Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10263/13
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/10/2013
Relator:COELHO DA CUNHA
Descritores:DECLARAÇÃO DE PERDA DE MANDATO.
VALOR PROBATÓRIO DAS ACTAS DAS REUNIÕES DE UMA JUNTA DE FREGUESIA.
PARTICIPAÇÃO DE MEMBRO DA JUNTA DE FREGUESIA EM DELIBERAÇÕES DE SEU INTERESSE.
ARTIGOS 266º, Nº2 DA CRP, 44º, Nº1, AL.A) DO CPA E 11º E 15º DA LEI Nº27/96, DE 1 DE AGOSTO.
Sumário:I- As actas de reuniões das Juntas de Freguesia, exaradas com as formalidades legais pela autoridade pública no domínio da sua competência, possuem força probatória plena dos factos nela referidos.

II- A força probatória de tais documentos só pode ser ilidida mediante incidente especial de falsidade (artºs 372º, nº2 do Cód. Civil e 546º e ss do Cód. Processo Civil), ou, no âmbito do direito sancionatório por, por via do disposto no artigo 169º do Cód. Processo Penal, com base na não veracidade do teor das actas.

III- Age com culpa grave, justificativa da declaração de perda de mandato, o Secretário de uma Junta que participação na discussão e votação de deliberações conducentes à atribuição de subsídios a um clube desportivo de que é Presidente
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1. Relatório
O Digno Magistrado do Ministério Público intentou, no TAF de Sintra, nos termos do artigo 11º e 15º da Lei nº27/96, de 1 de Agosto, acção para declaração de perda de mandato contra ... , Secretário da Junta de Freguesia ... , nos quadriénios de 2005/2009 e 2009/2013, alegando que o demandado participou na discussão e votou a aprovação das informações/propostas para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... , de subsídios em causa no presente processo.
Por sentença de 22.03.2013, a Mmª Juiz do TAF de Sintra, julgou a acção improcedente.
Inconformado, o Digno Magistrado do Ministério Público interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes:
- A sentença, ora, recorrida padece de erro na apreciação da matéria de facto;
2.°- Ao não dar como provada a matéria de facto constante dos pontos 1 a 8 da citada sentença;
3º- As actas juntas aos autos são documentos autênticos, e a sua falsidade não foi suscitada em prazo e nos termos legais, pelo que tem que ser considerada verdadeira.
4.°- Mesmo ao abrigo do disposto no art. 169° do CPP (atendendo a que estamos perante pedido sancionatório), aplicável pelo facto de estamos em sede de apreciação de prova efectuada por documento autêntico, a apreciação da prova não é livre.
5.°- Pelo que cabe ao R., e por estarmos perante documento autêntico não ferido de falsidade, elidir a presunção de veracidade do conteúdo das actas;
6.°- Razão pela qual não basta dar como não provado os factos alegados pelo A.- M.P.- mas torna-se necessário recorrer ao principio da inversão do ónus da prova;
7.°- Mas, ainda que assim não fosse, da conjugação dos documentos autênticos, com o depoimento prestado pelas testemunhas em sede de inquirição, ficou provado que o R. esteve presente, discutiu e votou as deliberações de atribuição de subsídios, ao clube desportivo de que era presidente, pelo menos fê-lo em três sessões.
8.°- Na avaliação da matéria de facto não foram tidas em conta as regras da prova indiciária, frequentemente aplicável em sede de processo penal, nomeadamente no que concerne ao apuramento dos elementos subjectivos, a consciência da ilicitude e a culpa.
9º- No âmbito da prova indiciaria parte-se de um facto demonstra-lo através de prova directa, denominado facto indiciante, conjugado com o conteúdo de outros actos probatórios, para se dar como provado o facto ou factos consequentes, no caso concreto para dar como provado que o R. esteve presente, discutiu e aprovou as referidas deliberações;
10.°- O Tribunal errou na avaliação da prova, nomeadamente quando aproveitou parte do depoimento de uma testemunha, não aproveitando o conteúdo do restante depoimento, sem que para o efeito fosse dada qualquer justificação plausível.
11.°- O tribunal errou na avaliação da prova, quando não confrontou o conteúdo dos diversos depoimentos (nomeadamente o do presidente da Junta de Freguesia, com o depoimento das restantes testemunhas);
12.°- Pelo exposto, terá que ser dada como provada a matéria constante dos n°s 1 a 8, dada como não provada na presente sentença, ou seja deve ser dada como provada a pratica das condutas ilícitas imputadas ao R.;
13.°- Conforme resulta da matéria dada como provada e alegada na PI., mostram-se verificados os restantes pressuposto da declaração de perda de mandato, a saber a consciência da ilicitude, a culpa, e a adequação da aplicação da sanção à conduta.
14.°- Pelo exposto, deverá ser revogada a presente sentença, e substituída por outra, em que se declare a perda de mandato do R., por se verificarem todos os pressupostos de facto e de direito, para a aplicação da sanção, conforme resulta da matéria alegada, na petição inicial, e nas alegações de facto e de direito apresentadas pelo M.P..”
Contra-alegou o recorrido, concluindo como segue:
“A. Contrariamente ao invocado pelo Recorrente inexiste erro de julgamento de facto e de Direito na douta Sentença recorrida;
B. Não está em causa a impugnação de documentos autênticos, nem dos factos materiais neles constantes, pelo que não existe inversão do ónus da prova;
C. Das Actas não constam os factos materiais com relevância para a boa decisão da causa, a saber, participou ou não o Recorrido na discussão e votação das propostas de adjudicação objecto do presente processo;
D. Do depoimento das testemunhas é manifesto que o Recorrido não participou na discussão e votação das propostas de adjudicação objecto do presente processo;
E. Não existiu erro de avaliação da prova;
F. Não se encontram verificados os requisitos de que depende a perda de mandato;
G. Deverá ser mantida na íntegra a douta Sentença recorrida.”
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2. Fundamentação
2.1. De Facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto, com relevo para a decisão:
“a) O demandado ... foi eleito, nas eleições autárquicas que se realizaram para o quadriénio 2005/2009 e no quadriénio seguinte 2009/2013, membro da Assembleia da Freguesia ... - Documentos n.°s 1 e 2 juntos à petição inicial;
b) No âmbito das eleições autárquicas referentes ao quadriénio de 2005/1009 o demandado ... , depois de tomar posse como membro da Assembleia de Freguesia, foi eleito membro do Executivo da Junta Freguesia ... , na primeira sessão da Assembleia de Freguesia realizada em 7 de novembro de 2005 -Documento n°3 junto à petição inicial;
c) Posteriormente, o demandado ... foi indicado pelo Presidente da Junta para exercer as funções de Secretário, funções nas quais foi investido na sequência da reunião do Executivo da Freguesia ... no dia 14 de novembro de 2005 - Documento n°4 junto à petição inicial;
d) No âmbito das eleições autárquicas referentes ao quadriénio de 2009/7013 o demandado ... , depois de tomar posse como membro da Assembleia de Freguesia, foi eleito membro do executivo da Junta Freguesia ... , na primeira sessão da Assembleia de Freguesia em 5 de novembro de 2009 - Documente n°5 junto à petição inicial;
e) Posteriormente, foi indicado pelo Presidente da Junta de Freguesia ... para exercer as funções de Secretário, funções nas quais foi investido na sequência da reunião do Executivo da Freguesia ... no dia 16 de novembro de 2309 -Documento n°4 junto à petição inicial;
f) Em 2 de março de 2006 foi subscrita pelo Tesoureiro da Junta de Freguesia ... , ... , a informação/proposta n°77/2006 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio no valor de € 500,00 no mês de março e no valor de € 500,00 no mês de abril - Documento n°6 junto à petição inicial;
g) Esta proposta foi votada e aprovada, por unanimidade, por deliberação adoptada em reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 2 de março de 2006 - Documento n°6 junto à petição inicial;
h) O demandado ... esteve presente, na qualidade de Secretário, na reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 2 de março de 2006 e assinou a correspondente ata (ata n.° 9/2006) - Documento n° 6 junto à petição inicial;
i) Os subsídios referidos na alínea f) foram pagos ao Grupo Desportivo ... , ... e ... através das ordens de pagamento n°242, de 8 de março de 2006, e n°339, de 3 de abril de 2008, subscritas pelo Tesoureiro e pelo Presidente da Junta de Freguesia ... , pagamentos a que correspondem os recibos n°709, de 3 de março de 2006 e n°711 de 3 de abril de 2006 - Documento n°6 junto à petição inicial;
j) Em 16 de novembro de 2006 foi subscrita pelo Tesoureiro da Junta de Freguesia ... , ... , a informação/proposta n°208/2006 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio no valer de € 200,00 - Documento n°6 junto à petição inicial;
k) Esta proposta foi votada e aprovada, por unanimidade, por deliberação adotada em reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 16 de novembro de 2006 - Documento n°6 junto à petição inicial e documentos juntos aos autos pela Junta de Freguesia ... em 22 de outubro de 2012;
I) O demandado ... esteve presente, na qualidade de Secretário, na reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 16 de novembro de 2006 e assinou a correspondente ata (ata n.°26/2006) - Documento n°6 junto à petição inicial;
m) O subsídio referido na alínea j) foi pago ao Grupo Desportivo ... , ... e ... através da ordem de pagamento n°1333, de 12 de dezembro de 2006, subscrita pelo Tesoureiro e pelo Presidente da Junta de Freguesia ... , pagamento a que corresponde o recibo n°736, de 5 de dezembro de 2006 - Documento nº6 junto à petição inicial;
n) Em 26 de julho de 2007 foi subscrita pelo Tesoureiro e Vogal do Pelouro do Desporto da Junta de Freguesia ... , ... a informação/proposta n°130/2007 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio no valor de € 1.250,00 - Documento n°6 junto à petição inicial;
o) Esta proposta foi votada e aprovada, por unanimidade, por deliberação adotada em reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 26 de julho de 2007 - Documento n°6 junto à petição inicial;
p) O demandado ... esteve presente, na qualidade de Secretário, na reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 26 de julho de 2007 - Documento n°6 junto à petição inicial;
q) O subsídio referido na alínea n) foi pago ao Grupo Desportivo ... , ... e ... através da ordem de pagamento n°879, de 20 de agosto de 2007, subscrita pelo Tesoureiro e pelo Presidente da Junta de Freguesia ... , pagamento a que corresponde o recibo n°763, de 5 de dezembro de 2006 - Documento n°6 junto à petição inicial;
r) Em 2 de novembro de 2007 foi subscrita pelo Vogal do Pelouro da Cultura da Junta de Freguesia ... , João Paulo Belo Nunes, a informação/proposta n°178/2007 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio no valor de € 280,00 - Documento n°6 junto à petição inicial;
s) Esta proposta foi votada e aprovada, por unanimidade, por deliberação adotada em reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 6 de novembro de 2007 - Documento n°6 junto à petição inicial;
t) O demandado ... esteve presente, na qualidade de Secretário, na reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 6 de novembro de 2007 e assinou a correspondente ata (ata n.°53/2007) - Documento n°6 junto à petição inicial;
u) O subsídio referido na alínea r) foi pago ao Grupo Desportivo ... , ... e ... através da ordem de pagamento n.°1312, de 14 de novembro de 2007, subscrita pelo Tesoureiro e pelo Presidente da Junta de Freguesia ... , pagamento a que corresponde o recibo n.°778, de 5 de novembro de 2007 - Documento n.°6 junto à petição inicial;
v) Em 9 de julho de 2008 foi subscrita pelo Vogal do Pelouro do Desporto da Junta de Freguesia ... , ... , a informação/proposta nº148/2008 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio no valor de € 1.500,00 - Documento nº6 junto à petição inicial;
w) Esta proposta foi votada e aprovada, por unanimidade, por deliberação adotada em reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 10 de julho de 2008 - Documento n°6 junto à petição inicial;
x) O demandado ... esteve presente, na qualidade de Secretário, na reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 10 de julho de 2008 e assinou a correspondente ata (ata n.°71/2007) - Documento n.°6 junto à petição inicial;
y) O subsídio referido na alínea v) foi pago ao Grupo Desportivo ... , ... e ... através das ordens de pagamento n°738, de 18 de junho de 2008, e n°926, de 17 de julho de 2008 subscritas pelo Tesoureiro da Junta de Freguesia ... , pagamentos a que correspondem os recibos n°819, de 17 de junho de 2008 e n°823 de 18 de julho de 2008 - Documento n.°6 junto à petição inicial;
z) Em 18 de novembro de 2008 foi subscrita pelo Tesoureiro e Vogal do Pelouro do Desporto da Junta de Freguesia ... , ... , a informação/proposta n°240/2008 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio no valor de € 1.000,00 - Documento n°6 junto à petição inicial;
aa) Esta proposta foi votada e aprovada, por unanimidade, por deliberação adotada em reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 20 de novembro de 2008 - Documento n°6 junto à petição inicial;
bb) O demandado ... esteve presente, na qualidade de Secretário, na reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 20 de novembro de 2008 e assinou a correspondente ata (ata n.° 80/2008) - Documento n°6 junto à petição inicial;
cc) O subsídio referido na alínea z) foi pago ao Grupo Desportivo ... , ... e ... através da ordem de pagamento n°1612, de 25 de novembro 2008 subscrita pelo Tesoureiro e pelo Presidente da Junta de Freguesia ... , pagamento a que corresponde o recibo n.º835, de 25 de novembro de 2008 - Documento n°6 junto à petição inicial;
dd) Em 30 de junho de 2009 foi subscrita pelo Vogal do Pelouro do Desporto da Junta de Freguesia ... , ... , a informação/proposta n°132/2009 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio de no valor de € 1.250,00 - Documento n.°6 junto à petição inicial;
ee) Esta proposta foi votada e aprovada, por unanimidade, por deliberação adotada em reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 2 de julho de 2009 - Documento n°6 junto à petição inicial;
ff) O demandado ... esteve presente, na qualidade de Secretário, na reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 2 de julho de 2009 e assinou a correspondente ata (ata n.° 97/2009) - Documento n°6 junto à petição inicial;
gg) O subsídio referido na alínea dd) foi pago ao Grupo Desportivo ... , ... e ... através da ordem de pagamento n°1094, de 8 de julho de 2009, subscrita pelo Tesoureiro da Junta de Freguesia ... , pagamento a que corresponde o recibo n°868, de 8 de julho de 2009 - Documento n°6 junto à petição inicial;
hh) Em 25 de agosto de 2009 foi subscrita pelo Presidente da Junta de Freguesia ... a informação/proposta n°152/2009 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio, para o ano de 2009, no valor de € 1.500,00 -Documento n°6 junto à petição inicial;
ii) Esta proposta foi votada e aprovada, por unanimidade, por deliberação adotada em reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 27 de acosto de 2009 - Documento n°6 junto à petição inicial;
jj) O demandado ... esteve presente, na qualidade de Secretário, na reunião da Junta de Freguesia ... realizada em 27 de agosto de 2009 e assinou a correspondente ata (ata n.° 99/2009) - Documento n°6 junto è petição inicial;
kk) O demandado ... , vogal e secretário da Junta de Freguesia ... era, à data da discussão e aprovação dos subsídios referidos nas alíneas anteriores, Presidente da Direcção do Grupo Desportivo ... , ... e ... , a quem incumbia entre outras funções representar a associação em juízo e fora dele e exercer a gestão e organizar as contas - Documentos n.°s 4, 6 e 7 juntos à petição inicial e admitido por acordo;
Factos não provados:
1. O demandado ... participou na discussão e votou a aprovação da informação/proposta n°77/2006 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio no valor de € 500,00 no mês de março e no valor de € 500,00 no mês de abril;
2. O demandado ... participou na discussão e votou a aprovação da informação/proposta n°208/2006 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio no valor de € 200,00;
3. O demandado ... participou na discussão e votou a aprovação da informação/proposta n°130/2007 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio no valor de € 1.250,00;
4. O demandado ... participou na discussão e votou a aprovação da informação/proposta n.°178/2007 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio no valor de € 280,00;
5. O demandado ... participou na discussão e votou a aprovação da informação/proposta n°148/2008 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio no valor de € 1.500,00;
6. O demandado ... participou na discussão e votou a aprovação da informação/proposta n°240/2008 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio no valor de € 1.000,00;
7. O demandado ... participou na discussão e votou a aprovação da informação/proposta n°132/2009 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio de no valor de € 1.250,00;
8. O demandado ... participou na discussão e votou a aprovação da informação/proposta n.°152/2009 para atribuição ao Grupo Desportivo ... , ... e ... de subsídio, para o ano de 2009, no valor de € 1.500,00.”
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2.2. De Direito
Em sede de fundamentação jurídica, a sentença recorrida expendeu, no essencial, o seguinte:

“ (…)A prática, por ação ou omissão, de ilegalidades no âmbito da gestão das autarquias locais ou no da gestão de entidades equiparadas pode determinar, nos termos previstos na Lei n.°27/96, de 1 de agosto (regime jurídico da tutela administrativa), a perda do respectivo mandato, se tiverem sido praticadas individualmente por membros de órgãos, ou a dissolução do órgão, se forem o resultado da ação ou omissão deste (artigo 7° da Lei n°27/96).

Estabelece o n°1 do artigo 8° da Lei n°27/96 que incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que:

a) Sem motivo justificativo, não compareçam a 3 sessões ou 6 reuniões seguidas ou a 6 sessões ou 12 reuniões interpoladas;

b) Após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis ou relativamente aos quais se tornem conhecidos elementos reveladores de uma situação de inelegibilidade já existente, e ainda subsistente, mas não detetada previamente à eleição;

c) Após a eleição se inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio eleitoral;

d) Pratiquem ou sejam individualmente responsáveis pela prática dos atos previstos no artigo 9° da mesma lei [a) Sem causa legítima de inexecução, não dê cumprimento às decisões transitadas em julgado dos tribunais; b) Obste à realização de inspeção, inquérito ou sindicância, à prestação de informações ou esclarecimentos e ainda quando recuse facultar o exame aos serviços e a consulta de documentos solicitados no âmbito do procedimento tutelar administrativo; c) Viole culposamente instrumentos de ordenamento do território ou de planeamento urbanístico válidos e eficazes; d) Em matéria de licenciamento urbanístico exija, de forma culposa, taxas, mais-valias, contrapartidas ou compensações não previstas na lei; e) Não elabore ou não aprove o orçamento de forma a entrar em vigor no dia 1 de janeiro de cada ano, salvo ocorrência de facto julgado justificativo; f) Não aprecie ou não apresente a julgamento, no prazo legal, as respectivas contas, salvo ocorrência de facto julgado justificativo; g) Os limites legais de endividamento da autarquia sejam ultrapassados, salvo ocorrência de facto julgado justificativo ou regularização superveniente; h) Os limites legais dos encargos com o pessoal sejam ultrapassados, salvo ocorrência de facto não imputável ao órgão visado; i) Incorra, p)r ação ou omissão dolosas, em ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público].

Incorrem, igualmente, em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem (n°2 do artigo 8° da Lei n°27/96).

Constitui, ainda, causa de perda de mandato, nos termos do n°3 do artigo 8° da Lei n°27/96, a verificação, em momento posterior ao da eleição, de prática, por ação ou omissão, em mandato imediatamente anterior, dos factos referidos na alínea d) do nº1 e no n°2 do mesmo artigo.

Dispõe o n°1 do artigo 10° da mesma Lei que não haverá lugar à perda de mandato ou à dissolução de órgão autárquico ou de entidade equiparada quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes.

No caso em apreço, a ação para declaração de perda de mandato foi interposta com fundamento no n°2 e n°3 do artigo 8° da Lei n°27/96, nos termos dos quais incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem.

Alega o Ministério Público que o Demandado tomou parte nas discussões e deliberações em que foi atribuído subsídio a pessoa coletiva de direito privado de que era Presidente da Direção e a quem incumbia, entre outras tarefas, representar a associação em juízo e fora dele, exercer a gestão e organizar as contas.

E que ao participar nas discussões e votações das deliberações pelas quais foram atribuídos os subsídios sem que, para o efeito, tenha suscitado a sua incompatibilidade para intervir no procedimento, pelo facto de ser Presidente da Direção do Grupo Desportivo, a quem os subsídios eram destinados, não desconhecendo que tal intervenção que era vedada por lei, e agindo com intuito de atribuir uma vantagem patrimonial à Associação de que era Presidente da Direção, violou os princípios do exercício isento, desinteressado e imparcial, próprio dos cargos autárquicos, com o claro intuito de favorecer o Grupo Desportivo de que era Presidente.

Ora, não resultou provado nos autos que o Demandado tenha tomado parte nas discussões e votações das deliberações pelas quais foram atribuídos os subsídios o que, por si só, determina a improcedência da presente ação, por não resultar demonstrado que o Demandado tenha participado no procedimento e na deliberação de atribuição dos subsídios ao Grupo Desportivo de que era Presidente.

Com efeito, como determina o n°4 do artigo 24° do Código do Procedimento Administrativo, os membros do órgão colegial que se encontrem impedidos apenas não podem estar presentes na reunião do órgão no momento da discussão e no momento da votação da matéria em relação à qual estão impedidos. Sendo que, como ficou referido, não obstante tenha ficado provado que o Demandado esteve presente nas reuniões nas quais foram discutidas e aprovadas as propostas de atribuição dos subsídios em causa no presente processo, não ficou demonstrado que o Demandado estivesse presente nas reuniões no momento da discussão e da votação dessas propostas(…)”.
Inconformado com esta decisão, o Ministério Público veio, nas suas alegações de recurso, invocar erro de julgamento, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à aplicação do direito.
No tocante à matéria de facto, discorda o Ministério Público de todos os factos dados como não provados, articulados nos artigos 10º a 14º da petição inicial, alegando que os mesmos se encontram provados pelo conteúdo das actas respectivas, onde se refere quais os elementos da Junta de Freguesia que estiveram presentes nas reuniões ali indicadas, nas quais foram atribuídos subsídios ao Grupo Desportivo ... .
Alega o Ministério Público que consta das actas que o R. esteve presente e que as deliberações foram aprovadas, constando entre outras a assinatura do R.
Ora, constituindo as actas documentos autênticos, nos termos do artigo 363º, nº3 do Código Civil, a força probatória de tais documentos não pode ser apreciada livremente pelo Tribunal, e só poderia ser ilidida pela sua falsidade (cfr. artigo 372º, nº2 do Código Civil), ou com base na não veracidade do seu conteúdo, tendo em atenção a natureza sancionatória do pedido de perda de mandato (artigo 169º do Cód. Processo Penal).
Não tendo sido suscitada a falsidade das actas nem posta em causa a veracidade do seu conteúdo (artigo 169º do Cód. Processo Penal), é de concluir que o R. não só esteve presente nas discussões como votou as deliberações tomadas (cfr. conclusões 1ª a 6ª).
A isto acresce que, da conjugação do teor dos documentos autênticos com o depoimento prestado pelas testemunhas resulta inequívoco que o R. esteve presente, discutiu e votou as deliberações de atribuição de subsídios ao clube desportivo de que era presidente, pelo que se constata ter havido erro na apreciação das provas (cfr. conclusões 7ª a 14ª).
O recorrido, nas suas conclusões pugna pela manutenção da decisão recorrida, alegando inexistir erro de julgamento e não estar em causa a impugnação de documentos autênticos nem dos factos materiais neles constantes, pelo que não existe inversão de ónus da prova.
Considera o recorrido que das actas não constam os factos materiais com relevância para a boa decisão da causa, designadamente os atinentes a saber se o recorrido participou ou não na discussão e votação das propostas de adjudicação objecto do presente processo.
Conclui o recorrido que do depoimento das testemunhas se verifica a sua não participação na discussão e votação das propostas de adjudicação, pelo que não existiu erro de avaliação da prova, não estando preenchidos os requisitos de que depende a perda de mandato (cfr. conclusões A) a G) das contra-alegações).
É esta a questão a apreciar.
O Ministério Público intentou, no TAF de Sintra, acção administrativa especial, com carácter urgente, para declaração de perda de mandato, nos termos dos artigos 11º e 15º da Lei nº27/96, de 1 de Agosto, 46º e 91º do CPTA, contra ... , Secretário da Junta de Freguesia ... , nos quadriénios 2005/2009 e 2009/2013.
Alegou o Ministério Público que, no âmbito das suas funções de membro do Executivo da Junta de Freguesia ... , o demandado, ora recorrido, participou em procedimentos e deliberações ao abrigo das quais foram atribuídos subsídios ao Grupo Desportivo ... , ... e ... , sendo o recorrido Presidente da Direcção daquele Grupo, e estando impedido de participar em qualquer procedimento em que o mesmo fosse interessado.
Entendeu a sentença recorrida que “(…) no caso em apreço, não se trata de pôr em causa factos materiais constantes de documento autêntico (…)” e que “(…) em causa no presente processo não estava a admissão de prova de factos contrários aos constantes da acta, pelo simples facto de que nas actas não constam os factos materiais em causa (…)”
Concluiu a mesma decisão que obstante o demandado ter estado presente nas reuniões, não se encontra provado que o mesmo estivesse presente no momento da discussão e da votação das propostas de atribuição de subsídios, porquanto a acta é omissa a esse respeito.
Com base nesta motivação, a sentença recorrida julgou improcedente a presente acção para a declaração de perda de mandato.
Salvo o devido respeito, esta decisão não pode manter-se na ordem jurídica.
Como é sabido, as actas de reuniões, cujo conteúdo se deu por integralmente reproduzido, delas constando que o recorrido esteve presente e que as deliberações foram aprovadas por unanimidade, constituem documento autêntico, nos termos do artigo 363º, nºs 2 e 3 do Código Civil.
Ora, aqueles documentos, exarados com as formalidades legais, pela autoridade pública no domínio da sua competência, possuem força probatória plena dos factos nele referidos, designadamente, no caso concreto, de que o recorrido ... esteve presente nas reuniões e de as propostas de atribuição dos subsídios foram aprovadas por unanimidade.
Como resulta do disposto no nº1 do artigo 370º do Código Civil, “Presume-se que o documento provém da autoridade ou oficial público a quem é atribuído, quando estiver subscrito pelo autor com assinatura reconhecida por notário ou com o selo do respectivo serviço”. Ora, nos documentos que constituem as actas foi aposto o selo branco da Junta de Freguesia e foram rubricados pelo respectivo Presidente (cfr. documentos junto pelo Ministério Público com a petição inicial, a fls.13 e seguintes).
Assim sendo, é de observar que a força probatória formal do documento autêntico, alicerçada em presunção legal, apenas pode ser ilidida em incidente especial de falsidade e mediante prova do contrário (cfr. Antunes Varela, “ Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, p.511; Vaz Serra, “Provas”, BMJ nº111º, pág. 76 e seguintes).
É o que, na verdade, resulta do disposto no artigo 372º, nº2 do Código Civil.
Isto posto, verificamos que não foi invocada pelo recorrido a falsidade do documento (acta), nos termos do artigo 546º do Cód. Processo Civil, nem tal falsidade poderia ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal, por não se verificarem os pressupostos previstos no artigo 371º, nº2 do Código Civil.
A isto acresce que a força probatória das actas não pode ser ilidida por prova testemunhal.
Todavia, no caso dos autos, por estarmos perante direito sancionatório, a força probatória plena poderia ser ilidida com base na não veracidade do seu conteúdo, atento o disposto no artigo 169º do Cód. Processo Penal.
Mas, como alega o Ministério Público, mesmo no sentido do artigo 169º do Cód. Processo Penal, sempre incumbiria ao recorrido demonstrar, de modo fundamentado, que o conteúdo das actas não era verdadeiro, designadamente que o demandado não estava presente no momento da discussão e votação das propostas de atribuição de subsídios ao clube de que era Presidente.
Para tanto, bastaria juntar aos autos os registos fonográficos para produzir prova de que não tinha votado as deliberações, e é certo que não o fez, apesar de as reuniões terem sido gravadas.
Deste modo, constando das actas que o demandado esteve presente, e conjugado o facto de delas constar que as deliberações foram votadas por unanimidade, resulta indiciariamente provado que o recorrido não só esteve presente na discussão como também votou as aludidas deliberações, apesar de se saber impedido.
Actuou, assim, o recorrido, em flagrante violação do princípio da imparcialidade (artigo 44º, nº1, al.a) do Cód. Processo Administrativo), por possuir interesse próprio no resultado das deliberações de atribuições de subsídios ao clube desportivo de que era Presidente, em detrimento de outros grupos da mesma natureza (cfr. a propósito, o Ac. do STA de 14.05.1996, Rec. nº40.061, e, em situação idêntica e relativamente a vogal da mesma Junta de Freguesia, o Ac. do TCA-Sul de 22.11.2012, Proc.09381/12, de que foi relator o Desembargador António Vasconcelos).
Em conclusão, não só os factos alegados pelo Ministério Público se mostram provados em termos documentais, por resultarem de teor das actas, com também os mesmos resultam do teor das declarações das testemunhas Maria Helena Carrapiço, Inspectora do IGAL, da testemunha Anabela Gomes Gonçalves e da testemunha Filipe Gonçalves Faria Santos, Presidente da Junta de Freguesia (cfr. fls.3, 8, 9, 10 e 11 da acta da audiência de discussão e julgamento, a fls. 186 dos autos).
Neste contexto, não pode aceitar-se a motivação do Tribunal “ a quo”, ao concluir que não ficou provado que o R. estivesse presente durante a discussão e votação das deliberações relativas à atribuição de subsídios ao clube de que era Presidente. Como se disse, as actas em referência possuem força probatória plena, mesmo com recurso ao disposto no artigo 169º do Cód. Processo Penal, não ficou provado o contrário (a falta de veracidade de tais actas), prova essa que esse incumbiria ao recorrido.
Isto posto, não se suscitam dúvidas de que o recorrido violou os princípios da igualdade e da imparcialidade vertido nos artigos 266º, nº2 da CRP e 44º, nº1, al.a) do CPA, com plena consciência da ilicitude da sua conduta e agindo com culpa grave e de forma reiterada, pelo que, em termos de proporcionalidade, a sanção a aplicar deve ser a declaração de perda de mandato, como vem peticionado.
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3. Decisão
Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional pelo Ministério Público, revogando a sentença recorrida e declarando a perda de mandato do recorrido ... como membro da Junta de Freguesia ... .
Custas pelo recorrido em ambas as instâncias.
Lisboa, 10/10/2013

COELHO DA CU NHA
FONSECA DA PAZ
RUI PEREIRA