Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:583/05.9BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IVA
PARECER MINISTÉRIO PÚBLICO
FUNDADA DÚVIDA
Sumário:I. Ao Ministério Público, em matéria tributária, não são atribuídas todas as funções compatíveis com o Estatuto do Ministério Público, uma vez que a sua intervenção se restringe ao processo judicial tributário e, neste, a questões de legalidade, porquanto a representação e defesa dos interesses patrimoniais da Administração tributária é confiada ao representante da Fazenda Pública (cfr. artigos 9.º, n.º 4 e 15.º do CPPT).
II. A norma ínsita no n.º 1 do artigo 100.º da LGT é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário. Provando-se a existência ou inexistência de um facto tributário, não haverá lugar à aplicação desta norma, porque não há dúvidas (num ou noutro sentido).
III. O direito do contribuinte à indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia só ocorre quando tenha decorrido mais de três anos sobre a prestação da garantia e tenha obtido vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução fiscal que tenha como objecto a dívida garantida ou em reclamação graciosa ou impugnação judicial, se apure que houve erro na liquidação, imputável aos serviços.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. S... veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 28/04/2013, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IVA com o n.°2003030..., relativa ao ano de 1999.

2. O Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. A fls. 93 e segs. emite o Digno Procurador da República parecer no sentido de dever o acto impugnado ser anulado.

Efectivamente,

2. Considera aquele Magistrado que existe fundada dúvida sobre a existência do facto tributário pelo que, nos termos do n° 1, do art° 100° do CPPT, deve o acto tributário ser anulado.

3. A representação do Estado nos tribunais, cabe ao Ministério Público, sendo a colecta de impostos prerrogativa do Estado e não de uma qualquer Repartição de Finanças.

Sendo assim,

4. Assume a natureza de confissão do pedido formulado na impugnação, a posição processual pelo M.P. assumida nos autos o que, só por si, deve conduzir à procedência da presente impugnação.

Por outro lado,

5. É obscura a fundamentação do acto impugnado.

Efectivamente,

6. Como de fls. 127 do Apenso de Reclamação resulta, a fundamentação do acto assenta em “estranheza”, “não se compreende a contínua intervenção do reclamante naquela relação”, “contínua facturação em duplicado”, “ posição da Administração Fiscal Alemã em face do segundo contrato”.

7. A fundamentação consiste, pois, em meras conjecturas e suspeições que, a serem consistentes, deveriam ter originado procedimentos de outra natureza, nomeadamente, de índole penal.

Por outro lado,

8. Refere-se a fundamentação a uma duplicação de facturas quando, na verdade, todas as facturas foram emitidas em nome da Liga, apenas a última aparecendo dirigida ao Recorrente.

Porém,

9. Esta “factura” não a recebeu o Recorrente que, consequentemente, não a contabilizou.

10. A obscuridade da fundamentação equivale a falta de fundamentação o que se traduz em preterição de formalidade legal essencial à validade do acto.

11. A sentença violou, por conseguinte, o disposto na al. c) do art° 99° do CPPT.

12. Inexiste, no caso dos autos, facto tributário que justifique o acto tributário objecto da impugnação.

Com efeito,

13. Ao Recorrente foi adjudicada a empreitada de remodelação da sede da Portuguesa de Deficientes Motores em que se incluía o fornecimento e montagem de um equipamento especial para a piscina.

14. O fornecimento e montagem do equipamento foi objecto de contrato assinado pela Liga, pelo Recorrente e por A..., empresa alemã.

15. O custo deste equipamento especial ascendia a 40.000.000S00 a que acrescia IVA no montante de 6.800.000$00

16. O Recorrente incluiu aquele custo e IVA em factura (a 1655) emitida à Liga.

17. Acontece que a Liga, já após o Recorrente ter procedido ao pagamento das duas primeiras facturas à empresa alemã, decidiu retirar aquele fornecimento do âmbito da empreitada;

18. O Recorrente, que efectuou dois pagamentos à empresa alemã e os debitara à Liga, emitiu a nota de crédito n° 1/99 destinada a anular o valor correspondente de 40.000.000$00, acrescido de IVA de 6.800.000$00.

Efectivamente,

19. O Recorrente não recebeu qualquer das duas importâncias, como resulta quer dos factos provados, quer do processo administrativo junto aos autos.

Aliás,

20. Resulta dos factos provados (Factos 18 e 19 e 29) que a Liga Portuguesa dos Deficientes Motores pagou a totalidade da importância respeitante ao equipamento especial, à empresa alemã.

21. O pagamento à empresa alemã foi, igualmente, verificado pela Administração Fiscal portuguesa que, em inspecção à Liga, pôde comprovar tal facto, como decorre do processo administrativo junto aos autos.

22. No contexto do contrato de empreitada existente entre o Recorrente e a Liga, a eliminação do fornecimento do equipamento para a piscina, traduz-se em “trabalhos a menos”, frequentes nos contratos de empreitada.

23. A nota de crédito n° 1/99, encontra perfeita e cabal justificação face à sobredita decisão da Liga e à circunstância de a verba - e o IVA - em causa, não terem sido recebidos pelo Recorrente.

24. O acto tributário em causa na presente impugnação, não assenta, pelo exposto, em facto que o justifique.

Deste modo,

25. A sentença viola o disposto no art° 1 do CIVA.

Em qualquer caso, e quando menos,

26. Persiste a “fundada dúvida” sobre o facto tributário a que aludem os Pareceres do Dig.m° Procurador da República de que igualmente resulta a necessidade de anulação do acto tributário.

Deste modo,

27. A sentença viola o disposto no n° 1, do art° 100° do CPPT, devendo, igualmente por este motivo, ser revogada.

28. Sendo, como é, ilegal o acto impugnado, deve o Recorrente ser ressarcido dos encargos suportados tendo em vista a suspensão da execução fiscal (artº 53º da DGCI), encargos esses a liquidar.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao recurso e, revogada a sentença, ser anulado o acto tributário, deste modo se fazendo JUSTIÇA.»

3. A recorrida devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, nos termos constantes de fls. 278 a 281 (da numeração dos autos de suporte físico), no sentido da procedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 684.º, nº s 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 do CPC (actuais artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, n.º 1, do NCPC) ex vi artigo 281.º do CPPT.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito (i) por o parecer do Ministério Público assumir a natureza de confissão, (ii) por violar os artigos 1.º do CIVA e 100.º, n.º 1 do CPPT, (iii) por violar o artigo 99.º, alínea c) do CPPT, por o acto de liquidação impugnado carecer da necessária fundamentação.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. O impugnante exerce a actividade de outras obras especializadas de construção, a que corresponde a classificação das actividades económicas - CAE, n.°45.250;

2. Foi sujeito a uma acção de fiscalização relativamente ao ano de 1999, de que resultaram diversas correcções técnicas, nomeadamente, em sede de IVA;

3. Do relatório final da acção de fiscalização, datado de 18/11/2002, que constitui fls. 44 a 65 do apenso administrativo, consta, entre o mais que damos por integralmente reproduzido, o seguinte:

«1.6. - Nota de crédito

(…)

Dado que a administração fiscal alemã considera como sendo a única factura final conhecida a que totaliza o valor de 356.730.00DM, a qual foi emitida ao sujeito passivo S..., e ainda o facto de o sistema informático do VIES (Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias), relativo a 1998, registar as aquisições intracomunitárias em nome de S..., efectuadas pela empresa A... — W... e não tendo sido apresentado qualquer documento comprovativo emitido pelo sujeito passivo alemão A... — W... a anular as facturas emitidas ao sujeito passivo S..., pelo que não existe qualquer justificação para a emissão da nota de crédito n.°01/99, de 01/03/99, â LPDM e a correspondente anulação da factura n.°1655 de 02/12/98, já que o equipamento foi fornecido e montado.

Assim, verificou-se que o sujeito passivo contabilizou a referida nota de crédito como anulação de proveitos (movimento a débito na conta 7273) no valor de 40.000.000$00, pelo que a mesma não é aceite fiscalmente nos termos do art. °23°do CIRC, uma vez que esta perda se encontra indevidamente comprovada.

(...)

2.1. - IVA — Correcções técnicas

2.1.1. De acordo com o referido no ponto anterior (1.6. — Nota de crédito), não existe qualquer justificação para a emissão da nota de crédito n.° 01/99, de 01/03/99, no valor de 46.800.000$00 (IVA incluído de 6.800.000$), contabilizada através do doc.273/Março/99, fotocópia em anexo n.°15, à LPDM e a correspondente anulação da factura n.°1655, de 02/12/98.

Assim, o s.p. deduziu indevidamente IVA no valor de 6.800.000$00, uma vez que foi regularizado IVA a favor da empresa (conta 24341), referente à nota de crédito n.°0I/99, de 01/03/99, no valor de 46.800.000$00 (IVA incluído de 6.800.000$), nos termos dos art.s 19° e 25°, do CIVA.

2.1.2. — Relativamente à factura final n°480205, de 02/26/1999 (fotocópia em anexo 8 - folha II), no valor de 67.892.62DEM (correspondendo 67.892,62 / 1,95583 = 34.712,95€, uma vez que 1€ = 1,95583DEM) ou 6.959.322800 (34.712,92 x 2008482), a qual refere como volume total do projecto o valor de 356.730,0ODEM, tendo sido emitida a Construções Torrão, conforme atrás referido, relativo à aquisição de equipamento especial para uma piscina de reabilitação e respectiva instalação, cujo custo diz respeito ao exercício de 1998, pelo que deveria ter sido movimentado através da conta de acréscimo de custos (conta 273), uma vez que o sujeito passivo em análise já tinha conhecimento do seu montante.

Em Fev./99, encontra-se em falta a liquidação de IVA no valor de 1.183,085$ (6.959.322$ x 17%), referente à factura final n.°480205, de 02-26-1999, no valor de 67,892,62DEM, nos termos do n. °2 do art.°9, do RITI».

4. As correcções de IVA levadas a efeito na acção de fiscalização, nomeadamente as indicadas, originaram, com referência ao ano em causa de 1999, liquidações de imposto no montante de 56.354,476 e de juros compensatórios nos montantes de 1.605,306, 8378,276 e 3.575,006, referenciadas aos períodos de 99/12, 99/03 e 99/02, respectivamente (print de detalhe das liquidações, a fls. 75 do processo administrativo);

5. As liquidações, com data de 13/01/2003, tinham prazo de cobrança até 31/03/2003 (print de detalhe das liquidações, a fls. 75 do processo administrativo);

6. O impugnante, em 11/06/2003, deduziu reclamação graciosa da liquidação de imposto na parte assente em correcções resultantes da não aceitação da anulação da nota de crédito n.°l/99, de 1/3/99, no valor de 199.519,16€ e da consideração da factura n.°480205, no montante de 67.770,79DEM (cf. arL°5° do articulado da reclamação, a fls. 2 do atinente apenso);

7. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 03/05/2004, do Sr. Director de Finanças Adjunto, exarado a fls. 137 do respectivo apenso; 

8. Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi o impugnante notificado em 18/05/2004 (cf apenso de reclamação);

9. O impugnante foi notificado da decisão de absolvição da instância da Fazenda Pública por ilegal cumulação de pedidos, que recaiu sobre a primitiva impugnação judicial, por ofício datado de 20/01/2005 (informação a fls.254);

10. Apresentou a presente impugnação em 02/03/2005 (carimbo de entrada aposto na p.i.);

11. A impugnação foi apresentada em 16/04/2002 conforme carimbo de entrada aposto na petição inicial;

12. A Liga Portuguesa dos Deficientes Motores (em diante Liga, ou LPDM) adjudicou em 1998 ao impugnante a empreitada de remodelação e acabamento do edifício sede;

13. O projecto inicial da empreitada - financiado pela segurança social - incluía a aquisição e montagem do equipamento especial da piscina, adaptada tecnicamente a portadores de deficiência motora;

14. A Liga decidiu posteriormente retirar da empreitada adjudicada a operação de aquisição e montagem do equipamento especial para piscina (depoimentos de G..., P... e J...); 

15. A aquisição do equipamento especial para piscina foi contratada à empresa alemã A... — W... GmbH & Co KG (DE 1...) - cf. contrato, em língua inglesa, junto a fls. 19 dos autos;

16. A montagem do equipamento especial da piscina foi orientada e supervisionada por técnicos da empresa alemã, que para o efeito efectuaram deslocações a Portugal (depoimento de G...);

17. O impugnante, em execução do contrato referido supra em 15), efectuou dois pagamentos à empresa alemã, um no montante de 46.105,00DEM em 18/06/98 e outro, no montante de 120.000,00DEM, em 06/10/98 (cf. fls, 70 e 71 do apenso de reclamação);

18. Esses pagamentos foram debitados à Liga - cf. nota de débito, de 28/12/1998, a fls. 81 do apenso de reclamação;

19. A Liga procedeu à transferência bancária para a A... dos dois últimos pagamentos previstos no contrato referido em 15), um em 17/11/98 no montante de 120.000DEM e outro, em 03/05/99, no montante de 34.712,956 (contravalor de 66.730,00 marcos alemães) — cf. fls. 72 e 73 do apenso de reclamação;

20. O impugnante efectuou uma garantia bancária pelo máximo de 66.730DEM a favor da A... em 28/12/1998 (fls.80 do apenso de reclamação);

21. Toda a facturação originada no contrato referido em 15) foi emitida pela A... em nome do impugnante - cf relação de facturas n.°s 480139, 480142 e 480183 e a factura final n. °480205 emitida em 26/02/99, no valor de 67.892,62DEM, neste valor se incluindo 1.162,62DEM de custos adicionais com deslocações dos técnicos, a fls.208 do apenso administrativo;

22. O valor total facturado pela empresa alemã ao impugnante foi de 356.730,00DEM, que corresponde ao valor do contrato em língua inglesa datado de 04/06/1998 que constitui o doc.2 junto com a p.i. (consta a fls.19), em que o impugnante intervém como intermediário da Liga na aquisição e instalação do equipamento à empresa alemã;

23. Está previsto nesse contrato o pagamento faseado de três “tranches” nos valores de 50.000DEM, 120.000DEM e 120.000DEM e um pagamento final de 66.730,00DEM;

24. Com a mesma data de 04/06/1998, foi celebrado um contrato entre a LPDM e a empresa alemã A... - W..., sem intervenção do impugnante e tendo por objecto o “fornecimento do equipamento especial e respectiva instalação na piscina de reabilitação das suas instalações (da LPDM) em Lisboa ”, idêntico ao que consta do contrato em que interveio o impugnante e referido supra, em 15) - cf. doc.4 junto à p.i.,fls.27 dos autos;

25. A empresa alemã emitiu à LPDM as facturas n.°s 480139, 480142, 480183 e 480205, referenciadas ao mesmo projecto (“Project no.WP902”) relativamente ao qual emitiu ao impugnante as facturas referidas supra, em 21) e por idênticos valores de 50.000DEM, 120.000DEM e 120.000DEM, excepto a factura correspondente ao pagamento final, emitida pelo valor de 100.225,36DEM;

26. O valor total facturado pela empresa alemã à LPDM foi de 390.225,36DEM, que corresponde ao que consta do contrato referido supra, em 24), a fls.27/29 dos autos

27. As facturas finais, quer a emitida ao impugnante, quer à LPDM, contêm a mesma data de “02-26-1999”, e fazem alusão a pagamentos parciais referenciados às mesmas datas de “06-24-98”, “10-08-98” e “11-25-98” (cf. fls.22 do apenso de reclamação e 208 do apenso administrativo);

28. Apenas foi adquirido à empresa alemã e instalado um único equipamento especial de piscina na sede da LPDM (depoimento de F...);

29. O contrato enviado pela LPDM à segurança social para efeitos da subvenção, foi o referido supra, em 24) em que não interveio o impugnante e de que consta o valor de 390.225,36DEM - 40.000.000$, superior em 3.615.246$ ao que consta do contrato referido supra em 15) [i.e., 356.730,00DEM] — cf. fls. 19, 26 a 29 e 78 dos autos e 116 do apenso de reclamação; 

30. A nota de crédito n.° l/99, emitida pelo impugnante à LPDM em 01/03/1999, destinou-se a anular o valor correspondente, de 40.000.000$00 mais IVA de 6.800.000$00, da factura n.°1655, de 02/12/98, referenciada ao “auto de trabalhos n.°8”, datado de 01/09/98 que inclui “equipamento para a piscina” naquele valor de 40.000.000$ (fls.23 a 25 dos autos; 114 e 115 do apenso de reclamação);

31. O impugnante não contabilizou as facturas que lhe foram emitidas pela empresa alemã;

32. Os pagamentos da segurança social relativamente a projectos por si subsidiados são sempre feitos directamente à instituição financiada (depoimento de O...).

Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante, nomeadamente, não se provou que a empresa alemã se mantenha a laborar com a identificação fiscal de A... — W... GmbH & Co KG (DE 1...), nem que após a Liga ter decidido retirar o fornecimento do equipamento da piscina da empreitada geral, “nada mais teve o impugnante a ver, quer com o fornecimento, quer com a instalação do equipamento” (cf. art°8°, das conclusões das doutas alegações, a fls. 148).

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada. As testemunhas, cujo depoimento versou sobre os factos referidos em 12 e ss. do probatório não apresenta contradições entre si, sendo que todas depuseram com sólida razão de ciência: O... era Directora de Serviços de Acção Social da Segurança Social; J..., engenheiro, acompanhou a obra por parte da segurança social enquanto entidade financiadora do projecto; G..., era presidente da direcção da Liga; P..., directora executiva da Liga; A..., coordenadora financeira da Fundação Liga (que sucedeu na designação à LPDM); F..., Revisor Oficial de Contas, acompanhou o impugnante no processo de fiscalização a que foi sujeito.

No que respeita aos factos dados como não provados, sendo certo que a testemunha G... refere que os mesmos técnicos que orientaram a instalação do equipamento especial da piscina são os que agora lhe prestam assistência técnica, a verdade é que não resulta do seu depoimento que o façam ao serviço da empresa A... - W... GmbH & Co KG (DE 1...); como adiante se desenvolverá, os factos referidos em 20 a 23), em conjugação com as declarações das testemunhas apenas permitem concluir que a Liga decidiu retirar da empreitada o fornecimento do equipamento especial para piscina e respectiva montagem, não que o impugnante se tivesse alheado completamente da operação a partir daí.


*

2. ADITAMENTO OFICIOSO À DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Por ser relevante para a decisão da causa, ao abrigo do disposto no artigo 712.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil (actual artigo 662.º), importa aditar ao probatório a seguinte matéria que igualmente se encontra provada nos autos:
33. Em 17/07/2003, no Serviços de Finanças de Lisboa-8 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 31072003... para cobrança do montante de € 69.913,04, relativa a IVA do ano de 1999, o qual se encontra suspenso, por ter sido prestada garantia (cfr. fls. 76 a 78 do processo administrativo apenso);

34. O Impugnante em 08/08/2003 prestou a garantia bancária n.º D.16462, do B..., no valor de € 63.895,16, para suspensão do processo executivo identificado no número anterior (cfr. Doc. n.º 7 da p.i.).


*

3. DE DIREITO

3.1. O Recorrente alega nas conclusões 1 a 4 da alegação de recurso que o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer a fls. 93 e segs. no sentido do acto impugnado ser anulado, por existir fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, pelo que nos termos do artigo 100.º do CPPT, deve o acto tributário ser anulado, por a posição do MP assumir a natureza de confissão do pedido formulado na impugnação.

Vejamos, então.

Nos termos do n.º 1, do artigo 121.º do CPPT «Apresentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferido a sentença, o juiz dará vista ao Ministério Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras questões nos termos das suas competências legais.»

Ora, a referência a pronúncia «sobre as questões de legalidade suscitadas no processo» tem o significado que a intervenção processual do Ministério Público nos tribunais tributários se estende a todas as situações que se coadunam com a sua função estatutária, designadamente, pode suscitar questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido, arguir vícios do acto impugnado que não tenham sido arguidos pelo impugnante e promover o que tiver por conveniente (v.g. artigos 124.º, n.º2, alínea b) do CPPT, 27.º, alínea d) da LPTA, 85.º, n.ºs 3 e 4 do CPTA e 6.º, n.º 1 do Estatuto do Ministério Público).

In casu, o Ministério Público não tem intervenção como parte, por isso, foi-lhe aberta vista, determinada por despachos de fls. 89 e 178 (da numeração dos autos de suporte físico), em cumprimento do disposto no artigo 121.º do CPPT.

Ao Ministério Público, em matéria tributária, não são atribuídas todas as funções compatíveis com o Estatuto do Ministério Público, uma vez que a sua intervenção se restringe ao processo judicial tributário e, neste, a questões de legalidade, porquanto a representação e defesa dos interesses patrimoniais da Administração tributária é confiada ao representante da Fazenda Pública (cfr. artigos 9.º, n.º 4 e 15.º do CPPT; vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, nota artigo 14.º).

Por outro lado, o Juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes a obrigação de seleccionar os factos que interessam para decisão da causa, levando em atenção a causa ou causas de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor, bem como as questões suscitadas no parecer do Ministério Público, resolvendo todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. artigo 660.º do CPC, actual 608.º)

Aqui chegados, podemos desde já concluir que o Ministério Público intervém no processo de impugnação judicial em defesa da legalidade, e não em representação da Fazenda Pública, cuja defesa dos seus interesses patrimoniais é assegurada pelo seu representante, nos termos do artigo 15.º do CPPT.

Assim sendo, o parecer do Ministério Público não pode nunca assumir a natureza de confissão do pedido, uma vez que não tem poderes de representação da Autoridade Tributário para tal.

O parecer não tem de ser seguido, mas assinala uma posição sobre questões de legalidade discutidas no processo, podendo ainda o Ministério Público arguir vícios não suscitados pelo impugnante.

Com facilidade se conclui que um parecer, ainda que emitido pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, não pode encerrar uma confissão de pedido, por no processo judicial tributário o Ministério Público actuar com imparcialidade na defesa da legalidade e não como parte.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões do recurso no que tange a este vício.


*

3.2. Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelo ora Recorrente contra a liquidação adicional de IVA referente ao ano de 1999.

Para julgar improcedente a impugnação, o tribunal a quo considerou que a liquidação sindicada é de manter, não enfermando de vício de lei, por erro nos pressupostos, correspondendo a correcção do IVA de Esc.: 6.800.000$00 a proveitos facturados (factura n.º 1655) e anulados através da nota de crédito emitida (1/99), no entendimento que o contrato em que não interveio o impugnante, aparentemente celebrado em condições de preço mais onerosas para a Liga, só pode explicar-se por razões de sobrefacturação à entidade financiadora, posto que foi o enviado ao Centro da Segurança Social de Lisboa para efeitos de subvenção – cfr. doc. 4 junto à p.i., fls. 26 a 29 dos autos , e que o contrato triangulado (em que o ora Recorrente intervém como intermediário) manteve-se válido até à finalização da operação de aquisição do equipamento especial para a piscina e que (…) o impugnante indevidamente não contabilizou as facturas que lhe foram emitidas pela empresa alemã (e que os autos não demonstram terem sido anuladas, sequer em parte do seu valor, como seria normal) e, ao que é decisivo para estes autos, indevidamente procedeu à emissão da nota de crédito n.°1/99 para neutralizar a facturação à Liga dos 40.000.000$ (mais os 6.800.000$ de IVA liquidado à taxa de 17% sobre aquele montante), não obstante a realidade ou materialidade da operação subjacente a tal facturação.

O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, em suma, invocando erro de julgamento, por violação dos artigos 1.º do CIVA e 100.ºdo CPPT, por o acto tributário em causa não assentar em facto que o justifique, persistindo a “fundada dúvida” sobre o facto tributário, a que aludem os pareceres do Ministério Público, e quanto à falta de fundamentação da liquidação adicional impugnada.

Alega o Recorrente que o fornecimento e montagem do equipamento especial de piscina foi objecto de contrato assinado pela Liga, pelo Recorrente e por A... (empresa alemã). O custo especial deste equipamento ascendia a Esc.: 40.000.000$00, a que acresceu IVA no montante de Esc.: 6.800.000$00, que o Recorrente incluiu quer o custo, quer o IVA em factura (1655) emitida à Liga e que esta só após o Recorrente ter procedido ao pagamento das duas primeiras facturas à empresa alemã decidiu retirar aquele fornecimento do âmbito da empreitada, pelo que o Recorrente emitiu a nota de crédito n.º 1/99 destinada a anular o valor correspondente de Esc.: 40.000.000$00, acrescido de IVA de Esc.: 6.800.000$00.

Mais invoca que, conforme resulta dos factos provados (pontos 18, 19 e 29) a Liga Portuguesa dos Deficientes Motores pagou a totalidade da importância respeitante ao equipamento especial à empresa alemã e, ainda, que o Recorrente não recebeu qualquer das duas importâncias.

Ora, a liquidação de IVA aqui em causa resulta de a administração fiscal não ter relevado o contrato celebrado entre a Liga Portuguesa de Deficientes Motores e a A..., considerando antes válido o contrato celebrado, na mesma data, entre os dois referidos outorgantes e o ora Recorrente. Nesta perspetiva entende que foi o impugnante que forneceu o equipamento especial para a piscina e não a A... directamente à LPDM. Mais considerou que a única factura final conhecida pela administração fiscal alemã, que totaliza o valor de 356.730,00DM foi emitida ao sujeito passivo S..., e que não foi apresentado qualquer comprovativo pela sociedade alemã A... a anular as facturas emitidas a S..., pelo que não existe justificação para a emissão da nota de crédito n.º 01/99, de 01/03/99 à LPDM e a correspondente anulação da factura n.º 1655, de 02/12/98, tendo o sujeito passivo deduzido indevidamente IVA no valor de Esc.: 6.800.000$00, uma vez que foi regularizado IVA a favor da empresa referente à nota de crédito n.º 01/99 (cfr. ponto 3 do probatório).

Vejamos, então.

Considerando a factualidade dada como provada e assente, que não foi impugnada, na apreciação do erro de julgamento que nos vem suscitado importa dilucidar a questão sobre que contratos foram celebrados, qual o respectivo montante e o que efectivamente foi liquidado pela Liga Portuguesa dos Deficientes Motoros à A... (sociedade alemã).

Nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Como se ponderou no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 25/06/2013, proferido no processo n.º 04830/11 «Assim, em regra, a Administração Tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos. Porém, isso não significa que a Administração Fiscal apenas deva procurar carrear para o procedimento provas dos factos que aproveitem à sua posição, pois, nessa matéria, mantém-se o seu dever, derivado do princípio do inquisitório, de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo as que tenham como objectivo provar factos invocados pelos interessados (cfr.artº.58, da L.G.T.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. edição, 2012, pág.656).» (disponível em www.dgsi.pt/).

E ao contribuinte cabe fazer prova da inexistência do facto tributário ou que houve erro ou excesso na qualificação do facto tributário.

Dispõe o n.º 1, do artigo 100.º do CPPT que «Sempre que da prova produzida resulta fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.»

Este preceito constitui aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova, enunciada no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, regra que também encontramos no artigo 414.º do CPC (anterior artigo 516.º), que faz recair sobre o onerado com a prova de um facto a desvantagem da dúvida.

A norma ínsita no n.º 1 do artigo 100.º da LGT é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário. Provando-se a existência ou inexistência de um facto tributário, não haverá lugar à aplicação desta norma, porque não há dúvidas (num ou noutro sentido).

Sobre a «fundada dúvida» pronunciou-se este TCAS em acórdão 16/06/2009, prolatado no processo n.º, 03073/09, a cujo discurso fundamentador aderimos ser reservas e se transcreve a seguinte passagem:

«No hodierno artº 100º do CPPT (e já o mesmo acontecia no artº 121º do CPT) acolhe-se claramente o princípio da verdade material, vinculante para a própria AF que só deverá praticar o acto tributário quando «formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável» devendo, em caso de subsistência de dúvida « acerca do objecto do processo(..) abster-se de praticar o acto tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum»(Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 150, 158 e 169).

De acordo com A.Sousa e Silva Paixão, CPPT anotado, pág. 233, hoje é irrecusável que aquele princípio é estruturante não só do processo contencioso tributário como do processo administrativo tributário, devendo a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário implicar que a AF se abstenha quer da respectiva quantificação, quer da subsequente liquidação do tributo. Em suma, é a indubitável consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio «in dubio pro fisco» que vigorou anteriormente à Reforma Fiscal.

A prova para o efeito relevante será não apenas a aduzida pelas partes, mas também e especialmente a prova que ao juiz se impõe diligenciar. Nesse sentido já se pronunciara o Acórdão do STA-2ª Secção, de 29/11/1995, proferido no Recurso nº 19 247, quando nele se expende, para justificar que o STA não sindica matéria de facto nos termos do artº 21º nº 4 do ETAF, que «A «fundada dúvida» referida no artº 121º do CPT (hoje 100º do CPT) é a que resulta da consideração de todo o apport probatório trazido ao processo pela Administração Fiscal e pelo contribuinte e tendo em conta ainda as diligências ordenadas pelo juiz, nos termos do seu artº 40º nº 1 (e do equivalente artº 100º do CPPT), que não apenas a «imputável» ao Fisco».

Assim sendo, cabia ao juiz da 1ª Instância realizar ou ordenar todas as diligências que considerasse úteis ao apuramento da verdade pois não pode considerar-se fundada a dúvida que implica a anulação do acto impugnado se assentar na ausência ou na inércia probatória das partes, especialmente do impugnante.

É que este não pode limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida «a existência e quantificação do facto tributário», incumbindo-lhe o «ónus probandi» de tais factos sem prejuízo de o juiz, no uso do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também pela sua comprovação só sendo possível concluir-se pelo fundamento da dúvida mediante a prova concludente dos mesmos.

A este enquadramento do regime do artº 100º do CPPT há um «prius» que é a conceituação de facto tributário aderindo nós à que dele dá Alberto Xavier em Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 247 e segs segundo a qual naquele existem um elemento subjectivo e um elemento objectivo integrado por um elemento material (acontecimento natural ou fenómeno de natureza económica, acto ou negócio jurídico tipificados na norma de incidência real), um elemento temporal (factos instantâneos ou duradouros) e um elemento quantitativo (factores legais de medição do objecto material do imposto).

É este elemento objectivo nas assinaladas vertentes que releva para efeitos da apreciação do regime estabelecido no artº 100º do CPPT de sorte que, no encalço dos dispositivos que nos vários códigos fiscais ao mesmo se referem, a existência do facto tributário será a realidade dos eventos concretos de natureza económica, actos ou negócios jurídicos que revelem a capacidade contributiva do contribuinte e que em abstracto estão descritos nas normas de incidência real de cada um daqueles códigos e a quantificação do facto tributário se aterá à medição daqueles factos materiais actuando as regras estabelecidas em cada um daqueles Códigos para a determinação da matéria colectável proveniente de rendimento, lucro ou valor.
Com esta delimitação, vejamos agora se é sustentável alguma dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário e se dela foi feita prova concludente.

Antes, porém, se diga que a sentença judicial não pode reduzir-se a um puro silogismo lógico, não pode nem deve representar uma aplicação por assim dizer maquinal da lei geral e abstracta aos factos da causa (vd. Acórdão da RL de 12/10/93, CJ, Ano XVIII, T. IV ), antes devendo o juiz fazer uma apreciação crítica das provas (artº 659º, nº 2, do CPC), o que equivale a dizer que terá necessariamente de valorar e interpretar os factos apurados no julgamento à luz dos interesses e finalidades que o legislador quis defender, presentes nas normas jurídicas aplicáveis a cada hipótese.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Prosseguindo.

Adiantamos, desde já, que da prova carreada para os autos resulta uma dúvida, que julgamos fundada, sobre a existência do facto que deu origem à liquidação adicional de IVA (artigo 100.º, n.º 1do CPPT). Não olvidamos a informação da Administração fiscal Alemã, a que se faz alusão no RIT para alicerçar as correcções impugnadas, mas resultaram provados nos autos factos que devem ser considerados, designadamente, nos pontos 14, 16, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31 e 32 do probatório.

Efectivamente, o contrato apresentado à Segurança Social foi o celebrado entre a LPDM e a A... (sem intervenção do Recorrente), cuja validade não foi questionada. A LPDM contabilizou as facturas emitidas pela A..., enquanto fornecedora do equipamento para a piscina, por sua vez o Recorrente não contabilizou as facturas que em duplicado foram emitidas em seu nome pela A... e quanto aos dois adiantamentos que efectuou, foram os mesmos debitados à LPDM.

Neste sentido de pronunciou o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer em que defende a verificação da fundada dúvida quanto à existência do facto tributário subjacente à liquidação adicional impugnada.

Atenta a forma criteriosa e profícua como as questões objecto do presente recurso são analisadas no referido parecer, que acompanhamos sem reservas, aqui o transcrevemos:


«Imagem no original»


«Imagem no original»

Face ao exposto, e secundando inteiramente o douto parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, somos do entendimento que no caso dos autos se torna necessário recorrer à regra do n.º 1, do artigo 100.º do CPPT, uma vez que, como resulta do probatório, o contrato reconhecido pela Segurança Social, cuja validade não foi questionada, foi o celebrado entre a LPDM e a A..., que o Recorrente foi retirado da empreitada da piscina, justificando assim aquele a anulação das duas facturas iniciais através da emissão da nota de crédito, que foi a Liga que fez o pagamento final do montante constante do contrato, e que não obstante a emissão de duplicação de facturas, as emitidas em nome do Recorrente não foram contabilizados, nem a piscina foi paga duas vezes, pelo que existe fundada dúvida sobre o facto tributário que deu origem à liquidação de IVA impugnada nos presentes autos.

Termos em que, procede por aqui o Recurso, e, em consequência, impõe-se revogar a sentença recorrida e anular a liquidação de IVA impugnada.


*

3.3. Da indemnização por prestação de garantia indevida

Face ao que se acabou de concluir sobre a liquidação de IVA de 1999 impugnada, importa agora apreciar do pedido formulado pelo impugnante de indemnização pelos custos incorridos com a garantia prestada no processo de execução fiscal, que formulou igualmente em sede de procedimento de reclamação graciosa.

De acordo com a matéria de facto dada como assente, tal execução fiscal foi instaurada para cobrança da liquidação dos autos.

Ora, nos termos do artigo 171.º do CPPT, o pedido de indemnização deve ser formulado na reclamação, impugnação ou recurso e, caso não seja formulado na petição inicial, caso o seu fundamento seja superveniente, pode ainda ser efectuado no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.

Por sua vez, o artigo 53.º da LGT preceitua «1. O devedor que, para suspender a execução ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.»

Porém, como decorre do artigo 53.º da Lei Geral Tributária, o direito do contribuinte à indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia só ocorre quando tenha decorrido mais de três anos sobre a prestação da garantia e tenha obtido vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução fiscal que tenha como objecto a dívida garantida ou em reclamação graciosa ou impugnação judicial, se apure que houve erro na liquidação, imputável aos serviços.

Ora, o Recorrente viu anulada em sede recursiva a liquidação de IVA do ano de 1999

In casu, é manifesto que o vício que afecta o acto de liquidação é imputável à Administração Tributária, pois as correcções foram da sua iniciativa.

Considera-se verificado o erro imputável aos serviços quando o sujeito passivo obtiver vencimento na reclamação ou na impugnação e o fundamento da anulação não lhe for imputável, como é o caso dos autos, visto que a liquidação foi feita pelos serviços na sequência de acção de fiscalização, pelo que, os erros de direito, consubstanciados na aplicação da lei a determinados factos são imputáveis à Administração Tributável (vide neste sentido Acs. do STA de 18/12/2002, processo nº 0949/02 e de 30/05/2012, processo nº 0410/12).

Assim sendo, ao Impugnante/Recorrente assiste o direito aos encargos efectivamente suportados, atento o disposto no art.º 53.º, nº 1 e 2 da LGT, independentemente do prazo de prestação de garantia, visto que é julgada verificada a existência de erro imputável aos serviços, o que se determinará na parte dispositiva infra.

No entanto, não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão (cfr. artigos 565.º do CC e 661.º do CPC, actual 609.º, n.º 2).


*

Conclusões/Sumário:

I. Ao Ministério Público, em matéria tributária, não são atribuídas todas as funções compatíveis com o Estatuto do Ministério Público, uma vez que a sua intervenção se restringe ao processo judicial tributário e, neste, a questões de legalidade, porquanto a representação e defesa dos interesses patrimoniais da Administração tributária é confiada ao representante da Fazenda Pública (cfr. artigos 9.º, n.º 4 e 15.º do CPPT).

II. A norma ínsita no n.º 1 do artigo 100.º da LGT é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário. Provando-se a existência ou inexistência de um facto tributário, não haverá lugar à aplicação desta norma, porque não há dúvidas (num ou noutro sentido).

III. O direito do contribuinte à indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia só ocorre quando tenha decorrido mais de três anos sobre a prestação da garantia e tenha obtido vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução fiscal que tenha como objecto a dívida garantida ou em reclamação graciosa ou impugnação judicial, se apure que houve erro na liquidação, imputável aos serviços.


*

IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente e, em consequência, anular a liquidação impugnada.

Custas pela Recorrida, salvo quanto à taxa de justiça por não ter apresentado contra-alegações.

Notifique.

Lisboa, 13 de Maio de 2021.


*

A Juíza Desembargadora,

Maria Cardoso

(assinatura digital)


(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Hélia Gameiro Silva).