Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07110/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/16/2015
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:GERÊNCIA, NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO, LIQUIDATÁRIO JUDICIAL
Sumário:A alínea a) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT é aplicável quando o facto constitutivo da dívida se tenha verificado no período de exercício do cargo de gerência, mas postas à cobrança posteriormente à cessação do mesmo, pelo que o gerente só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a satisfação da dívida tributária, sendo que o ónus da prova dessa culpa cabe à Fazenda Pública.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 07110/13

I. RELATÓRIO

J………………….., com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou parcialmente procedente a oposição que moveu à execução fiscal nº …………… instaurada contra a sociedade «Cafés ……………………… Lda» e no âmbito da qual é responsável subsidiária por reversão, na parte referente às dívidas de coimas.


A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:

1. As dívidas de IVA referentes aos períodos 0003T, 0009T, 0012T e IRC do ano de 2000 tiveram como data limite de pagamento voluntário uma data posterior ao exercício do cargo da oponente como gerente, conforme se colhe da alínea C) do probatório.

2. Donde o ónus da prova pela insuficiência do património pertencia à AT e não à oponente, pelo que nada tendo aquela provado, deverá ser onerada pela falta de prova da relação causal entre a actuação da oponente e a insuficiência

3. No que concerne às notificações de pessoas colectivas, em face do preceituado no art°38°, nº1 do CPPT, elas são feitas, em regra, através de carta registada com aviso de recepção, sempre que tenha por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, sendo certo que, a notificação da sociedade por carta registada com ou sem aviso de recepção, deverá ser feita em nome da própria sociedade, mas tem de ser feita em determinadas pessoas físicas, à semelhança do que sucede com o processo civil (art°237° do CPC) - Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT, Anotado e Comentado, pág. 258.

4. Deve aditar-se ao probatório que a originária executada foi declarada insolvente no âmbito do Processo n°629/00 por sentença transitada em julgado de 26.2.2002 (fls. 112 dos autos).

5. Apenas a liquidação de IRC de 2000 foi notificada ao liquidatário, pelo que, não tendo as restantes sido notificadas na pessoa daquele, não se pode concluir ter existido um acto de notificação válido e, assim sendo, a conclusão a retirar é que as liquidações de IVA referentes aos períodos 0003T, 0009T, 0012T e IRC do ano de 1998, não foram legalmente notificadas.

6. Segundo o art°60°, n°7 da Lei Geral Tributária, os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

7. De harmonia com o preceituado no n°6 deste art.60°, se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão. A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ser realizadas, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (arts.58° da L.G.T. e 104° do C.P.A.).

8. A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados ", sendo que: " A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento" (Cfr. art°60° da LGT anotada e comentada pelos Senhores Juízes Conselheiros Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa e pelo Professor Diogo Leite de Campos).

9. A decisão recorrida interpretando que a AT se pode demitir da analisar o direito de audição, relegando essa apreciação para o Tribunal, vai contra toda a jurisprudência conhecida sobre esta questão.

10. Neste sentido, em caso em tudo idêntico ao presente o Ac. do TCAN de 24.10.2007, proferido no Processo n°1869/04.5BEPRT, disponível em www.dqsi.pt: "O exercício do direito de audição prévia, nos termos em que está contemplado no art°24° da LGT, não se esgota como formalidade em si mesma, não podendo ser encarado como um mero ritual, desprovido de qualquer sentido útil. Como o STA tem reiteradamente decidido, "sempre que exista a possibilidade de os interessados, através da audiência prévia, influírem na determinação do sentido da decisão final, não haverá que retirar efeitos invalidantes ao vício de preterição da referida formalidade" (Ac. de 28.11.2001 - rec.46.586). Também a doutrina vem dizendo, uniformemente, que o disposto no art°100° do CPA constitui uma importante manifestação do princípio do contraditório e que o mesmo representa "uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no art.8°do CPA" -vd. S. Botelho, A. Esteves e C. Pinho in CPA, Anotado, 4.° ed., págs. 378 e 383, pois que, dessa forma, não só se possibilita o confronto dos pontos de vista da Administração com os do Administrado como também se permite que este requeira a produção de novas provas que invalidem, ou pelo menos ponham em causa, os caminhos que a Administração intenta percorrer. Em suma, procedem as conclusões do recorrente que apontam no sentido de que o exercício da audição prévia terá que ter um tratamento de facto e de direito por parte da AF, o que significa que, na fundamentação do despacho de reversão, terão que estar, necessariamente, invocadas as razões que justificam a improcedência da motivação invocada pelo oponente em sede de audição prévia. Além do mais, tal fundamentação não se poderá bastar pela enunciação de uma expressão vaga e conclusiva como seja a de que "não foram carreados factos novos que impeçam a concretização da reversão". Se assim não fosse, sempre o disposto no art°24° da LGT seria letra morta ou inútil. Isto porque, aquando da tomada da decisão final (no caso a reversão), o contribuinte só pode tomar uma de duas decisões: ou se conforma com essa decisão final ou a contesta. Se se conforma, naturalmente que fica sanada a violação do direito de audição prévia. Se não se conforma e contesta, e na perspectiva da sentença objecto de recurso, também ficaria sanada essa violação, ou seja, na óptica da decisão recorrida, a preterição do direito de audição prévia degrada-se, sempre e em qualquer circunstância, em formalidade não essencial, esquecendo-se que a audiência prévia também tem por função a defesa antecipada dos interesses do contribuinte".

11. Ou então, o Acórdão do mesmo Tribunal datado de 27.3.2008, Processo 1884/04-Porto: "I- A oposição à execução fiscal é o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente com fundamento em vício de falta de fundamentação o despacho que ordena a reversão, sendo tal fundamento subsumível à previsão da alínea i) do art.204°, n°1, do CPPT. II- Sendo a reversão da execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora ordenada já no âmbito da vigência da LGT, impõe-se a prévia observância do disposto no art.23°, n°4, daquela lei, ou seja, impõe-se a audição prévia daquele contra quem o órgão da execução fiscal prevê como possível a reversão, mesmo nos casos de presunção de culpa. III- Invocando este em sede de audição prévia diversos motivos por que entende que a execução fiscal não pode reverter contra ele, impõe-se ao órgão da execução fiscal, no despacho de reversão, se não antes, que enuncie expressamente as razões por que julga improcedente a motivação aduzida pelo revertido. IV- Não pode considerar-se cumprida essa exigência se no despacho de reversão a única alusão ao direito de audição prévia foi feita mediante a expressão não foram carreados factos novos que impeçam a concretização da reversão", sobretudo quando tal não corresponde à realidade".

12. Verifica-se, pois, um caso de falta/insuficiência de fundamentação do despacho de reversão, citando-se parcialmente o Ac. do TCAN de 8.5.2008, Processo n°01376/04.6BEPRT, pela similitude de situações: " Cumpre decidir: A primeira questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que o despacho de reversão está devidamente fundamentado. Há quem se questione sobre se esta causa de pedir pode considerar-se como fundamento de oposição à execução fiscal face ao facto de se entender serem taxativos os fundamentos de oposição discriminados nas várias alíneas do artigo 204° do CPPT sendo que a jurisprudência se vem inclinando que tal causa de pedir pode e deve enquadrar-se na alínea i) do preceito citado que tem a seguinte redacção: «Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.» O preceito em nosso entender é suficientemente abrangente para nele se poder incluir a possibilidade de reagir contra vícios próprios do despacho de reversão. Nesse sentido e por todos o acórdão do STA de 07 Fevereiro de 2007 in processo n°436/06. Todavia, não nos convence a jurisprudência do STA quando defende ser o processo de oposição o único meio processual adequado para reagir contra tais vícios. Se o aceitamos por uma questão de economia processual e face ao momento e processo em que o despacho de reversão surge isso não significa que tal despacho que é como se sabe um acto administrativo proferido por autoridade administrativa que afecta os direitos e interesses do responsável subsidiária não possa e deva ser atacado através do meio processual da reclamação previsto no artigo 276° do CPPT e a cuja tramitação se referem os artigos 277° e segs. Quanto a nós não há nada que o impeça sendo que as vantagens do recurso a tal meio nos parecem óbvias. Desde logo o facto de o despacho reclamado poder ser objecto de modificação e revogação por parte do órgão que o proferiu. Depois e caso haja prejuízo irreparável a tramitação como processo urgente desta reclamação. Por último porque a procedência da oposição com este fundamento não determina a extinção da execução objectivo último do processo de oposição mas apenas a sua dilacção pois nada obsta a que o órgão de execução fiscal renove o despacho de reversão corrigindo o vício declarado. O argumento contra em que alguns baseiam a opção pelo processo de oposição e que se reconduz ao facto de a o artigo 276° do CPPT referir que a contagem do prazo se conta a partir da notificação e a dedução da oposição se contar a partir da citação é quanto a nós um pseudo argumento se atentarmos à função da citação em processo tributário e à função atribuída á notificação em procedimento administrativo. Cfr. Artigo 35° do CPPT. O facto de a lei falar em citação não impediria assim que se fizesse uma interpretação extensiva do artigo 276° de modo a que o prazo de reclamação se passasse a contar a partir da notificação/citação. Em nosso entender o responsável subsidiário numa situação destas tem ao seu dispor dois meios processuais podendo optar por qualquer deles conforme entenda ser aquele que de momento melhor o defende. Nos termos do artigo 23/4 da LGT a reversão, mesmo nos casos em que exista presunção de culpa/ a lei (art.23°, n°4, da LGT) é precedida da audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seu pressupostos e extensão a incluir na citação exige que seja dada ao responsável subsidiário a possibilidade de se pronunciar sobre o acto administrativo da reversão. A audição prévia do responsável subsidiário é a concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito consagrado no artigo 267/4 da CRP e a fundamentação do acto administrativo e sua notificação é direito igualmente resultante do imperativo constitucional consagrado no artigo 268/3 da CRP. O CPA consagra-o igualmente no artigo 100°. A audição prévia do contribuinte permite contrapor ao projecto de decisão que lhe é obrigatoriamente entregue as razões de desconformidade, a apresentação de outros meio de prova a sugestão de decisão diferente. Em direito fiscal atentos os valores em causa como é sabido a preterição das formalidades legais devem entender-se em princípio como essenciais e invalidantes do acto final decorrente do procedimento em que ocorreram. No que concerne à fundamentação do despacho de reversão sindicado poderá o mesmo deixar de ter-se por suficientemente fundamentado? Referindo ele o órgão da execução fiscal competente, bem como o processo executivo em causa, dando conta que das diligências feitas se constatou a inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis no património da executada devedora originária, apontando a qualidade de gerente de facto do responsável subsidiário chamado, confinando o período das dividas ao período do exercício da gerência por aquele e expressando o montante da dívida em cobrança e referindo por último que não foram carreados factos novos que impedissem a reversão tudo apontava aparentemente para que tal despacho se devesse considerar suficientemente fundamentado pois através dele um destinatário normal não poderia deixar de conhecer as razões pelas quais o revertido era chamado à execução. E foi esta aparência de suficiência de fundamentação que acabou por convencer o Mmo Juiz «a quo». Todavia, se é certo que o despacho contém toda aquela série de elementos com indicação da norma legal que legitima tal reversão o certo é que o mesmo despacho é omisso quanto às razões pelas quais não foi atendido o pedido contido na audição prévia. Quanto a tal o despacho limita-se dar como provado que o revertido não carreou factos novos que impedissem a concretização da reversão. Mas não refere os motivos pelos quais os factos invocados pelo contribuinte não puderam ser atendidos apenas concluindo que «embora não seja feita uma apreciação específica relativamente a cada um dos argumentos invocados, não pode deixar de considerar-se que os mesmos foram apreciados e levados em conta pelo órgão de execução fiscal». Mas não tem razão. O recorrente exerceu o direito de audição cfr. doc. de folhas 5 e sgs. ao abrigo do artigo 23/4 da LGT alegando insuficiência na fundamentação do projecto de reversão/ inexistência de dívida e não verificação dos pressupostos de reversão designadamente a demonstração da insuficiência de bens no património da sociedade devedora. E quanto a estes factos o órgão da execução fiscal limitou-se a dar como provado no despacho de reversão que «não foram carreados factos novos que impeçam a concretização da reversão». Ora esta afirmação tida pelo M.mo Juiz como facto provado no passa de mera conclusão a retirar de outros factos que poderiam eventualmente ter sido levados em consideração na apreciação do pedido do contribuinte mas o Tribunal tomou posição expressa sobre cada um ou algum deles. E sendo assim tal situação não permite às instâncias a quem compete sindicar a validade do mesmo acto aferir da correcção do entendimento da Administração. Significa isto, sempre salvo o devido respeito, que não podemos de forma alguma acompanhar o entendimento da 1ª instância, no sentido de que «embora não seja feita uma apreciação específica relativamente a cada um dos argumentos invocados, não pode deixar de considerar-se que os mesmos foram apreciados e levados em conta pelo órgão de execução fiscal». Por não existir nos auto uma base fáctica donde tal se possa concluir inequivocamente. Ocorre assim uma insuficiência de fundamentação que a lei equipara à falta de fundamentação, tendo as mesmas consequências: anulação do acto (cf. arts. 125.°, n." 2, e 135.°, do CPA)".

13. Ou então como se deixou consagrado no Ac. do STA de 7.12.2005, Processo n°1245/03: " O invocado preceito da Lei Geral Tributária - artigo 60° n°6 - não só não circunscreve ou reduz a obrigatoriedade de pronúncia por parte da Administração à matéria de facto porventura invocada pelo contribuinte no âmbito do exercício do direito de audição, como impõe antes, em sede de fundamentação da decisão administrativa subsequente, a consideração dos elementos novos - todos, quer de facto, quer de direito - suscitados na audição dos contribuintes. E convocou, em abono da tese sufragada, entendimento pertinente da doutrina, a saber, Lima Guerreiro, LGT, anotada, e Diogo Leite Campos e outros, LGT, anotada, também, para concluir, já em sede decisória, que sobre a Administração Fiscal impendia o dever de considerar - ter em conta, nas claras palavras da lei - na fundamentação da decisão que veio a proferir, todos os novos elementos quer de facto quer de direito trazidos ao procedimento pelo contribuinte em sede do exercício do seu direito de audição, sob pena de, não o fazendo, se impor concluir que, assim, esta última decisão se revelar inquinada do apontado vício de forma por deficiente fundamentação", concluindo-se que: "O artigo 60° n° 6 da LGT deve ser interpretado no sentido de que a Administração Fiscal está obrigada a pronunciar-se sobre os elementos novos, quer de facto, quer de direito, trazidos ao procedimento pelo contribuinte ou interessado em sede de direito de audição, sob pena de anulação daquela decisão administrativa, por vício de forma por deficiência de fundamentação".

Termos em que na procedência do recurso seja revogada a douta sentença recorrida e, consequentemente, proferido douto acórdão que julgue a oposição totalmente procedente, com todas as legais consequências».

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Erro de julgamento, na medida em que, relativamente às dívidas de IVA de 2000 e de IRC de 2000 a data limite de pagamento voluntário é posterior ao exercício do cargo de gerência pela Oponente, pelo que é a Fazenda Pública que cabe o ónus da prova da culpa da Oponente pela insuficiência do património da sociedade executada, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT [conclusão 1 a 2];

_ Erro de julgamento de facto, devendo ser aditado ao probatório um facto [conclusão 4];

_ Erro de julgamento, porquanto as liquidações de IVA de 2000 e a de IRC de 1998 não foram notificadas ao liquidatário [conclusões 3,4,5];

_ Erro de julgamento na medida em que foi violado o disposto no n.º 7 do art. 60.º da LGT, considerando que se verifica falta/insuficiência de fundamentação do despacho de reversão [conclusão 6 a 13].


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«III. SEGMENTO FÁCTICO

Com interesse para a decisão da causa, resulta assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) A Oponente e Maria …………………. foram nomeadas gerentes, da sociedade por quotas «Cafés ……………………. Lda» sendo necessária a assinatura de ambas para obrigar a sociedade, facto registado pela AP-10/980522. (Doc. a fls. 21/23 do processo de execução fiscal)

B) Por renúncia datada de 14.09.1998, regista pela AP -11/981120, Maria …………………. cessou funções de gerência. (Doc. a fls. 21/23 do processo de execução fiscal)

C) A Oponente renunciou à gerência a 30.03.2000, facto levado a registo sob a AP 07/001103. (Doc. a fls. 21/23 do processo de execução fiscal)

D) Em 30.03.2000, foi nomeado gerente da sociedade «Cafés ………………..Lda» Ernesto ………………, facto registado sob a AP 08/001103. (Doc. a fls. 21/23 do processo de execução fiscal)

E) Corre termos, no Serviço de Finanças de Amadora 2, o processo de execução fiscal n°…………. contra «Cafés ……………….. Lda» para cobrança coerciva de dívidas de IRC (1998), IVA (2000) e Coimas fiscais (2003), no montante de € 11.209,02. (processo de execução fiscal)

F) No âmbito do processo de execução a que alude a al.E) do probatório foi elaborada informação da qual se extrai:" (...) não encontramos bens alguns, susceptíveis de serem penhorados, nem consta que os possua, em qualquer outro local.".( Doc. fls.10 do processo de execução fiscal)

G) Em 24.02.2006, o Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Amadora 2, proferiu o seguinte despacho: "Face ás diligências de fls.io, determino a preparação do processo para efeitos de reversão da(s) execução (ões) contra JESUVINA ………………. contribuinte nº………….., morador em 3ª TRAVESSA ……….. N 1 1DT FR - ………… - …….. ………….. na qualidade de Responsável subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
Face ao disposto nos normativos do nº4 do Art.23° e do Art.60° da Lei Geral Tributária, proceda-se à notificação do(s) interessado(s), para efeitos do exercício do direito de audição prévia, fixando-se o prazo de 10 dias a contar da notificação, podendo aquela ser exercida por escrito/oralmente.
FUNDAMENTO DA REVERSÃO
Inexistência de bens do originário devedor." (Doc. fls.25 do processo de execução fiscal)

H) A Oponente foi notificada para exercer o direito de audição prévia quanto à reversão da execução fiscal contra si referente de 22.05.1998 a 30.03.2000. (Doc. fls. 28 do processo de execução fiscal).

I) A Oponente exerceu a faculdade a que alude a al. H) dos termos documentados a fls. 29/31 do processo de execução fiscal.

J) Em 12.02.2007, foi proferido pelo Adjunto do Chefe de Finanças, no uso de delegação, despacho de reversão da execução contra a Oponente, na qualidade de responsável subsidiária do qual consta designadamente o seguinte: «Depois de analisado no teor da petição, podemos dizer que a mesma pode perfeitamente revestir a forma de "oposição à execução", sendo que os fundamentos nela apresentados terão que ser obrigatoriamente apreciados pelo Tribunal, pelo que considero não existirem elementos novos que permitam a este Serviço deferir o pedido. Face a exposto e estando concretizada a audição do responsável subsidiário, prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra Jesuína …………………. (...) por dívidas de IRC, IVA e coimas fiscais no montante de € 23.134,02 e acréscimos legais. (Doc. fls. 59 do processo de execução fiscal)

L) Para citação da Oponente como executada por reversão foi emitido pelo Serviço de Finanças de Amadora - 2 um ofício do qual consta, no quadro que tem com epígrafe «OBJECTO E FUNÇÃO DO MANDADO DE CITAÇÃO», o seguinte:
«Pelo presente fica citado(a) de que é executado por reversão nos termos do Art°160° do C.P.P.T., na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta dias) a contar desta citação, pagar a quantia exequenda de 11.209,02 EUR de que era devedor(a) o(a) executado(a) infra indicado, ficando ciente de que se o pagamento se verificar no prazo acima referido, não lhe serão exigidos juros de mora nem custas. Mais fica citado de que no mesmo prazo poderá requerer o pagamento em regime prestacional nos termos do Artº196° do C.P.P.T., e/ou a dação em pagamento nos termos do Art.201° do mesmo código ou então deduzir oposição judicial com base nos fundamentos prescritos no Artº204° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Informa-se ainda que, nos termos do n°4 do art.22° da Lei Geral Tributária a contar da data da citação, poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial com base nos fundamentos previstos no Art°99° e prazos estabelecidos nos artigos 70° e 102° do C.P.P.T. (Doc. fls. 63 do processo de execução fiscal)

M) No mesmo ofício para citação, o quadro que tem como epígrafe «FUNDAMENTOS DA REVERSÃO» o seguinte teor: "Inexistência de bens susceptíveis de penhora do originário devedor" (Doc. a fls. 63 do processo de execução fiscal)

N) As liquidações de IVA referentes aos períodos de 0003T, 0009T, 0012T foram remitidas á devedora originária, tendo as mesmas sido devolvidas com a seguinte menção " a referida firma acabou na morada indicada". (Doc. fls.42/43 dos autos)

O) Na sequência de devolução a que alude a al. N) do probatório, foi enviada 2ª notificação nos termos do artigo 39°, n°5 do CPPT, a qual foi devolvida com a menção "a referida firma acabou na morada indicada”. (Doc. fls.44/46 dos autos)

P) As liquidações de IRC dos anos de 1998 e 2000 foram enviadas com aviso de recepção os quais vieram assinados com data de 14.10.2012 e 12.11.2004. (Doc. fls.47/48 dos autos)

Q) O Liquidatário Judicial foi notificado da liquidação oficiosa de IRC. (Doc. fls. 49/50 dos autos)

R) Por sentença proferida a 10.05.2005, pelo 1° Juízo de Família e Menores de Lisboa, foi decretado o divórcio entre a Oponente e Ernesto ……………………, na qual se deu como provado, designadamente o seguinte: "A partir de determinada altura o R. começou e exigir à A. que procedesse á assinatura de cheques." (Doc. fls. 93/97 dos autos)

S) A Oponente foi citada na execução fiscal. (Doc fls. 63/64 do processo de execução fiscal apenso)

T) Em 26.09.2007, deu entrada em juízo a petição que originou os presentes autos.

FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevância para a decisão da causa, não se provou que a oponente tenha praticado actos inerentes às funções de gerência da sociedade executada.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. O depoimento prestado pelas testemunhas não foi de molde a dar como provada outra factualidade para além daquele que se mostra fixada».

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Altera-se a seguinte factualidade, com relevo para a decisão do recurso, ao abrigo do artigo 662.º do CPC:

Q) Foi assinado o aviso de recepção referente ao ofício datado de 9/12/2004 que leva ao conhecimento do Liquidatário Judicial a emissão da liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2000, estabelecendo-se prazo para o seu pagamento (Doc. fls. 49/50 dos autos);

Dá-se como provada a seguinte factualidade, com relevo para a decisão do recurso, ao abrigo do artigo 662.º do CPC:

U) A Oponente foi citada para a reversão das seguintes dívidas (cfr. ofício de citação de fls. 63 do apenso, e fls. 27 dos autos e certidões de dívidas constantes do apenso, e a fls. 28 e ss):
_ certidão de dívida n.º ………., referente a coimas e custas, mais juros de mora devidos desde 01/12/2003;
_ certidão de dívida n.º ………., referente a IVA de 2000, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 29/08/2002;
_ certidão de dívida n.º ……….., referente a IRC do exercício de 2000, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 17/12/2004;
_ certidão de dívida n.º ………., referente a IRC do exercício de 1998, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 16/11/2002.

V) A sociedade “Cafés ………………………….. Lda” foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 26/02/2002, tendo sido nomeado liquidatário judicial “Fernando ………………..” factos levado a Registo junto da Conservatório do Registo Comercial Ap. 16/020306 (cfr. certidão do registo comercial a fls. 78 dos autos).

X) A liquidação de IRC do exercício de 1998 foi remedida por ofício datado de 20/09/2002, registado com aviso de recepção, nos termos do n.º 5 do art. 39.º do CPPT para o domicílio de Jesuvina …………………… na qualidade de representante da sociedade “Cafés …………………… Lda” (cfr. documento de fls. 47 dos autos).

Z) O aviso de recepção referente a correspondência mencionada na alínea anterior foi assinado em 14/10/2002 por “Jesuvina ……………………..” (cfr. documento de fls. 48 dos autos).

2. Do Direito

Conforme resulta dos autos, a Recorrente é executada por reversão no âmbito do processo de execução por dívida de coima, IVA de 2000, IRC de 2000, e IRC de 1998, tendo deduzido oposição com fundamento na alínea b) e i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

A sentença recorrida, julgou parcialmente procedente a oposição, na parte respeitante à dívida de coima. Portanto, no presente recurso estão apenas em causa as dívidas de IVA de 2000, IRC de 1998, IRC de 2000.

Neste contexto, invoca a Recorrente, desde logo, erro de julgamento uma vez que, relativamente às dívidas de IVA de 2000 e de IRC de 2000 a data limite de pagamento voluntário é posterior ao exercício do cargo de gerência pela Oponente, pelo que é a Fazenda Pública que cabe o ónus da prova da culpa da Oponente pela insuficiência do património da sociedade executada, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT [conclusão 1 a 2].

Ora, relativamente a estas dívidas a sentença recorrida entendeu, em síntese, ser de aplicar às dívidas de 1998 o regime do art. 13.º do CPT e as restantes dívidas o regime do art. 24.º da LGT, considerando o regime jurídico vigente à data dos factos tributários.

No entanto, dentro do regime do art. 24.º da LGT entendeu ainda ser de aplicar o disposto na alínea b) do n.º 1, fazendo a análise do caso sub judice, ou seja, relativamente ao IVA de 2000 e de IRC de 2000 à luz deste regime jurídico, mas sem razão.

Sublinhe-se, desde logo, que nem sequer do despacho de reversão consta ser a alínea b) o fundamento legal da reversão. De todo modo, e independentemente disso, o que importa é aferir, in casu, qual o regime jurídico aplicável, se o constante da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT ou o da alínea b), pois estabelecem regras completamente diferentes quer quanto ao ónus da prova, quer quanto o objecto de prova.

Por outras palavras, independentemente do fundamento de direito invocado no despacho de reversão, ao juiz chamado a conhecer da legalidade desse despacho quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária cabe apurar a matéria de facto relevante para a decisão da causa e aferir qual o regime jurídico concretamente aplicável ao caso, aferindo, deste modo, da legalidade do despacho de reversão quanto aos seus pressupostos substantivos.

Portanto, cabia à Meritíssima Juíza do TAF de Sintra, para além do mais, atentar à data do pagamento voluntário de cada uma das dívidas a fim de aferir da aplicabilidade da alínea a) ou alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT em função do período em que a Recorrente exerceu efectivamente a gerência de facto.

Conforme se escreve no Acórdão do STA de 05/02/2014, proc. n.º 01113/12 “De harmonia com o disposto no artº 24º, nº 1 da Lei Geral Tributária os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Como foi sublinhado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23.06.2010, recurso 304/10, inwww.dgsi.pt, «a bipartição de regimes quanto à repartição do ónus da prova que a LGT introduziu através das duas alíneas do n.º 1 do seu artigo 24.º (de forma inovadora em relação ao antes disposto no artigo 13.º do Código de Processo Tributário), parte da distinção fundamental entre "dívidas tributárias vencidas" no período do exercício do cargo e "dívidas tributárias vencidas" posteriormente (cfr. a alínea c) do n.º 15 do artigo 2.º da Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto), sendo este igualmente o sentido que lhe atribui a generalidade da doutrina que ex professo versou o tema em face do regime actual..»
Assim a alínea a) é aplicável às dívidas tributárias:
- cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo, mas postas à cobrança posteriormente à cessação do mesmo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício.
Já a alínea b) é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, o que significa que está aqui abrangida a situação em que nesse período concorrem o facto constitutivo e a cobrança (Vide, também neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.09.2010, recurso 498/10, in www.dgsi.pt.). Ora relativamente a estas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo a Lei Geral Tributária (alínea b), n º 1, do artigo 24º) faz incidir sobre o gerente ou o administrador o ónus de provar que a falta de pagamento das dívidas tributárias pela sociedade não lhe é imputável.” (sublinhado nosso).

Deste modo, e em suma, a alínea a) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT é aplicável quando o facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo de gerência, mas postas à cobrança posteriormente à cessação do mesmo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício.

A alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT diz respeito a situações em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado, pelo que só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a satisfação da dívida tributária.

Ora é o que sucede no caso dos autos quanto às dívidas de IVA de 2000 e IRC de 2000, cujo facto constitutivo se verificou ainda a Recorrente exercia o cargo de gerente, mas cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou quando já não exercia essas funções na sociedade executada originária. Com efeito, o prazo legal de pagamento voluntário do IVA terminou em 29/08/2002 e do IRC em 17/12/2004 (cfr. alínea U) dos factos provados aditados oficiosamente).

Por outras palavras, relativamente às dívidas de IVA de 2000 e IRC de 2000 a Recorrente já não exercia a gerência na sociedade executada originária na data limite de pagamento voluntário daquelas dívidas, pois renunciou à gerência em data anterior - em 30/03/2000 (cfr. alínea C) dos factos provados).

Deste modo, a situação dos autos subsume-se à previsão legal da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, e não alínea b) como erroneamente se entendeu na sentença recorrida.

Assente então, que é aplicável o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, para a efectivação da responsabilidade subsidiária da ora Recorrente há que resultar provada a sua culpa na insuficiência do património da pessoa colectiva para a satisfação das dívidas tributárias, sendo que o ónus da prova cabe à Fazenda Pública.

Ora, não resulta da matéria de facto dada por provada qualquer facto com base no qual se possa dar por cumprido o ónus probatório que recai sobre a Fazenda Pública, ou seja, não resultando provado nos autos a culpa da Recorrente na insuficiência do património da pessoa colectiva para a satisfação da dívida tributária, então não se verifica um dos pressupostos para a responsabilidade subsidiária da Recorrente, e nessa medida, verifica-se a sua ilegitimidade nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º da LGT.

Em suma, nesta parte [conclusão 1 a 2] o recurso merece provimento, devendo a sentença recorrida que assim não decidiu ser revogada na parte respeitante às dívidas de IVA de 2000 e IRC de 2000, deverá ser julgada procedente a Oposição.

Considerando então, a procedência da pretensão da Recorrente quanto aquelas dívidas resta apenas aferir do erro de julgamento quanto à dívida de IRC do exercício de 1998, pois relativamente às dívidas de IVA de 2000 e de IRC de 2000, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso, nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.

Vejamos, então, no que diz respeito à dívida de IRC do exercício de 1998.

No que diz respeito ao erro de julgamento de facto invocado na conclusão 4 do recurso, já aditamos o facto pretendido pela Recorrente, por se mostrar relevante para a decisão do recurso. Por outro lado, alteramos e aditamos oficiosamente factualidade como supra exposto, e por conseguinte, encontra-se estabilizada a matéria de facto.

Deste modo, importa então, conhecer do invocado erro de julgamento da sentença recorrida relativamente à liquidação de IRC de 1998, uma vez que o Recorrente entende que não foi notificada ao liquidatário [conclusões 3,4,5].

Na sentença recorrida a Meritíssima Juíza considerou entendeu o seguinte:

Articula a Oponente nos artigos 58º a 60º da petição inicial que desconhece se as liquidações subjacentes às dividas exequendas foram ou não notificadas à devedora originária, sendo que as mesmas devem ser efectuadas por carta registada com a/r, donde inexistindo as competentes notificações as dividas são inexigíveis. Ora, conforme decorre das alíneas O), P) e Q) probatório a devedora originária foi notificada das liquidações e assim sendo, forçoso se impõe concluir, que não assiste razão à oponente quanto ao fundamento ora apreciado.”

Ou seja, entendeu-se que a devedora originária foi devidamente notificada das liquidações. Contrariamente entende a Recorrente, na parte que ora importa, que a liquidação de IRC de 1998 não foi notificada ao liquidatário judicial.

Apreciando.

Conforme resulta da alínea V) dos factos provados “A sociedade “Cafés …………………… Lda” foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 26/02/2002, tendo sido nomeado liquidatário judicial “Fernando ………………” factos levado a Registo junto da Conservatório do Registo Comercial Ap. 16/020306”.

Resulta ainda provado que “A liquidação de IRC do exercício de 1998 foi remedida por ofício datado de 20/09/2002, registado com aviso de recepção, nos termos do n.º 5 do art. 39.º do CPPT para o domicílio de Jesuvina ……………….. na qualidade de representante da sociedade “Cafés …………………….. Lda” [alínea x)], e que “O aviso de recepção referente a correspondência mencionada na alínea anterior foi assinado em 14/10/2012 por “Jesuvina …………………” [alínea Z)].

Ou seja, à data em que foi assinado o aviso de recepção (14/10/2002) referente à liquidação de IRC de 1988 que foi remetida para a morada da Recorrente, mas na qualidade de representante da sociedade executada originária, já a sociedade executada originária se encontrava insolvente, tendo sido nomeado liquidatário judicial. Apesar de a correspondência ter sido efectivamente recebida pela Recorrente, certo é que há muito havia renunciado à gerência, facto devidamente registado na Conservatória do Registo Comercial [no ano de 2000 – cfr. alínea C) dos factos provados], portanto, desde logo por esta razão, a liquidação não se tem por validamente notificada à sociedade executada originária.

Ora, a notificação da sociedade deve ser efectuada, em regra “na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem” (n.º 1 do art. 43.º do CPPT). Porém, esta regra já não se aplica quando “a pessoa colectiva ou sociedade se encontrar em fase de liquidação ou falência, caso em que a diligência será efectuada na pessoa do liquidatário.” (n.º 3).

Ou seja, as notificações da sociedade devem ser efectuadas na pessoa do liquidatário, e já não dos seus gerentes, nos casos em que aquela se encontre em liquidação ou falência.

Aliás, em plena consonância com o disposto no n.º 4 do art. 81.º Do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) que dispõe o seguinte: “O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.”

Ora, in casu, à data em que a notificação é remetida à Recorrente na qualidade de gerente da sociedade devedora originária já se encontrava declarada a insolvência e nomeado liquidatário judicial, verificando-se, portanto, a previsão normativa do n.º 3 do art. 41.º do CPPT, e deste modo, a notificação deveria ter sido efectuada na pessoa do liquidatário judicial.

Sucede que não resulta provado nos autos que o liquidatário judicial tenha sido notificado daquela liquidação, pois o que resulta da alínea Q) dos factos provados é que apenas lhe foi remetida a liquidação de 2000, mas não a de 1998. Assim sendo, não se poderá ter por validamente notificada a sociedade executada originária.

Em situação similar, e nesse sentido, veja-se o acórdão do STA de 10/12/2014, proc. n.º 01354/14:
“ (…) como resulta do probatório da sentença recorrida, a citação postal da insolvente foi dirigida para a antiga sede da mesma, nos termos do disposto no artigo 191º, n.º 1 do CPPT, sem ter sido dirigida expressamente ao Administrador da insolvência, que tinha um domicilio diferente, cfr. sentença da insolvência a fls. 12.
E era a este que deveria ter sido dirigida por força do disposto no artigo 41º, n.º 3 do CPPT anteriormente referido e do disposto no artigo 81º, n.º 4 do CIRE.
Portanto, a não comunicação da eventual mudança de domicílio, a que se refere a recorrente, irreleva, cfr. art. 43º, n.º 2 do CPPT, para efeitos de se poder concluir (ou não) pela regularidade da citação, precisamente porque a citação não foi especificamente dirigida ao administrador da insolvência, como poderia e deveria ter sido, tanto mais que está provado que a AT conhecia ter ocorrido a declaração de insolvência, porque ela própria reclamou créditos no respectivo processo, e que a insolvência foi devidamente levada ao registo no tempo e local próprio e da mesma foi dado conhecimento ao Serviço de Finanças competente, cfr. fls. 13 da mesma sentença.
E o facto de a sociedade declarada insolvente manter a sua personalidade jurídica até ao encerramento da liquidação [“…qualquer que seja a causa de dissolução, …acarretar… uma fase de liquidação do património societário conducente à extinção da sociedade, pois, como decorre do disposto no artigo 160.º, n.º 2, do CSC, a sociedade só é considerada extinta após o registo do encerramento da liquidação, mantendo até lá a personalidade jurídica, sujeito de direitos e obrigações, a quem continua a ser aplicável, embora com as necessárias adaptações e em tudo que não for incompatível com o regime processual de liquidação, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas (cfr. artigo 146.º do CSC)…”, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 24/02/2011, recurso n.º 01145/09], não afasta a necessidade de a sua representação em juízo dever passar sempre pelo administrador da insolvência, pois é a ele que legalmente compete essa representação, cfr. art. 81º, n.º 4 do CIRE.
Incumbindo ao Administrador da insolvência a representação da massa, como é bem referido na sentença recorrida, e recaindo sobre a AT a obrigação de proceder à citação do mesmo administrador para o processo de execução logo que tenha conhecimento da declaração de insolvência, cfr. art. 156º do CPPT (se o funcionário ou a pessoa que deva realizar o acto verificarem que o executado foi declarado em estado de falência, o órgão da execução fiscal ordenará que a citação se faça na pessoa do liquidatário judicial), temos necessariamente que concluir pelo acerto da decisão recorrida ao determinar a procedência desta reclamação.”

Em suma, considerando que à data em que a notificação é remetida à executada originária esta já se encontrava declarada insolvente e se encontrava nomeado liquidatário judicial, factos devidamente levados a registo na Conservatória do Registo Predial [cfr. alínea V) dos factos provados] aquela notificação deveria ter sido efectuada na pessoa do liquidatário judicial como impõe o artigos 41.º, n.º 3 do CPPT, pois é quem tem a competência para representar a executada originária nos termos do disposto nos e 81.º, n.º 4 do CIRE.

Nessa medida, conclui-se que a liquidação de 1998 não foi validamente notificada à sociedade executada originária, não sendo eficaz (n.º 6 do art. 77.º da LGT), e portanto, a dívida não é exigível, e constitui fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (nesse sentido, vide, entre outros, Acórdão do STA de 10/09/2014, proc. n.º 01727/13).

Por conseguinte, também quanto a este fundamento, o recurso merece provimento, devendo ser revogada a sentença recorrida, também nesta parte, e julgada procedente a Oposição, também relativamente à dívida de IRC de 1998.

Pelo exposto, e em suma, a sentença deve ser revogada na parte ora em recurso e consequentemente, a Oposição ser julgada totalmente procedente.

Consequentemente fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso (erro de julgamento por violação do disposto no n.º 7 do art. 60.º da LGT, considerando que se verifica falta/insuficiência de fundamentação do despacho de reversão [conclusão 6 a 13]), nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.

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3. Sumário do acórdão

A alínea a) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT é aplicável quando o facto constitutivo da dívida se tenha verificado no período de exercício do cargo de gerência, mas postas à cobrança posteriormente à cessação do mesmo, pelo que o gerente só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a satisfação da dívida tributária, sendo que o ónus da prova dessa culpa cabe à Fazenda Pública.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida na parte objecto de recurso, e consequentemente, julgar procedente a oposição, na parte recorrida.
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Custas pela Recorrida.
D.n.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2015.

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Cristina Flora

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Pereira Gameiro

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Joaquim Condesso