconduzem ao preenchimento do fundamento da oposição “ inexistência de efectiva ligação à comunidade nacional”, obviamente – como in casu – em factos objectivos, os quais – tais factos/dados - não sendo indicados na lei, deveriam resultar de um conjunto de práticas consensualmente aceites como indícios mais ou menos seguros da ligação efectiva à comunidade nacional, que não pode circunscrever-se à relação matrimonial derivada do casamento celebrado. A noção de pertença a uma comunidade nacional há-de exprimir-se e aferir-se através de um complexo de laços que a própria comunidade aceita como sendo significativos da integração no seu seio. Em suma, todos os indícios que permitam formar um juízo objectivo de afinidade real e concreta com a comunidade nacional.

No caso em apreço, provou-se que apenas que o R. casou com uma cidadã portuguesa, e nada mais, facto que não dita a verificação da existência de uma efectiva ligação à comunidade nacional, traduzido na assimilação da cultura portuguesa como se fosse membro da comunidade portuguesa, do povo português", ou "uma identificação com o modo de vida dos portugueses" .

Nesse sentido, veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional, nº.605/13, de 20.11.2013, publicado no D.R. II Série, nº.255,do qual extrai-se o seguinte:
“…”
Do mesmo modo, através da Lei Orgânica n.º 2/2006, na quarta alteração à Lei da Nacionalidade, veio o legislador, como já se disse, equiparar, neste domínio, a união de facto ao casamento. A homenagem a princípios constitucionais como os princípios da igualdade e da não discriminação é evidente. Mas também é evidente a necessidade de impedir (à semelhança do que acontece com o casamento) que a via de acesso à condição de nacional português que assim – e em consonância com soluções idênticas propugnadas por direitos estrangeiros e por convenções internacionais – se abre a estrangeiros que tenham laços vivenciais com a comunidade nacional…”
“…”

Procede, deste modo, a oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa, pela Ré ( cfr. artº.56º/1/2/a)/DL 237-A/2006, de 14.12.).»

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1. Da invocada nulidade decisória.
1.1 Da questão de saber se a decisão recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, a que alude o artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC – (conclusões a) a c) das alegações de recurso)
Invoca o recorrente nos termos que expôs nas suas alegações de recurso e que reconduziu às respetivas conclusões que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as questões levantadas pelo Réu, plasmadas nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º e 41º da contestação; que o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC) e que assim a sentença é nula nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por o juiz não se ter pronunciado sobre questões que devesse apreciar.
Vejamos.
As situações de nulidade da sentença encontram-se legalmente tipificadas no artigo 615º nº 1 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), correspondente ao artigo 668º nº 1 do CPC antigo, cuja enumeração é taxativa, comportando causas de nulidade de dois tipos, as de carácter formal (alínea a)) e as respeitantes ao conteúdo da decisão (alíneas b) a e)), neste último grupo se integrando a omissão de pronuncia, dispondo a alínea d) que é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
A nulidade decisória por omissão de pronúncia está diretamente relacionada com o comando inserto na primeira parte do nº 2 do artigo 608º do CPC novo (correspondente ao artigo 660º do CPC antigo) de acordo com o qual o tribunal “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada para a solução dada a outras”. Tal nulidade serve de cominação ao desrespeito de tal dever e só ocorre quando o tribunal não conheça de questões essenciais para dirimir a lide que as partes tenham submetido à sua apreciação, traduzidas no binómio pedido/causa de pedir e cujo conhecimento não esteja prejudicado pela decisão dada a outras (vide a este respeito, entre outros, os Acórdãos deste TCA de 11/02/2010, Proc. 05531/09 e de 09/07/2009, Proc. 03804/08, in, www.dgsi.pt/jtcas e o Acórdão do STA de 11/02/2009, Proc. 0217/08, in, www.dgsi.pt/jsta).
Trata-se, como diz Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221, do “corolário do princípio da disponibilidade objetiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º, 2.ª parte)” que “significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.”
Sem que, como acrescenta este autor o tribunal tenha que pronunciar-se “sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa”.
Ora o que vem alegado pelo recorrente Ministério Público nas suas alegações de recurso, e que reconduziu às respetivas conclusões a) a c), não se subsume numa situação de nulidade decisória por omissão de pronúncia, mas em eventual erro de julgamento, quer quanto à solução jurídica da causa.
É verdade que a sentença recorrida ignorou o que foi alegado pelo requerido na sua contestação, mormente o vertido nos citados artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º e 41º daquele seu articulado, em nada aludindo a esse propósito, desconsiderando assim a posição que foi assumida pelo requerido naquele seu articulado face ao que havia sido alegado pelo Ministério Público na petição inicial.
Mas também é certo que o Tribunal a quo não deixou de tomar posição quanto à causa de pedir, tal como foi configurada pelo Ministério Público na presente Oposição à aquisição de nacionalidade, que era o que lhe era exigido. Sendo que concomitantemente, o requerido não de defendeu na sua contestação por exceção, mas apenas por impugnação, contrariando, em parte, os factos alegados (vide artigo 37º da contestação) e pugnando pela não verificação da situação prevista na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade – “condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa” – fundamento com base no qual o Ministério Público deduziu a presente Oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.
Mas a circunstância de a sentença recorrida não tomar em consideração a defesa impugnatória assumida na contestação não consubstancia nulidade por omissão de pronúncia a que alude o artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC.
O que poderá ocorrer é erro de julgamento, quer quanto ao julgamento da matéria de facto, designadamente por o Tribunal a quo ter dado como provados factos com base em acordo das partes, fundada na falta de impugnação dos mesmo, erro induzido pela consideração de que o requerido não havia deduzido contestação (vide pág. 2 da sentença), quando os mesmos se encontravam expressamente impugnados na contestação apresentada, quer em erro de julgamento, de direito, quanto à solução jurídica da causa, por não se verificar no caso a situação fundamento da Oposição prevista na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade.
A sentença recorrida não incorre, assim, em nulidade de omissão de pronúncia, improcedendo, por conseguinte, nesta parte o recurso.
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1.2 Da questão de saber se a decisão recorrida é nula por violação do artigo 607º nºs 4 e 5 do CPC – (conclusões d) a f) das alegações de recurso).
Invoca o recorrente, nos termos que expôs nas suas alegações de recurso e reconduz às respetivas conclusões, que o Tribunal a quo na sua fundamentação não indicou a matéria de factos provados e matéria de factos não provados, limitando-se a indicar apenas a matéria de factos provados, omitindo-se a matéria de factos não provados, violando assim o disposto previsto no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA e que assim a sentença é nula por violação da citada disposição legal (art.º 607.º n.ºs 4 e 5, do CPC).
Vejamos.
De harmonia com o disposto no artigo 607º do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), aplicável aos Tribunais Administrativos ex vi do artigo 1º do CPTA, na sentença o juiz “começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar (nº 2), seguindo-se os fundamentos, “devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (nº 3). Devendo ainda, no que tange à fundamentação de facto, o juiz declarar na sentença “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”, tomando ainda em consideração “os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (nº 4). Sendo que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” não abrangendo contudo a livre apreciação da prova “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (nº 5).
E nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC novo, a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Ora só tal falta – da especificação dos fundamentos, de facto e de direito – constituirá causa de nulidade da sentença. O que aliás está em sintonia com o comando constitucional inserto no artigo 205º nº 1 da CRP.
E, como é consensual na Doutrina e na Jurisprudência, a falta de motivação (quer de facto quer de direito) suscetível de integrar a nulidade de sentença a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo (correspondente ao anterior artigo 668º) é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos (vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 14/07/2008, Proc. n.º 510/08; de 03/12/2008, Proc. n.º 540/08; de 01/09/2010, Proc. n.º 653/10; de 07/12/2010, Proc. n.º 1075/09; de 02/03/2011, Proc. n.º 881/10; de 07/11/2012, Proc. n.º 1109/12; de 29/01/2014, Proc. n.º 1182/12; de 12/03/2014, Proc. n.º 1404/13, in, www.dgsi.pt/jsta).
Assim, para que se esteja perante falta de fundamentos de facto geradores da nulidade de sentença é mister que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que hão-de suportar a decisão que profere. Só aí se estará perante falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão a que alude a referida alínea b).
Na situação dos autos a Mmª Juíza do Tribunal a quo especificou na sentença os factos que considerou provados (vertidos supra).
Após o que fez a seguinte menção: «A convicção do Tribunal fundamentou-se na prova documental, supra identificada, na admissão por acordo das partes, e ainda nos efeitos resultantes da revelia operante do R.».
Acrescentando de seguida: «Nada mais logrou-se provar com interesse ou relevância para a decisão da presente causa».
Pelo que ainda que ainda que a Mmª Juíza do Tribunal a quo não tenha declarado na sentença, como se impunha, nos termos do disposto no artigo 607º nº 3 do CPC, aplicável ao contencioso administrativo ex vi do artigo 1º do CPTA, os factos dados como não provados, tal falta não consubstancia nulidade da sentença à luz do disposto no artigo 615º do CPC.
Se foram omitidos factos que deveriam ser dados como provados, ou se foram dados como provados factos com erro, quer de direito adjetivo, quer de direito substantivo, o que ocorrerá é erro de julgamento, e não nulidade decisória.
Razão pela qual não merece provimento o recurso, nesta parte.
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1.3 Da questão de saber se a decisão recorrida incorreu em nulidade por excesso de pronúncia – (conclusão g) das alegações de recurso).
Invoca o recorrente, nos termos que expôs nas suas alegações de recurso e reconduz às respetivas conclusões, que o Tribunal a quo se pronunciou sobre questões de que não podia tomar conhecimento quando refere que “... também apurou nos autos que o R. não tem qualquer ligação efetiva à comunidade portuguesa...” por esta questão não ter sido suscitada pelas partes não sendo a mesma de conhecimento oficioso.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC novo que é nula a sentença quando o juiz “…conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
A nulidade da sentença por excesso de pronúncia está diretamente relacionada com os comandos insertos no artigo 608º nº 2, segunda parte e artigo 609º nº 1 do CPC novo (correspondes aos artigos 660º e 661º do CPC antigo) de acordo com os quais, respetivamente, o juiz “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada para a solução dada a outras”, não podendo a sentença “condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
O limite à condenação na sentença, assim previsto no CPC, surge como corolário do princípio do dispositivo (cfr. artigos 5º nº 1 do CPC novo, correspondente ao artigo 264º nº 1 e 664º, 2ª parte, do CPC antigo) e visa impedir que o Tribunal se pronuncie para além daquilo que lhe foi pedido pelas partes quer em termos quantitativos quer qualitativos. De modo que limitado pelos pedidos das partes, seja em termos de ação, seja em termos de defesa, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar, não podendo pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversas daquela que foi pedida. De modo que o objeto da sentença deve coincidir com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido – vide a este respeito, Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, pág. 222 ss., José Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, 2º Vol. Coimbra Editora, pág. 648 ss..
A Lei da Nacionalidade prevê no seu Capítulo IV (que integra os seus artigo 9º e 10º), que possa ser deduzida pelo Ministério Público «oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade ou da adoção».
O que é feito, nos termos seguintes (na redação resultante da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, em vigor à data da prolação da sentença recorrida):
Artigo 9º
Fundamentos
Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro”.

Sendo certo que entretanto a Lei Orgânica nº 8/2015, de 22 de Junho aditou uma alínea d) a este artigo 9º da Lei da Nacionalidade, de aplicação aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 3º), acrescentando como fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa “A existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei”.
Compulsada a Petição Inicial temos que muito embora o Ministério Público indique no seu cabeçalho vir deduzir a presente oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa ao abrigo dos artigos 9º alíneas a) e b) e ss. da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade) e artigo 22º ss. do DL. nº 322/82 de 12 de Agosto (Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), do respetivo corpo alegatório resulta que o Ministério Público deduziu a presente oposição apenas com fundamento na verificação da situação prevista na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade – condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa”já que o que invoca é que o requerido foi condenado, em 12/11/2007, pela prática de um crime que se afigura poder ser enquadrado no crime de burla previsto e punido pelo artigo 127º do Código Penal, punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, segundo a lei portuguesa, e que praticou um crime, pelo qual foi advertido, que se afigura poder ser enquadrado no crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º do Código Penal com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, segundo a lei portuguesa defendendo estar-se perante situação definida na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade (vide designadamente artigos 8º, 9º, 10º, 11º e 12º da Petição Inicial), nada invocando ou referindo a propósito da alínea a) daquele mesmo artigo 9º (inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional”).
Sucede que a sentença recorrida julgou procedente a presente oposição à aquisição da nacionalidade quer com base na alínea b) do artigo 9º, quer com base na alínea a) do mesmo artigo. O que fez, no que a este último se refere, nos termos seguintes, que se passam a transcrever:
«Além disso, também se apurou nos autos que o R. não tem qualquer ligação efectiva à comunidade portuguesa. E, a "ligação efectiva à comunidade portuguesa " passou a constituir um pressuposto de aquisição da nacionalidade, no pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade, logo, a demonstração (prova) da existência de factos reveladores de uma total ausência de sentimento de pertença efectiva à comunidade nacional, no seu todo, impede e obsta à aquisição da nacionalidade portuguesa, e importa, necessariamente, a procedência de oposição, ou seja, e adoptando a posição de que incumbe – hoje – ao Ministério Público a prova dos factos que se reconduzem ao preenchimento do fundamento da oposição “ inexistência de efectiva ligação à comunidade nacional”, obviamente – como in casu – em factos objectivos, os quais – tais factos/dados - não sendo indicados na lei, deveriam resultar de um conjunto de práticas consensualmente aceites como indícios mais ou menos seguros da ligação efectiva à comunidade nacional, que não pode circunscrever-se à relação matrimonial derivada do casamento celebrado. A noção de pertença a uma comunidade nacional há-de exprimir-se e aferir-se através de um complexo de laços que a própria comunidade aceita como sendo significativos da integração no seu seio. Em suma, todos os indícios que permitam formar um juízo objectivo de afinidade real e concreta com a comunidade nacional.
No caso em apreço, provou-se que apenas que o R. casou com uma cidadã portuguesa, e nada mais, facto que não dita a verificação da existência de uma efectiva ligação à comunidade nacional, traduzido na assimilação da cultura portuguesa como se fosse membro da comunidade portuguesa, do povo português", ou "uma identificação com o modo de vida dos portugueses" .
Nesse sentido, veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional, nº.605/13, de 20.11.2013, publicado no D.R. II Série, nº.255,do qual extrai-se o seguinte:
“…”
Do mesmo modo, através da Lei Orgânica n.º 2/2006, na quarta alteração à Lei da Nacionalidade, veio o legislador, como já se disse, equiparar, neste domínio, a união de facto ao casamento. A homenagem a princípios constitucionais como os princípios da igualdade e da não discriminação é evidente. Mas também é evidente a necessidade de impedir (à semelhança do que acontece com o casamento) que a via de acesso à condição de nacional português que assim – e em consonância com soluções idênticas propugnadas por direitos estrangeiros e por convenções internacionais – se abre a estrangeiros que tenham laços vivenciais com a comunidade nacional…” »

É pois indubitável que a sentença recorrida incorre em nulidade por excesso de pronúncia a que alude o artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, na parte em que se pronuncia e julga verificado o fundamento de inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa previsto na alínea a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade.
Deve, pois, a sentença recorrida ser anulada nessa parte. O que se decide.
Procedendo assim, neste aspeto, o presente recurso.
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2. Do invocado erro de julgamento
2.1 Da questão de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, de direito, ao julgar procedente a oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa com fundamento na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade – (conclusões h) a n) das alegações de recurso).
Invoca o recorrente, nos termos que expõe nas suas alegações de recurso e reconduz às respetivas conclusões, que atendendo ao espírito do legislador o artigo 9º alínea b) da Lei da Nacionalidade prevê apenas como impedimento de atribuição da nacionalidade portuguesa, os cidadãos que tenham sido condenados, em concreto, com a pena de prisão igual ou superior a três anos; que tal não é o seu caso por ter sido condenado com a pena de multa, no montante de 2.000,00 Libras, não atingindo a sua condenação em concreto os três (3) anos, não constituindo a condenação de pena de multa que sofreu fator impeditivo da atribuição de nacionalidade portuguesa; que relativamente ao dito crime de dano, ocorrido em 22 de Dezembro de 2012, não houve qualquer condenação, havendo apenas advertência feita pela polícia londrina, e que assim não pode ser considerado como fator impeditivo à atribuição da nacionalidade por faltar um dos requisitos que é condenação, com trânsito em julgado da sentença, que não aconteceu; que a aplicação do preceituado no artigo 9º alínea b) da Lei da Nacionalidade não é automática, exigindo a condenação com trânsito em julgado, pela prática do referido crime, em concreto, ser condenado com uma pena de prisão igual ou superior a três anos, pondo em causa a idoneidade moral e civil para o estrangeiro aceder ao estatuto de nacional e que a sentença recorrida não concretiza, com factos concretos, as razões conducentes à verificação de não ser desejável a pretendida aquisição da nacionalidade, concluindo dever ser-lhe atribuída a nacionalidade portuguesa por ter preenchido os requisitos previstos na lei que lhe confere este direito.
Vejamos.
Dispõe a alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade, que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa “a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa”.
A respeito da interpretação deste normativo no que tange à questão de saber se o relevante, para tal efeito, é a pena em que o requerido foi efetivamente condenado (pena concreta) ou ao invés a moldura abstrata da pena, a jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Sul bem como a do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo de modo reiterado a entender que o que releva no âmbito da previsão normativa contida na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade é a moldura abstrata da pena e não aquela em que concretamente o requerente da nacionalidade tenha sido condenado.
Assim entendeu-se, entre outros, nos Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 18/12/2014, Proc. 11405/14 e de 20/11/2014, Proc. 11498/14 e no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/05/2015, Proc. 032/15 (disponíveis in, www.dgsi.pt) que para efeitos de aplicação da alínea d) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade “releva a moldura penal abstrata fixada no tipo de crime, sendo irrelevante a pena efetivamente escolhida e aplicada no caso concreto”.
Importando reter o que a este respeito foi referido neste aresto do Supremo Tribunal Administrativo, sustentado nos seus outros acórdãos de 20/11/2014, Proc. nº 0662/14, e de 17/12/2014, Proc. nº 0490/14, que se passa a transcrever:
«(…)«Punível» é adjetivo verbal que aponta de forma muito clara para o genérico, abstrato, enquanto «punido» nos remete já para o mundo do concreto, do efetivamente aplicado. Era fácil ao legislador ter dito, se fosse essa a sua intenção: pela prática de crime «punido» com pena de prisão de três anos ou mais. Mas, ciente, com toda a certeza, da potencialidade significativa dos dois termos, ele optou pelo de referência abstrata, e devemos ter isso em consideração. Aliás, também a referência à lei portuguesa efetuada na parte final da alínea d) - «…pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa» - nos remete claramente, cremos, para o âmbito do tipo legal, pois é esse que preferencialmente distingue a lei pátria da lei estrangeira [artigo 9º, nº3, do Código Civil].
Também a intenção legislativa, vertida no texto legal, aponta no mesmo sentido, pois tudo leva a crer que o legislador pretendeu consagrar um critério objetivo que permitisse aferir da «suficiente conformidade» do candidato à obtenção da cidadania portuguesa, por naturalização, com os bens fundamentais relevantes para a sociedade portuguesa que pretende integrar, sendo que esses bens são, precisamente, os protegidos com penas criminais [artigo 9º, nº1, do Código Civil].”
Não merece, pois, neste aspeto, acolhimento a tese defendida pelo recorrente no sentido de que tendo a pena em que foi condenado sido a de multa, e não a de prisão, não se verifica a situação prevista na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade.
Não obstante não pode manter-se a decisão de procedência da oposição com fundamento na citada alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade. O que sucede pelas seguintes ordens de razão.
Importa desde logo ter presente que a previsão normativa daquela alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade não se basta com a (alegada) prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, exige que haja “condenação com trânsito em julgado” - vide neste sentido o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 21/02/2013, Proc. 07604/11 (disponível in, www.dgsi.pt/jtcas), em que se considerou que a previsão normativa da alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade exige a existência de uma decisão transitada em julgado, não a preenchendo a circunstância de o requerente da nacionalidade estar indiciado pela prática do crime, em inquérito-crime pendente.
Ora se bem que tenha sido dada como provado na sentença recorrida que «Em 12.11.2007, o R. foi julgado e condenado pela justiça inglesa pela prática de crime de falsas declarações, e em 22.12.2012 pela prática de um crime de dano» - vide ponto 4. do probatório – a verdade é que o que consta da certidão (traduzida) junta aos autos (a fls. 43), emitida em 26/05/2014 pelos Serviços de Divulgação e Restrição (“DBS – Disclousure & Barring Service”) de Inglaterra, contendo os «Registos da Polícia de Condenações, Cauções, Reprimendas e avisos», é uma condenação, em 12/11/2007, pelo seguinte crime: «prestar falsas declarações para obter lucros para si ou outra pessoa ou provocar perdas em outra pessoa /exposição de outro a riscos» (no original:“make false representations to make gains for self or another or cause loss to other/expose other to risk”) e uma advertência (no original:“caution”), em 22/12/2012, pela Polícia Metropolitana, referente ao seguinte crime: «destruição ou danos em propriedade (valor dos danos #5000 ou inferior – crime contra a lei criminal apenas) em 29/08/2012» (no original: “Destroy or damage property (value of damage #5000 or less – offense agaist criminal damage act 1971 only)”).
Temos, assim, desde logo, que o requerido não foi julgado e condenado pela justiça inglesa pela prática de dois crimes, mas apenas pela prática de um crime, aquele em que foi condenado em 12/11/2007.
Por outro lado, não é claro que o crime pelo qual foi condenado pela justiça inglesa (em 12/11/2007) constitua um «crime de falsas declarações», como foi dado como provado na sentença recorrida. Sendo certo que em momento algum a sentença recorrida indicou a norma legal tipificadora de tal crime (de «falsas declarações»). E o crime pelo qual foi condenado nos tribunais ingleses é descrito na certidão junta aos autos (tradução), do seguinte modo: «prestar falsas declarações para obter lucros para si ou outra pessoa ou provocar perdas em outra pessoa /exposição de outro a riscos» (no original:“make false representations to make gains for self or another or cause loss to other/expose other to risk”). Aliás, a ambiguidade da descrição assim ali feita e a falta de clara correspondência com tipo legal de crime previsto na lei portuguesa, justificará que o Ministério Público tenha mencionado, de forma hesitante, e vacilando na tipologia de crime em causa face ao quadro legal nacional, que o crime pelo qual o requerido foi condenado em 12/11/2007 «se afigura poder ser enquadrado no crime de burla», remetendo ainda assim para o crime de burla previsto e punido pelo artigo 217º do Código Penal (vide artigos 8º e 10º da Petição Inicial).
E existindo dúvidas quanto à correspondência, na lei portuguesa, quanto ao tipo legal de crime pelo qual o requerido foi condenado nos tribunais ingleses, dúvidas existem também quanto à respetiva moldura penal (abstrata), que é a que releva, como já se viu, para efeitos do disposto na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade. Pelo que também não resulta claro que o crime pelo qual foi condenado pela justiça inglesa seja punível, na lei portuguesa, com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos.
Deste modo tem que reconhecer-se que o Tribunal a quo não estava em condições de concluir, como fez, que o requerido havia sido condenado pela justiça inglesa “…pela prática de crime de falsas declarações” (vide ponto 4 da matéria de facto dada como provada – pág. 2 da sentença recorrida) nem que havia sido condenado “… pela prática de crimes cuja moldura penal é superior a três anos” (vide pág. 3 da sentença recorrida).
Ora se bem que o recorrente não tenha impugnado no presente recurso o julgamento da matéria de facto feito na sentença recorrida pela 1ª instância, a verdade é que nos termos do disposto no artigo 662º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, o tribunal de 2ª instância deve, oficiosamente, “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (nº 1) bem como deve “anular a decisão proferida na 1ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão proferida sobre a matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta” (alínea c) do nº 2).
Assim sendo, e porque se mostra contrário ao que resulta da certidão (traduzida) junta aos autos (a fls. 41 ss.), sempre teria que alterar-se o julgamento da matéria de facto feito na 1ª instância quanto ao ponto 4. dos factos provados na parte em que se deu como provado que o requerido foi condenado em 22/12/2012 pela prática de um crime de dano, não podendo tal facto ter-se por provado.
Mas também não pode manter-se, pelo já referido, o julgamento da matéria de facto feito na 1ª instância quanto ao ponto 4. dos factos provados na parte respeitante ao crime pelo qual o requerido foi condenado em 12/11/2007 nos tribunais ingleses. Sucede porém que os elementos constantes do processo não permitam a alteração da decisão proferida nessa parte, já que, nos termos já vistos supra, as menções constantes da certidão (traduzida) junta aos autos (a fls. 41 ss.) são insuficientes para tipificar, à luz da lei portuguesa, o crime pelo qual o requerido foi condenado pelos tribunais ingleses. E por conseguinte, também, a respetiva moldura legal (abstrata). Na verdade, será em face do teor da decisão condenatória (sentença) que será possível proceder à correspondência, na lei portuguesa, do tipo legal de crime em causa e respetiva moldura legal. O que significa que será necessário solicitar certidão (traduzida, nos termos legais) do teor integral de tal decisão (sentença), com menção do seu trânsito em julgado, para que fundadamente possa o Tribunal a quo formar convicção quanto a tal factualidade.
Outra opção não resta, assim, que não seja anular-se a decisão proferida na 1ª instância, nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
O que se decide.
Com o que fica concomitantemente prejudicado o conhecimento das demais questões.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional, anulando-se, pelos fundamentos expostos, a decisão recorrida, ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância para instrução e julgamento, se a tanto nada entretanto obstar.
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Sem custas nesta instância, face à isenção do recorrido (cfr. artigo 4º nº 1 alínea a) do RCP), de quem estariam a cargo – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro).
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Notifique.
D.N.
Lisboa, 26 de Novembro de 2015


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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)




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António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos



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Pedro José Marchão Marques