Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10919/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/20/2014
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:INTIMAÇÃO – INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL E NÃO PROCEDIMENTAL
DOCUMENTOS PREPARATÓRIOS DE ACTIVIDADE LEGISLATIVA
Sumário:1. O direito à informação administrativa procedimental configura a “publicidade erga partes” e o direito de acesso a arquivos e registos administrativos, independentemente de um procedimento, a “publicidade erga omnes”.

2. Constituem documentação excluída do âmbito objectivo do direito de acesso à documentação administrativa em geral, os documentos preparatórios da decisão a adoptar pelo Governo em matéria de autonomização do sector dos resíduos do grupo Águas de Portugal e abertura ao sector privado, no quadro do regime previsto na Lei 35/2013, de 11.06 e DL 92/2013, de 11.07 – vd. , artº 3º nº 2 a) Lei 46/2007 de 24.08 (LADA).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Os Municípios de Barcelos, Ponte da Barca, Viana do Castelo e Ponte de Lima, com os sinais nos autos, inconformados com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vêem recorrer, concluindo como segue:


1. A douta sentença recorrida acabou por julgar improcedente a intimação, sendo que, no modesto entendimento dos Recorrentes e com todo o respeito que é merecido, devido e efectivo, peca por incorrecta interpretação e aplicação do Direito e parte de alguns "erros sobre os pressupostos" que inquina a sua decisão, ferida de nulidade.
2. Desde logo quanto â condenação em custas pelas Requerentes, que não transparece a "procedência parcial" dos pedidos, pois os Autores, por efeito da presente acção judicial, sabem hoje substancialmente mais sobre os Relatórios produzidos no procedimento de privatização da EGF, bem como lhes foram facultados todos os contratos de concessão vigentes.
3. Por conseguinte, deve a sentença ser alterada quanto à decisão identificada no ponto "(HIV) Custas pelas Requerentes".
4. Quanto à caducidade do direito de acção, a sentença recorrida olvida que o requerimento era conjunto, isto é, eram várias as entidades requeridas no referido pedido de informação, pelo que, não obstante a resposta individual de uma densas entidades, os Requerentes tiveram de aguardar até ao final do prazo pela informação requerida, que podia, portanto, ainda ser satisfeita (pelos demais Requeridos).
5. Ao assim não entender, a sentença recorrida viola os princípios da tutela jurisdicional efectiva e plena e da promoção do acesso à Justiça e pró actione.
6. Por conseguinte, deve a sentença ser alterada quanto á decisão identificada no ponto "(i) caducidade do direito de acção contra a Requerida E…., SA".
7. 0 direito à informação em causa nos autos tem por base um procedimento administrativo em curso, de privatizaçáo da E……, SÁ., pelo que a sentença recorrida equivoca-se quando, numa primeira fase, nega tal procedimento.
8. Bem como está ferida de contradição, quando logo depois admite tal procedimento, ao afirmar que "as requerentes formularam um pedido/pretensão de acesso a documentos/informação por referência a um concreto procedimento - a privatizaçáo da E…..'.
9. Existe um procedimento administrativo em curso de privatizaçáo da E…., ao invés do decidido na sentença recorrida mas admitido em sede de fundamentação [o que gera um vício de nulidade previsto no artigo 615.°, n.° 1 alínea c) do CPC], sendo que tal conclusão tem importantes repercussões no caso em apreço e na análise da sentença.
10. O direito à informação em causa nos autos refere-se à sua dupla vertente: procedimental e não procedimental, tal como invocado pelos Requerentes e admitido pelas Requeridas, que se defenderam por impugnação quanto a ambas as vertentes.
11. Porém, a análise da sentença resume-se ao direito á informação procedimental.
12. Por outro lado, a sentença recorrida enferma de contradições e obscuridades, pois ora nega o procedimento (página 25), para logo o admitir (página 26); ora distingue interesse directo de interesse legítimo, para logo decidir apenas pela inexistência de um interesse directo (reportado ao artigo 61,° do CPA, olvidando o artigo 64.°); ora não afasta o interesse legítimo invocado pelas Requerentes, referindo contraditoriamente que tal não foi alegado (apesar do facto provado F).
13. Nos presentes autos estão em causa as duas vertentes do direito à informação - procedimental e não procedimental -, sendo que, quanto à primeira foi claramente invocado o interesse legítimo nas informações, nos termos do artigo 64.° do CPA [ver facto provado F), na parte sob a epígrafe
“A informação requerida"].
14. Assim, descuidando esta dupla vertente e pronunciando-se apenas sobre o direito à informação procedimental, esquecendo o invocado "interesse legítimo" dos Requerentes e apenas afastando o "interesse directo" sem fundamentar, a sentença é nula por omissão, contradição e obscuridade de fundamentos, que para além do mais tornam ininteligível a decisão e sua motivação.
15. Caso o Exmo. Senhor Juiz a quo entendesse inexistir "procedimento administrativo" em curso (como aparentemente julgou na página 25 da sentença), então claramente teria de analisar os pedidos à luz do direito à informação não procedimental.
16. E neste, porque não é necessário qualquer interesse subjacente, todos têm livre acesso aos documentos administrativos, pelo que os Autores deveriam ter acesso aos Relatórios solicitados no pedido identificado sob o n.° 1,
17. Sendo certo que não actuam in casu as restrições legalmente previstas, porquanto tais documentos foram já discutidos "em praça pública", conforme factos provados C), D) e E).
18. Desta forma, para ter acesso aos Relatórios solicitados no pedido 1, não tinham os Requerentes que alegar qualquer interesse (directo ou legítimo), sendo certo que o facto de os mesmos terem sido objeto de seminários e discussão nos media retira por completo a possibilidade de aplicação das restrições previstas legalmente e a actuar de acordo com o princípio da proporcionalidade.
19. Sendo tais documentos administrativos, na acepção do artigo 3.°, n.° 1 alínea a) da LADA, relacionados com uma empresa pública (e sua privatização), carece de fundamento a decisão recorrida quanto à necessidade de lançar mão dos artigos 181.°, 214.° e 299.° do CSC.
20. O direito à informação comercial implicado naqueles artigos do CSC nada tem a ver com o direito à informação aqui em causa.
21. Por outro lado, o direito de acesso a documentos administrativos relativos a empresas públicas está expressamente consagrado no artigo 4.°, n.° 1 alínea d) da LADA, sendo que a E…. é uma empresa pública, pelo que, com todo o respeito, a sentença recorrida aplica erradamente o Direito.
22. Assim, nos termos da LADA, aos Recorrentes estava garantido o acesso aos três Relatórios solicitados sobre a privatização da EGF, no exercício do direito à informação não procedimental (ao invés do decidido na página 26 da sentença recorrida).
23. Mas, considerando-se haver procedimento em curso e quanto ao respectivo direito à informação procedimental, também a douta sentença está ferida, desde logo, de nulidade, por contradição entre fundamentos e decisão.
24. Em primeiro lugar, apesar de considerar não haver "procedimento", a sentença recorrida acaba por admitir um concreto procedimento de privatização da E……, analisando os respectivos pressupostos do direito à informação procedimental, numa primeira contradição evidente.
25. Depois, a sentença recorrida aparentemente nega um "interesse legítimo" por falta de invocação do mesmo no requerimento gracioso, mas em contradição com o facto provado F) (que transcreve o requerimento onde tal interesse é largamente alegado e comprovado) e com a síntese da posição das partes referida na página 2 da sentença, gerando a nulidade da sentença prevista no artigo 615.°, n.° 1 alínea c) do CPC, (versão de 2013), aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA.
26. Os Requerentes alegaram e demonstraram um "interesse legítimo" no conhecimento dos elementos informativos solicitados, ao invés do decido na sentença recorrida, pelo que lhes assiste o direito à informação procedimental quanto ao procedimento de privatização da E…….
27. Seja por um interesse directo, seja por mero interesse legítimo (alegado no requerimento e na P.I.), os Recorrentes são titulares do direito à informação procedimental em exercício nos presentes autos.
28. E a extensão desse direito à informação procedimental abarca os pedidos formulados sob o n.° 2 alíneas a), b), c), d) e f), que não se destinam, ao invés do decidido na sentença recorrida, à emissão de um novo documento, mas apenas à emissão de informação de factos e decisões que estão contidos em documentos pré-constituídos e existentes no procedimento de privatização da EGF, que, como se desconhecem.tomaram a abrangência ínsita nas respectivas alíneas.
29. Urge, pois, corrigir a douta sentença recorrida.
Termos em que deve o presente recurso ser procedente e revogar-se a decisão recorrida do Tribunal Administrativo de Lisboa, concluindo-se pela nulidade da sentença, bem como pela procedência da intimação, com todas as suas consequências.


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A Presidência do Conselho de Ministros contra-alegou sustentando a bondade do dcidido.



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O Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e Energia (MAOTE) contra-alegou, concluindo como segue:

1. Não existe qualquer contradição entre a decisão e os seus fundamentos, não enfermando a douta sentença de quaíquer nulidade.
2. Não estando em causa um procedimento administrativo, os recorrentes não podiam exercer qualquer direito à informação procedimental.
3. Ainda que assim não fosse, os recorrentes nunca seriam directamente interessados no procedimento, ou sequer demonstraram um interesse legítimo na obtenção dos elementos pretendidos.
4. O pedido de obtenção dos elementos solicitados ao abrigo das normas da LADA também não pode proceder, pois os elementos pretendidos não são documentos administrativos.
5. Mesmo que assim não fosse, o MAOTE entendeu que, em qualquer caso, o acesso aos elementos pedidos deveria ser diferido até à tomada da decisão.
6. Os elementos pedidos dizem respeito a matérias que devem reconduzir-se ao conceito de "vida interna" do Estado.
7. Prevenindo a hipótese de serem dos recorrentes, o Recorrido impugna subsidiariamente a fixação da "matéria de facto", mais concretamente, o ponto E) dos factos dados como provados.
8. A peça jornalística em causa desacompanhada de outros meios de prova, não é meio idóneo para prova da discussão pública dos relatórios.
9. Do teor da notícia não se pode concluir que os relatórios tenham sido discutidos publicamente.
10. A decisão recorrida, pelo que toca ao ponto E), deve ser revogada.
11. Deve ser unicamente dado como assente a publicação da notícia e o seu teor.
Nestes termos, e nos mais que doutamente se suprirão, deve ser negado provimento ao recurso, e confirmada a douta decisão recorrida.
Quando assim se não entenda, deve ser julgada procedente a impugnação a título subsidiário da douta decisão relativa á fixação da matéria de facto e, em consequência, ser negado provimento ao recurso, econfirmando a sentença recorida.


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o A Empresa Geral de Fomento SA contra-alegou, sustentando a bondade do decidido.

o Impugna a título subsidiário a alínea E) da matéria de facto, referindo que “(..) de deve decidir apenas que foi publicada a pela jornalística com o teor de fls. 51 dos autos, suprimindo-se qualquer referência à “discussão pública” dos documentos. O concrteo meio probatório relevante para este efeito, constante do processo e que impõe tal decisão, é o próprio documento de fls. 51 dos autos. (..)”


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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.


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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:


Omissis




DO DIREITO


1. caducidade do direito de acção; litisconcsórcio voluntário;

Em sede de CPTA a caducidade do direito de acção é concebida como excepção dilatória – vd. artº 89º nº 1 h) CPTA – diversamente do regime adjectivo civilista que enquadra este pressuposto processual no domínio das excepções peremptórias inominadas vd. artº 579º CPC (vd. ex artº 496º CPC). (1)
A caducidade de acção em matéria subtraída à disponibilidade das partes é de conhecimento oficioso, como disposto no artº 333º nº 1 C. Civil, o que não é o caso dos autos, pelo que, na circunstância se trata de pressuposto processual, isto é, de uma excepção processual que obsta ao conhecimento do mérito da causa, cuja invocação está reservada ao réu.
Do ponto de vista do sujeito passivo da acção, os ora Recorrentes organizaram o petitório em termos de litisconsórcio voluntário.
No litisconsórcio necessário passivo por disposição de lei, estipulação negocial ou decorrente da natureza da relação jurídica – vd. artºs. 33º nº 1 e 35º CPC (ex artºs.28º nº 1 e 29º CPC) - precisamente porque o litígio reporta a uma pluralidade de réus, para que a instância se considere regularmente constituída é necessário que a mesma seja instaurada e prossiga com todos os sujeitos passivos da relação, pois só deste modo a decisão a proferir pelo Tribunal terá as qualidades de única e uniforme sob pena de inutilidade.
Exactamente por isso, no litisconsórcio obrigatório, como nos diz a doutrina da especialidade, “(..) os pressupostos processuais têm de verificar-se em relação a todos os litisconsortes, sob pena de a absolvição da instância também a todos os abranger. (..)”.
Regime processual que não se verifica em sede de litisconsórcio voluntário, pois não carecendo a decisão de ser única e uniforme tal implica que “(..) as vicissitudes da instância podem ser diversas em relação a cada um dos litisconsortes voluntáros. (..)”. (2)
De modo que não tem amparo de direito adjectivo sustentar que relativamente ao co-réu EGF, SA não ocorre a caducidade do direito de acção por ter sido ultrapassado o prazo de 20 dias estabelecido no artº 105º CPTA, contado da recepção da resposta em 26.08.2013, invocando os ora Recorrentes que solicitaram a informação às várias entidades que estão presentes em juízo na posição de sujeitos passivos da acção de intimação, e não têem razão pela circunstância de nem a lei nem a natureza da relação jurídica imporem o litisconsórcio necessário, como é evidente.
Neste sentido improcede a questão trazida a recurso nos itens 4 a 6 das conclusões.
Quanto à condenação em custas a mesma é decorrente da total improcedência da causa nos termos da decisão em 1ª Instância – vd. artº. 527º nº 1 CPC (ex.artº. 446º nº 1 CPC) - pelo que não assiste razão aos Recorrentes no tocante à questão trazida a recursao nos itens 2 e 3 das conclusões.

2. nulidade de sentença por contradição e obscuridade;

Nos itens 8, 9 e 12 das conclusões de recurso os Municípios Recorrentes assacam a sentença de incrrer em nulidade por contradição e obscuridades, v.g. artº 615º nº 1 c) CPC.
Não lhes assiste razão na medida em que, de acordo com o direito adjectivo, a contradição intrínseca geradora de nulidade é construída não no âmbito do discurso jurídico fundamentador, mas entre os fundamentos invocados pelo Tribunal e o efeito jurídico declarado na decisão. (3)
Cabe dizer, ainda, que não se verifica a mencionada contraditoriedade de argumentação jurídica, o que sucede é a discordância por parte dos ora Recorrentes do enquadramento jurídico sustentado na sentença.
Pelo exposto improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 8, 9 e 12 das conclusões.


3. processo de intimação - artº 104º/CPTA;

O processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulado nos artº 104° e ss., do CPTA, enquanto meio processual autónomo, visa a resolução urgente e célere de pretensões que se reconduzem a assegurar o direito à informação administrativa procedimental e não procedimental, com assento constitucional, atento o disposto nos art°. 35°, n°s. l a 7 e no art°. 268°, nºs. l e 2, ambos da CRP, os quais haviam merecido já concretização ao nível do direito ordinário, conforme resulta do disposto nos artºs 61° a 65°, do CPA.
Com efeito, no nº 1 do art. 268° da CRP, está consagrado que: “Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados” e no nº 2, do mesmo art. 268°, que: “Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”.
Sobre o disposto no n.° 1 e no n.° 2 (princípio do arquivo aberto), diz Sérvulo Correia que “(..) A utilização neste nº 2 do advérbio "também" denota a consciência de um nexo conjuntivo entre os direitos à informação procedimental e ao acesso aos arquivos e registos administrativos: são, na verdade, duas diferentes concretizações de um mesmo princípio geral de publicidade ou transparência da administração.
Mas se ambos se conjugam em torno do propósito de banir o "segredo administrativo", algo os diferencia: ao passo que o primeiro direito se concebe no quadro subjectivo e cronológico de um procedimento administrativo concreto, o segundo existirá independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo.(..)”. (4)


4. direitos à informação procedimental e não procedimental – artº. 268º/l/2/CRP;

Estes dois planos do direito à informação (procedimental e não procedimental) foram respeitados aquando da sua incorporação no CPA tratando do primeiro os artºs. 61° a 64° e do segundo o artº. 65°.
O direito à informação procedimental comporta, assim, três direitos distintos: o direito à prestação de informações (art. 61°), o direito à consulta de processo e o direito à passagem de certidões (art. 62°).
O direito à informação não procedimental abrange o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (art. 65°).
Os documentos administrativos a que o particular interessado tem acesso não são apenas os que têm origem ou são detidos por órgãos da Administração, mas também a sua reprodução e o direito de serem informados sobre a sua existência e conteúdo – vd. Ac. STA de 01/02/94, Proc. n.° 33555.
Neste domínio, o alcance e extensão da obrigação da Administração Requerida deve aferir-se tendo em atenção que a certidão é sempre um documento emitido face a um original que comprova ou revela o que consta dos seus arquivos, processos ou registos, e não declaração de ciência ou juízo de valor baseado em factos que constem dos seus arquivos ou preexistam no seu conhecimento – vd. Ac. STA de 17.06.97, Rec. 42279 “(..) está excluída a obtenção de pareceres, opiniões, instruções, ou qualquer outra forma de elucidação, seja de que natureza for, que extravasem do procedimento ou documento, o que exige a identificação ou individualização de um e do outro pela requerente, condição sine qua non para este poder ver a sua pretensão satisfeita.” - mais não sendo do que documentos que visam comprovar factos pela referência a documentos escritos preexistentes ou que atestam a inexistência desses documentos.
Neste sentido, mesmo que a informação ou documento, cuja certidão o Requerente requer, não se encontre no processo, terá o Requerido de informar ou passar a certidão “(..) quanto mais não seja para atestar a sua inexistência naquele processo e ou a falta de elementos para a sua localização noutro processos e, na hipótese de não possuir tal documento para informar qual a entidade que o detém, se tal facto for do seu conhecimento (..)” – vd. Ac. STA de 30/11/94, Proc. n.° 36256 – perante estas circunstâncias caberá emitir a correspondente certidão negativa.

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Continuando com a doutrina da especialidade, “(..) Na definição constitucional, os titulares do direito à informação administrativa procedimental são aqueles que têm interesse directo no procedimento.Já os titulares do direito de àcesso a qrauivos e registos administrativos são os cidadãos que não estão, para aquele efeito, em qualquer relação procedimental específica e concreta com a Administração Pública. (..)
Se quisermos utilizar duas expressões consagradas na dogmática, o direito à informação administrativa procedimental define-se como um direito uti singulis, sendo que o direito de acesso a arquivos e registos administrativos se caracteriza por ser um direito uti cives.
Ou, nas palavras de J. M. Sérvulo Correia, o direito à informação administrativa procedimental configura a “publicidade erga partes” e o direito de acesso a arquivos e registos administrativos, independentemente de um procedimento, a “publicidade erga omnes” (in O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, Cadernos de Ciência e Legislação/1994, nºs.9-10, pp. 135).
O primeiro perspectiva o indivíduo enquanto administrado, em sentido estrito, no quadro de uma epecífica e concreta relação com a Administração Pública e portador de interesses eminentemente subjectivos.
o segundo considera o particular como cidadão face ao poder, em termos mais genéricos.
Dizendo ainda de outra forma, o direito à informação administrativa procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas, enquanto o direito de acesso a arquivos e registos administrativos está configurado como um dos instrumentos de protecção de interesses mais objectivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da acção administrativa. (..)”. (5)
Do que vem dito decorre a configuração do direito à informação administrativa procedimental como direito subjectivo procedimental e em consequência do princípio do contraditório e das garantias de defesa, na medida em que “(..) quem participa num procedimento tem de conhecer o respectivo objecto e as vicissitudes por que o mesmo tenha passado desde o início. (..)”. (6)


5. conceito de procedimento administrativo - artº 1º/1/2 CPA;

Do que vem dito decorre, com toda a clareza, que o direito à informação administrativa procedimental e o direito de acesso a arquivos e registos administrativos constituem direitos formalmente distintos e cujos contextos de aplicação são, além de distintos, reportados a diferentes titulares.

Cabe saber qual o contexto fáctico que emerge dos probatório e a disciplina legal que lhe compete.

Tem base normativa que a actividade económica da recolha e tratamento dos resíduos sólidos urbanos (do lixo, na terminologia comum) pode ser atribuída mediante concessão “A empresas, cujo capital social seja maioritária ou integralmente subscrito por entidades do sector privado”, conforme estatuído no artº 1º nº 5 b) da Lei 87-A/97 de 25.07 na alteração introduzida pela Lei 35/2013 de 11.06 bem como a “entidades do sector público, nomeadamente a autarquias locais”, nos termos do artº 1º nº 5 a) da citada Lei.
Todavia, aplicando o direito objectivo à matéria de facto levada ao probatório de acordo com o enquadramento doutrinário acabado de citar, é patente que não se mostra em curso nenhum procedimento administrativo na acepção que tal conceito tem no domínio do artº 1º nºs. 1 e 2 CPA, é dizer, um “(..) procedimento administrativo em curso de privatização da Empresa Geral de Fomento, SA (..)”, como afirmado no item 7 das conclusões pelos Municípios Recorrentes.
Na circunstância dos autos, nada emerge do probatório susceptível de configurar uma sucessão ordenada e articulada formal de actos e/ou formalidades, nem existe um conjunto de documentos produzidos para dar suporte a actos e formalidades do procedimento. (7)
Na vertente de exercício da função administrativa, tal iniciativa procedimental não resulta provada nos autos, seja ela originária da Presidência do Conselho de Ministros, ou do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e Energia ou de outra eentidade pública.
Questão diferente é verificar esta matéria integrada na função estritamente política, isto é, na função legislativa de carácter primário do Governo ou da Assembleia da República, que não da Administração.
Nesta vertente político-legislativa e pelas razões de direito já referidas é uma evidência que existe a possibilidade jurídica de tanto o sector privado como o sector público, nomeadamente o sector local, assumirem a actividade económica empresarial de recolha e tratamento do lixo produzido nos aglomerados urbanos concentrados ou dispersos no território, nos termos já referidos pelo artº 1º nº 5 a) e b) da Lei 87-A/97 de 25.07 na alteração introduzida pela Lei 35/2013 de 11.06.
Simplesmente, a conformação do litígio em causa na vertente da função primária política e legislativa extravaza o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal tal como delimitada na lei, excluída por disposição expressa de lei nos termos dos artºs. 1º nº 1 e 4º nº 2 a) do ETAF.


6. documentos preparatórios de actividade legislativa – artº 3º nº 2 b) e 4º nº 1 LADA (Lei 46/07, 24.08);

No tocante ao direito de acesso a arquivos e registos administrativos os Requerentes ora Recorrentes solicitaram junto das entidades ora Recorridas a documentação mencionada no requerimento cujo teor consta do item F do probatório.
Requerimento a que os ora Recorridos EGF, SA e MAOTE responderam por ofícios cujo teor também foi levado aos probatório, respectivamente nos itens G e I.
Neste último o MAOTE referiu que não se encontra concluído todo o processo “(..) visando a tomada de decisão sobre os termos da autonomização do sector dos resíduos do grupo Águas de Portugal e a implementação de medidas que promovam a sua abertura ao sector privado, no quadro do regime previsto na Lei nº 35/2013, de 11 de Junho, e no Decreto-Lei nº 92/2013, de 11 de Junho (..)
Neste contexto, uma vez concluídos e analisados os diversos estudos e trabalhos preparatórios sobre as diversas modalidades de concretização dos objectivos enunciados pelo Governo, com vista a eleger qual o modelo que maiores vantagens apresenta para o interesse público (…) os termos e condições em apreço serão definidos por acto legislativo, nos termos previstos nos regimes jurídicos em vigor.
Por todo o exposto, afigura-se que os documentos cujo acesso é solicitado, ou são ainda inexistentes ou revestem um carácter meramente provisório e não definitivo, dada a fase de arranque do processo (..)
(..) Consequentemente, nos termos conjugados da alínea b) do nº 2 do artº 3º e do nº 3 do artº 6º da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, aprovada pela Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto, vimos por este meio comunicar o necessário diferimento do acesso aos documentos solicitados, respeitantes ao procedimento de privatização da EGF, até à tomada de decisão do Governo sobre o mesmo.
As consideraçõe acima referidas não se aplicam, naturalmente, aos solictados contratos de concessão dos sistemas multimunicipais de tratamento de resíduos sólidos urbanos vigentes, cuja cópia V. disponibilizamos por esta via. (..)” – vd. alínea I do probatório.
No mesmo sentido do diferimento se pronunciou a ora Recorrida EGF, SA, vd. alínea G do probatório.
Ou seja, o objecto da presente acção de intimação é constituído por documentos preparatórios do processo legislativo em causa - que não é um procedimento administrativo na acepção do artº 1º /1/2 CPA, pelas razões supra expostas - não se consideram documentos administrativos para os efeitos da LADA, Lei 46/2007 de 24.08, porque subsumíveis na previsão do artº 3º nº 2 al. b) da citada Lei,isto é, não se trata de documentos produzidos no exercício da função administrativa.

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Como é sabido, o artº 3º nº 1 a) LADA remete para o conceito civilista de documento, vazado no artº 362º C. Civil, na medida em que define o documento administrativo como “qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome.”.
O que significa que na acepção da LADA, Lei 46/2007 de 24.08, o conceito de documento administrativo passa por três planos de referência.
Primeiro, que finalidade jurídica têm, para que é que servem; assim, documentos são “(..) objectos elaborados pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (artº 362ºdo Código Civil). Essencial à noção de documento é, pois, a função representativa ou reconstitutiva do objecto (Pires de Lima e Antunes Varela, 1987:p. 321. Uma pedra, um ramo de árvora ou quaisquer outras coisas naturais, não trabalhadas pelo homem, não são documentos na acepção legal. (..)”.
Segundo, o plano do conteúdo, “(..) documentos administrativos são, apenas, os suportes (de qualquer tipo) que contenham informação. (..) a informação , por seu lado, “é uma abstracção informal (isto é, não pode ser formalizada através de uma teoria lógica ou matemática), que representa algo significativo para alguém, através de textos, imagens ou sons ou animação”(Setzer, 1999:2) (..)”.
Terceiro, o plano do sujeito passivo, para efeitos de aplicação da Lei 46/07 “(..)Para que os suportes de informação sejam documentos administrativos é necessário, ainda, que estejam na posse das entidades referidas no artº 4º da LARDA. É o que resulta da alínea a) do nº 1 do artº 3º da LARDA.
São documentos administrativos: a. Os documentos detidos materialmente pelas entidades sujeitas à LARDA; e b. Os documentos em relação aos quais existe um direito de posse. (..)”. (8)

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Neste terceiro plano de referência, o plano dos sujeitos passivos em sede de Lei 46/2007, entidades a quem é aplicável o regime da lei do acesso a documentos administrativos, cabe a tender à delimitação negativa do conceito de documento administrativo constante do artº 3º nº 2 b) LADA, configurada por recurso à teoria das funções estaduais:
“2. Não se consideram documentos administrativos, para efeitos do presente diploma:
a) …
b) Os documentos cuja elaboração não releve da actividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros e de Secretários de Estado, bem como à sua preparação.”
Como é sabido, o perfil funcional da actividade administrativa tem assento constitucional – cfr. artºs. 9º, 81º e 266º, CRP – sendo definida doutrináriamente como compreendendo
“(..) o conjunto dos actos de execução dos actos legislativos, traduzida na produção de bens e na prestação de serviços destinados a satisfazer necessidades colectivas que, por virtude de prévia opção legislativa, se tenha entendido que incumbem ao poder político do Estado-colectividade. (..)”,
importando ao caso dos autos distingui-la da função legislativa, que, seguindo o mesmo Autor, entende
“(..) a actividade permanente do poder político consistente na elaboração de regras de conduta social de conteúdo primacialmente político, revestindo determinadas formas previstas na Constituição.(..)”. (9)
Ou seja, a função administrativa envolve sempre a satisfação de necessidades colectivas, tendo sempre como fundamento um acto jurídico-público (Constituição, lei, sentença) mediante a prática tanto de actos jurídicos como de operaçãos materiais. (10)
Sendo complexa a distinção entre estas funções, a legislativa e a administrativa, e “(..) Sem embargo da possibilidade de existirem casos de fronteira, pensamos que aquilo que distingue a lei do acto de administração é o conteúdo político daquela.
Sempre que, impondo-se uma disciplina imediata da vida social, estiver em causa uma escolha política, no sentido de envolver interesses colectivos essenciais – aí é o domínio da lei. É ela que deve definir o que são necessidades colectivas, quais as de satisfação administrativa e os critérios essencciais dessa satisfação.
Sempre que, tratando-se de reger a vida social, se tenha de executar prévias escolhas políticas, procedendo à satisfação das necessidades colectivas definidas, seleccionadas e ordenadas pela lei – esse é o campo de eleição da função administrativa.
Quer isto significar que não é do foro da função administrativa nem a definição das necessidades colectivas, nem a selecção daquelas que deve satisfazer, nem sequer a ordenação de prioridades ou o traçado dos grandes princípios materiais, orgânicos e formais a que deve obedecer essa satisfação. (..)”. (11)

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Na circunstância dos presentes autos, os documentos a cujas fotocópias os Recorrentes pretendem ter acesso para efeitos de informação, de acordo com os termos da resposta dada pelo MAOTE são “documentos preparatórios da decisão a adoptar pelo Governo sobre o processo de privatização enunciado”, ou seja, o “processo, ainda não concluído, visando a tomada de decisão sobre os termos da autonomização do sector dos resíduos do grupo Águas de Portugal e a implementação de medidas que promovam a sua abertura ao sector privado, no quadro do regime previsto na Lei nº 35/2013, de 11 de Junho, e no Decreto-Lei nº 92/2013, de 11 de Julho.” – vd. item I do probatório.
De modo que, pelas razões de direito expostas, trata-se de documentos que não relevam da actividade administrativa, mas da actividade político-legislativa; neste sentido, embora originários uns e detidos, outros, por órgãos da Administração central, concretamente do MAOTE, constituem documentação excluída do âmbito objectivo do direito de acesso à documentação administrativa em geral, nos termos definidos pelo artº 3º nº 2 a) LADA.

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Pelo exposto, na exacta medida em que dos autos não resulta provada a existência de um procedimento administrativo de privatização da EGF, SA na acepção do artº 1º nºs. 1 e 2 CPA, nem a documentação que constitui o objecto da presente intimação preenche a previsão do artº 3º nº 1 a) LADA, antes pelo contrário, mostra-se abrangida pela delimitação negativa do conceito de documento administrativo do artº 3º nº 2 b) LADA, improcedem as questões constantes dos itens 7, 10, 11 13 a 29 das conclusões de recurso.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença proferida.
Custas a cargo dos Recorrentes.


Lisboa, 20.MAR.2014


(Cristina dos Santos) ………………………………………………………………….

(Rui Pereira) ………………………………………………………………………….

(Sofia David) …………………………………………………………………………

(1)Alberto dos Reis, CPC – Anotado, Vol. III pág. 89; Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, pág. 137; Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de processo civil, pág.305;
(2) Anselmo de Castro, Direito processual civil declartório, Vol. II, Almedina/1982, pág.216 e nota (2).
(3) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, LEX/1997, pág. 224.
(4) Sérvulo Correia, O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, Cadernos de Ciência e Legislação/1994, nºs.9-10, págs. 133 e ss.
(5) Raquel Carvalho, O direito à informação administrativa procedimental - Publicações Universidade Católica, Estudos e Monografias/Porto/1999, págs.159/160.
(6) Pedro Machete, A audiência dos interessados no procedimento administrativo, Universidade Católica Editora, Estudos e Monografias/1996, 2ª ed., pág. 400.
(7) Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo – Comentado, 2ª ed. Almedina/1998, págs. 44/45 e 53/54. (8) Sérgio Pratas, Lei do acesso e da reutilização dos documentos administrativos - anotada, DisLivro/2008, págs.56/58. Renato Gonçalves, Acesso á informação das entidades públicas, Almedina/2002, págs. 33/43.
(9) Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de direito administrativo, LEX/1999, págs.11/12.
(10) Paulo Otero, Manual de direito administrativo, Almedina/2013, págs.184/185.
(11) Marcelo Rebelo de Sousa, Lições …, pág.15.