Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6896/13.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/28/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:REINTEGRAÇÕES;
PROVISÕES;
CUSTOS COM O PESSOAL;
ERROS DE CONTABILIZAÇÃO;
TRIBUTAÇÃO PELO RENDIMENTO REAL;
IRC.
Sumário:I. No cálculo das reintegrações de um determinado exercício, por aplicação do então método das quotas degressivas, tem de se considerar o valor residual do exercício anterior, porquanto é sobre este valor que incide o coeficiente a aplicar.

II. Tendo havido um erro de cálculo, refletido na contabilidade, mas corrigido em termos de declaração fiscal, num exercício, erro esse que contabilisticamente só foi corrigido no exercício seguinte, tem de ser admitida, neste segundo exercício, a relevação fiscal da correção contabilística em causa, sob pena de violação do princípio da tributação pelo rendimento real.

III. As provisões, aliando o princípio da prudência com o da especialização dos exercícios, visam acautelar eventos futuros de ocorrência provável.

IV. Se, apesar de um custo com pessoal ter sido erradamente contabilizado como provisão, o mesmo foi efetivo e indispensável, deverá ser considerado custo fiscalmente dedutível nos termos do art.º 23.º do CIRC.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I. RELATÓRIO

G....., S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 14.01.2013, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativa ao exercício de 1993.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“i) A Recorrente, no exercício de 1992, cometeu um lapso que resultou na utilização para base de cálculo da depreciação do valor não reintegrado à data de 31 de Dezembro de 1990 em vez do valor não reintegrado à data de 31 de Dezembro de 1991.

ii) Tendo detectado o erro de cálculo antes da apresentação da Modelo 22 com referência ao exercício de 1992, fez a devida correcção na declaração tendo por esse facto no "Anexo Discriminativo das Amortizações Excessivas" respeitante ao Quadro 17, Linha 7 , do dito Modelo 22 acrescido o valor de amortizações excessivas no montante de Esc. 10.487.038$00 referente a "bens depreciados segundo o método das taxas degressivas, em que foi usado para base de cálculo o valor não reintegrado à data de 31 de Dezembro de 1990 em vez do mesmo valor reportado a 31 de Dezembro de 1991.".

iii) Em contrapartida, ao proceder ao encerramento das suas contas referentes ao exercício de 1993 foi, para efeitos contabilísticos, feita a correcção do citado erro cometido em 1992, necessariamente reflectido na depreciação do ano em causa e, consequentemente, foi ajustada a depreciação acumulada respectiva, pelo que na declaração Modelo 22, para efeitos de IRC com referência ao ano de 1993, foi feita a menção, agora para efeitos de dedução, do montante de Esc. 10.487.038$00, no Quadro 17, na Linha 37, com a indicação de "anulação de depreciação excessiva em 1992", depreciação excessiva esta que, fora precisamente mandada adicionar aos resultados de 1992,

iv) Em sede de prova testemunhal ficou cabalmente comprovado que a situação em causa resultou apenas de um lapso contabilístico e que desta situação não resultou qualquer prejuízo para a Administração Tributária.

v) Em suma, a dedução efectuada em 1993, resultou apenas do facto de em 1992 terem sido tributadas em excesso amortizações no montante de Esc. 10.487.038$00.

vi) Face ao anteriormente descrito, e com base no principio da justiça e da verdade material é de elementar justiça aceitar a correcção efectuada pela Recorrente em 1993.

vii) Por outro lado, a Administração Tributária mandou acrescer o montante de Esc. 590.400$00, a título de "Provisões para além dos limites legais.", quantitativo que se refere ao processado a título de compensação pela ora impugnante a empregado seu - F..... - em Julho de 1993 por entrada do mesmo em situação de pré-reforma, situação essa que só se iniciava em 1 de Outubro de 1993, nos termos do contrato datado de 28 de Maio de 1993.

viii) A Recorrente contabilizou o referido quantitativo de Esc. 590. 400$00 na Conta 67, sendo certo que poderia ter utilizado a conta 29, ou a conta 64, Custos com o Pessoal, dado precisamente o facto de o empregado só ter entrado em situação de pré-reforma em Outubro de 1993, e aquela compensação de Esc. 590.400$00 ter-lhe sido paga, com o vencimento de Julho desse mesmo ano.

ix) Absolutamente certo é que a Recorrente suportou o montante de Esc.590.400$00 , em 1993, e para o exercício da sua actividade comercial pelo que o mesmo é um custo do exercício face à redacção do artigo 23.° do Código do IRC à data de 1993”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não contra-alegou.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento no tocante à correção relativa a reintegrações, porquanto a situação fiscalmente declarada corresponde à real, tendo apenas refletido um lapso contabilístico ocorrido no exercício anterior ao em apreciação?

b) Há erro de julgamento no que respeita à correção atinente a provisão, porquanto, não obstante tal contabilização, tratou-se de um verdadeiro custo suportado com pessoal?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

a) Em 31 de Maio de 1994 a Impugnante, actualmente denominada G....., SA, entregou no Serviço de Cascais 1, a declaração modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 1993 - Cfr. documento a fls. 23 a 30, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

b) Na sequência de procedimento de análise interna da declaração referida em a), a Administração Tributária procedeu a correcções técnicas, tendo elaborado, em 5 de Dezembro de 1997, o mapa de apuramento modelo DC-22, de IRC, onde consta, nomeadamente, o seguinte:

“(...) Q20 -L 6 - Provisões não dedutíveis - 590.400$00 - A empresa contabilizou em provisões do exercício o montante de 590.400$00 referente ao pagamento a um empregado por passagem à situação de reforma. Por se tratar de uma provisão não enquadrável no art° 33° do CIRC, não pode a mesma ser dedutível para efeitos fiscais.

Q 20 - L 5 - Reintegrações e amortizações não aceites como custos - 10.487.038$00 - Foi contabilizado em amortizações do exercício o montante de 580.940.193$00 enquanto que o somatório das amortizações do exercício constante dos mapas 32 e 33 totaliza 591.427.231$00. Esta diferença de 10.487.038$00 foi deduzida no Q. 17. De acordo com o n°3 do Art° 1º do Dec. Reg. 2/90 de 12 de Janeiro, as amortizações só são aceites para efeitos fiscais quando contabilizadas como custos ou perdas do exercício a que respeitam pelo que esta importância deverá ser acrescida ao lucro tributável. (...) ” - Cfr. documento a fls. 53 a 55 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

c) Em 10 de Março de 1998 a AT emitiu a liquidação adicional de IRC n° 8…….., relativa ao exercício de 1993, da qual resultou o valor a pagar de Esc. 6.795.868$00, com data limite de pagamento em 29 de Abril de 1998 - Cfr. documentos a fls. 37 dos autos e fls. 47 do PAT (reclamação graciosa), apenso aos autos;

d) Consta dos autos cópia de documento denominado “Acordo Pré-reforma”, no qual constam como intervenientes a ora Impugnante e F....., o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido - Cfr. documento a fls. 31”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório”.

II.D. Considerando os elementos constantes dos autos, altera-se a redação do facto d) nos seguintes termos:

d) Através de documento escrito, designado de “Acordo Pré-Reforma”, no qual surgem como partes a Impugnante e F....., datado de 28 de maio de 1993, foi declarado pelos mesmos designadamente o seguinte:

“… C) E... e TRABALHADOR acordaram em que o TRABALHADOR passe à situação de pré-reforma com efeitos a partir de, inclusive, 1 (um) de Outubro de 1993 (…)

2.º (…)

6 – Ainda em consequência do presente acordo de pré-reforma a E... obriga­-se a pagar ao TRABALHADOR, no momento da assinatura deste acordo, uma compensação extra, global e única, de Esc:590.400$00 …” [cfr. documento constante de fls. 31 a 35 dos autos em suporte de papel (a que correspondem futuras referências sem menção de origem), que aqui se dá por integralmente reproduzido].

II.E. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda­-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

e) Relativamente ao exercício de 1992, no apuramento contabilístico das reintegrações anuais, a Impugnante procedeu ao seu cálculo tendo por base de partida os valores atinentes a 31.12.1990 (cfr. fls. 22).

f) Nessa sequência, apurou um valor total de amortizações do exercício de 627.097.384$00 (cfr. fls. 15).

g) A Impugnante apurou um valor de erro no cálculo das depreciações mencionadas em e) de 10.487.038$00, resultando da diferença entre o valor considerado atinente a 31.12.1990 e o valor a considerar atinente a 31.12.1991 (cfr. fls. 22).

h) Na sequência do referido em g) e do apuramento de amortizações excessivas no valor de 2.960.246$00, a Impugnante acresceu, no campo 7 do quadro 17, da declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 1992, o valor de 13.447.284$00 (cfr. fls. 20).

i) A Impugnante anexou à declaração modelo 22 mencionada em h) anexo discriminativo das amortizações excessivas (cfr. fls. 22).

j) A Impugnante, relativamente ao exercício de 1993, calculou amortizações do exercício no valor total 591.427.231$00 que declarou nos mapas 32 e 33 (cfr. fls. 55 dos autos e fls. 60 do processo administrativo).

k) A Impugnante, relativamente ao exercício de 1993, creditou o valor de 10.487.038$00 em sede de depreciações, mencionado em g) (cfr. fls. 60 do processo administrativo, bem como o depoimento da testemunha M......, contabilista junto da Impugnante, que, de forma clara, convincente e coerente, demonstrando conhecimento direto dos factos, explicou os procedimentos contabilísticos em causa).

l) Na sequência do referido em k), o saldo contabilístico apurado em termos de amortizações do exercício de 1993 foi de 580.940.193$00 (cfr. fls. 24).

m) A Impugnante, na declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 1993, declarou designadamente o seguinte:

m.1. Quadro 12, campo 21 – amortizações do exercício – 580.940.193$00;

m.2. Quadro 17, campo 17 – anulação de depreciação excessiva de 1992 – 10.487.038$00 (cfr. fls. 23 a 30).

n) Foi emitido recibo, pela Impugnante, em nome de F……, do qual consta, entre outros, a menção ao valor de 590.400$00, com o descritivo “compensação” (cfr. fls. 36).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento no tocante à correção relativa a reintegrações

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que ficou demonstrado que a situação controvertida refletia apenas a correção de uma situação evidenciada em 1992, em termos de contabilidade.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 23.º do Código do IRC (CIRC – redação à época):

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora…”.

Assim, quanto aos custos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário, neste quadro normativo, que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.

No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais custos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente”(1).

Sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento, que, se dotado de algumas insuficiências, poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente meios complementares de prova documental e testemunhal(2).

Neste contexto é ainda de ter em conta o disposto no então art.º 41.º, n.º 1, al. h), do CIRC, que previa que não eram dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos indevidamente documentados.

Nessa sequência, carece de justificação documental a realização de custos, para que os mesmos sejam fiscalmente relevantes.

Por outro lado, o art.º 23.º do CIRC remetia, à época, para o conceito de indispensabilidade do custo. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

¾ Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado custo, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º do Código da Contribuição Industrial);

¾ No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um custo não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis”(3).

A indispensabilidade associa-se, pois, ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.

A noção de indispensabilidade não pode ser encarada como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal)(4), abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade.

Não sendo indispensável um custo, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.

O mencionado art.º 23.º, nas suas diversas alíneas, facultava um elenco exemplificativo dos custos fiscalmente relevantes, sendo ora de chamar à colação a alínea g), que expressamente fazia referência aos custos com reintegrações e amortizações.

Nos art.ºs 27.º e seguintes do mesmo código, estava previsto o regime das reintegrações e amortizações, objeto de regulamentação no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro.

Assim, nos termos do n.º 1 do art.º 27.º do CIRC, “[s]ão aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando­-se como tais os elementos do ativo imobilizado que, com caráter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas”.

Nesta mesma linha, dispunha o art.º 1.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, nos termos do qual “… [p]odem ser objeto de reintegração e amortização os elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento”.

Por elementos do ativo imobilizado entendem-se os bens que se destinam a permanecer na empresa de maneira duradoura(5), que esta utiliza para a realização dos seus objetivos, sendo, neste contexto, de atentar na circunstância de o legislador ter dado uma prevalência à utilização económica do bem.

Genericamente, pois, são reintegrações e amortizações fiscalmente relevantes as relativas a elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento.

Dispunha ainda o n.º 3 do art.º 1.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, que “[a]s reintegrações e amortizações só são aceites para efeitos fiscais quando contabilizadas como custos ou perdas do exercício a que respeitam”.

In casu, considerou o Tribunal a quo que o procedimento contabilístico seguido pela Impugnante não foi correto, pelo que, atento o n.º 3 do referido art.º 1.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, a correção efetuada pela administração tributária (AT) não merecia qualquer reparo.

Desde já se refira que não se acompanha tal entendimento.

Vejamos então.

Como referido pela Recorrente, a cabal compreensão do que ora se discute implica uma análise da situação fática ocorrida em 1992.

Assim, ficou provado que, em 1992, em termos contabilísticos, houve um erro no cálculo das reintegrações anuais, no caso dos bens aos quais foi aplicado o método das quotas degressivas, porquanto se teve como ponto de partida o saldo a 31.12.1990 [cfr. facto e)], e não o saldo a 31.12.1991, como deveria ter sucedido.

Com efeito, este método, previsto no art.º 28.º, n.º 2, do CIRC, e cuja forma de cálculo resulta do n.º 3 do art.º 29.º do mesmo código e do art.º 6.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, implica que, para o cálculo das reintegrações de um determinado exercício, tenha de se considerar o valor residual do exercício anterior, porquanto é sobre este valor que incide o coeficiente a aplicar.

Logo, tendo sido, num primeiro momento, calculado o valor das reintegrações de 1992 tendo como ponto de partida o valor residual a 31.12.1990 e não a 31.12.1991, foram calculadas reintegrações em excesso nesse exercício.

Ficou ainda provado que a Impugnante apurou o valor do erro de cálculo, que se cifrou em 10.487.038$00.

Ou seja, se a Impugnante tivesse declarado, para efeitos de IRC de 1992, os valores calculados, erradamente, num primeiro momento, tinha apurado um valor relativo a reintegrações superior àquele que era o correto.

Ficou, no entanto, provado que, em sede de declaração modelo 22 de IRC do exercício de 1992, a Impugnante acresceu no campo 7 do quadro 17 o valor de 13.447.284$00, onde estava incluído o mencionado valor de 10.487.038$00, relativo ao citado erro de cálculo [cfr. facto h)].

A explicação desta circunstância constava de documento anexo apresentado pela Recorrente [cfr. facto i)], não havendo qualquer indicação nos autos de que tenha sido de alguma forma posta em causa pela AT.

Ou seja, apesar de os elementos contabilísticos relativamente a 1992 refletirem o tal erro de cálculo, para efeitos fiscais o mesmo foi colmatado através da verba a acrescer no quadro 17 a que nos referimos.

No entanto, como já mencionamos, os elementos contabilísticos permaneciam com um valor que não era o correto, motivo pelo qual a Recorrente optou por, em 1993, creditar a conta de depreciações no exato montante excessivamente registado em 1992 (10.487.038$00) [cfr. facto k)].

Tal circunstância redundou em que, não obstante terem sido calculadas amortizações do exercício, nos mapas 32 a 33, no valor total de 591.427.231$00, o saldo contabilístico apurado foi de 580.940.193$00, por força do já referido movimento a crédito.

Ou seja, e não é posto em causa, como a própria AT refere na informação de fls. 60 do processo administrativo, face aos elementos constantes dos mapas de amortizações assistiria direito à Recorrente a considerar 591.427.231$00 a título de amortizações e reintegrações em 1993.

Atenta a circunstância descrita, a Recorrente optou por deduzir no campo 17 do quadro 17 da declaração modelo 22 relativa ao exercício de 1993 o valor de 10.487.038$00, atinente à anulação da depreciação excessiva de 1992, a que já nos referimos.

Ou seja, através desta opção declarativa a Recorrente considerou como custos aqueles em que efetivamente incorreu com amortizações e reintegrações em 1993, ou seja, 591.427.231$00 – como resulta dos mapas 32 e 33 e nunca foi posto em causa.

Sublinha-se novamente que o tal valor de 10.487.038$00 foi, como referimos, um valor considerado por lapso em 1992, lapso esse resolvido na declaração modelo 22 em 1992, com o procedimento já explanado. Ou seja, a Recorrente fez uma opção declarativa em 1992, para efeitos fiscais, que lhe permitiu não estar a considerar mais reintegrações do que as efetivamente suportadas. Não permitir a declaração de sinal contrário em 1993 implicaria não aceitar um custo efetivamente incorrido, exclusivamente por se ter procedido a uma operação de mera correção contabilística.

Poder-se-á, é certo, equacionar se não deveriam ter sido alterados os documentos contabilísticos relativos ao exercício de 1992, por forma a que não tivesse de ter sido feita a anulação contabilística do erro de 1992 em 1993. Cremos, com efeito, que seria esse o caminho mais adequado. No entanto, estando provado que houve depreciações registadas e contabilizadas em 1993 no valor total de 591.427.231$00 e estando provado que o saldo total da conta de amortizações refletia um movimento a crédito para corrigir contabilisticamente o erro de cálculo de 1992, a admissão da correção efetuada implicaria desconsiderar um custo efetivamente incorrido, o que atenta contra o princípio da tributação pelo rendimento real.

Face ao exposto, assiste razão à Recorrente, motivo pelo qual, nesta parte, deverá ser a sentença recorrida revogada.

III.2. Do erro de julgamento quanto ao valor inscrito como provisão

Considera, por outro lado, a Recorrente que errou o Tribunal a quo no seu julgamento quanto à correção no valor de 590.400$00, defendendo, em síntese, que o custo foi incorrido, sendo sempre admissível ao abrigo do art.º 23.º do CIRC.

Vejamos.

Como já referido supra, o art.º 23.º do CIRC, à época, consagrava um conceito de custo fiscalmente dedutível, elencando, nas suas alíneas, alguns exemplos de custos, designadamente:

“d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso e seguros, com exceção dos de vida constituídos facultativamente;

(…) h) Provisões”.

Concretamente quanto às provisões, as mesmas “… são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto”(6), refletindo o respeito por dois princípios caraterizadores das normas contabilísticas: o princípio da prudência e o princípio da especialização dos exercícios.

O princípio da prudência determina que sejam acauteladas consequências futuras decorrentes de determinados eventos, através de estimativas exigidas em condições de incerteza.

Como referido por Rui Duarte Morais(7), “[t]al como uma pessoa cautelosa (…) põe antecipadamente de lado dinheiro necessário para (…) satisfazer [a despesa previsível], também uma empresa previdente deve preservar certa fracção dos seus resultados para se precaver contra perdas que reputa de prováveis”.

Já o princípio da especialização dos exercícios determina que os proveitos ou os custos sejam reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.

Assim, as provisões, aliando o princípio da prudência com o da especialização dos exercícios, visam acautelar eventos futuros de ocorrência provável.

À época, o regime das provisões encontrava maior desenvolvimento nos art.ºs 33.º e ss. do CIRC.

Assim, desde logo, o art.º 33.º do CIRC enunciava, taxativamente, o elenco de provisões fiscalmente dedutíveis, nos seguintes termos:

“1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:

a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

b) As que se destinarem a cobrir as perdas de valor que sofrerem as existências;

c) As que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício;

d) As que, de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal, tiverem sido constituídas pelas empresas sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e de outras instituições financeiras com sede em outro Estado membro da Comunidade Europeia, bem como as que tiverem sido constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Instituto de Seguros de Portugal às empresas submetidas à sua fiscalização, incluindo as provisões técnicas que as empresas seguradoras se encontram legalmente obrigadas a constituir;

e) As que, constituídas por empresas que exerçam a indústria extrativa do petróleo, se destinem à reconstituição de jazigos”.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, a Recorrente registou na sua contabilidade, a título de provisão, o valor de 590.400$00, relativo a compensação acordada com trabalhador, no acordo de pré­-reforma celebrado entre ambos.

Note-se, desde já, que o custo existiu, o que não é posto em causa pela AT.

Com efeito, da fundamentação da liquidação em crise decorre justamente que o valor se refere a pagamento a trabalhador por passagem à situação de [pré]-reforma [cfr. facto b)].

É certo, como refere a AT, que tal custo não poderá ser configurado como provisão. Da leitura do disposto no art.º 33.º decorre que esta situação não se enquadra em nenhum dos casos ali previstos. Aliás, nem conceptualmente seria uma situação de provisão: estamos perante um custo acordado no exercício de 1993 e pago de imediato, sendo, pois, um custo decorrente de situação presente (a compensação pela passagem de um trabalhador à pré-reforma), de montante certo e não uma perda futura previsível.

Atendendo, pois, à realidade substantiva, o que resulta evidenciado é que, não obstante a contabilização do valor em causa como provisão, trata-se de um claro erro de contabilização. Há, pois, que ter em conta que se trata, como refere a Recorrente, de custo com pessoal, abrangido pelo disposto no art.º 23.º do CIRC.

Com efeito, resultou provado que foi assinado um acordo de pré-reforma com o trabalhador em causa, no qual se definiram as respetivas condições, onde se incluiu o valor em causa, pago a título de compensação, no momento da assinatura desse mesmo acordo e cerca de três meses antes do início da situação de pré-reforma – tudo durante o exercício de 1993.

Reitera-se, pois, que o que ocorreu foi um erro na contabilização no custo, mas isso não pode desvirtuar a sua natureza. A existência de um erro de contabilização não impede o sujeito passivo de demonstrar a existência desse mesmo erro (afastando a presunção de veracidade da contabilidade), por forma a poder aferir a real natureza do custo.

Uma vez que essa natureza foi aferida e demonstrada e configurando-se a mesma como enquadrável no âmbito do art.º 23.º do CIRC, a correção em causa não se pode manter.

Como tal, também nesta parte assiste razão à Recorrente.

Vencida a Recorrida seria a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias. No entanto, há que ter em conta que, nos processos instaurados até 01.01.2004 (como é o caso), a FP se encontrava isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar procedente a impugnação apresentada, anulando-se a liquidação impugnada;

b) Sem custas, em ambas as instâncias;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 28 de novembro de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1).Cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 (Processo: 00340/03) e de 23.04.2015 (Processo: 06468/13).

(2).Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.

(3).Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017

(Processo: 0627/16) e de 24.09.2014 (Processo: 0779/12).

(4).Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16), e jurisprudência no mesmo citada.

(5).Cfr. Rui Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 103.

(6).Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 119. V. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.09.2013 (Processo: 0164/12) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.07.2006 (Processo: 01095/06). Cfr. ainda J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 402.

(7).Ob. cit., p. 119.