Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:22/19.8BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
TEMPESTIVIDADE DA IMPUGNAÇÃO
REFORMA DA DECISÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE ARMAS
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Sumário:I- A impugnação arbitral, dirigida ao TCA, não visa erros de julgamento, de facto e/ou de direito, limitando-se, no essencial, ao conhecimento de nulidades da decisão.
II - Não tendo o TCA poderes para o conhecimento do mérito da decisão arbitral, resulta que este Tribunal nunca poderia substituir-se ao árbitro na apreciação do mérito da decisão proferida, ainda que para acolher o que vem previsto na alínea b) do nº2 do artigo 616º do CPC, ou seja, a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
III - Assim, não se vê como impedir que o árbitro o faça, numa faculdade excepcional, só admissível em hipóteses de lapso manifesto do julgador, evitando-se, assim, em caso de tal lapso manifesto ser atendido, o perpetuar de um erro que pode ser causador de sérios prejuízos para a parte.
IV – O “princípio da igualdade de armas constitui (…) manifestação do princípio mais geral da igualdade das partes, que implica paridade simétrica das suas posições perante o tribunal. (…) impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses”.
V – A oposição dos fundamentos de facto e de direito com a decisão proferida verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que, de todo, não se coaduna com as premissas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO


4..., LDA, veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 27º e 28º do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), impugnar a decisão proferida em 18/11/2018 pelo Tribunal Arbitral singular, constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo a que aí foi atribuído o nº197/2018-T, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral que formulou com vista à anulação do acto de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, referente ao ano de 2012, no montante total de €53.641.79.

No seu articulado inicial a sociedade, 4..., LDA formula as seguintes conclusões:

«a) Ocorreu na decisão arbitral ora recorrida, violação ostensiva do princípio da igualdade das partes, por um lado e, por outro, oposição dos fundamentos de facto e de direito com a decisão proferida;
b) O pedido arbitral apresentado pela recorrente sustentou-se, apenas, na circunstância de entender não existir causa válida que pudesse ter determinado a suspensão ou prorrogação do prazo do direito à liquidação do imposto que, por isso, se encontrava caducado à data da notificação da liquidação, defendendo não constituir fundamento para esse efeito o envio de ofício informando estar o processo de inspeção suspenso pelo facto de ter sido instaurado processo de inquérito, o que constituiria causa justificativa da contagem do prazo de caducidade;
c) Mais do que isso, a Requerente invocou desconhecer se existe, efetivamente, algum processo de inquérito instaurado contra si e, por isso, se corresponde à verdade tal facto (o que sustentou no facto de, até à presente data, para nenhum ato ter sido convocada naquele processo ou de nenhuma diligência ter sido notificada no âmbito do mesmo);
d) Na Resposta ao pedido inicial, a AT alegou existir efetivamente processo de inquérito e para pretensamente o provar veio juntar um documento que intitulou de "Informação Preliminar para Abertura de Processo de Inquérito", elaborado pelo mesmo inspetor tributário que elaborou o Relatório de Inspeção;
e) Mais veio alegar que "muito antes da notificação do relatório de inspeção tributária, já a Requerente havia adquirido o conhecimento da suspensão e inclusivamente adequou o seu comportamento", remetendo para documento que aquela subscreveu;
f) Não tendo o Tribunal feito uso do disposto no n° 2 do artº113° do CPPT, veio a Requerente, em alegações, impugnar tal factualidade dizendo que consta do processo administrativo um outro documento para o que o acima referido remete, com o seguinte teor: "Pese embora a requerente não tenha sido notificada da instauração de qualquer processo de inquérito, aceitando-se como verdadeira tal comunicação, resulta do disposto na alínea c) do n°5 do artº36° do RCPITA que ocorre a suspensão do procedimento de inspecção em causa, caso estejam ali a ser investigados os mesmos factos objeto da inspeção tributária,
g) É incontroverso para as partes que nem tal "informação preliminar", consta do Relatório de Inspeção, nem nele é dito contra quem teria sido instaurado o aludido processo de inquérito, nem que factos nele seriam objeto de investigação;
h) Pese embora todo o processado acima descrito, o tribunal arbitral, apesar desta contradição de posições fácticas e perante a ausência de prova documental bastante e necessária, fazendo tábua rasa das regras do ónus probatório exigido às partes, deu como provado sem reticências o constante da alínea F) dos factos provados – foi instaurado processo de inquérito - que, no limite, apenas se aceitaria tivesse a mesma formulação da alínea G), ou seja "consta do Relatório de Inspeção Tributária que foi instaurado processo de inquérito";
i) Acresce que o tribunal arbitral valorou com peso absoluto as declarações da AT constantes da Resposta, omitindo documentos juntos pela Recorrente constantes do processo administrativo e a que esta fez expressa menção nos articulados, arbitral levando à alínea L) dos factos provados a transcrição ipsis verbis do artigo 13° da resposta apresentada pela AT quando tinha sido alertado que tal alegação resultava do truncamento de um documento apresentado pela Recorrente;
j) O descrito constitui uma manifesta violação do princípio da igualdade das partes, por se ter tratado de forma ostensivamente desigual as partes a nível processual;
k) Tal convicção é reforçada com o despacho de esclarecimento da decisão arbitral (atendendo-se, designadamente, ao desprezo a que o mesmo foi votado ao demorar dois meses a ser proferido) quando aí se explicita como foi a matéria de facto em causa dada como provada: convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação do disposto no Relatório Final de Inspeção Tributária e o que dele consta faz prova idónea relativamente ao que afirmam;
l) Mas, mais do que isso, omitiu-se deliberadamente no mesmo esclarecimento o pedido efetuado a esse propósito, relativamente ao truncamento de documento da Requerente constante do processo administrativo atrás referido, o que foi feito de forma subtil, pois ao elencar-se no despacho de esclarecimento os pontos suscitados a que se pretendia aclaração, nenhuma referência é feita a esse propósito;
m) O princípio da igualdade das partes, transversal a todo o ordenamento jurídico tributário, visa o reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente para efeitos do uso dos meios de defesa, equiparação e valoração das armas utilizadas e das faculdades exercidas pelas partes;
n) Não está em causa, nem é submetido a sindicância do tribunal eventual erro de julgamento, mas antes a apreciação de um juízo pré-concebido do tribunal arbitral de valorar a posição da administração tributária em detrimento do contribuinte, valorando e dando como provados factos que aquele impugnou e para os quais se exigiria prova documental;
o) Pese embora o tribunal arbitral tenha considerado essencial, para aplicação do n°5 do artigo 43° da LGT, a comprovação da efetiva existência de investigação criminal - a qual não cabe legal e organicamente na esfera dos serviços de inspeção tributária -assente nos mesmos factos e sujeitos que originaram a liquidação impugnada e não constando do probatório da decisão arbitral factos que o comprovem, considerou legal a aplicação daquele preceito;
p) É manifesto que a decisão recorrida não poderia ser a que foi tomada, por não estar em consonância com os factos dados por provados;
q) Demonstrada a violação do princípio da igualdade das partes, por um lado, e a evidente oposição dos fundamentos de facto e de direito com a decisão proferida, por outro, deverá esse Ilustre Tribunal anulara decisão arbitral impugnada;
r) Foi violado o disposto no art. 16°, b) e f), do RJAT, do art. 342°, nº1 e 364° n°1 do C. Civil, art. 607°, n°5, 2ª parte do C. P. Civil, 45°, n°5 da LGT, tendo o recurso fundamento no artº28°, n.°1, b) e d) do RJAT.»


*

Admitida a Impugnação e notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira, por esta foi apresentado articulado de resposta, na qual suscita a excepção peremptória de caducidade do direito de impugnar a decisão arbitral, formulando, a final, as seguintes conclusões:

«1.ª A decisão proferida pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no CAAD, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral distribuído e autuado sob o n°197/2018-T, não padece de qualquer nulidade, designadamente por violação do princípio da igualdade das partes ou por enfermar de oposição dos fundamentos de facto e de direito;


~I~


2.ª A Impugnante deduziu a presente impugnação precisamente no 15° dia contado da notificação do despacho arbitral de indeferimento do pedido de "esclarecimento da decisão arbitral", porém, considerando o quadro legal vigente, quer à data da instauração do processo quer às datas da prolacão da decisão e do despacho arbitrais, julga verificar-se um claro erro na contagem do prazo para a interposição da impugnação;

3.ª Desde a entrada em vigor do Novo CPC a 2013-09-01, deixou de existir a figura do pedido de esclarecimento da sentença, que até ali se encontrava prevista no artigo 669° do CPC, pelo que o requerimento epigrafado de "esclarecimento da decisão arbitral" apresentado pela Impugnante é juridicamente nulo, uma vez que a atual lei processual não admite, sequer, a sua prática;

4.ª Sendo tal requerimento nulo, naturalmente que nulo é também o despacho arbitral que sobre ele recaiu;

5.ª Como tal, o pedido de "esclarecimento da decisão arbitral" nunca poderia ter um efeito suspensivo na contagem do prazo para a interposição da presente Impugnação da Decisão Arbitral, pelo que a reação da Impugnante é totalmente intempestiva, uma vez que foi claramente ultrapassado o prazo de 15 dias que a lei prescreve para o efeito;

6.ª Ainda que se considerasse que o requerimento epigrafado de "esclarecimento da decisão arbitral" consubstanciava um pedido de reforma da sentença, a reação da Impugnante continuaria a ser intempestiva;

7.ª À data da propositura da ação e da prolação da sentença (2018) já estava em vigor do Novo CPC;

8.ª O pedido de reforma da sentença encontra-se hoje previsto no artigo 616° do Novo CPC, tendo sucedido ao antigo regime da reforma da sentença prescrito no artigo 669.° do antigo CPC;

9.ª Inicialmente, no âmbito do antigo CPC, a apresentação do pedido de reforma da sentença tinha efeito suspensivo na contagem do prazo do recurso (artigo 686° do antigo CPC);

10.ª Posteriormente, o artigo 686° do antigo CPC foi revogado, por força da alteração protagonizada pelo artigo 9.° do Decreto-Lei 303/2007, de 24 de agosto, ou seja, ainda no âmbito do antigo CPC, o efeito suspensivo na contagem do prazo deixou de existir a partir de 2007;

11.ª O sobrevindo Novo CPC de 2012 não alterou esse regime ou esse efeito, isto significando que o evento a partir do qual se inicia a contagem do prazo do recurso da decisão arbitral aqui em causa será sempre a data da sua notificação, e não a data em que foi proferido o pseudo despacho de esclarecimento ou de reforma;

12.ª À data da interposição da Impugnação da Decisão Arbitral já, há muito, se encontrava consolidada na ordem jurídica a decisão arbitral;

13.ª A caducidade constitui uma exceção perentória (artigo 576.°/1 e 3 do CPC), na medida em que extingue o efeito jurídico dos factos articulados, in casu, pela Impugnante, a qual dá lugar à absolvição da Impugnada do pedido;


~II~


14.ª Ainda que assim não se entendesse, não colhe o fundamento da violação do princípio da igualdade entre as partes, no sentido de que o Tribunal Arbitral Singular partiu de «(...) um juízo pré-concebido [...] de valorar a posição da administração tributária em detrimento do contribuinte, valorando e dando como provados factos que aquele impugnou e para os quais se exigiria aprova documental»,

15.ª O verdadeiro propósito da Impugnante é a sindicância, por banda do TCAS, de um pretenso erro de julgamento em sobre a matéria de facto por parte do Tribunal Arbitral Singular;

16.ª Considerações como as de que «deu como provado sem reticências», «valorou com peso absoluto as declarações da AT» e «levou à alínea L) dos factos provados a transcrição 'ipsis verbis' do artigo 13° da resposta apresentada pela AT», desaguam numa única e essencial questão: a livre apreciação da prova por parte do areópago e a formação da sua convicção quanto aos factos;

17.ª A Impugnação da Decisão Arbitral não visa sindicar pretensos erros de julgamento, mas, sim, vícios formais da decisão arbitral, conforme, aliás, basta jurisprudência provinda do TCAS sobre esta matéria;

18.ª O alegado pela Impugnante não se subsume minimamente na propalada violação do princípio da igualdade, mas na sua insurgência quanto a um pretenso erro de julgamento;

19.ª Mesmo olvidando as afirmações difamatórias lançadas pela Impugnante em torno da apresentação de um Processo Administrativo incompleto e da truncagem de documentos por parte da Impugnada, cumpre lembrar o estabelecido no artigo 76.°/1 da Lei Geral Tributária: «as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei»;

20.ª Nenhuma violação do princípio da igualdade ou sequer do contraditório ocorreu em sede do pedido de pronúncia arbitral, sendo que à Impugnante foi dado o poder-dever de provar aquilo que alegava, designadamente em sede de alegações finais;

21.ª A questão da maior ou menor valoração da prova apresentada por uma das partes não redunda numa violação do princípio da igualdade, nem tão-pouco do contraditório, pois, a ser assim, então paradoxalmente qualquer parte vencida no processo sê-lo-ia sempre à custa da violação daqueles princípios;


~III~


22.ª A arguição de uma ostensiva oposição dos fundamentos de facto e de direito com a decisão arbitral só pode dever-se a desatenção da Impugnante;

23.ª Os pontos F), G), H) e L) da Matéria de facto dão como provada a existência de um processo de inquérito criminal atinente ao pedido de pronúncia, o mesmo sucedendo no despacho arbitral de esclarecimento ou de reforma da decisão arbitral;

24.ª A questão de saber se o tribunal arbitral decidiu, bem ou mal, o facto de tal inquérito criminal corresponder à mesma factualidade e aos mesmos sujeitos que os subjacentes ao pedido de pronúncia arbitra não se reconduz a uma pretensa oposição dos fundamentos de facto e de direito, mas, quando muito, a um erro de julgamento;

25.ª A existir tal erro, o mesmo não é suscetível de sindicância por parte do TCAS, conforme basta jurisprudência provinda deste tribunal superior sobre a matéria;

26.ª Motivos pelos quais deve ser mantida na ordem jurídica a decisão arbitral ora colocada em crise.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação da Decisão Arbitral ser julgado improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»


*

À excepção de caducidade respondeu a Impugnante, defendendo a sua improcedência. Fê-lo, no essencial, nos seguintes termos:

“Contrariamente ao que alega, o pedido de reforma ou de esclarecimento da sentença não foi abolido pelo NCPC.

Passou foi a ter uma particularidade: só é admissível se da sentença não couber recurso (1ª parte do n°2 do art.616° do CPC).

Ora as decisões arbitrais proferidas no âmbito do RJAT não são passíveis de recurso, face ao que dispõe o seu artigo 25°. Apenas o são, e com carácter muito excepcional, quando esteja em causa questão de inconstitucionalidade - para o Tribunal Constitucional - ou, para o Pleno do STA, quando a decisão sobre o mérito da pretensão deduzida esteja em oposição relativamente a uma anterior proferida pelo TCA ou pelo STA.

Quer isso dizer que, mesmo no caso de admissibilidade de recurso, este terá sempre um âmbito de aplicação muito restrito.

No caso sub judice, não estando em causa nenhuma das situações previstas no aludido art. 25° do RJAT, é manifesto que da decisão arbitral proferida não era admissível interpor recurso.

Apenas seria passível de impugnação para o TCA, como a Recorrente entendia e mantém.

Sendo certo que a impugnação de decisão arbitral não tem, obviamente, os mesmos efeitos de um recurso judicial, desde logo porque o TCA não tem poderes para o conhecimento do mérito da decisão arbitral (cf., entre outros, Acórdãos TCA Sul de 23/4/2015 - Proc.8224/14 e de 22/10/2015 -Proc.8101/14, bem como Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág,237 e seg.).

Donde é inelutável que o TCA nunca poderia substituir-se ao árbitro na apreciação do mérito da decisão proferida, ainda que para correcção de lapso.

Lapso esse que a Recorrente entendeu ter o senhor árbitro incorrido, daí que com o requerimento apresentado tenha solicitado a correcção da decisão proferida.

O pedido de esclarecimento, tendo em vista a reforma da sentença, pressupõe que o decisor, por lapso, não tenha tomado em consideração documentos ou outros elementos que constem do processo e que, só por si, impliquem decisão diversa da proferida, como a Recorrente, no requerimento que apresentou, sustentou.

Tal lapso, no caso de a sentença não ser susceptível de recurso, tem, no entanto, de ser reconhecido pelo próprio juiz que proferiu a sentença e a reforma desta tem de ser levada a cabo por esse mesmo juiz, conforme se extrai do disposto no n.° 2 do art. 616° do CPC.

Não estando ainda esgotado o poder jurisdicional, face à possibilidade de reforma da decisão, só com a notificação do despacho que não admitiu o requerido se poderia iniciar a contagem do prazo de interposição da presente impugnação, como a Recorrente bem explana, mas conclui de forma estranha e deturpada,

É, pois, manifesto, ser absolutamente tempestiva a presente impugnação, não se verificando a invocada caducidade”.


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso, consistem em saber se:

1- a decisão arbitral viola o princípio da igualdade;

2- a decisão arbitral é nula por oposição dos fundamentos de facto e de direito com a decisão proferida;

3- antes, porém, importa decidir a excepção invocada pela Impugnada, respeitante à alegada intempestividade da apresentação da impugnação arbitral.


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II - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) A Requerente é uma sociedade por quotas, com capital de €5.000.00, que se encontra coletada para o exercício da atividade de "Encadernação e Atividades Relacionadas"- CAE 18140 -, encontrando-se enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação e, em sede de IVA, no regime normal, com periodicidade trimestral (Vd., Relatório Final de Inspeção Tributária a fls. 53 e 54 do Processo Administrativo).

B) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direcão de Finanças do Porto, ao abrigo das Ordens de Serviço n.°s 01201602656 e 01201602657 (Vd., fls. 3 e 5 do Processo Administrativo), realizaram um procedimento de inspeção externo à Requerente, relativo aos anos de 2012 e 2013, que foi iniciado em 05-07-2016 (relativamente à OI201602656) e em 24-10-2016 (relativamente à 01201602657), tendo os atos externos de inspeção sido concluídos em 11-10-2017 (Vd., Relatório Final de Inspeção Tributária a fls.52 do Processo Administrativo).

C) O procedimento de inspeção, identificado na alínea anterior, foi determinado em consequência da ação inspetiva realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direcão de Finanças do Porto à E... Lda,, ter revelado que entre esta empresa, a Requerente e a E... Lda. foram emitidas faturações cruzadas que indiciavam não corresponderem a operações efetivas (Vd., Relatório Final de Inspeção Tributária a fls.52 do Processo Administrativo),

D) O Relatório Final de Inspeção Tributária descreve a situação nos seguintes termos: "Na sequência da ação inspetiva à entidade relacionada - DP (E... Lda.) - verificou-se que o SP (4...) participou no esquema montado por essa entidade, que passou pelo sobreavaliação (empolamento) e emissão de facturas falsas de forma a "compensar" empresas veículo/instrumentais - caso da M...- ou a "compensar" os fornecedores da DP, que também tinham emitido facturas sobreavaliadas (empoladas)/falsas, pelo que a simulação de negócio jurídico foi relativa (só preço)/absoluta (transação falsa), nos termos do artº39º da Lei Geral Tributária (LGT), conforme se passará a demostrar. Todo o esquema surgiu-porque a DP tinha em curso um Projeto de Investimento e a sobreavaliação das aquisições permitiria à mesma atingir o investimento contratualizado com IAPMEI sem que na realidade o tivesse feito, e consequentemente atingir o máximo dos prémios a receber (transformar empréstimos reembolsáveis em não reembolsáveis," (Vd.., Relatório Final de Inspeção Tributária a fls. 54 do Processo Administrativo).

E) A Divisão de Inspeção Tributária III da Direção de Finanças do Porto, em 15-11-.2016, elaborou a Informação Preliminar para Abertura de Processo de Inquérito na qual expôs o seguinte:
"Face ao relatado, considera-se que existem factos provados relativamente à sobreavaliacão dos equipamentos adquiridos pelo SP, tendo em vista a alteração de subsídios indevidos (no âmbito do Projecto de Investimentos) bem como o empolamento dos gastos em sede de IRC, além de sérias duvidas relativamente à veracidade de algumas operações comerciais realizadas pelo SP.
O esquema utilizado consiste na utilização de empresas "veículo" - 4..., C..., M..., I... - que tiveram como missão sobreavaliar as facturações dos "verdadeiras" fornecedores e/ou compensarem os fornecedores do SP das sobreavaliações efetuadas nas suas faturações pelo SP - situação mais evidente na empresa 4... e C.... "
'' Os factos descritos configuram indícios da prática de crime fiscal por parte do SP -fraude qualificada, prevista no artigo 104º do Regime Geral das Infracções, Tributárias. "
" Pelo que se elabora a presente Informação Preliminar para análise da Divisão de Processos Criminais e Fiscais e abertura do correspondente Processo de Inquérito às seguintes entidades (...)
4...LDA. NÍPC 5…. para os anos de 2012 e 2013; "
(Vd., Documento nº1 anexo à Resposta da Requerida).

F) Em 18-11-2016 foi instaurado o Processo de Inquérito nº1047/2016.0 IDPRT (Vd., Relatório Final de Inspeção Tributária a fls, 55 do Processo Administrativo) e Documento n°2 anexo à Resposta da Requerida).

G) De acordo com o Relatório Final de Inspeção Tributária o Processo de Inquérito foi instaurado: "Face aos factos que iam sendo apurados no decurso das ações de inspeção ao SP e à DP, nomeadamente a confirmação de que a facturação cruzada emitida entre o SP, a DP e a E... LDA não corresponderia a operações efectivas, foi elaborada a competente informação para a instauração de Processo de Inquérito aos anos de 2012 e 2013 " (Vd., fls. 55 do Processo Administrativo),

H) A Divisão de Inspeção Tributária 111 da Direção de Finanças do Porto através do ofício nº 2016S000225594, datado de 16-12-2016, notificou a Requerente que o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção (Ordens de Serviço n.°s OI201602656 e 01201602657) se encontrava suspenso, desde 18-11-2016, por instauração do Processo de Inquérito, identificado na alínea F), de acordo com o disposto no artigo 36°, n.° 5, alínea c) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (Vd., fls. 9 do Processo Administrativo).

I) O Gerente da Requerente em carta enviada, em 02-08-2017, à Divisão de Inspeção Tributária III da Direção de Finanças do Porto afirmou: "Fui notificada, na qualidade de gerente, que o procedimento de inspeção à sociedade se encontra suspenso por ter sido instaurado o processo de inquérito n.°1047/2016.0 IDPRT. Pelas razões constantes do requerimento já entregue pelo meu advogado no âmbito da inspeção também instaurada à EDDP assiste-me o direito de não responder a quaisquer perguntas que tenham reflexo nos procedimentos de inspeção suspensos." (Vd., fls, 10 e 11 do Processo Administrativo),

J) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, por ofício n°20175000254390, de 30-10-2017, notificaram a Requerente para exercer o direito de audição sobre o Projeío de Relatório da Inspeção Tributária, nos termos-previstos no artigo 60º da LGT e no artigo 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (Vd., fls, 47 do Processo Administrativo).

K) Os Serviços de ínspecão Tributária da Direcão de Finanças do Porto, por ofício n°20175000292222, de 12-12-2017, notificaram a Requerente, nos termos do artigo 62° Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, do Relatório Final de Inspeção Tributária (Vd., fls. 82 do Processo Administrativo).

L) Relativamente ao ano de 2012, o Relatório Final de Inspeção Tributária detetou as seguintes infrações de IVA relativamente ao Requerente: "Pela dedução indevida de IVA no montante de €44.620,00, no período de 20I203T, liquidado em futuras que não corresponderam a operações reais (emitida pela DP), o SP infringiu o artº19° do CIVA, infração que constitui crime de fraude fiscal qualificada, prevista e punível, nos termos da al, a) do nº 2 do artº 104º do RGIT." (Vd., pp. 33 do Relatório Final de Inspeção Tributária a fls, 66 do Processo Administrativo),

M) Na sequência da ação inspetiva, identificada na alínea B) e cujo Relatório Final foi identificado na alínea K), o Serviço de Finanças de Matosinhos -1 emitiu, em 12-01-2018, as seguintes liquidações (vd., Pedido de Pronuncia Arbitral):
(i) Liquidação de IVA n.° 2018 0…, referente ao 3° trimestre de 2012, no valor de € 44,620,00, tendo como fundamento "Liquidação efectuada com base em correção efectua da pelos Serviços de Inspeção Tributária";
(ii) Liquidação de juros compensatórios n°2018 02…, no valor de € 9.021,79, por retardamento da liquidação de IVA no valor de € 44620,00.


16.2. Factos não provados

Não se provou que a Requerente tenha procedido ao pagamento dos valores constantes das notas de liquidação identificadas na alínea M) do n° anterior.

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

16.3. Fundamentação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123°, nº 2, do CPPT e no artigo 607º, nº3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29°, n°l, alíneas a) e) do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar «.matéria provada da matéria não provada..

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29°, n° l, alínea e), do RJ AT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110º, nº7, do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo, juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.»


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De direito

Como vimos pelas três questões que nos vêm colocadas neste processo, importa que apreciemos inicialmente a excepção peremptória suscitada pela ATA, correspondente à intempestividade da presente impugnação de decisão arbitral.

Os argumentos de ambas as partes estão suficientemente esclarecidos nas contra-alegações transcritas e no articulado de pronúncia sobre a excepção, pelo que nos abstemos de aqui repetir a argumentação convocada.

Sem demoras, diremos que a ATA, ora Impugnada, não tem razão.

Vejamos em detalhe as razões para assim concluirmos.

Dispõe o artigo 27º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) o seguinte:

1 — A decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, devendo o respectivo pedido de impugnação, acompanhado de cópia do processo arbitral, ser deduzido no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão arbitral ou da notificação prevista no artigo 23.º, no caso de decisão arbitral emitida por tribunal colectivo cuja intervenção tenha sido requerida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º

2 — Ao pedido de impugnação da decisão arbitral é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso de apelação definido no Código do Processo dos Tribunais Administrativos.

Ora, conforme consta da cópia do processo arbitral nº 197/2018-T, junta aos presentes autos de impugnação arbitral, temos que a decisão impugnada foi proferida em 13/11/18 e comunicada à Requerente, ora Impugnante, através de SP Notificação Via CTT e de ofício correspondente, tudo com data de 16/11/18 – cfr. fls. 278 a 295. Na mesma data foi comunicado o arquivamento do processo às partes – cfr. fls.299 a 201. Significa isto que a decisão arbitral se considera notificada no dia 19, pelo que qualquer prazo se contaria a partir do dia 20.

Em 22/11/18 a Requerente, ora Impugnante, dirige aos autos, com expressa invocação da alínea b), do nº2 do artigo 616º do CPC, um pedido que designou de “Esclarecimento da decisão arbitral” (rectificado por requerimento de fls. 313).

Em 7 de Fevereiro de 2019, o Senhor Árbitro proferiu despacho indeferindo o requerimento apresentado (fls. 317 a 321), comunicando-se às partes, na mesma data, que o despacho proferido se mostrava disponível para consulta no Sistema de Gestão Processual (fls. 322 a 324). Tal notificação considera-se efectuada em 11/02/19, considerando que 9 e 10 são dias não úteis.

Em 25 de Fevereiro de 2019 foi deduzida a presente impugnação de decisão arbitral (cfr. fls. 3 dos autos).

Vejamos, então.

Tem razão a ATA, quando refere que, à data em que foi apresentado o requerimento denominado “Esclarecimento da decisão arbitral”, já não existia na lei a possibilidade antes prevista no artigo 669º, nº1, alínea a) do CPC – “Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença: a) O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos”.

Contudo, não obstante a denominação do requerimento, certo é que a aqui Impugnante expressamente invocou o disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 616º do CPC, ou seja, a reforma da decisão (que não o esclarecimento da decisão).

Ora, dispõe o artigo 616º do CPC, respeitante à reforma da sentença que:

1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.

2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

3 - Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação”. (sublinhado nosso)

Por sua vez, quanto ao processamento subsequente, dispõe o artigo 617º do CPC que:

1 - Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.

2 - Se o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão.

3 - No caso previsto no número anterior, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.

4 - Se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença, assumindo, a partir desse momento, a posição de recorrente.

5 - Omitindo o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o previsto no n.º 6.

6 - Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; porém, no caso a que se refere o n.º 2 do artigo anterior, a parte prejudicada com a alteração da decisão pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença”.

Para a ATA, mesmo admitindo que o requerimento em causa assume a forma de pedido de reforma (e não de esclarecimento), ainda assim a sua apresentação não tem a virtualidade de suspender o prazo de 15 dias para deduzir a impugnação, pelo que a mesma continua a ser intempestiva.

Ainda que este Tribunal perceba o alcance do entendimento da Impugnada, a verdade é que o caso apresenta especificidades, considerando tratar-se de uma decisão arbitral, pois, como evidencia a Impugnante, “as decisões arbitrais proferidas no âmbito do RJAT não são passíveis de recurso, face ao que dispõe o seu artigo 25°. Apenas o são, e com carácter muito excepcional, quando esteja em causa questão de inconstitucionalidade - para o Tribunal Constitucional - ou, para o Pleno do STA, quando a decisão sobre o mérito da pretensão deduzida esteja em oposição relativamente a uma anterior proferida pelo TCA ou pelo STA”, o que nada tem a ver com a análise do erro previsto na alínea b), do nº2 do artigo 616º do CPC, insusceptível de apreciação nos recursos para o TC ou para o STA.

Por outro lado, a impugnação arbitral, dirigida ao TCA, também não visa erros de julgamento, de facto e/ou de direito, limitando-se, no essencial, ao conhecimento de nulidades da decisão. Ora, não tendo o TCA poderes para o conhecimento do mérito da decisão arbitral, resulta, como advoga a Impugnante, que este Tribunal nunca poderia substituir-se ao Árbitro na apreciação do mérito da decisão proferida, ainda que para acolher o que vem previsto na alínea b) do nº2 do artigo 616º do CPC, ou seja, a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

Repete-se. Não podendo o TCA alterar a decisão nos termos expostos, não se vê como impedir que o árbitro o faça, numa faculdade excecional só admissível em hipóteses de lapso manifesto do julgador, evitando-se assim, em caso de tal lapso manifesto ser atendido, o perpetuar de um erro que pode ser causador de sérios prejuízos para a parte.

Assim, entende-se que só com a notificação do despacho que indeferiu o pedido de reforma, se iniciou a contagem do prazo de 15 dias para dedução da impugnação.

Considerando que o indeferimento foi notificado em 11/02/19 e que a impugnação foi deduzida em 25/02/19, resulta claro que a mesma foi tempestivamente apresentada.

Improcede, pois, esta primeira questão, suscitada pela Impugnada, ATA.


*

Decidida a questão prévia suscitada, assente que a Impugnação Arbitral foi tempestivamente deduzida, avancemos para as questões que nos vêm dirigidas.

Tal como deixámos enunciada, a primeira questão prende-se com a alegada violação do princípio da igualdade das partes.

Como se escreveu no acórdão deste TCA Sul, de 05/03/20, processo nº 8/19.2 BELSB, “É pacifico o entendimento de que «Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, tal como consagrado no art. 27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no art. 28.º, n.º 1, do mesmo diploma, tendo assim um campo de aplicação muito limitado. São eles, taxativamente, os seguintes: a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; b) oposição dos fundamentos com a decisão; c) pronúncia indevida ou a omissão de pronúncia; d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no art. 16.º daquele diploma».

A Impugnante, para sustentar a sua posição, formulou as conclusões a) a m) do articulado, destacando-se aí o seguinte: “(…) o tribunal arbitral, apesar desta contradição de posições fácticas e perante a ausência de prova documental bastante e necessária, fazendo tábua rasa das regras do ónus probatório exigido às partes, deu como provado sem reticências o constante da alínea F) dos factos provados – foi instaurado processo de inquérito - que, no limite, apenas se aceitaria tivesse a mesma formulação da alínea G), ou seja "consta do Relatório de Inspeção Tributária que foi instaurado processo de inquérito"; acresce, prosseguindo com as palavras da Impugnante, que “o tribunal arbitral valorou com peso absoluto as declarações da AT constantes da Resposta, omitindo documentos juntos pela Recorrente constantes do processo administrativo e a que esta fez expressa menção nos articulados, arbitral levando à alínea L) dos factos provados a transcrição ipsis verbis do artigo 13° da resposta apresentada pela AT quando tinha sido alertado que tal alegação resultava do truncamento de um documento apresentado pela Recorrente”. Evidencia a Impugnante que “O princípio da igualdade das partes, transversal a todo o ordenamento jurídico tributário, visa o reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente para efeitos do uso dos meios de defesa, equiparação e valoração das armas utilizadas e das faculdades exercidas pelas partes”, o que, aqui, não foi observado.

Vejamos, o que se nos oferece dizer.

E aqui, fazendo novamente apelo ao acórdão citado, tenhamos presente que “Do artigo 16.º, alínea b), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro [RJAT], resulta que constitui princípio do processo arbitral, «A igualdade das partes, concretizada pelo reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente, para efeitos de faculdades e do uso de meios de defesa». A este propósito, afirma-se que «o legislador determinou que o processo arbitral é orientado pelo princípio da igualdade de partes que este deve ser entendido, unicamente, como o reconhecimento a ambas as partes, isto é, à Autoridade Tributária e ao sujeito passivo, do mesmo estatuto substancial»(2). O artigo 4.º do CPC estatui que «O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente, no exercício das faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais». «O mesmo é dizer que a ambas as partes deve ser assegurado, no processo arbitral tributário, os mesmos mecanismos de defesa, designadamente, a nível de prazos de resposta e de meios periciais e de defesa ao seu dispor»(3).

Mais se refere que «[o] princípio da igualdade de armas constitui (…) manifestação do principio mais geral da igualdade das partes, que implica paridade simétrica das suas posições perante o tribunal. (…) impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável»(4)”.

Compulsados os autos é muito claro que nunca deixou de ser observado pelo Tribunal um tratamento igual entre as duas partes em litígio, seja no que respeita aos meios e faculdades de defesa, produção de prova, prazos, ónus e cominações. Todo o desenrolar da tramitação processual se mostra feito em obediência ao principio da igualdade das partes, não se afigurando um tratamento mais favorável de uma parte, em detrimento de outra.

A questão que, aos nossos olhos, surge evidente é que a Impugnante não se conforma com a valoração que o Tribunal atribuiu às declarações e elementos juntos pela AT para efeitos de dar como provada a instauração/pendência de um processo de inquérito com evidentes consequências ao nível da suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, o que corresponde, no essencial, à discordância com os factos E) e F) e à apreciação crítica da prova levada a efeito e que resultou no julgamento de facto incluso em tais alíneas.

A discordância da Impugnante é patentemente com o julgamento da matéria de facto, a qual a mesma considera errada. Aliás, a Impugnante não ignora que este seu raciocínio não é autonomizável do erro de julgamento da matéria de facto, o que a terá levado a estabelecer uma linha ténue de separação de águas [cfr, conclusão n)] mas que, salvo o devido respeito, de tão forçada, não colhe – leia-se, a este propósito, o que consta da conclusão n) da Impugnação: “Não está em causa, nem é submetido a sindicância do tribunal eventual erro de julgamento, mas antes a apreciação de um juízo pré-concebido do tribunal arbitral de valorar a posição da administração tributária em detrimento do contribuinte, valorando e dando como provados factos que aquele impugnou e para os quais se exigiria prova documental”.

Não tem razão a Impugnante, repete-se, sendo evidente que a sua discordância é dirigida a um erro de julgamento e não à violação do principio da igualdade.

Ora, como bem refere a Impugnada na sua resposta, a Impugnação da Decisão Arbitral não visa sindicar pretensos erros de julgamento, mas, sim, vícios formais da decisão arbitral, conforme, aliás, basta jurisprudência provinda do TCAS sobre esta matéria.

Com efeito, a eventual errada apreciação e valoração da prova, com consequência ao nível da fixação do probatório, a ter ocorrido, poderá ter reflexo negativo no julgamento de facto, susceptível de ser sindicado a título de erro de julgamento, insusceptível, nos termos do preceituado no artigo 27º e 28º do RJAT, de ser apreciado por este TCA.

Nestes termos, e sem mais delongas, improcede esta primeira questão.


*

Passemos à segunda questão desta Impugnação, a saber: se a decisão arbitral é nula por oposição dos fundamentos de facto e de direito com a decisão proferida.

Vejamos, então, tendo presente que tal nulidade encerra um vício que se verifica sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que, de todo, não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento (que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida, errada qualificação jurídica da factualidade provada ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis).

Para a Impugnante, a nulidade em causa radica na circunstância de: “Pese embora o tribunal arbitral tenha considerado essencial, para aplicação do n°5 do artigo 43° da LGT, a comprovação da efetiva existência de investigação criminal - a qual não cabe legal e organicamente na esfera dos serviços de inspeção tributária -assente nos mesmos factos e sujeitos que originaram a liquidação impugnada e não constando do probatório da decisão arbitral factos que o comprovem, considerou legal a aplicação daquele preceito”, sendo manifesto que – repete-se - “a decisão recorrida não poderia ser a que foi tomada, por não estar em consonância com os factos dados por provados”.

A leitura da decisão arbitral permite dissipar dúvidas e concluir que a Impugnante nenhuma razão tem e que, uma vez mais, também aqui, o que está em evidência é sua discordância com o decidido, o qual considera errado.

A questão em causa nos autos arbitrais consistia em saber se ocorreu a caducidade do direito à liquidação de IVA, nos termos do disposto no artigo 45º da LGT. O Tribunal estabeleceu o quadro normativo aplicável e pôs em evidência uma causa de alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, precisamente a circunstância de ter sido instaurado inquérito criminal, nos termos previstos no artigo 45º, nº5 da LGT.

Ora, face ao probatório, concretamente ao constante das alíneas F), H) e I), o Senhor Árbitro concluiu ser aplicável o alargamento do prazo de caducidade e, nessa medida, veio a considerar que a liquidação impugnada não padecia do vício que lhe vinha apontado – lê-se na decisão impugnada, “… considera-se que está verificado o pressuposto da aplicação do n°5 do artigo 45,° da LGT de que o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se refiram aos mesmos factos, em termos de haver uma correspondência entre os factos objecto de investigação no processo-crime e os factos que constituíram fundamento para a liquidação”.

Bem ou mal (para o caso não interessa, já que este TCA não conhece de erros de julgamento, de facto ou de direito, de decisões arbitrais), o Senhor Árbitro concluiu em plena coerência com os factos e com o quadro normativo convocado. Nenhuma oposição se vislumbra, não se vendo como podia der diferente a decisão. Insiste-se: a decisão poderia até estar errada; contudo, trata-se de uma análise que, nos termos da lei, está vedada a este TCA.

Em suma, e sem necessidade de maiores considerandos, julga-se esta questão improcedente.

Termos em que, improcede, na sua totalidade, a impugnação da decisão arbitral.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em julgar improcedente a presente impugnação arbitral.

Registe e notifique.

Oportunamente, preste informação ao ofício com origem no DIAP do Porto que antecede o acórdão.

Lisboa, 28/01/20


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Ana Cristina Carvalho)