Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03362/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/10/2009
Relator:Pereira Gameiro
Descritores:CONEXÃO DE PROCESSOS CONTRA-ORDENACIONAIS
CÚMULO DAS COIMAS
INFRACÇÃO CONTINUADA
Sumário:1 – A conexão de processos contra-ordenacionais tem lugar nos termos dos artigos 24 e segs do CPP, por força do art. 32 do DL 433/82 de 27.10 e só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento.

2 – A partir da entrada em vigor da Lei nº 64-A/2008 de 31.12 que, pelo art. 113, alterou a redacção do art. 25 do RGIT, passou a vigorar, com aplicação imediata, a regra do cúmulo jurídico das coimas aplicadas por infracções tributárias em processos de contra-ordenação.

3 – Por força do disposto nos artigos 3º b) do RGIT e 32 do RGCO, logram aplicação, nas infracções tributárias, a título subsidiário, as normas gerais acerca do crime continuado definido no art. 30 nº 2 do CP, punido com a pena correspondente à conduta mais grave que integra a continuação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – E ..., Lda., recorre do despacho da Mª Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente o recurso da decisão de fls. 7 e 8 aplicativa da coima de 1726,83 €, por infracção prevista e punida nos art. 26 nº 1 e 40 nº 1 al. b) do CIVA e 114, nº 2 e 26 nº 4 do RGIT, traduzida no facto de não ter feito entrega da prestação tributária relativa ao mês 06.2004 dentro do prazo que terminou em 16.8.04 só tendo feito a entrega em 26.9.2005, pretendendo que se reconheça a nulidade insuprível dos processos de contra ordenação subjacentes aos autos, por força do disposto no art. 63 nº 1 al. d) e nº 3 bem como do art. 79 nº 1 al. b) e c), ambos do RGIT e subsidiariamente que as infracções cometidas com o atraso no pagamento do IVA respeitantes aos 1º, 2º e 4º trimestres de 2004 sejam consideradas como uma única infracção (contra ordenação continuada) punida com uma única coima correspondente à conduta mais grave (referente ao 4º Tr. de 2004), isto é, no montante de € 2.512,04, por força do art. 30 nº 2 e 79 do CPenal, ex vi art. 3º al. b) do RGIT e do art. 32 do DL 433/82, de 27.10.

Nas suas alegações, conclui da forma seguinte:

A. A Recorrente apresentou as declarações periódicas de IVA respeitantes a 2004 em 11 de Agosto de 2005 (1º e 2º Trimestres), em 15 de Novembro de 2004 (3º Trimestre) e em 11 de Fevereiro de 2005 (4º Trimestre), as quais foram posteriormente substituídas pela entrega, no dia 26 de Setembro de 2005, de declarações de substituição.
B. Nessas declarações foi apurado IVA a pagar respeitante aos 1º, 2º e 4º trimestres de 2004, cujo pagamento a Recorrente efectuou em 10 de Outubro de 2005.
C. A Recorrente foi alvo de três procedimentos de contra-ordenação referentes aos 1º, 2º e 4º trimestres de 2004 por atraso no pagamento de IVA e na entrega das declarações periódicas respeitantes a esses períodos, o que se ficou a dever ao não cumprimente das funções que cabiam à TOC, que estava incumbida de apresentar tempestivamente as declarações periódicas de IVA, bem como de proceder à entrega do imposto ai liquidado, quando aplicável.
D. A referida TOC, em violação das instruções que tinha da Recorrente e da sua arte legis, apresentou no ano de 2005 as declarações referentes aos quatro trimestres "a zeros", não dando conhecimento desse facto à Recorrente.
E. Conforme se comprova pelo histórico contributivo da Recorrente, esta foi um contribuinte exemplar ao longo de décadas, sendo certo que apenas em 2004 e 205, anos fiscais tratados pela TOC acima identificada, se verificaram estas contingências.
F. Sem prejuízo dos argumentos acima esgrimidos, reproduzidos aliás nos artigos 1º a 14º da Petição Inicial, bem como a respectiva prova testemunhal aí indicada, os mesmos não foram considerados no ponto III.1 desta Sentença (Fundamentação de Facto) nem no ponto III.2 (Fundamentação de Direito), decidindo-se aliás neste último ponto: "Quanto ao demais alegado pela Recorrente, deverá a mesma, como refere, pedir contas da actuação da sua TOC em sede própria" (pág. 10 da Sentença), sendo que esta matéria de facto é relevante para a questão da contra-ordenação continuada.
G. São dois os pontos fulcrais que a Recorrente pretende ver apreciado por este Tribunal: (i) Nulidade insuprível do processo por falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima, nos termos do artigo 63º, nº 1, alínea d) do RGIT e artigo 79º, n.º 1, alíneas b) e c) do mesmo diploma e (ii) existência de Contra-Ordenação continuada, nos termos dos artigos 30º, n.º 2 e 79º do Código Penal, aplicáveis ex vi artigo 3º, alínea b) do RGIT e artigo 32º do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro.
H. Quanto à nulidade insuprível do processo por falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima (artigo 63º, nº1, alínea d) do RGIT e artigo 79º, n.º1, alíneas b) e c) do RGIT), releva o facto de a Recorrente, no Recurso Judicial das coimas aplicadas nos processos de contra ordenação referentes aos 1º, 2º e 4º trimestres de 2004, ter peticionado "que as infracções cometidas com o atraso no pagamento de IVA respeitantes aos 1º, 2º e 4º trimestres de 2004 sejam, a) Consideradas como uma única infracção ("contra-ordenação continuada") punida com uma única coima correspondente à conduta mais grave, i.e., entre 20% do IVA em falta com respeito ao 4º trimestre de 2004 e a soma das coimas aplicadas e ora em crise (i.e., entre € 2.431,07e € 5.205.33), nos termos do artigo 30º, nº2 e 79º do Código Penal ex vi do artigo 3º, al. b) do RGIT e do artigo 32º do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro, bem como do artigo 114°, n.º2, e igualmente do artigo 79º nº1, alínea d) ambos do RGIT e 72º-A do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro. E, b) Que sejam reconhecidas as nulidades insupríveis dos processos de contra-ordenação, nos ternos e com o regime do artigo 63º, n.º 1, al. d) e nº3 do RGIT."
I. Todavia, a Sentença ora recorrida discordou, decidindo quanto às nulidades invocadas: "Deste modo, improcede o alegado pela Recorrente, quanto à invocada nulidade da decisão recorrida, por falta de indicação das circunstâncias consideradas e valoradas para se chegar à decisão recorrida, nos termos do disposto no artigo 79º, nº 1 do RGIT"(pág.7 da Sentença).
J. A Recorrente entende que os Despachos em crise fixaram coimas superiores ao mínimo legal sem que para isso tenham convocado factos suficientes para a graduação da coima, sendo essa graduação imposta pelo artigo 27ºdo RGIT e constituindo requisito imprescindível para a decisão de aplicação de coima, nos termos do estatuído pelo artigo 79º, n.º 1, alínea c) do mesmo diploma.
K. A este respeito os Despachos em crise limitam-se a mencionar como "elementos que contribuíram para a fixação da coima" (ao mesmo tempo remetendo para uma “lnf. 120") a data do termo de prazo para cumprimento da obrigação; a data desse efectivo cumprimento; o período tributário a que respeita a infracção; o montante de imposto exigível; o valor da prestação tributária entregue; o valor da prestação tributária em falta; a reincidência do agente; a culpa do agente (negligência); e o tempo decorrido desde a infracção.
L. Deduzir-se-á que os elementos em falta constariam da dita "Inf. 120", a qual não foi no entanto remetida à Recorrente, sendo porém aceite pela mais douta jurisprudência que essa remissão não constitui uma "indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação" nem uma "descrição sumária dos factos", como se exige no citado artigo 79º, n.º 1, alínea c) do RGIT - vide, neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 18-01-2006 (Processo nº 0449/05) e de 22.02.2006 (Processo nº 0834/05).
M. Adicionalmente, no âmbito do processo de contra-ordenação nº 3301200506026141, relativo ao terceiro trimestre de 2004, cuja Recorrente é a mesma, foi já proferida Sentença por este douto Tribunal – 1ª Unidade Orgânica (cfr Processo nº 2286/16.8 BELSB), a qual deu razão à Recorrente quanto à questão da nulidade insuprível por falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima (cfr. cit. Doc.1), contrariando assim o entendimento sufragado pelo tribunal a quo, devendo aquela ser tomada em consideração nestes autos, em obediência aliás ao disposto no artigo 8º nº 3 do Código Civil.
N. Nesta conformidade, o carácter remissivo dos Despachos em crise e a insuficiência na descrição de factos integradores dos elementos que contribuíram para a graduação da coima, exigidos pelo artigo 27º do RGIT, ferem os processos de contra-ordenação subjacentes a estes autos de nulidade insuprível, nos termos do artigo 63º, nº 1, alínea d) e n.º 3 do RGIT, conjugado com o artigo 79º, n.º 1, alíneas b) e c) do mesmo diploma legal.
O. Por outro lado, Recorrente entende que as infracções tributárias em causa deveriam ter sido punidas como "contra-ordenação continuada", em conformidade com o disposto nos artigos 30º, n.º 2 e 79º do Código Penal, aplicáveis ex vi artigo 3º, alínea b) do RGIT e do artigo 32º do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro.
P. Neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA E MANUEL SIMAS SANTOS, ob. cit. "[...] Não se prevendo neste RGIT nem no RGOC punição para o crime ou contra-ordenação continuada, há que aplicar o preceituado no art. 79º, n.º 1 do C. Penal, subsidiariamente aplicável nos termos do art. 3º do RGIT e art. 32ºdo RGCO. Assim, o crime continuado é punido com a sanção correspondente à conduta mais grave que integra a cominação. [...]".
Q. In casu estão verificados todos os requisitos legalmente previstos para a existência de infracção continuada:
- Realização plúrima do mesmo tipo de infracções (artigo 114º, n.º 2, do RGIT), com lesão do mesmo bem jurídico;
- homogeneidade na forma de execução/conduta da Recorrente, na medida em que a apresentação ("a zeros") das declarações periódicas de lVA foi efectuada no mesmo dia (26 de Setembro de 2005), correspondendo a períodos tributáveis trimestrais de IVA consecutivos (i.e., os quatro trimestres do ano de 2004);
- unidade da motivação subjacente a todas as condutas, visto que a entrega das declarações de substituição no dia 26 de Setembro de 2005 resultou do desconhecimento da irregularidade, consequência da actuação da TOC;
- persistência de uma mesma situação exterior que objectivamente facilitou a infracção e diminui consideravelmente a culpa do agente para estes efeitos, que se consubstanciou na actuação culposa por parte da TOC, e a ausência de processos e sanções imediatos por parte da Administração Tributária.
R. Destarte, as infracções em causa deveriam ter sido qualificadas como uma única contra-ordenação (continuada), nos termos do artigo 30º, n.º 2 do Código Penal, aplicável ex vi do artigo 3º do RGIT e do artigo 32º do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro, aplicando-se-lhe, consequentemente, uma coima unitária correspondente à conduta mais grave que integra a continuação, nos termos do artigo 79º do Código Penal, aplicável ex vi artigo 3º, alínea b) do RGIT e do artigo 32º do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro.
S. Na Sentença posta em crise é rejeitada a aplicação do artigo 19º do RGCO, aplicando-se o artigo 25º do mesmo diploma, sendo certo este normativo prevê o cúmulo material para as situações de concurso de contra-ordenações, que é distinto do concurso de infracções, previsto na epígrafe do artigo 10º do RGIT (subsumível aos autos).
T. Ao não entender assim a douta Sentença incorre em erro de julgamento.
U. A Sentença está assim inquinada por violação das citadas normas legais, devendo a Recorrente ser punida com uma coima unitária correspondente à conduta mais grave (referente ao 4º trimestre de 2004), i.e., no montante de €2.512,04.
V. Violado queda também o direito fundamental de Audiência e Defesa consagrado no artigo 32º, nº10 da CRP, porquanto a Sentença omite a produção da prova testemunhal arrolada para demonstração da conduta da TOC, facto relevante para a tese de contra-ordenação continuada defendida pela Recorrente e sufragada pela Doutrina citada.

Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, requer-se:
a) que se reconheça a nulidade insuprível dos processos de contra-ordenação subjacentes aos autos, por força do artigo 63º, n.º 1, alínea d) e n.º 3, bem como do artigo 79º, nº1, alíneas b) e c), ambos do RGIT.

Subsidiariamente,
b) que as infracções cometidas com o atraso no pagamento do IVA respeitantes aos 1º, 2º e 4º trimestres de 2004 sejam consideradas como uma única infracção (contra ordenação continuada) punida com uma única coima correspondente à conduta mais grave (referente ao 4º Tr. de 2004), isto é, no montante de € 2.512,04, por força do art. 30 nº 2 e 79 do CPenal, ex vi art. 3º al. b) do RGIT e do art. 32 do DL 433/82, de 27.10.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O MP emitiu o douto parecer de fls. 139v concordante com a posição de fls. 125 a 127 no sentido da procedência parcial do recurso mas tão só quanto à efectuação do cúmulo jurídico que “in casu” se impõe.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – No despacho recorrido foram dados, como assentes, os seguintes factos:

1. Em 1 de Outubro de 2005, foi levantado o auto de notícia de fls. 2 conta a recorrente, imputando-lhe a prática de uma infracção prevista e punida nos arts. 26.°, n.° 1 e 40.°, n.° 1, b), CIVA e 114.°, n.° 2 e 26.°, n.° 4, do RGIT, porquanto não entregou nos cofres do Estado simultaneamente com a declaração periódica, imposto no montante de Euros 8.506,74, relativo ao período de 2004/06T, tendo o prazo para o cumprimento da obrigação terminado em 15 de Agosto de 2004.
2. A recorrente foi notificada, para os efeitos do disposto no art 70.° do RGIT em 30 de Novembro de 2005 (cf. fls. 4 e 5, dos autos).
3. Por despacho do chefe do serviço de finanças, datado de 2 de Fevereiro de 2006, foi proferida a decisão sob recurso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e na qual se lê, designadamente, o seguinte (cf. fls. 7-8, dos autos):
DECISÃO DE FIXAÇÃO DA COIMA
Descrição Sumária dos Factos
Ao(A) arguido(a) foi levantado Auto da Noticia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 8.506,57 Eur; 2. Valor da prestação tributária entregue: O Eur: 3. Valor da prestação tributária em falta: 8.506,57; Eur.: 4. Data de cumprimento da obrigação: 26/09/2005; 5. Período a que respeita a infracção: 2004/06T; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 16/08/2004; os quais se dão como provados.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s); punidos pelo s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).

Normas Infringidas Normas Punitivas Período Data
Tributação Infracção
Código Artigo Código Artigo
CIVA Art 26 n.° 1 e 40 n.° 1 b) RGIT Art. 114.0n.°2 e 26.º n.° 4 do RGIT 200406T 2005-09-26
CIVA - Apresentação dentro prazo DP., Falta entrega prest. tributária dentro prazo
s/ meio de pagamento ou c/ pagamento (T)
insuficiente (T)
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art. 7.° do Dec-Lei N.° 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art. 3.° do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Em abstracto, a medida da coima aplicável ao(s) arguido(s) em relação à(s) contra-ordenação(ões) praticada(s) tem como limite mínimo o valor de Eur 1.701,31 e limite máximo o montante de Eur. 8.506,57, dado tratar(em)-se de pessoa(s) colectiva(s). Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticadas para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Art. 27.° do RGIT):
Requisitos / Contribuintes
E....
Actos de Ocultação Não
Beneficio Económico 0,00
Frequência da prática Frequente
Negligência Simples
Obrigação de não cometer
a infracção Não
Situação Económica e
Financeira Desconhecida
Tempo decorrido
desde a prática da
infracção < 3 meses
DESPACHO:
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art. 79.° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 1.726,83 cominada no(s) Art(s) 114.° n.° 2 e 26.° n.° 4.°, do RGIT, com respeito pelos limites da Art. 26.° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas nos termos do n.° 2 do Dec-Lei n.°29/98 de 11 de Fevereiro.
Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima ou deduzir recurso judicial no prazo de 20 dias, sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de Proibição de "Reformatio in Pejus" (em caso de recurso no é susceptível de agravamento, excepto se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível).
(...)
4. A recorrente foi notificada da decisão referida no ponto anterior em 16 de Fevereiro de 2006 (cf. fls. 9-10, dos autos).
Aí se consignou que a decisão da matéria de facto se efectuou com base no exame dos documentes e informações oficiais constantes dos autos e que inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.
*****
III – Expostos os factos, vejamos o direito.

Na consideração de que não se verifica a invocada nulidade insuprível da decisão recorrida, de que não há relativamente às contra ordenações tributárias o cúmulo jurídico das coimas que resulta do art. 19 do RGCO por se dispor no art. 25 do RGIT que as sanções aplicadas às contra ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente e de que quanto ao demais alegado deverá a mesma pedir contas da actuação da sua TOC em sede própria, foi julgado improcedente o recurso e mantida a decisão aplicativa da coima.
Dissente a recorrente do decidido por entender que os despachos em crise fixaram coimas superiores ao mínimo legal sem que para isso tenham convocado factos suficientes para a graduação da coima, sendo esta graduação imposta pelo art. 27 do RGIT e constituindo requisito imprescindível para a decisão de aplicação da coima, sendo que os despachos se limitaram a mencionar como "elementos que contribuíram para a fixação da coima" (ao mesmo tempo remetendo para uma “inf. 120") a data do termo de prazo para cumprimento da obrigação; a data desse efectivo cumprimento; o período tributário a que respeita a infracção; o montante de imposto exigível; o valor da prestação tributária entregue; o valor da prestação tributária em falta; a reincidência do agente; a culpa do agente (negligência); e o tempo decorrido desde a infracção. Além disso o carácter remissivo dos despachos e a insuficiência na descrição de factos integradores dos elementos que contribuíram para a graduação da coima ferem os processos de contra ordenação subjacentes a estes autos de nulidade insuprível.
Entende a recorrente que as infracções deveriam ter sido punidas como contra ordenação continuada em conformidade com o disposto nos art. 30 nº 2 e 79 do CP, aplicáveis ex vi art. 3º al. b) do RGIT e do art. 32 do DL 433/82 de 27.10, aplicando-se-lhe uma coima unitária correspondente à conduta mais grave que integra a continuação, nos termos do art. 79 do CP, sendo que na sentença é rejeitada a aplicação do art. 19 do DL 433/82, aplicando-se o art. 25 do RGIT que prevê o cumulo material das coimas, incorrendo-se, por isso, em erro de julgamento.
Afigura-se-nos não assistir razão à recorrente.
Vejamos.
Antes de mais importa referir que o recurso interposto pelo requerimento de fls. 11 a 21 é contra as decisões proferidas nos processos de contra ordenação …26141, …26168 e ….26214, sendo que os presentes autos tiveram origem só no processo de contra ordenação …26168 e o requerimento de fls. 11 a 21 só foi considerado como recurso da decisão de aplicação de coima neste proferida. E não o poderia ser quanto aos demais processos nestes autos porquanto eles não se encontravam apensados ou juntos a estes autos aquando da decisão administrativa se bem que isso se tivesse justificado antes dado se depreender do que invoca a recorrente, a existência de conexão desses processos, pois que a conexão de processos contra-ordenacionais tem lugar nos termos dos artigos 24º e seguintes do CPP, por força do art. 32 do DL 433/82, de 27.10 como se decidiu, nomeadamente, no Ac. do TRL, de 31.10.2001, in CJ, XXVI, 4, 155. Sucede que a conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento como resulta do nº 2 do art. 24 do CPP, pelo que, nesta fase dos autos, já não se poderá operar a conexão e daí não se poder apreciar os vícios invocados pela recorrente, nestes autos, relativamente aos processos supra referidos e não juntos a estes.
Assim, só se poderá apreciar a invocada nulidade insuprível da decisão proferida nestes autos. E quanto a esta, tal como se entendeu na decisão recorrida, não se verifica a nulidade insuprível invocada pois que a mesma contém a descrição sumária dos factos, as normas violadas e as punitivas bem como as circunstâncias que relevaram para a fixação do montante da coima como se pode verificar do que consta da decisão de aplicação da coima onde constam esses elementos sem se fazer remissão para peças do processo como pretende fazer crer a recorrente. Assim, com base na fundamentação constante da decisão recorrida com que se concorda somos de concluir que não se verifica a invocada nulidade da decisão administrativa recorrida. E quanto à fixação concreta da coima ela encontra-se devidamente fundamentada com observância do que, quanto a isso, se dispõe no art. 27 do RGIT sendo, pois, de manter.
Muito embora a recorrente não suscitasse a questão do cúmulo (jurídico ou material) das coimas nos diversos processos, mas a questão da infracção continuada a ser punida só com a sanção mais grave, na decisão recorrida entendeu-se que as sanções aplicadas às contraordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente o que exclui a cumulação jurídica não havendo, pois, lugar à aplicação do disposto no art. 19 do RGCO mas do art. 25 do RGIT. Quanto à questão do cúmulo, isso era correcto aquando do despacho judicial ora recorrido, pois a norma do art.º 25.º do RGIT que previa o cúmulo material para a punição das contra-ordenações, ainda não havia sido alterada, o que só aconteceu pela norma do art.º 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009), em que se veio dispor, a aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico, nos termos que enumera. Assim, actualmente, vigora a regra do cúmulo jurídico das coimas, o que é de aplicação imediata por ser lei mais favorável face ao que sobre isso se dispõe no código penal. E funcionando a regra do cúmulo jurídico, haveria que aplicar uma única coima nos termos do art. 25 do RGIT caso se verificasse, in casu, situação para isso e não fosse de se aplicar o regime da infracção continuada como defende a recorrente que pretende se lhe aplique a sanção mais grave, pois que, por força do disposto nos art.ºs 3.º b) do RGIT e 32.º do RGCO, logram aplicação nas infracções tributárias, a título subsidiário, as normas gerais acerca do crime continuado, definido no art.º 30.º, n.º2 do Código Penal e com a previsão da sua forma de punição na norma do n.º5 do art.º 79.º deste mesmo Código (sendo punido com a pena correspondente à conduta mais grave que integra a continuação). Como se sabe e resulta da citada norma do n.º2 do art.º 30.º do CP, constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente, sendo que entre os vários pressupostos para que possa haver lugar à aplicação de uma pena única por infracções continuadas, figuram a existência de uma nova determinação psicológica semelhante no cometimento de cada uma das infracções, ou seja a não unidade no desígnio de actuação, e a existência de um mesmo quadro externo que diminua consideravelmente a culpa do agente, ou sejam os mesmos pressupostos que já eram exigidos face ao Código Penal de 1886 (2) para a existência do crime continuado. Ora, para que isso pudesse ter aplicação na situação presente teriam que ser apreciadas no mesmo processo as diversas infracções para aí se poder concluir se se verificavam ou não os pressupostos para tal punição. Sucede que os processos não se encontram juntos e daí não se poder apreciar se se verifica ou não o condicionalismo tendente a tal situação sendo que não se faz prova disso e até a recorrente informa da declaração de nulidade de uma decisão de aplicação de coima no processo …141. Assim, não pode proceder a pretensão da aplicação da coima mais elevada.
E quanto ao cúmulo jurídico não constando dos autos elementos para isso, também ele não se pode efectuar por os autos não estarem juntos e uma decisão até já ter sido anulada. Tal cúmulo jurídico poderá ser requerido e efectuado na decisão proferida em último lugar nos mesmos termos previstos no Código Penal.

Não se verificam, assim, os vícios invocados pela recorrente não sendo de se aplicar o regime da infracção continuada pelos motivos já referidos, pelo que improcedem as conclusões das alegações da recorrente sendo de manter a decisão recorrida com a fundamentação supra.

IV - Termos em que acordam os Juízes deste Tribunal em, negando provimento ao recurso, manter o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 10.11.2009

Joaquim Pereira Gameiro
Manuel Malheiros
Eugénio Sequeira