Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04075/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/18/2013
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IRC. NULIDADE DA SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO. “CONTRATO DE KNOW-HOW”. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS (ENGINEERING). CONTRATO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA. PODERES DO TRIBUNAL. JUROS COMPENSATÓRIOS.
Sumário:I) No que concerne à invocada oposição entre a decisão e os fundamentos, tal nulidade constitui vício da estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam, isso sim, a resultado oposto, ou seja, existe um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
II) Não se vislumbrando no exposto pela Recorrente matéria capaz de alargar o exposto, matéria susceptível de colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
III) O “contrato de Know-how” tem por objecto a transmissão de informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmas consideradas, na forma de cessão temporária ou definitiva de direitos, para que o adquirente as utilize por conta própria e sem que o transmitente intervenha na aplicação da tecnologia cedida ou garanta o seu resultado. Ao invés, o contrato de prestação de serviços técnicos (engineering) tem por objecto a execução de serviços que pressupõem, por parte do prestador, uma tecnologia, a qual, porém, não se destina a ser transmitida, mas antes a ser meramente aplicada ao caso concreto mediante ideias, concepções e conselhos baseados num estudo pormenorizado de um projecto. Por outras palavras, no contrato de Know-how transfere-se tecnologia, enquanto no contrato de prestação de serviços técnicos (engineering) se aplica tecnologia. Para efeitos fiscais, a remuneração do “Know how” (royalties) constitui um rendimento de capital, uma vez que visa retribuir um capital tecnológico previamente acumulado que é posto à disposição do beneficiário, enquanto a remuneração da prestação de serviços técnicos deve considerar-se um preço de venda do serviço em si mesmo considerado e não a retribuição de um factor de produção ou de uma tecnologia cuja transmissão não é, em si, objecto do contrato.
IV) Por seu lado, a prestação de serviços que é objecto do contrato de assistência técnica não tem carácter autónomo e independente, antes sendo complementar ou acessória de outra operação prevista no mesmo contrato ou em contrato separado. Com efeito, em certos casos a transmissão de informação (Know how) não se esgota na simples cessão de direitos, antes exigindo complementarmente uma actividade continuada de prestação de serviços, permanentes ou periódicos, pela qual a informação tecnológica seja plenamente colocada à disposição do cessionário. Ora, é precisamente nestes casos que ocorre a figura da “assistência técnica”. A “assistência técnica” distingue-se da prestação de serviços técnicos (engineering), pois enquanto neste último caso a prestação de serviços constitui-se como objecto principal do contrato em causa, no primeiro a prestação de serviços é meramente instrumental relativamente ao objecto principal do contrato que consiste na transmissão de uma informação tecnológica (Know how). No contrato de prestação de serviços técnicos as partes querem a própria execução de um determinado serviço e não uma “assistência” na aquisição de informação tecnológica; no contrato de “assistência técnica” as partes querem uma informação tecnológica, a qual é conjugada com a prestação de um serviço complementar ou instrumental.
V) O Tribunal não pode substituir-se à AT neste domínio - alteração da qualificação jurídica dos rendimentos devidos pela Recorrente, mas apenas apreciar a relevância do procedimento seguido pela AT em função da crítica que lhe é dirigida pelo interessado (Impugnante), ou seja, não compete ao Tribunal uma apreciação tão larga da situação, mas apenas apreciar a legalidade da actuação da AT em função dos contornos da sua actuação que culmina com a liquidação impugnada nos autos, o que significa que entendendo o Tribunal recorrido que o enquadramento feito pela AT não tem apoio nos factos e na lei, deveria ter retirado as devidas consequências com referência à liquidação impugnada.
VI) Considerando a pobreza descritiva do relatório de inspecção, as operações materiais apuradas nos autos com referência à actividade da ora Recorrente no domínio em apreço, emerge a ideia de que a ora Recorrente carecia dos “dossiers” em apreço, contendo a informação disponível sobre “estado da arte” relativo ao produto químico respectivo, no âmbito ao desenvolvimento/produção de produtos farmacêuticos genéricos, tendo adquirido os dossiers relativos aos produtos químicos identificados nos documentos juntos a fls. 53 e 54 dos presentes autos com o objectivo de obter a posterior autorização de introdução no mercado dos respectivos produtos em Portugal, sendo este o enquadramento das operações a considerar nos autos.
VII) Deste modo, estamos longe da realidade que serve de suporte ao procedimento da AT, pois que não se vislumbra a presença dos elementos os elementos tipificadores do contrato de assistência técnica, de modo que, tem total pertinência a alegação da Recorrente neste domínio, até porque “as prestações de serviços em geral, que não constituam assistência técnica realizadas por pessoas colectivas não residentes (as ‘importações de serviços”) não estão sujeitas a retenção na fonte em Portugal por a lei não as incluir expressamente na enumeração taxativa dos rendimentos obtidos em território português, (cfr. art. 4º nºs 2 e 3; art. 69º nº 2, al. a); art. 75º, nº 1, als. a) e b) - actualmente art. 88º, nº 1, als. a) e c) -, todos do CIRC).
VII) Sendo a liquidação em causa ilegal, não existe fundamento para a liquidação de juros compensatórios, pois que a mesma é contaminada com a situação descrita a propósito da aludida liquidação.
*
O Relator
Pedro Vergueiro
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário ( 2ª Secção ) do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. RELATÓRIO

“A...- SOCIEDADE TÉCNICO-MEDICINAL, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 11-12-2009, que julgou improcedente a IMPUGNAÇÃO deduzida pela mesma, tendo por objecto liquidação adicional de I.R.C. e juros compensatórios, levada a efeito pela A. Fiscal, relativa ao ano de 1996 e no montante global de € 821.641,54.

Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 385-423), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(...)
A) A Douta Sentença recorrida infringe o preceituado no n.º 1, do Art. 125.º, do CPPT e da al. c), do n.º 1, do Art. 668.º, do CPC, aplicável ex vi al. e), do Art. 2.º, do CPPT, o que constitui nulidade da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, devendo a mesma ser anulada, uma vez que:
B) A decisão de improcedência da impugnação não é consequência lógica das premissas estabelecidas no discurso jurídico e no probatório da Sentença recorrida quanto à legalidade da liquidação adicional correctiva efectuada pela Administração Fiscal (AF) e ora impugnada, pois que não constitui, nem nunca constituiu, objecto dos presentes autos, ou sequer integrou a questão decidenda dos mesmos, a discussão sobre a qualificação dos pagamentos realizados pela RECORRENTE, respectivamente, à B...e à C... a título de ‘royalties’, ou sequer, a questão a ela prévia, da qualificação jurídica dos contratos celebrados com as duas referidas entidades como ‘Contratos de transferência de Know-how’, os quais foram juntos aos autos (a fls. 47 a 49 e a fls. 32 a 37) e integram os Factos Provados (n.ºs 2 e 3).
C) Outrossim, a Fundamentação da Sentença recorrida tem por base a posição veiculada pela AF no Relatório da Acção Inspectiva elaborado em resultado da Acção Inspectiva externa incidente sobre a actividade da RECORRENTE no exercício de 1996, que perpetuou a correcção ora contestada a título de assistência técnica e em resultado da qual foi emitida a liquidação correctiva impugnada nos presentes autos, com base nos factos/enquadramento jurídico sumarizado nos n.ºs 5 e 6 do elenco dos factos provados da Douta Sentença recorrida.
vii. Na matéria de facto dada como assente na Douta Sentença recorrida (a fls. 360 a 363, dos autos) nenhum facto é relacionado pelo Douto Tribunal a quo, nomeadamente, sobre a verificação no caso concreto dos autos, de algum dos aspectos que constituem, de acordo com a jurisprudência e a doutrina, elementos típicos caracterizadores dos contratos de know how, v.g., do objecto dos contratos celebrados pela RECORRENTE, respectivamente, com a B...e a C..., resultar a transmissão de informações tecnológicas pré-existentes e não reveladas ao público, em si mesmo consideradas, ou seja, a transmissão de informações, conhecimentos ou experiências próprias não divulgadas;
viii. em decorrência do ponto anterior, a natureza/carácter secreto das informações fornecidas ou utilizadas;
ix. a titularidade do capital tecnológico objecto dos contratos sub judicio e dos direitos sobre a informação/tecnologia cedidos/transmitidos à RECORRENTE, respectivamente, pela B...e pela C... no âmbito daqueles;
x. a B...e/ou a C..., enquanto transmitentes, intervirem na aplicação da tecnologia cedida, de tal modo que a aplicação das informações cedidas por cada uma delas à RECORRENTE se efectuar por conta própria;
xi. a B...e/ou a C... garantirem o resultado da tecnologia cedida;
xii. a B...e/ou a C... serem responsáveis pela violação de quaisquer direitos de propriedade, v.g., industrial, pelo uso da informação cedida à RECORRENTE.
D) A questão fulcral que nos ocupa nos presentes autos, e sobre a qual o Douto tribunal a quo foi chamado a decidir foi a da qualificação e sua subsequente distinção, para efeitos da lei fiscal portuguesa vigente e aplicável a factos ocorridos no exercício de 1996, entre, por um lado, os rendimentos derivados da assistência técnica, conforme conclusão da AF vertida no Relatório da Acção Inspectiva e que sustêm a liquidação correctiva ora impugnada - inegavelmente sujeitos a uma retenção definitiva na fonte, se pagos, como é o caso, a entidades residentes no estrangeiro por devedor residente em Portugal em sede de IRC - e, por outro lado, os rendimentos de prestação de serviços, inclusive, de conteúdo técnico - conforme entende a RECORRENTE ser o caso dos serviços consubstanciados nos contratos celebrados com a B...e a C... -, não sujeitos a tributação em Portugal, nas mesmas circunstâncias.
Sem conceder,
E) A matéria de facto dada como provada na Douta Sentença ora recorrida contém omissões que são de grande importância para a boa resolução da causa, em violação do n.º 2, do Art. 123.º, do CPPT, os quais deverão ser aditados por este Alto Tribunal, ao abrigo do disposto na al. a), do n.º 1, do Art. 712º, do CPC, aplicável ex vi os Art.s 749.º e 762.º, do mesmo Código, todos aplicáveis por força do disposto no Art. 281.º, do CPPT.
F) Tais omissões são evidenciadas pelos documentos juntos aos autos, bem como, pelo depoimento das testemunhas prestado em audiência e que foi, nos termos legais, gravado.
G) Assim, a RECORRENTE não se conforma com o probatório, considerando que a Douta Sentença recorrida não dá como provados factos que, no entender da RECORRENTE são essenciais para a boa apreciação do mérito da causa, e que seguidamente se enumeram:
1) A Impugnação judicial foi remetida ao Tribunal a quo, por correio, sob registo, no dia 16 de Setembro de 2002.
2) As empresas B...e D...actuaram nas relações estabelecidas com a RECORRENTE como entidades intermediárias na venda dos dossiers identificados nos n.ºs 14 e 15 da matéria de facto provada.
Conforme depoimento da 1ª testemunha arrolada pela RECORRENTE - Dra. E...-, constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante, a qual testemunhou sobre este facto nos termos que se transcrevem:
«(...) são empresas traders (...)» pois que «(...) só são intermediárias (...), funcionando com outras empresas a montante (...) procurando parceiros de negócio (...) Tendo com elas ‘negociado’ a celebração dos sobreditos Contratos, (…) não na área técnico-jurídica, mas na área financeira (...)».
3) Os dossiers identificados nos n.ºs 14 e 15 da matéria de facto provada, continham dados elaborados, a montante, por outras empresas, que não a B...e/ou a C..., relativamente às substâncias activas identificadas nos documentos juntos a fls. 53 e 54 dos autos, constituindo uma compilação de informação conhecida/divulgada no meio científico e disponível sobre um determinado produto/medicamento genérico (por oposição ao produto original, de marca, que serviu de referência).
Conforme depoimento da 1ª testemunha arrolada pela RECORRENTE - Dra. E...-, constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante, a qual testemunhou nos termos que se transcrevem:
«(...) contêm aquilo que as guidelines internacionais obrigam (...)», sendo compostos «(..) pela compilação de todos os dados (...) são fotocópias dos resultados da investigação que houve e que se compilam (...) de acordo com normas internacionais (...) elaborados por diversas empresas (...) uma vez que eles próprios os adquirem (...), tendo uma máquina por detrás deles (...)».
A A..., após a aquisição do dossier «(…) tem que reproduzir as fórmulas em laboratório para saber o que estamos a comercializar (…). Em termos de genéricos o produto é conhecido, portanto, sendo conhecido está publicado (...), mas para saber chegar aos resultados é preciso ter a máquina montada para lá chegar (...) é preciso estar ligado a base de dados, tem que se ter laboratório para reproduzir a fórmula uma vez que nós somos os responsáveis (…)»
«(...) Qualquer pessoa com acesso a informação e que estivesse interessada na compilação de uma determinada informação sobre um determinado medicamente, genérico, que se dedique à recolha dessa informação (...) consegue obter a mesma informação que estava fotocopiada nesses dossiers (...) tendo que reproduzir as fórmulas em laboratório, isso é essencial»
a «(...) fórmula farmacêutica é toda feita (...) reproduzida nos laboratórios (...)» da A..., «(...) sendo nós que fazemos o desenvolvimento e experimentação das fórmulas que vêm fotocopiadas nos dossiers (...)»
«(...) Tudo o que é fórmulas, vem lá escrito como se fosse uma fórmula de cozinha, ou seja, tantos microgramas de formoterol, tantos micro gramas de magnésio, de amido, (...)» pelo que é necessário que (...) nós experimentemos para ver se a fórmula está bem ou não (...)», sendo que «(..) temos o know-how na empresa (..)».
E ainda, conforme depoimento da segunda testemunha arrolada pela RECORRENTE - Dr. F..., que exerce funções técnicas na área de investigação e desenvolvimento farmacêutico na A...- que a propósito deste facto testemunhou nos termos que se transcrevem:
«(...) dossiers (...) são um conjunto de documentação, que inclui documentação regulamentar, documentação de parte de qualidade farmacêutica (...) e inclui ensaios clínicos (...)» que «(…) a empresa adquire para obter um conjunto de informações relacionadas com um produto, cuja alternativa seria nós trabalha-lo ou desenvolvermo-lo de raiz. (…)»
«(...) É um ganho estratégico de tempo (...) por ser um conjunto de dados relacionados com um produto que já estão compilados (...) e devidamente sedimentados na comunidade científica internacional (...) que demora cerca de 12 a 20 meses a elaborar (...) não relacionados com produtos inovadores (...)».
«(...) há um trabalho de reprodução daquilo que é o conteúdo técnico e farmacêutico do dossier, e depois em função dos resultados pode parar por atou não, sendo que «(...) há casos em que é necessário até (...) pelo tempo que essa informação já tem, fazer desenvolvimentos com conhecimentos que entretanto foram adquiridos, pela parte analítica ou pela introdução de novos excipientes (…)».
«(...) são como bases de dados, onde estão compiladas cópias da prospecção de resultados de investigações que são feitas, não pela C... ou pela B..., sendo que são dados que publicados (..)»
4) A prestação de serviços à RECORRIDA quer pela B...quer pela C... esgotou-se com o fornecimento dos dossiers identificados nos n.ºs 14 e 15 da matéria de facto provada, tendo-se concretizado no mero apoio à RECORRENTE na aquisição de informações tecnológicas, não secretas.
Conforme depoimento da 1ª testemunha arrolada pela RECORRENTE - Dra. E...-, constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante, a qual testemunhou nos termos que se transcrevem:
«(…) um contrato alargado, sendo que eu não me preocupei em termos jurídicos com o contrato, porque o que eu precisava era dos dossiers e era isso que estava em negociação (...)»
a A...(…) não tinha (nem teve) capacidade de estruturar tais contratos (...) sendo o mercado quase monopolista (...) aliás assinava-se qualquer contrato para ter os dossiers (...)»
«(...) aquilo que comprei foi dossiers (...) para os produtos que nós queríamos comercializar, uma vez que aqueles que tínhamos introduzidos no Infarmed estavam obsoletos (...)»
5) O fornecimento dos dossiers técnicos identificados nos n.ºs 14 e 15 da matéria de facto provada à RECORRENTE por parte da B...e da C... consubstancia uma prestação de serviços, que não de assistência técnica, por aqueles não corresponderem, nem terem subjacente qualquer prestação de serviços complementar ou acessória de qualquer outra prestação.
Conforme depoimento da 1ª testemunha arrolada pela RECORRENTE - Dra. E...-, constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante, a qual testemunhou nos termos que se transcrevem:
«(…) só interessavam os dossiers (...), porque as fórmulas éramos nós que experimentávamos, (...) não precisando de mais acompanhamento, até porque a responsabilidade é nossa, em termos de produto acabado no mercado (...)»
A A...comprava dossiers como se se tratassem de «(...) um bem, uma mercadoria (...)»
A B...e a C..., após o envio dos dossiers, «(...) não tiveram qualquer outra intervenção (…)», nomeadamente, na prestação de esclarecimentos técnicos ou outros, apoio na clarificação do conteúdo dos dossiers, «(...) até porque eles não têm esse conhecimento, porque são traders puros (...) e nós temos, ao nível de laboratório, gente muito diferenciada (...) que servem de suporte à investigação e desenvolvimento (…)»
A A...«(...) dedica-se à investigação e desenvolvimento de produtos farmacêuticos, ao seu fabrico, ao seu registo e à sua comercialização (...)» sendo «(…) uma empresa praticamente verticalizada, porque nos falta uma parte essencial que é a síntese de matérias-primas ( i.e., a composição dos produtos (...)»
«(…) nós desenvolvemos, nós fabricamos, nós registamos os produtos em termos das autoridades regulamentares que é o INFARMED (...) temos equipas de vendas, que comercializam os produtos (...), ou seja, acompanhamos todo o processo do fabricação do produto desde o seu desenvolvimento até à sua comercialização (...)».
6) A A...não efectuou no exercício de 1996 qualquer pagamento de facturas emitidas pela C... e pela B..., as quais constam dos autos.
7) O contrato identificado no n.º 2 da matéria de facto provada foi objecto de rescisão, por acordo datado de 8 de Fevereiro de 1999, o qual se encontra junto aos autos, como documento n.º 42 da Reclamação Graciosa;
8) Foram anuladas, no exercício de 1999, as facturas emitidas pela C... no exercício de 1996 a que correspondem os números 175/96, 176/96, 177/96, 178/96, 286/96, 287/96, cujo valor total ascende ao montante de € 156.576,46 e a que corresponde um imposto de € 23.486,47 (€ 156.576,46 x 15%).
H) A inquirição de testemunhas no processo sub judice foi gravada nos termos do n.º 2, do Art. 118.º, do CPPT, pelo que, o Tribunal a quo tinha na sua disponibilidade o teor integral dos depoimentos das testemunhas arroladas, podendo considerá-los para decidir da factualidade relevante para a decisão do mérito da causa,
I) mais que não fosse para afastar quaisquer lapsos memória, considerando que a inquirição de testemunhas teve lugar em 6 de Maio de 2005 e a douta Sentença foi proferida em 11 de Dezembro de 2009.
SEM CONCEDER,
J) a Sentença recorrida padece de erro de julgamento, por errónea valoração da prova e erro na aplicação do direito, mostrando-se violados, nomeadamente, a al. a), do n.º 2, do Art. 69.º e a al. a), do n.º 1, do Art. 75º, ambos do Código do IRC, na redacção vigente e aplicável à situação sub judicio no exercício de 1996, pelo que deve a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser anulada, na medida em que:
K) Entende e alega a RECORRENTE, nos termos da sua impugnação (a fls. 3 e seguintes dos autos), que é incorrecto o entendimento da AF de que constituíram remuneração pela prestação de serviços de assistência técnica os valores por si devidos às sociedades B...e C..., ambas com estabelecimento no Reino Unido, pois que e designadamente, não obstante o teor dos contratos celebrados com aquelas empresas, a RECORRENTE apenas veio a adquirir ‘dossiers’ para registo de medicamentos - os identificados nos n.ºs 14 e 15, dos factos provados da douta Sentença recorrida,
L) sendo certo que estes ‘dossiers’ - conforme resulta do depoimento das testemunhas inquiridas nos autos e cujos depoimentos foram gravados e fazem parte integrante dos autos -, mais não são do que compilações exaustivas e organizadas de toda a informação científica disponível no mercado sobre determinados medicamentos genéricos (por oposição, nos termos legais, aos medicamentos de referência, com marca) e princípios activos,
M) elementos informativos que são partilhados pela comunidade científica em pé de igualdade,
N) e constituíram a base sobre a qual a RECORRENTE desenvolveu estudos e ensaios farmacológicos, toxicológicos e clínicos, tendo em vista a obtenção de autorização de introdução no mercado nacional (AIM) dos produtos farmacêuticos em questão junto do INFARMED,
O) a ora RECORRENTE adquiriu quer à B...quer à C..., exclusivamente, os Dossiers identificados nos n.ºs 14 e 15, dos Factos Provados da Douta Sentença recorrida, os quais, em face do seu conteúdo, não poderão jamais ser considerados como ‘transferência de tecnologia’ ou como a prestação de um serviço meramente acessório ou instrumental da transferência de tecnologia, não constituindo assim assistência técnica.
P) Assim, face a tal errada qualificação e subsunção jurídica efectuada pela AF, o acto de liquidação ora impugnado padece dos vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, causa da sua invalidade nos termos do disposto no Art. 99.º do CPPT, não podendo deixar de ser anulado, por violação de Lei.
Q) Ao assim não ter decidido, o Douto Tribunal a quo decidiu em erro de julgamento, valorando erroneamente a prova e errando na aplicação do direito, em contradição com a previsão normativa ínsita na al. a), do n.º 2, do Art. 69.º e na al. a), do n.º 1, do Art. 75.º, ambos do Código do IRC, na redacção vigente e aplicável à situação sub judicio no exercício de 1996,
R) pois que os serviços prestados à ora recorrente pela B...e pela C... somente podem merecer a qualificação de meras prestações de serviços, pelo que, em face da norma de incidência vigente à data dos factos - exercício de 1996 -, os mesmos, ainda que devidos a Entidades não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal, não ficavam sujeitos a tributação no território nacional.
S) o Douto Tribunal a quo não considerou o Parecer emitido pelo Ministério Público nos autos, a fls. 355 a 357, nos termos do qual este se pronunciou no sentido da procedência total do pedido, adoptando um entendimento absolutamente similar ao da RECORRENTE.
T) Errando o Douto Tribunal a quo no julgamento dos factos e do direito, a douta Sentença ora recorrida deverá ser anulada, revendo-se a decisão nela proferida no sentido da procedência total do pedido deduzido pela ora RECORRENTE.
SEM CONCEDER,
U) a Sentença recorrida padece de erro de julgamento, por alteração da qualificação jurídica dos rendimentos devidos pela RECORRENTE quer à B...quer à C... pelo Douto Tribunal a quo, a qual é ilegal, pois que, in casu, é inequívoco e, aliás, consta dos factos dados como provados pelo Douto Tribunal, em concreto nos n.ºs 5 e 6, dos Factos Provados, que a AF qualificou os rendimentos devidos pela Recorrente quer à B...quer à C..., após análise concreta e casuística dos contratos e dos serviços prestados como sendo ‘serviços de assistência técnica’, não podendo o Douto Tribunal transmudar a qualificação jurídica de tais rendimentos e correspondentes serviços para ‘royalties’, mantendo inalterada quer as correcções técnicas quer a liquidação do imposto perpetuadas com base numa qualificação divergente da AF, ainda que, repita-se, a obrigação do montante de retenção dessa taxa para a ora Recorrente fosse de igual valor.
V) Antes, devia o douto Tribunal anular o acto de liquidação sub judicio porque, em seu entender, eivado de vício que afecta a sua legalidade - pois se assim não fosse, não haveria lugar/necessidade de qualquer alteração da qualificação dos rendimentos feita por parte da AF, nem, a título prévio, de proceder à clarificação/precisão dos conceitos legais de, v.g., ‘know-how, assistência técnica -, cabendo à AF proceder à plena reconstituição da legalidade do mesmo, efectuando nova liquidação de imposto, desta feita, com fundamento na qualificação de tais rendimentos como ‘royalties’, se para tanto estivesse em tempo, com base nos termos do disposto no Art. 100.º da LGT.
W) Assim, deverá a presente Sentença recorrida ser revogada, anulando-se a liquidação adicional de imposto objecto dos presentes autos, julgando-se totalmente procedente o pedido deduzido pela Recorrente.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DO DIREITO APLICÁVEL E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS JUIZES DESEMBARGADORES, DEVE O PRESENTE RECURSO COLHER PROVIMENTO, REVOGANDO-SE A DECISÃO ORA SOB RECURSO, COM OS FUNDAMENTOS ELENCADOS NAS CONCLUSÕES SUPRA ENUNCIADAS.
DESTA FORMA, SERÁ FEITA A ESPERADA JUSTIÇA!”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar a invocada nulidade da sentença por oposição entre a decisão e os fundamentos, as virtualidades do julgamento da matéria de facto e ponderar ainda a relevância dos rendimentos descritos nos autos, quer com referência ao enquadramento dado pelo Tribunal, quer com referência ao suporte utilizado pela AT como fundamento da liquidação impugnada.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1 - No ano de 1996, a sociedade impugnante, “A...- Sociedade Técnico-Medicinal, S.A.”, com o n.i.p.c. 500 626 413, encontrava-se colectada em I.R.C. no regime geral e pelo 4º. Serviço de Finanças de Loures, devido ao exercício da actividade principal de comércio de produtos farmacêuticos, C.A.E. 24 421 (cfr.cópia de certidão da Conservatória do Registo Comercial junta a fls.313 a 322 dos autos; documentos juntos a fls.263 a 266 dos autos; relatório da A. Fiscal cuja cópia se encontra junta a fls.109 a 143 do apenso de reclamação graciosa);
2 - Em 14/2/1992, a sociedade impugnante celebrou contrato intitulado de “assistência técnica e investigação” com a empresa “B...Services Limited”, sediada na Ilha de Man, no Reino Unido, tudo conforme documento que se encontra junto a fls.47 a 49 dos presentes autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. factualidade admitida pelo impugnante na p.i.);
3 - Em 22/4/1994, a sociedade impugnante celebrou contrato intitulado de “acordo de licença de Know-How” com a empresa “The C... Corporation Limited”, sediada na Ilha de Man, no Reino Unido, tudo conforme documento que se encontra junto a fls.32 a 37 dos presentes autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. factualidade admitida pelo impugnante na p.i.);
4 - Em 10/7/1997, a impugnante entregou no 4º. Serviço de Finanças de Loures a sua declaração m/22, respeitante a I.R.C. do exercício de 1996, na qual apurou um lucro tributável na importância de € 847.751,76 e imposto a pagar no valor de € 200.807,90, tudo conforme cópia da declaração de rendimentos junta de fls.263 a 266 dos presentes autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
5 - Em 27/11/2000, como resultado de acção de inspecção externa incidente sobre a actividade da sociedade impugnante, tendo por objecto o ano de 1996, a A. Fiscal estruturou relatório cuja cópia se encontra junta a fls.109 a 143 e vinte anexos de fls.144 a 400 do processo de reclamação apenso aos presentes autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr. factualidade admitida pelo impugnante na p.i.);
6 - No relatório identificado no nº.5 refere-se, nomeadamente e no que aos presentes autos interessa:
a) que o sujeito passivo celebrou, em 14/2/1992, com a empresa “B...Services Limited”, sediada na Ilha de Man, no Reino Unido, um contrato de assistência técnica, o qual abrange uma pluralidade de serviços;
b) que da análise detalhada dos documentos emitidos pela “B...Services Limited” e contabilizados pelo sujeito passivo, bem como do exame do citado contrato, se deve concluir que os montantes contabilizados nas contas 622361114 e 62236214, na quantia de € 1.227.943,17 traduzem, efectivamente, um custo de assistência técnica (cfr. documentos juntos no anexo X ao relatório de fls.302 a 324 do processo de reclamação apenso);
c) que o sujeito passivo igualmente celebrou, em 22/4/1994, com a empresa “The C... Corporation Limited”, sediada na Ilha de Man, no Reino Unido, um contrato idêntico ao anterior e com vista ao fornecimento do mesmo tipo de assistência que a “B...Services Limited”;
d) que o sujeito passivo contabilizou na conta 4321-Imobilizado Incorpóreo, a quantia de € 2.075.817,64 relativa aos serviços contratados entre as partes (cfr. documentos juntos no anexo XI ao relatório de fls.325 a 339 do processo de reclamação apenso);
e) que o contribuinte não tributou, através de retenção na fonte, os rendimentos de assistência técnica relativos aos fornecedores enumerados, porque em seu entender esses rendimentos não se enquadravam no conceito de assistência técnica;
f) que em sede de I.R.C. a tributação da assistência técnica se encontra prevista no artº.69, nº.2, al. a), do C.I.R.C., e a sua retenção consagrada no artº.75, nº.1, als. a) e b), do mesmo diploma;
g) visto que os montante contabilizados pelo sujeito passivo nas contas 622361114, 62236214 e 4321-Imobilizado Incorpóreo, no montante global de € 3.303.760,82, se enquadram no conceito de assistência técnica devem tais rendimentos ser tributados à taxa de 15%, através de retenção na fonte, relativamente aos períodos de Agosto, Setembro e Dezembro de 1996 e sendo o imposto em falta no montante total de € 495.564,13;
h) no mesmo exercício de 1996, o sujeito passivo contabilizou na conta 62224211 - Royalties a quantia de € 169.001,25, não tendo retido na fonte o imposto respectivo na quantia global de € 25.350,19, antes tendo efectuado o pagamento fora de prazo de somente € 9.616,18 (cfr. documentos juntos nos anexos XII e XIII ao relatório de fls.340 a 345 do processo de reclamação apenso);
i) pelo que existe imposto em falta no montante de € 15.734,01, nos termos dos artºs.69, nº.2, al. a), e 75, nº.1, al. a), do C.I.R.C., repartido pelos períodos de Junho, Setembro e Dezembro de 1996, mais existindo juros compensatórios e de mora a favor do Estado relativamente ao pagamento de imposto efectuado fora de prazo e no que diz respeito aos períodos de Março e Junho de 1997;
7 - Em 6/6/2001, alicerçada nas conclusões referidas no nº.6 supra, a A. Fiscal estruturou a liquidação adicional de I.R.C. - Retenção na fonte nº. 6420001284, na qual surge como sujeito passivo a sociedade “A...- Sociedade Técnico-Medicinal, S.A.”, sendo no montante de € 511.298,13, acrescido de € 310.343,41 de juros compensatórios, e tendo-se fixado o termo do prazo de pagamento voluntário no pretérito dia 25/7/2001 (cfr. documento junto de fls.24 do processo de reclamação apenso; informação exarada a fls.6 a 13 do apenso administrativo);
8 - Em 28/9/2001, a sociedade impugnante deduziu reclamação graciosa tendo por objecto a liquidação identificada no nº.7 supra (cfr. carimbo de entrada aposto a fls.3 do apenso de reclamação graciosa);
9 - Em 23/7/2002, a reclamação graciosa identificada no nº.8 foi indeferida através de despacho do Director de Finanças de Lisboa, o qual concorda com informação e parecer prévios nesse sentido (cfr. documentos juntos a fls.481 a 489 do apenso de reclamação graciosa);
10 - Em 1/8/2002, a sociedade impugnante foi notificada do indeferimento identificado no nº.9 (cfr. documentos juntos a fls.490 e 491 do apenso de reclamação graciosa);
11 - Em 21/1/2002, 20/3/2002, 29/5/2002 e 5/7/2002, no âmbito do processo de execução fiscal respectivo, a sociedade impugnante efectuou quatro pagamentos por conta da liquidação identificada no nº.7, sendo cada um no montante de € 23.995,68 (cfr. documentos juntos a fls.233 a 236 dos presentes autos; informação exarada de fls.5 do apenso administrativo);
12 - Em 18/12/2002, ao abrigo do regime previsto no dec.lei 248-A/2002, de 14/11, a sociedade impugnante efectuou o pagamento em singelo do restante montante da liquidação identificada no nº.7 na quantia de € 415.315,41 (cfr. documento junto a fls.237 dos presentes autos);
13 - Em 17/9/2002, a sociedade “A...- Sociedade Técnico-Medicinal, S.A.” apresentou junto do extinto Tribunal Tributário de 1ª. Instância de Lisboa a impugnação que deu origem ao presente processo (cfr. carimbo de entrada aposto a fls.3 destes autos);
14 - A sociedade impugnante também se dedicava ao desenvolvimento/ produção de produtos farmacêuticos genéricos, tendo adquirido os dossiers relativos aos produtos químicos identificados nos documentos juntos a fls. 53 e 54 dos presentes autos com o objectivo de obter a posterior autorização de introdução no mercado dos respectivos produtos em Portugal (cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelo impugnante constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante; documentos juntos a fls.53 e 54 dos presentes autos);
15 - Os dossiers técnicos comprados pela impugnante e identificados nos documentos juntos a fls.53 e 54 dos presentes autos continham o dito “estado da arte” relativo ao produto químico respectivo e em 1996, tendo sido adquiridos ao abrigo do regime previsto nos contratos identificados nos nºs.3 e 4 supra (cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelo impugnante constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante).
X
Factos não Provados
X
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação e objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita, nomeadamente que os documentos contabilísticos postos em causa pela A. Fiscal e que fundamentam a liquidação objecto dos presentes autos apenas se referem à aquisição dos dossiers técnicos identificados nos nºs.14 e 15 da matéria de facto provada.
X
Motivação da Decisão de Facto
X
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e apensos constam, nos depoimentos das testemunhas arroladas pelo impugnante, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte do impugnante, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.artº.361, do C.Civil), tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”
«»

3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por oposição entre a decisão e os fundamentos.

Com efeito, no âmbito das suas alegações, a Recorrente defende que a Douta Sentença recorrida infringe o preceituado no n.º 1, do Art. 125.º, do CPPT e da al. c), do n.º 1, do Art. 668.º, do CPC, aplicável ex vi al. e), do Art. 2.º, do CPPT, o que constitui nulidade da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, devendo a mesma ser anulada, uma vez que a decisão de improcedência da impugnação não é consequência lógica das premissas estabelecidas no discurso jurídico e no probatório da Sentença recorrida quanto à legalidade da liquidação adicional correctiva efectuada pela Administração Fiscal (AF) e ora impugnada, pois que não constitui, nem nunca constituiu, objecto dos presentes autos, ou sequer integrou a questão decidenda dos mesmos, a discussão sobre a qualificação dos pagamentos realizados pela RECORRENTE, respectivamente, à B...e à C... a título de ‘royalties’, ou sequer, a questão a ela prévia, da qualificação jurídica dos contratos celebrados com as duas referidas entidades como ‘Contratos de transferência de Know-how’, os quais foram juntos aos autos (a fls. 47 a 49 e a fls. 32 a 37) e integram os Factos Provados (n.ºs 2 e 3).
No que concerne à invocada oposição entre a decisão e os fundamentos, tal nulidade constitui vício da estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam, isso sim, a resultado oposto.
Há, pois, um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente (cfr. Alberto dos Reis, Anotado, vol. V, pág. 141).
Todavia, in casu, tal não sucede, pois que a decisão recorrida mostra-se perfeitamente enquadrada e os seus fundamentos conduzem à decisão assumida em sede de dispositivo, na medida em que ponderou que “In casu”, da análise da matéria de facto provada (cfr.nºs.2 e 3 da matéria de facto provada), deve concluir-se que os acordos celebrados pela sociedade impugnante com as empresas “B...Services Limited” e “The C... Corporation Limited” se devem considerar como verdadeiros contratos de transmissão de informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmas consideradas (“Know how”), no caso, as informações relativas aos compostos químicos que estiveram na origem do desenvolvimento e produção dos produtos farmacêuticos que a sociedade impugnante levou a cabo. Por outro lado, os documentos contabilísticos postos em causa pela A. Fiscal (cfr.nº.6, als.b) e d), da matéria de facto provada - anexos X e XI do relatório cuja cópia se encontra junta ao processo de reclamação apenso), consistem em facturas emitidas pelas referidas empresas e recebidas pela sociedade impugnante tendo por objecto as taxas a pagar por esta em virtude da transferência do dito “Know how”, porque todas as facturas em causa se referem às “nossas taxas relativas aos estudos de matéria-prima” ou “nossas taxas relativas ao arquivo mestre do químico”. Em conclusão os pagamentos em causa referem-se a verdadeiros “royalties” derivados de contratos de “Know how”, consubstanciando-se em verdadeiras percentagens associadas ao lucro tido pela sociedade impugnante.
Tratando-se de verdadeiros “royalties” pagos pela sociedade impugnante a empresas sem sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em Portugal, estavam os respectivos montantes sujeitos a tributação em sede de I.R.C., atento o disposto no artº.69, nº.2, al.a), do C.I.R.C., e sendo a sua retenção na fonte consagrada no artº.75, nº.1, al.a), do mesmo diploma (na redacção em vigor em 1996 - cfr.artº.12, do C.Civil).
Em suma, a impugnante não apresentou elementos probatórios bastantes que incutissem neste Tribunal a convicção de que os encargos controvertidos visavam o pagamento de meras prestações de serviços não tributáveis em sede de I.R.C., antes se provando, pelo contrário, que nos encontramos perante “royalties” pagos pela sociedade impugnante a empresas sem sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em Portugal, estando os respectivos montantes sujeitos a tributação em sede de I.R.C. …”, não podendo proceder a alegação da Recorrente neste domínio, pois que a matéria descrita integra-se, antes, do domínio do eventual erro de julgamento.

Em seguida, a matéria das conclusões do recurso centra-se sobre a bondade da decisão sobre a matéria de facto, apontando a Recorrente que a matéria de facto dada como provada na Douta Sentença ora recorrida contém omissões que são de grande importância para a boa resolução da causa, em violação do n.º 2, do Art. 123.º, do CPPT, os quais deverão ser aditados por este Alto Tribunal, ao abrigo do disposto na al. a), do n.º 1, do Art. 712º, do CPC, aplicável ex vi os Art.s 749.º e 762.º, do mesmo Código, todos aplicáveis por força do disposto no Art. 281.º, do CPPT, sendo que tais omissões são evidenciadas pelos documentos juntos aos autos, bem como, pelo depoimento das testemunhas prestado em audiência e que foi, nos termos legais, gravado, de modo que, no entender da RECORRENTE são essenciais para a boa apreciação do mérito da causa os factos que seguidamente se enumeram:
1) A Impugnação judicial foi remetida ao Tribunal a quo, por correio, sob registo, no dia 16 de Setembro de 2002.
2) As empresas B...e D...actuaram nas relações estabelecidas com a RECORRENTE como entidades intermediárias na venda dos dossiers identificados nos n.ºs 14 e 15 da matéria de facto provada.
Conforme depoimento da 1ª testemunha arrolada pela RECORRENTE - Dra. E...-, constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante, a qual testemunhou sobre este facto nos termos que se transcrevem:
«(...) são empresas traders (...)» pois que «(...) só são intermediárias (...), funcionando com outras empresas a montante (...) procurando parceiros de negócio (...) Tendo com elas ‘negociado’ a celebração dos sobreditos Contratos, (…) não na área técnico-jurídica, mas na área financeira (...)».
3) Os dossiers identificados nos n.ºs 14 e 15 da matéria de facto provada, continham dados elaborados, a montante, por outras empresas, que não a B...e/ou a C..., relativamente às substâncias activas identificadas nos documentos juntos a fls. 53 e 54 dos autos, constituindo uma compilação de informação conhecida/divulgada no meio científico e disponível sobre um determinado produto/medicamento genérico (por oposição ao produto original, de marca, que serviu de referência).
Conforme depoimento da 1ª testemunha arrolada pela RECORRENTE - Dra. E...-, constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante, a qual testemunhou nos termos que se transcrevem:
«(...) contêm aquilo que as guidelines internacionais obrigam (...)», sendo compostos «(..) pela compilação de todos os dados (...) são fotocópias dos resultados da investigação que houve e que se compilam (...) de acordo com normas internacionais (...) elaborados por diversas empresas (...) uma vez que eles próprios os adquirem (...), tendo uma máquina por detrás deles (...)».
A A..., após a aquisição do dossier «(…) tem que reproduzir as fórmulas em laboratório para saber o que estamos a comercializar (…). Em termos de genéricos o produto é conhecido, portanto, sendo conhecido está publicado (...), mas para saber chegar aos resultados é preciso ter a máquina montada para lá chegar (...) é preciso estar ligado a base de dados, tem que se ter laboratório para reproduzir a fórmula uma vez que nós somos os responsáveis (…)»
«(...) Qualquer pessoa com acesso a informação e que estivesse interessada na compilação de uma determinada informação sobre um determinado medicamente, genérico, que se dedique à recolha dessa informação (...) consegue obter a mesma informação que estava fotocopiada nesses dossiers (...) tendo que reproduzir as fórmulas em laboratório, isso é essencial»
a «(...) fórmula farmacêutica é toda feita (...) reproduzida nos laboratórios (...)» da A..., «(...) sendo nós que fazemos o desenvolvimento e experimentação das fórmulas que vêm fotocopiadas nos dossiers (...)»
«(...) Tudo o que é fórmulas, vem lá escrito como se fosse uma fórmula de cozinha, ou seja, tantos microgramas de formoterol, tantos micro gramas de magnésio, de amido, (...)» pelo que é necessário que (...) nós experimentemos para ver se a fórmula está bem ou não (...)», sendo que «(..) temos o know-how na empresa (..)».
E ainda, conforme depoimento da segunda testemunha arrolada pela RECORRENTE - Dr. F..., que exerce funções técnicas na área de investigação e desenvolvimento farmacêutico na A...- que a propósito deste facto testemunhou nos termos que se transcrevem:
«(...) dossiers (...) são um conjunto de documentação, que inclui documentação regulamentar, documentação de parte de qualidade farmacêutica (...) e inclui ensaios clínicos (...)» que «í..) a empresa adquire para obter um conjunto de informações relacionadas com um produto, cuja alternativa seria nós trabalha-lo ou desenvolvermo-lo de raiz. (…)»
«(...) É um ganho estratégico de tempo (...) por ser um conjunto de dados relacionados com um produto que já estão compilados (...) e devidamente sedimentados na comunidade científica internacional (...) que demora cerca de 12 a 20 meses a elaborar (...) não relacionados com produtos inovadores (...)».
«(...) há um trabalho de reprodução daquilo que é o conteúdo técnico e farmacêutico do dossier, e depois em função dos resultados pode parar por atou não, sendo que «(...) há casos em que é necessário até (...) pelo tempo que essa informação já tem, fazer desenvolvimentos com conhecimentos que entretanto foram adquiridos, pela parte analítica ou pela introdução de novos excipientes (…)».
«(...) são como bases de dados, onde estão compiladas cópias da prospecção de resultados de investigações que são feitas, não pela C... ou pela B..., sendo que são dados que publicados (..)»
4) A prestação de serviços à RECORRIDA quer pela B...quer pela C... esgotou-se com o fornecimento dos dossiers identificados nos n.ºs 14 e 15 da matéria de facto provada, tendo-se concretizado no mero apoio à RECORRENTE na aquisição de informações tecnológicas, não secretas.
Conforme depoimento da 1ª testemunha arrolada pela RECORRENTE - Dra. E...-, constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante, a qual testemunhou nos termos que se transcrevem:
«(…) um contrato alargado, sendo que eu não me preocupei em termos jurídicos com o contrato, porque o que eu precisava era dos dossiers e era isso que estava em negociação (...)»
a A...(…) não tinha (nem teve) capacidade de estruturar tais contratos (...) sendo o mercado quase monopolista (...) aliás assinava-se qualquer contrato para ter os dossiers (...)»
«(...) aquilo que comprei foi dossiers (...) para os produtos que nós queríamos comercializar, uma vez que aqueles que tínhamos introduzidos no Infarmed estavam obsoletos (...)»
5) O fornecimento dos dossiers técnicos identificados nos n.ºs 14 e 15 da matéria de facto provada à RECORRENTE por parte da B...e da C... consubstancia uma prestação de serviços, que não de assistência técnica, por aqueles não corresponderem, nem terem subjacente qualquer prestação de serviços complementar ou acessória de qualquer outra prestação.
Conforme depoimento da 1ª testemunha arrolada pela RECORRENTE - Dra. E...-, constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante, a qual testemunhou nos termos que se transcrevem:
«(…) só interessavam os dossiers (...), porque as fórmulas éramos nós que experimentávamos, (...) não precisando de mais acompanhamento, até porque a responsabilidade é nossa, em termos de produto acabado no mercado (...)»
A A...comprava dossiers como se se tratassem de «(...) um bem, uma mercadoria (...)»
A B...e a C..., após o envio dos dossiers, «(...) não tiveram qualquer outra intervenção (…)», nomeadamente, na prestação de esclarecimentos técnicos ou outros, apoio na clarificação do conteúdo dos dossiers, «(...) até porque eles não têm esse conhecimento, porque são traders puros (...) e nós temos, ao nível de laboratório, gente muito diferenciada (...) que servem de suporte à investigação e desenvolvimento (…)»
A A...«(...) dedica-se à investigação e desenvolvimento de produtos farmacêuticos, ao seu fabrico, ao seu registo e à sua comercialização (...)» sendo «(…) uma empresa praticamente verticalizada, porque nos falta uma parte essencial que é a síntese de matérias-primas ( i.e., a composição dos produtos (...)»
«(…) nós desenvolvemos, nós fabricamos, nós registamos os produtos em termos das autoridades regulamentares que é o INFARMED (...) temos equipas de vendas, que comercializam os produtos (...), ou seja, acompanhamos todo o processo do fabricação do produto desde o seu desenvolvimento até à sua comercialização (...)».
6) A A...não efectuou no exercício de 1996 qualquer pagamento de facturas emitidas pela C... e pela B..., as quais constam dos autos.
7) O contrato identificado no n.º 2 da matéria de facto provada foi objecto de rescisão, por acordo datado de 8 de Fevereiro de 1999, o qual se encontra junto aos autos, como documento n.º 42 da Reclamação Graciosa;
8) Foram anuladas, no exercício de 1999, as facturas emitidas pela C... no exercício de 1996 a que correspondem os números 175/96, 176/96, 177/96, 178/96, 286/96, 287/96, cujo valor total ascende ao montante de € 156.576,46 e a que corresponde um imposto de € 23.486,47 (€ 156.576,46 x 15%).
Que dizer?
Neste domínio, constituindo tal erro de julgamento aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Sobre esta matéria, e com referência ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 685º-B do CPC, que regula esta matéria depois da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 685º-B nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 685º-B do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do C. Proc. Civil).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Nesta perspectiva, e perante a análise dos elementos presentes nos autos, com a consideração de todos os meios probatórios, entende-se que a matéria do facto 1. não pode ser atendida, pois que não consta dos autos o registo apontado pela Recorrente, o que significa que, em função dos elementos disponíveis no processo, tem de manter-se o exposto no ponto 13 do probatório.
Quanto aos factos 2. a 6., desconsiderando os elementos conclusivos e a matéria em que está em causa a leitura da Recorrente sobre a situação, a análise do teor dos factos 14 e 15 do probatório como que abarca a leitura da realidade em apreço, não se vislumbrando no exposto pela Recorrente matéria capaz de alargar o exposto, matéria susceptível de colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado, o que, no caso, implica a não consideração de tal matéria, com referência ao exposto em 2. a 6.
Avançando, no que concerne aos factos 6. a 8, a Recorrente não alinha os elementos presentes nos autos no sentido de suportarem a respectiva alegação, o que retira qualquer virtualidade ao exposto, de modo que, fica assim ponderada a questão do julgamento da matéria de facto invocada pela Recorrente.

Quanto aos fundamentos do recurso em termos de direito, a Recorrente refere que é incorrecto o entendimento da AF de que constituíram remuneração pela prestação de serviços de assistência técnica os valores por si devidos às sociedades B...e C..., ambas com estabelecimento no Reino Unido, pois que e designadamente, não obstante o teor dos contratos celebrados com aquelas empresas, a RECORRENTE apenas veio a adquirir ‘dossiers’ para registo de medicamentos - os identificados nos n.ºs 14 e 15, dos factos provados da douta Sentença recorrida, sendo certo que estes ‘dossiers’ - conforme resulta do depoimento das testemunhas inquiridas nos autos e cujos depoimentos foram gravados e fazem parte integrante dos autos -, mais não são do que compilações exaustivas e organizadas de toda a informação científica disponível no mercado sobre determinados medicamentos genéricos (por oposição, nos termos legais, aos medicamentos de referência, com marca) e princípios activos, elementos informativos que são partilhados pela comunidade científica em pé de igualdade, e constituíram a base sobre a qual a RECORRENTE desenvolveu estudos e ensaios farmacológicos, toxicológicos e clínicos, tendo em vista a obtenção de autorização de introdução no mercado nacional (AIM) dos produtos farmacêuticos em questão junto do INFARMED, a ora RECORRENTE adquiriu quer à B...quer à C..., exclusivamente, os Dossiers identificados nos n.ºs 14 e 15, dos Factos Provados da Douta Sentença recorrida, os quais, em face do seu conteúdo, não poderão jamais ser considerados como ‘transferência de tecnologia’ ou como a prestação de um serviço meramente acessório ou instrumental da transferência de tecnologia, não constituindo assim assistência técnica.
Assim, face a tal errada qualificação e subsunção jurídica efectuada pela AF, o acto de liquidação ora impugnado padece dos vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, causa da sua invalidade nos termos do disposto no Art. 99.º do CPPT, não podendo deixar de ser anulado, por violação de Lei e ao assim não ter decidido, o Douto Tribunal a quo decidiu em erro de julgamento, valorando erroneamente a prova e errando na aplicação do direito, em contradição com a previsão normativa ínsita na al. a), do n.º 2, do Art. 69.º e na al. a), do n.º 1, do Art. 75.º, ambos do Código do IRC, na redacção vigente e aplicável à situação sub judicio no exercício de 1996, pois que os serviços prestados à ora recorrente pela B...e pela C... somente podem merecer a qualificação de meras prestações de serviços, pelo que, em face da norma de incidência vigente à data dos factos - exercício de 1996 -, os mesmos, ainda que devidos a Entidades não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal, não ficavam sujeitos a tributação no território nacional.
Além disso, a Sentença recorrida padece de erro de julgamento, por alteração da qualificação jurídica dos rendimentos devidos pela RECORRENTE quer à B...quer à C... pelo Douto Tribunal a quo, a qual é ilegal, pois que, in casu, é inequívoco e, aliás, consta dos factos dados como provados pelo Douto Tribunal, em concreto nos n.ºs 5 e 6, dos Factos Provados, que a AF qualificou os rendimentos devidos pela Recorrente quer à B...quer à C..., após análise concreta e casuística dos contratos e dos serviços prestados como sendo ‘serviços de assistência técnica’, não podendo o Douto Tribunal transmudar a qualificação jurídica de tais rendimentos e correspondentes serviços para ‘royalties’, mantendo inalterada quer as correcções técnicas quer a liquidação do imposto perpetuadas com base numa qualificação divergente da AF, ainda que, repita-se, a obrigação do montante de retenção dessa taxa para a ora Recorrente fosse de igual valor, o que significa que devia o douto Tribunal anular o acto de liquidação sub judicio porque, em seu entender, eivado de vício que afecta a sua legalidade - pois se assim não fosse, não haveria lugar/necessidade de qualquer alteração da qualificação dos rendimentos feita por parte da AF, nem, a título prévio, de proceder à clarificação/precisão dos conceitos legais de, v.g., ‘know-how, assistência técnica -, cabendo à AF proceder à plena reconstituição da legalidade do mesmo, efectuando nova liquidação de imposto, desta feita, com fundamento na qualificação de tais rendimentos como ‘royalties’, se para tanto estivesse em tempo, com base nos termos do disposto no Art. 100.º da LGT, pelo que, deverá a presente Sentença recorrida ser revogada, anulando-se a liquidação adicional de imposto objecto dos presentes autos, julgando-se totalmente procedente o pedido deduzido pela Recorrente.

Pois bem, numa primeira fase, com a concordância da própria Recorrente, podemos considerar o enquadramento em abstracto da decisão recorrida quando aponta que:
“…
O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 442-B/88, de 30/11, pode definir-se como um imposto directo, tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que incide sobre manifestações directas ou imediatas da capacidade contributiva como é o rendimento real (em geral lucros) das empresas com sede ou direcção efectiva em Portugal. É um imposto de características reais, visto não levar em consideração os sinais pessoais que se verificam na pessoa do contribuinte, antes se dirigindo objectivamente à tributação da riqueza. É, igualmente, um tributo de características unitárias, no sentido de abranger tendencialmente todos os rendimentos das pessoas colectivas. Encontramo-nos perante um imposto proporcional, dado a sua taxa ser fixa qualquer que seja o montante da matéria colectável e assentando, em princípio, na tributação do rendimento real ou efectivo, embora admita presunções de rendimento, assim como a sua fixação através de métodos indiciários. Por último, encontramo-nos perante um tributo periódico, visto que a obrigação de imposto se renova nos sucessivos períodos anuais de tributação, dando origem, consequentemente, a sucessivas obrigações tributárias anuais e independentes umas das outras (cfr. artºs.1, 2, 3, 7, 51 e 69, todos do C.I.R.C.; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.215 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.573 e seg.).
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da "diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código".
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que inevitavelmente daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para fins fiscais (cfr.J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Mais se dirá que o requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06).
Refira-se, ainda, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor no ano de 1996, actual artº.115, do C.I.R.C.; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Por outro lado, convém aludir a que o acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas a incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição "sine qua non" da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
Por último, menciona-se a matéria do ónus probatório, a qual encontra previsão normativa no artº.74, nº.1, da L. G. Tributária, sendo legalmente definido, em consonância com o artº.342, do C.Civil, que o ónus probatório dos factos constitutivos recai sobre quem os invoque. Assim, caberá à A. Fiscal provar a verificação dos pressupostos da sua actuação, recaindo sobre o contribuinte a prova de que a A. Fiscal actuou em desconformidade legal. Ora, nesta sede assume relevância a presunção de veracidade das declarações ínsita no artº.75, da L. G. Tributária, norma da qual resulta que impende sobre a A. Fiscal a verificação da existência de erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que o declarado pelo sujeito passivo se afasta da matéria tributável efectiva. …
Haverá, portanto, que saber se, no caso concreto, os documentos contabilísticos postos em causa pela A. Fiscal traduzem a existência de assistência técnica por parte das empresas “B...Services Limited” e “The C... Corporation Limited” e face à sociedade impugnante ou, por outro lado, se tais documentos apenas revelam uma mera prestação de serviços não tributável pela lei fiscal portuguesa.
É grande a ambiguidade que rodeia na legislação comparada os conceitos de “contrato de Know-how”, de “contrato de prestação de serviços técnicos” e de “contrato de assistência técnica”, todos relacionados com uma ampla e confusa noção de “transferência de tecnologia”. E dizemos ampla e brumosa porque o conceito de “transferência de tecnologia” tem sido consagrado na lei com finalidades muito distintas. Umas vezes, visando a disciplina do regime de remessas cambiais relacionadas com o investimento estrangeiro. Outras, no âmbito da legislação “anti-trust” ou de defesa da concorrência. Outras ainda, para efeitos tributários. De tal modo, que pode afirmar-se, sem hesitação, não existir um conceito técnico-jurídico uniforme relativo a tal noção de “transferência de tecnologia” (cfr.Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.694 e seg.).
O “contrato de Know-how” tem por objecto a transmissão de informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmas consideradas, na forma de cessão temporária ou definitiva de direitos, para que o adquirente as utilize por conta própria e sem que o transmitente intervenha na aplicação da tecnologia cedida ou garanta o seu resultado. Ao invés, o contrato de prestação de serviços técnicos (engineering) tem por objecto a execução de serviços que pressupõem, por parte do prestador, uma tecnologia, a qual, porém, não se destina a ser transmitida, mas antes a ser meramente aplicada ao caso concreto mediante ideias, concepções e conselhos baseados num estudo pormenorizado de um projecto. Por outras palavras, no contrato de Know-how transfere-se tecnologia, enquanto no contrato de prestação de serviços técnicos (engineering) se aplica tecnologia. Para efeitos fiscais, a remuneração do “Know how” (royalties) constitui um rendimento de capital, uma vez que visa retribuir um capital tecnológico previamente acumulado que é posto à disposição do beneficiário, enquanto a remuneração da prestação de serviços técnicos deve considerar-se um preço de venda do serviço em si mesmo considerado e não a retribuição de um factor de produção ou de uma tecnologia cuja transmissão não é, em si, objecto do contrato (cfr.Alberto Xavier, ob.cit., pág.696 e 699; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/3/2006, rec.845/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 5/5/2009, proc.2414/08).
Feita a distinção entre os contratos de “Know how” e de prestação de serviços técnicos (engineering), importa agora caracterizar os contratos de assistência técnica, os quais se devem diferenciar destes últimos, os de “engineering”. Desde logo, se deve dizer que o substantivo feminino “assistência” revela que a prestação de serviços que é objecto do contrato em causa não tem carácter autónomo e independente, antes sendo complementar ou acessória de outra operação prevista no mesmo contrato ou em contrato separado. Com efeito, em certos casos a transmissão de informação (Know how) não se esgota na simples cessão de direitos, antes exigindo complementarmente uma actividade continuada de prestação de serviços, permanentes ou periódicos, pela qual a informação tecnológica seja plenamente colocada à disposição do cessionário. Ora, é precisamente nestes casos que ocorre a figura da “assistência técnica”. A “assistência técnica” distingue-se da prestação de serviços técnicos (engineering), pois enquanto neste último caso a prestação de serviços constitui-se como objecto principal do contrato em causa, no primeiro a prestação de serviços é meramente instrumental relativamente ao objecto principal do contrato que consiste na transmissão de uma informação tecnológica (Know how). No contrato de prestação de serviços técnicos as partes querem a própria execução de um determinado serviço e não uma “assistência” na aquisição de informação tecnológica; no contrato de “assistência técnica” as partes querem uma informação tecnológica, a qual é conjugada com a prestação de um serviço complementar ou instrumental (cfr.Alberto Xavier, ob.cit., pág.702 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/3/2006, rec.845/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 29/3/2005, proc.2113/99; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 5/5/2009, proc. 2414/08).
Ora, é precisamente o carácter complementar ou instrumental da assistência técnica relativamente à transmissão de informação resultante de experiência adquirida que levou a lei portuguesa a submeter a respectiva remuneração ao mesmo regime tributário do “Know how”, ou seja, a considerá-la como rendimento de capital. Mas a referida complementaridade ou acessoriedade, leva também e por outro lado, a concluir que somente podem ser qualificados como de assistência técnica, para efeitos fiscais, os contratos que, seja qual for a sua qualificação, tenham natureza complementar ou instrumental de contratos de transferência de capital tecnológico ou de outra realidade tributável em sede de “royalties”. Pelo contrário, a “assistência técnica” não pode, de modo algum, abranger os contratos em que o objecto principal seja a prestação de serviços, ainda que de conteúdo técnico, pois a remuneração destes não é, por natureza, rendimento de capital, antes devendo considerar-se como rendimento do trabalho. Em suma, só pode falar-se em “assistência técnica” (no sentido em que a expressão é utilizada pela lei fiscal portuguesa - cfr.artº.6, nº.1, al. m), do C.I.R.S.; artº.69, nº.2, al. a), do C.I.R.C.) quando exista um nexo de complementaridade ou instrumentalidade em relação a uma operação que aquela visa “assistir” e que consiste numa transmissão de “Know how” em si mesmo considerado. Mais se devendo referir que a tributação da assistência técnica em sede de “royalties” deve ser interpretada de forma restritiva (cfr.Alberto Xavier, ob.cit., pág.705 a 708). …”.

A partir daqui, a decisão recorrida avançou para a afirmação de que “In casu”, da análise da matéria de facto provada (cfr.nºs.2 e 3 da matéria de facto provada), deve concluir-se que os acordos celebrados pela sociedade impugnante com as empresas “B...Services Limited” e “The C... Corporation Limited” se devem considerar como verdadeiros contratos de transmissão de informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmas consideradas (“Know how”), no caso, as informações relativas aos compostos químicos que estiveram na origem do desenvolvimento e produção dos produtos farmacêuticos que a sociedade impugnante levou a cabo. Por outro lado, os documentos contabilísticos postos em causa pela A. Fiscal (cfr.nº.6, als.b) e d), da matéria de facto provada - anexos X e XI do relatório cuja cópia se encontra junta ao processo de reclamação apenso), consistem em facturas emitidas pelas referidas empresas e recebidas pela sociedade impugnante tendo por objecto as taxas a pagar por esta em virtude da transferência do dito “Know how”, porque todas as facturas em causa se referem às “nossas taxas relativas aos estudos de matéria-prima” ou “nossas taxas relativas ao arquivo mestre do químico”. Em conclusão os pagamentos em causa referem-se a verdadeiros “royalties” derivados de contratos de “Know how”, consubstanciando-se em verdadeiras percentagens associadas ao lucro tido pela sociedade impugnante”.

Nesta sequência, entende-se que a decisão recorrida não pode ser acompanhada por duas ordens de razões.
Por um lado, assiste razão à Recorrente quando refere que a Sentença recorrida padece de erro de julgamento, por alteração da qualificação jurídica dos rendimentos devidos pela RECORRENTE quer à B...quer à C... pelo Douto Tribunal a quo, na medida em que a AF qualificou os rendimentos devidos pela Recorrente quer à B...quer à C..., após análise concreta e casuística dos contratos e dos serviços prestados como sendo ‘serviços de assistência técnica’, não podendo o Douto Tribunal transmudar a qualificação jurídica de tais rendimentos e correspondentes serviços para ‘royalties’, mantendo inalterada quer as correcções técnicas quer a liquidação do imposto perpetuadas com base numa qualificação divergente da AF, ainda que, repita-se, a obrigação do montante de retenção dessa taxa para a ora Recorrente fosse de igual valor.
Com efeito, o Tribunal não pode substituir-se à AT neste domínio, mas apenas apreciar a relevância do procedimento seguido pela AT em função da crítica que lhe é dirigida pelo interessado (Impugnante).
Efectivamente, e como se constata no âmbito do presente recurso, a análise do Tribunal é susceptível de incorrer em vícios de violação de lei, situação evidenciada pelo facto de a ora Recorrente questionar a apreciação do Tribunal com base no facto de não existirem elementos capazes de suportar tal realidade.
Ora, tal significa definir a matéria controvertida noutros moldes, não competindo ao Tribunal uma apreciação tão larga da situação, mas apenas apreciar a legalidade da actuação da AT em função dos contornos da sua actuação que culmina com a liquidação impugnada nos autos.
Deste modo, entendendo o Tribunal recorrido que o enquadramento feito pela AT não tem apoio nos factos e na lei, deveria ter retirado as devidas consequências com referência à liquidação impugnada.

Por outro lado, considerando o exposto pela AT, aquilo que se impõe afirmar é que a referência a contratos de assistência técnica não tem qualquer sustentação a partir do momento em que se aponta que a “assistência” revela que a prestação de serviços que é objecto do contrato em causa não tem carácter autónomo e independente, antes sendo complementar ou acessória de outra operação prevista no mesmo contrato ou em contrato separado.
Ora, no probatório consta que:
6 - No relatório identificado no nº.5 refere-se, nomeadamente e no que aos presentes autos interessa:
a) que o sujeito passivo celebrou, em 14/2/1992, com a empresa “B...Services Limited”, sediada na Ilha de Man, no Reino Unido, um contrato de assistência técnica, o qual abrange uma pluralidade de serviços;
b) que da análise detalhada dos documentos emitidos pela “B...Services Limited” e contabilizados pelo sujeito passivo, bem como do exame do citado contrato, se deve concluir que os montantes contabilizados nas contas 622361114 e 62236214, na quantia de € 1.227.943,17 traduzem, efectivamente, um custo de assistência técnica (cfr. documentos juntos no anexo X ao relatório de fls.302 a 324 do processo de reclamação apenso);
c) que o sujeito passivo igualmente celebrou, em 22/4/1994, com a empresa “The C... Corporation Limited”, sediada na Ilha de Man, no Reino Unido, um contrato idêntico ao anterior e com vista ao fornecimento do mesmo tipo de assistência que a “B...Services Limited”;
d) que o sujeito passivo contabilizou na conta 4321-Imobilizado Incorpóreo, a quantia de € 2.075.817,64 relativa aos serviços contratados entre as partes (cfr. documentos juntos no anexo XI ao relatório de fls.325 a 339 do processo de reclamação apenso);
e) que o contribuinte não tributou, através de retenção na fonte, os rendimentos de assistência técnica relativos aos fornecedores enumerados, porque em seu entender esses rendimentos não se enquadravam no conceito de assistência técnica;
f) que em sede de I.R.C. a tributação da assistência técnica se encontra prevista no artº.69, nº.2, al.a), do C.I.R.C., e a sua retenção consagrada no artº.75, nº.1, als.a) e b), do mesmo diploma;
g) visto que os montante contabilizados pelo sujeito passivo nas contas 622361114, 62236214 e 4321-Imobilizado Incorpóreo, no montante global de € 3.303.760,82, se enquadram no conceito de assistência técnica devem tais rendimentos ser tributados à taxa de 15%, através de retenção na fonte, relativamente aos períodos de Agosto, Setembro e Dezembro de 1996 e sendo o imposto em falta no montante total de € 495.564,13;
h) no mesmo exercício de 1996, o sujeito passivo contabilizou na conta 62224211 - Royalties a quantia de € 169.001,25, não tendo retido na fonte o imposto respectivo na quantia global de € 25.350,19, antes tendo efectuado o pagamento fora de prazo de somente € 9.616,18 (cfr.documentos juntos nos anexos XII e XIII ao relatório de fls.340 a 345 do processo de reclamação apenso);
i) pelo que existe imposto em falta no montante de € 15.734,01, nos termos dos artºs.69, nº.2, al.a), e 75, nº.1, al.a), do C.I.R.C., repartido pelos períodos de Junho, Setembro e Dezembro de 1996, mais existindo juros compensatórios e de mora a favor do Estado relativamente ao pagamento de imposto efectuado fora de prazo e no que diz respeito aos períodos de Março e Junho de 1997.
Com este pano de fundo, não se vislumbra no exposto pela AT o alinhamento dos elementos necessários à caracterização da figura da assistência, nomeadamente a operação que, afinal, enquadra a “assistência”.
Diga-se ainda que esta análise tem de ser feita em concreto e não em abstracto por referência aos contratos descritos nos autos, ou seja, aquilo que efectivamente releva é o conjunto de operações desenvolvidas pelas partes no âmbito do aludido contrato, as operações que dão corpo ao próprio contrato, por forma a apreender o cabal alcance das mesmas.
Neste domínio, o Tribunal recorrido apenas apurou que a sociedade impugnante também se dedicava ao desenvolvimento/ produção de produtos farmacêuticos genéricos, tendo adquirido os dossiers relativos aos produtos químicos identificados nos documentos juntos a fls. 53 e 54 dos presentes autos com o objectivo de obter a posterior autorização de introdução no mercado dos respectivos produtos em Portugal (cfr.depoimento das testemunhas arroladas pelo impugnante constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante; documentos juntos a fls.53 e 54 dos presentes autos) e que os dossiers técnicos comprados pela impugnante e identificados nos documentos juntos a fls.53 e 54 dos presentes autos continham o dito “estado da arte” relativo ao produto químico respectivo e em 1996, tendo sido adquiridos ao abrigo do regime previsto nos contratos identificados nos nºs.3 e 4 supra (cfr.depoimento das testemunhas arroladas pelo impugnante constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante).
Diga-se ainda que as facturas juntas aos autos referem-se a preços de “studies of raw material” e a “Drug Master File”, expressões que se podem traduzir como “estudos de material em bruto” e “ficheiros principais de drogas/medicamentos”, respectivamente.
Nesta sequência, considerando a pobreza descritiva do relatório de inspecção, as operações materiais apuradas nos autos com referência à actividade da ora Recorrente no domínio em apreço, emerge a ideia de que a ora Recorrente carecia dos “dossiers” em apreço, contendo a informação disponível sobre “estado da arte” relativo ao produto químico respectivo, no âmbito ao desenvolvimento/produção de produtos farmacêuticos genéricos, tendo adquirido os dossiers relativos aos produtos químicos identificados nos documentos juntos a fls. 53 e 54 dos presentes autos com o objectivo de obter a posterior autorização de introdução no mercado dos respectivos produtos em Portugal, sendo este o enquadramento das operações a considerar nos autos.
Sendo assim, como é, as empresas britânicas descritas nos autos habilitaram a ora Recorrente com a tal informação de que a mesma carecia, o que é diferente da prestação de assistência técnica, pois esta implica a prestação de um serviço complementar ou instrumental que não se detecta no caso em apreço.
Deste modo, estamos longe da realidade que serve de suporte ao procedimento da AT, pois que não se vislumbra a presença dos elementos os elementos tipificadores do contrato de assistência técnica, de modo que, tem total pertinência a alegação da Recorrente neste domínio, até porque, tal como aponta o Ministério Público em 1ª Instância, “as prestações de serviços em geral, que não constituam assistência técnica realizadas por pessoas colectivas não residentes (as ‘importações de serviços”) não estão sujeitas a retenção na fonte em Portugal por a lei não as incluir expressamente na enumeração taxativa dos rendimentos obtidos em território português, (cfr. art. 4º nºs 2 e 3; art. 69º nº 2, al. a); art. 75º, nº 1, als. a) e b) - actualmente art. 88º, nº 1, als. a) e c) - ,todos do CIRC) (Ac. deste Tribunal de 29-03-2005, Proc. nº 002113/99, www.dgsi.pt).
Sendo a liquidação em causa ilegal, não existe fundamento para a liquidação de juros compensatórios, pois que a mesma é contaminada com a situação descrita a propósito da aludida liquidação, o que significa que o presente recurso tem de procedente, havendo que revogar a sentença recorrida e determinar a procedência da presente impugnação.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando-se totalmente procedente a presente impugnação judicial, com a consequente anulação “in totum” da liquidação impugnada.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 18 de Junho de 2013

PEDRO VERGUEIRO
PEREIRA GAMEIRO
JORGE CORTÊS