Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2597/16.4BELSB-A
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/28/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO
INCIDENTE
Sumário:I – Da decisão que recaia sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, previsto no artigo 103º-A do CPTA revisto, cabe recurso de apelação autónoma, com subida imediata e em separado, nos termos dos artigos 644º nº 1 alíneas a) e h), 645º nº 2 do CPC e artigos 140º nº 3 e 142º nº 5 do CPTA revisto.

II – Consubstanciando o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático um incidente do processo de contencioso pré-contratual, atentos os termos como o mesmo se mostra ali configurado, implica que lhe devam ser supletivamente aplicáveis, nos termos do artigo 1º do CPTA, as normas para os incidentes da instância contidas nos artigos 292º ss. do CPC novo.

III – Assim, no requerimento em que se suscita o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático (e nos articulados de resposta que sejam apresentados), devem ser oferecidos os respetivos meios de prova, seja documental ou outra, inclusive a testemunhal (cfr. artigos 293º nº 1 e 294º nº 1 do CPC novo).

IV - Tal implica também a sua sujeição ao disposto no artigo 293º nº 3 do CPC novo, nos termos do qual “…a falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigora na causa em que o incidente se insere”; o que nos remete para o atualmente disposto no artigo 83º nº 4 do CPTA revisto, nos termos do qual “…a falta de impugnação especificada nas ações relativas a atos administrativos e normas não importa a confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios”.

V – Pelo que no âmbito do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA revisto, perante a falta de resposta ao pedido de levantamento desse efeito suspensivo automático, a alegação factual feita no respetivo requerimento fica sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 83º nº 4 do CPTA e artigo 293º nº 3 do CPC novo, pelo que o Tribunal haverá de ter em consideração o acervo probatório produzido no processo conjugado com o comportamento processual (silente) das contra-partes.

VI - Do comportamento silente do autor da ação pré-contratual perante o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA (isto, é, a falta de resposta a que alude o nº 3 daquele artigo) efetuado pelo réu não resulta, automática e forçosamente, a aceitação da factualidade alegada, não valendo aqui o efeito cominatório previsto no artigo 574º nº 2 do CPC novo para a ação declarativa (nos termos do qual se consideram “admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito”) que também vigora na ação administrativa quando esta não respeita a atos administrativos ou normas (cfr. artigo 83º nº 4 do CPTA, a contrário).

VII – A interpretação consentida pela concatenação dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA é a de que o levantamento do efeito suspensivo automático está sujeito um duplo grau de exigência, na medida em que só deve ser levantado quando resulte que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (nº 2) quando na ponderação com os danos que podem resultar do seu levantamento aqueles se mostrem superiores (nº 4).

VIII – Não é de perspetivar-se ocorrer a verificação de consequências lesivas claramente desproporcionadas para os interesses da entidade pública justificadoras do levantamento do efeito suspensivo automático se o pedido se fundou na circunstância alegada, mas que não foi demonstrada, de que a suspensão do ato de adjudicação implica o recurso a adjudicações diretas para o fornecimento dos serviços de comunicações móveis (Serviço Combinado Móvel de Voz e Dados e Móvel Dados) muito mais dispendiosas do que as resultantes das decorrentes da adjudicação suspendenda.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, réu no Processo de Contencioso Pré-contratual que contra si foi instaurado no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa por V.............. PORTUGAL – ……………………., SA, e em que são contra-interessadas a N……….. ………., SA e a M………… – SERVIÇOS ………………….., SA (todas devidamente identificadas nos autos), inconformado com a decisão de 14-06-2017 do Tribunal a quo, o indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA, que por ela havia sido requerido, dela interpõe o presente recurso (apelação autónoma), pugnando pela sua revogação e substituição por outra que defira o levantamento do efeito suspensivo automático, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
A) A Sentença ora impugnada padece de erro no julgamento da matéria de facto, por terem sido considerados como não provados, por alegada "(...) falta de prova documental necessária ou de qualquer outro meio de prova, que ateste/comprove o alegado", factos que se afiguram na realidade provados, e em erro no julga mento de direito, por ter sido considerado que tal teria como consequência, a não verificação do grave prejuízo do interesse público em presença.

B) Ao contrário do decidido na Douta Sentença, os factos constantes das alíneas b., c., e. e f., julgados não provados, não foram nem nunca poderiam ser provados documentalmente, uma vez que os mesmos constituem elementos que integram o negócio e a atividade comercial das operadoras de comunicações móveis, e que no caso, a A. bem conhece.

C) Tanto assim é, que a mesma não os contestou na pronúncia efetuada, devendo os mesmos considerar-se provados, por acordo, conforme passamos a demonstrar.

D) No que respeita ao facto contante da alínea b., o mesmo não foi nem nunca poderia ser provado documentalmente, uma vez que os equipamentos são cedidos de acordo com os consumos e a faturação estimados, sendo em função desses fatores que os operadores de comunicações móveis definem o tipo de equipamentos a atribuir às entidades adjudicantes.

E) Assim, nos casos em que os períodos de vigência dos contratos sejam mais curtos, as condições negociais são menores.

F) Além de que o procedimento em litígio se traduz num procedimento para todo o universo da Defesa Nacional pelo que, quando se fazem aquisições conjuntas geram­se economias de escala, aumentando-se o poder negocial, logo atingindo-se poupanças.

G) A respeito deste facto, importar salientar que A. não contestou os factos alegados neste âmbito, pelo que devem os mesmos ser considerados provados por acordo.

H) De igual modo, e com os mesmos fundamentos, se deve considerar provado o facto constante da alínea c., pois que considerando as necessidades do MDN, os contratos com as condições desejadas não são possíveis de se obterem com períodos de vigência tão curtos.

I) O mesmo entendimento se preconiza relativamente aos factos constantes das alíneas e. e f., pois os mesmos não foram nem poderiam ser comprovados documentalmente e, são do conhecimento da A. , por se mostrarem inerentes ao negócio e à atividade comercial das operadoras de telecomunicações.

J) Acresce que também relativamente aos factos constantes das alíneas g., h., i. e j ., julgados não provados, verifica-se que não andou bem a Douta Sentença, como a seguir se demonstra.

K) No que respeita ao facto constante da alínea g., o preço base do procedimento resulta do produto entre o consumo estimado e os preços unitários base, discriminados no Convite e no modelo da proposta, documentos que fazem parte do processo administrativo enviado pelo ora Recorrente, no momento da apresentação da contestação.

L) Assim, e à semelhança do que ocorreu com outros factos considerados provados pela Douta Sentença, ora recorrida, deve o mesmo considerar-se provado documentalmente, constando das peças do procedimento.

M) Por sua vez, quanto ao facto constante da alínea i., o preço apresentado pela Contrainteressada M... resulta do produto entre o consumo estimado e o preço unitário proposto por este concorrente, encontrando-se o mesmo discriminado na respetiva proposta, junta ao processo administrativo.

N) Pelo que também deverá ser considerado documentalmente provado.

O) No que respeita ao facto constante da alínea j., o mesmo não poderia nunca ser provado documentalmente.

P) O valor da alegada redução da despesa pública, no montante de 932. 902,98€, resulta da diferença entre o preço base de 1.856.001,88€ e o valor da proposta do concorrente M..., que foide 923.098,90€.

Q) Como facilmente se depreende, este facto não pode ser provado documentalmente, a não ser com o cálculo explicitado, através da tabela, que foi oportunamente apresentada no requerimento de levantamento do efeito suspensivo do ato de adjudicação.

R) Por último, e no que respeita ao facto constante da alínea k., efetivamente o MDN, encontra-se atualmente a suportar o pagamento mensal estimado de 77.333,41€ à V.............., sendo que este montante foi calculado com base no supra exposto e divididos por 24 meses chegando-se ao valor mensal indicado.

S) Os factos, que conforme supra se evidenciou, se encontram provados, quer documentalmente quer por acordo, e que indevidamente na Douta Sentença foram considerados como não provados, devem ser considerados bastantes para demonstrar o grave prejuízo que para o interesse público resulta da suspensão do ato de adjudicação.

T) Como resulta da Sentença, o indeferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo foi baseado apenas na circunstância dos referidos factos, erroneamente, não terem sido considerados provados, não tendo sido colocada em causa, a fundamentação do prejuízo de interesse público alegado pelo ora Recorrente.

U) Considerando a poupança acima enunciada não restam dúvidas de que o interesse público se sobrepõe aos interesses alegados e mesmo assim não provados, pela A..

V) E não se vislumbra que o levantamento do pedido de suspensão ora recorrido acarrete para a A. prejuízos irreparáveis.

W) O interesse da A. na suspensão de que ora se recorre traduz-se, nomeadamente, na mera obtenção de benefícios económicos/lucros inerentes à manutenção da celebração de contratos de prestação de serviços, por recurso a ajustes diretos.

X) Ao passo que mantendo o recurso ao ajuste direto, o MDN irá continuar a suportar o pagamento mensal no montante estimado de, pelo menos, 77.333,41€ à V.............., com base nos preços adjudicados na anterior centralização.

Y) Com a nova centralização, o MDN passa ria a pagar o montante estimado de 38.462,45€ por mês, montante que resulta dos cálculos efetuados com base no valor da proposta apresentada pela Contrainteressada M....

Z) Esta situação, a manter-se, acarreta graves prejuízos para o MDN, que se vê forçado a recorrer à celebração de sucessivos ajustes diretos por curtos períodos, atento o limite legal.

AA) Acresce que o Recorrente se vê impossibilitado de lançar mão de um novo concurso público enquanto os presentes autos não estiverem concluídos.

BB) Ora, esta situação deixa o Estado numa situação não só financeiramente débil, mas também jurídico-administrativa muito fragilizada.

CC) Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 103.º-A CPTA, não pode deixar de se reconhecer a existência de grave prejudiciabilidade para o interesse público prosseguido no diferimento da execução do ato administrativo suspendendo em causa, sendo, por conseguinte, reconhecida a necessidade de dar continuidade ao procedimento.

DD) Assim, e salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo quando indeferiu o pedido de pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no n.º 1 do artigo 103.º-A do CPTA, estando essa Decisão enferma de erro de julgamento de facto e de direito pelas razões expostas.


Dos recorridos apenas contra-alegou a V.............. PORTUGAL – …………………., SA, pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, tendo concluído formulando o seguinte quadro conclusivo:
A) O Recurso ora em apreço reage contra um despacho interlocutório proferido pelo Tribunal a quo, pelo que nos termos do artigo 147º nº 1, in fine, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos ("CPTA"), e do artigo 645º, n.º 2, do Código de Processo Civil ("CPC"), o Recurso ora posto em crise teria de subir em separado.

B) Ao Recorrente, nos termos do disposto no número 1 do artigo 646.º do CPC, caberia indicar, após as conclusões, as peças do processo de que pretendem certidão para instruir o processo, o que não fez.

C) O Recurso encontra-se, assim, mal instruído, devendo, em consequência, ser rejeitado.

D) A decisão posta em crise pelo Recurso agora interposto, por se tratar de um despacho interlocutório, não é recorrível ao abrigo das disposições invocadas pelo Réu, em particular, ao abrigo do disposto no artigo 142.º, número 1, do CPTA.

E) Conforme dispõe o número 5 do artigo 142.º do CPTA, "As decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (...)" .

F) Face a todo o supra exposto, deve o Recurso interposto pelo Ministério da Defesa Nacional ser liminarmente rejeitado, por, em primeiro lugar, versar sobre decisão irrecorrível ao abrigo das normas invocadas e, em segundo lugar, por erradamente instruído.

G) O ora Recorrente afirma que "a Douta Sentença ao considerar não provados os factos constantes na alínea a. a /., não andou bem (...)", não mais se pronunciando sobre as alíneas a., d. e 1., o que, naturalmente, deve conduzir à conclusão de que os factos constantes das alíneas a., d. e 1. deverão , afinal, ser tidos como não provados, como o foram pelo Tribunal a quo.

H) O ora Recorrente considera, quanto à alínea b., que tal facto é impassível de ser provado documentalmente e, bem assim, que, face à pronúncia da Autora, ora Recorrida, tal facto deve ser dado como provado por acordo.

I) Para que o disposto na alínea b. fosse, com efeito, dado como provado por acordo da Autora, o disposto no número 2 do artigo 574º do Código de Processo Civil teria de se encontrar preenchido, o que, manifestamente, não sucede, uma vez que a Autora, ora Recorrida, impugnou o facto constante da alínea b., sendo que, mesmo na hipótese de assim não se entender - o que se considera por mero dever de patrocínio, ainda que sem conceder - sempre se diria, sem margem para dúvidas, que tal facto se encontra em absoluta oposição com a defesa considerada no seu conjunto, não podendo, em caso algum, ser o mesmo dado como provado por acordo da Autora.

J) Na verdade, a Autora refere, na sua resposta, e de forma bem clara, que (i) "(...) !! argumentação apresentada pelo Réu não tem qualquer fundamento ou suporte legal, vindo, ademais, desprovido da apresentação de qualquer prova que demonstre, minimamente, o que aí vem referido" (sublinhado e realce nosso), (ii) "(...) o Réu, no requerimento ora posto em crise, pouco mais faz do que emitir uma série de considerações meramente conclusivas - por conseguinte, sem qualquer suporte legal ou factual (...)", (iii) "(...) o Réu vem, essencialmente, no requerimento a que ora se responde, fazer um exercício - inexacto, pouco sério e meramente conclusivo - de comparação entre o contrato que pretende celebrar com a Contra-interessada e o contrato que antes se encontrava em vigor" , tendo, por fim, expressamente impugnado os pontos 21, 26, 25, 26, 27 in fine, 28 a 30, 32 a 40 e 43.

K) Quanto à alegação de o facto constante na alínea b. nunca poder ser provado documentalmente, deverá a mesma ser tida como objectivamente improcedente, mal se entendendo por que razão entende o Recorrente que tal facto é impassível de ser demonstrado através da apresentação de documentos escritos e, bem assim, por que razão entende que tal circunstância o desoneraria de produzir a prova que lhe cabe.

L) A ausência de provas (escritas ou não) não desonera a parte a quem cabe o ónus da prova.

M) O Recorrente i gnora - de forma sistemática ao l ongo do seu Recurso - que o ordenamento jurídico Português admite outros meios de prova, prejudicando, assim e de forma insanável, toda a sua tese.

N) Não corresponde à verdade o referido pelo ora Recorrente no ponto 4º do seu Recurso; na verdade, os equipamentos devem ser cedidos em respeito pelos termos e condições previstos no Procedimento n.º 04/AC-UMC/2015, e não, como vem referido, "mediante uma análise e expectativa dos consumos e da faturação estimados".

O) O facto descrito na alínea b. do parágrafo relativo aos "Factos não provados" deve ser dado, também pelo Tribunal ad quem, como não provado.

P) Tendo em conta os argumentos oferecidos pelo Recorrente relativamente ao facto constante da alínea c. dos factos dados como não provados pelo Tribunal a quo, a ora Recorrida dá aqui por reproduzido todo o alegado aquando da análise à alínea b.

Q) Sem prejuízo, sempre se realce, que, mais uma vez. (i) o Recorrente ignora a existência de outros meios de prova, (ii) considera impossível de demonstrar documentalmente aquilo que, objectivamente, pode e deve ser demonstrado com recurso a tal meio de prova, (iii) ignora que a ausência de prova não implica que determinado facto se deva dar por provado apenas porque foi alegado (!), (iv) ignora, no seu conjunto, o teor da Resposta dada pela ora Recorrida e, por fim, (v) ignora que não cabe à Recorrida confirmar, ou deixar de o fazer, as intenções ou estratégias comerciais hipoteticamente comunicadas por outras operadores de serviços de comunicações electrónicas ao ora Recorrente.

R) Assim, o facto constante da alínea c. ora em apreço deverá permanecer como um facto tido como não provado.

S) Conforme supra demonstrado, nos pontos 9.º a 11do Recurso, o Recorrente, bem sabendo que o que alega está em total contradição com a realidade dos factos, pretendeu com o aí sustentado iludir o Tribunal ad quem levando-o a crer que tais factos não tinham merecido nem a oposição, nem a contestação da Autora, ora Recorrida, o que se lamenta profundamente.

T) Na verdade, os factos constantes das alíneas e. e f . correspondem ao exposto, respectivamente, nos pontos 25º e 26º do pedido de levantamento do efeito suspensivo deduzido pelo Réu, ora Recorrente, pontos esses expressamente impugnados pela Autora, ora Recorrida, nos pontos 7º e 23º da sua Resposta.

U) Por fim, de referir, uma vez mais, que não tem razão o Recorrente ao defender que os factos constantes nas alíneas e. e f. não poderiam ser comprovados documentalmente, aqui se dando por reproduzidos todos os argumentos já acima aduzidos quanto a esta matéria.

V) Também o facto constante da alínea g. não se encontra provado, como bem determinado pelo Tribunal a quo, sendo, para além de tudo o mais, o mesmo é irrelevante para a discussão do pedido requerido pelo ora Recorrente.

W) A ora Recorrida não logrou entender a que se reporta o descrito no ponto 15.º do Recurso, sendo que na eventualidade de tal se reportar à alínea h., esclareça-se que a alínea h. não trata de nada relacionado com o aí exposto; caso não se reporte à alínea h., temos que o Recorrente, tal como em relação às alíneas a., d. e 1., nada diz quanto ao exposto na alínea h.

X) Em qualquer um dos casos, apenas se poderá concluir que o facto disposto na alínea h. deve ser dado como não provado.

Y) O exposto nos ponto 16º a 20º, que trata das alíneas i. e j. dos factos dados como não provados, é - como todo o pedido de levantamento do efeito suspensivo requerido pelo Réu, ora Recorrente - meramente conclusivo.

Z) Não colhe, ademais - por não verdadeira e juridicamente irrelevante - e tal como sobejamente já demonstrado, a alegação de que a natureza de tudo o que por si vem referido é impossível de suportar através de prova escrita.

AA) A Autora, ora Recorrida, expressamente impugnou o exposto nos pontos 28. a 30. do requerimento apresentado pelo Réu, ora Recorrido, correspondendo tais pontos ao disposto nas alíneas g. a j. dos factos dados pelo Tribunal a quo dados como não provados.

BB) Relativamente ao facto constante da alínea k., que nos diz que "Mantendo o recurso ao ajuste directo, (...), o MDN irá suportar o pagamento mensal no montante estimado de 77 333,41€ à V.............. (...)" , é, uma vez mais, errado o entendimento de que o mesmo não possa ser provado pela junção de documentação escrita; não só pode, como se exige que o seja!

CC) Donde, se deverá ter por improcedente o sustentado pelo ora Recorrente , também relativamente ao que defendido sobre o facto constante da alínea k.; trata-se, de facto, de uma alegação meramente conclusiva, por conseguinte, desprovida de qualquer suporte legal.

DD) A Autora, ora Recorrida, expressamente impugnou, na sua Resposta, por falso, o facto melhor detalhado na alínea k..

EE) Face a todo o supra exposto, deve o entendimento feito pelo Tribunal a quo quanto aos factos constantes das alíneas a. a 1. ser mantido, e, os mesmos, tidos como não provados, expressamente se impugnando, por juridicamente improcedente, falso, meramente conclusivo e/ou não demonstrado todo o exposto no Recurso apresentado pelo ora Recorrente.

FF) Como supra suficientemente demonstrado, todos os factos tidos como não provados foram­no acertadamente, nada podendo ser apontado, nesse campo, à decisão do Tribunal a quo, o que importará, desde logo, a improcedência do alegado pelo Recorrente nos pontos 23º a 44º do seu Recurso.

GG) Como bem referiu o Tribunal a quo, "A não observância do exigido na primeira parte do nº 2 do citado artigo 103ª-A do CPTA, obsta à ponderação dos interesses em presença, prevista na parte final da mesma norma".

HH) De realçar, não obstante, que o referido pelo Recorrente no ponto 35.º, para além de, mais uma vez, carecer de qualquer espécie de prova, é manifestamente falso, vindo, por conseguinte, expressamente impugnado.

II) Na hipótese de se darem como provados os factos que o Recorrente diz terem sido erradamente dados como não provados - o que se considera para mero efeito de raciocínio, ainda que sem conceder -, sempre concluirá que tais factos são, para efeitos do levantamento do efeito suspensivo, perfeitamente inócuos, em nada impondo a modificação da decisão tomada pelo Tribunal a quo.

JJ) Com efeito, os requisitos necessários ao levantamento de efeito suspensivo - estabelecidos no artigo 103.º-A, números 2 e 4, do CPTA - não se encontram preenchidos.

KK) O artigo 103º-A foi aditado ao CPTA pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, e entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2015, visando-se, desde logo, dar resposta ao défice de transposição da Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro ("Directiva Recursos"), em matéria de contratos públicos.

LL) No passado e ao contrário daquilo que vinha estabelecido em tal Directiva, ao concorrente não eram disponibilizados mecanismos eficazes que impedissem a realização I execução do acto de adjudicação.

MM) Tanto assim era que a própria Directiva Recursos criticava "(...) a inexistência de um prazo que permita interpor um recurso eficaz entre o momento da decisão de adjudicação e o da celebração do contrato em causa" (cfr. Considerando (4) da Directiva Recursos), vindo aí ainda referido que "(...) essa inexistência conduz a que as entidades adjudicantes, que pretendem tornar irreversíveis as consequências da decisão de adjudicação contestada, procedam rapidamente à assinatura do contrato" .

NN) A este propósito assinala também o Tribunal Central Administrativo Norte, no seu Acórdão de 23.09.2016, que "A intenção dessa Directiva foi, assim, a de evitar a constituição de situações de facto consumado na pendência dos processos judiciais resultante de uma «corrida à assinatura» dos contratos" (Acórdão do TCA Sul de 20/10/2010, proc. 066161/10). Neste mesmo sentido, refere António Cadilha que a "Diretiva 2007/66/CE teve por principal finalidade corrigir ou atenuar a situação (...) de défice de tutela jurisdicional dos participantes em procedimentos de contratação pública, em particular no que respeita à possibilidade de impugnação, em momento útil, do ato decisivo deste tipo de procedimentos (o ato de adjudicação). Tal défice resultava de algumas deficiências que atingiam, em termos de configuração e eficácia, os sistemas de contencioso em matéria de contratação pública que vigoravam nos vários Estados-membros no início do processo de revisão da Diretiva "Recursos". (...) A prática demonstrava que a «anulação de contratos públicos na sequência da anulação de atos pré-contratuais da entidade adjudicante era uma situação claramente excecional». A celebração e início de execução do contrato tendia a tornar material ou juridicamente irreversíveis as infrações ao direito da contratação pública - pelo menos no plano da reparação natural, por via da reconstituição da situação jurídico-procedimental existente antes de tais infrações" (Contencioso pré-contratual, in "Julgar'', 2014, pág. 208) (No mesmo sentido, entre outros, Carlos Fernandes Cadilha e António Cadilha, em O Contencioso Pré-Contratual e o Regime de Invalidade dos Contratos Públicos . Perspetivas Face à Diretiva 2007/66/CE (Segunda Diretiva «Meios Contenciosos», 2013, págs. 49, 53 e 54), aqui trazidos pela Recorrida." (realce e sublinhados nossos).

OO) Prossegue o Tribunal Central Administrativo Norte, aí referindo que "Importa ainda salientar que "o perigo de constituição de uma situação de «facto consumado», em caso de não suspensão do procedimento pré-contratual, encontra-se aqui, por definição, preenchido, já que, se o contrato for celebrado e executado na pendência da acção, se e quando for proferida sentença favorável ao autor, já não haverá qualquer procedimento pré­ contratual para retomar nem qualquer contrato para executar; haverá antes uma impossibilidade de reconstituição da situação actual hipotética em que o autor se encontraria caso o acto ilegal não tivesse sido praticado, o que esvazia a tutela primária do autor e o remete para uma tutela meramente indemnizatória, secundária face à reparação natural (Marco Caldeira, "Novidades no domínio do contencioso pré­contratua/", in O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate, 2014, pág. 173). Por estes motivos, a regra consagrada no CPTA, após a revisão de 2015, é a de que a impugnação de ato de adjudicação faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado." (realces e sublinhados nossos).

PP) A regra da suspensão automática dos efeitos do acto impugnado apenas poderá ser afastada após a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) a alegação e prova de "que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos" (sublinhado nosso) (cfr. artigo 103º-A, nº 2, do CPTA), e, bem assim, (ii) a alegação e prova de que "os danos que se resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento" (cfr. artigo 103.º-A. n.º 4, do CPTA).

QQ) A comparação entre o contrato que pretende celebrar com a Contra-interessada e o contrato que antes se encontrava em vigor feita pelo Recorrente e que serve de sustento a toda a sua tese não releva, minimamente, para a verificação, ou não, dos requisitos tidos como legalmente necessários para o levantamento do efeito suspensivo determinado pelo número 1 do artigo 103.º-A do CPTA.

RR) Ao Recorrente, com efeito, caberia, desde logo, alegar e provar a existência de que o diferimento da execução do acto de adjudicação seria gravemente prejudicial para o interesse público, como o determina o número 2 do artigo 103.º-A do CPTA, sendo que, para tanto, a alegação de que o novo contrato é melhor que o antigo deve ser tida, para todos os efeitos, como claramente insuficiente para cumprir tal desiderato.

SS) Conforme realçado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no seu acórdão datado de 24.11.2016, “Face ao estatuído no art. 103º-A nº 2 do CPTA, conjugado com o disposto no art. 342º 1, do C. Civil, recai sobre a entidade demandada e os contra­interessados o ónus de alegar e provar que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos." (realce e sublinhado nosso).

TT) O mesmo Tribunal refere que "Temos para nós que a norma contida no nº 2 deste art. 103º-A aponta para uma intenção legislativa clara: o levantamento do efeito suspensivo vai depender da demonstração - alegação e prova - de que o "diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público (...)" (realce nosso).

UU) ln casu, o Réu - ignorando a alteração de paradigma imposto pelo artigo 103.0-A do CPTA ­ bastou-se, erradamente, com a alegação (não verdadeira, diga-se) de um determinado prejuízo.

VV) Conforme decorre do Considerando 24 da Directiva Recursos, "O interesse económico na manutenção dos efeitos do contrato só pode ser considerado razão imperiosa se, em circunstâncias excepcionais, a privação de efeitos acarretar consequências desproporcionadas. No entanto, não deverá constituir razão imperiosa o interesse económico directamente relacionado com o contrato em causa." (sublinhado e realce nosso).

WW) De uma leitura minimamente atenta ao exposto pelo Recorrente, com segurança se retira que aquilo que o próprio sustenta como "gravemente prejudicial' para o interesse público se prende, em exclusivo , com o interesse económico directamente relacionado com o contrato em causa.

XX) Tal como defendido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no seu Acórdão datado de 24.11.2016, "Não basta, portanto, a existência de mera prejudicialidade para o interesse público, nem a existência de apenas consequências lesivas desproporcionadas. Isto sob pena de se afastar da previsão da lei elementos normativos, que exigem uma especial modalidade aplicativa (de particular gravidade ou de clara desproporcionalidade), que o legislador expressamente consagrou." (realce e sublinhado nossos).

YY) Fazendo nossas as palavras do Tribunal Central Administrativo Sul, in casu, as consequências (económicas) invocadas para o interesse público pelo Réu, "não são imperiosas; não são gravemente prejudiciais. São consequências normais da inexecução imediata do contrato, que não são susceptíveis de comprometer de modo grave, de modo excepcionalmente relevante, o interesse público" (sublinhados e realce nossos).

ZZ) O próprio Recorrente admite que a prestação dos serviços objecto do contrato que o Recorrente pretende celebrar com a Contra-lnteressada não se encontra prejudicada.

AAA) Com efeito, o ora Recorrente refere no ponto 18 do seu pedido de levantamento do efeito suspensivo que "(...) cada uma das entidades do ministério, tem recorrido à celebração de ajustes diretos (...) para a manutenção dos serviços, a fim de evitar que ocorram quebras na prestação de do serviço" (realce e sublinhado nosso), e, no ponto 19, que "(...) têm sido asseguradas as comunicações móveis do MDN (...)".

BBB) Não existe - nem resultou de forma alguma provado - qualquer consequência gravemente prejudicial para o interesse público, decorrente da manutenção do efeito suspensivo do acto de adjudicação.

CCC) Do exposto pelo Recorrente o se pode retirar - como obriga a lei - a verificação de qualquer prejuízo anormal ou extraordinário para o interesse público.

DDD) Retirar-se-ia - se demonstrado ou sequer verdadeiro -, tão somente, o prejuízo normal decorrente da suspensão de uma acto de adjudicação, prejuízo esse que o legislador expressamente admitiu e aceitou com a adopção da solução actualmente estabelecida no número 1 do artigo 103.º-A do CPTA.

EEE) Como sustentado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no seu Acórdão de 24.11.2016, "(...) as alegadas consequências ao nível da tramitação do procedimento tendente à celebração de contrato e a respectiva execução, por si, não são sequer atendíveis, pois que são consequências naturais da suspensão e que o legislador - nacional e da União - obviamente equacionou quando traçou o regime da suspensão ope legis (e consciente dessas consequências, não deixou de cominar com a suspensão automática a impugnação do acto de adjudicação; mais expressamente se referindo à suspensão do contrato)" (realce nosso).

FFF) Segundo Duarte Rodrigues da Silva, in "O levantamento do efeito suspensivo automático no contencioso pré-contratual" - Cadernos Sérvulo de Contencioso Administrativo e Arbitragem #01/2016: "A previsão de um efeito suspensivo automático do ato de adjudicação, dependendo apenas da sua impugnação no âmbito do contencioso pré-contratual, resulta de uma ponderação legislativa entre (i) a necessidade de assegurar a eficácia da tutela jurisdicional dos concorrentes preteridos por uma adjudicação potencialmente ilegal e (ii) a prossecução do interesse público através do contrato adjudicado. Neste ponderação, o legislador deu clara primazia à primeira, admitindo não só a suspensão do procedimento pré-contratual mas também da execução do próprio contrato, tudo, como indicado, em prol da utilidade e efetividade da impugnação deduzida através deste meio processual urgente e da sentença que venha a ser proferida." (sublinhado e realce nossos).

GGG) O exposto no ponto 33º do Recurso não corresponde, naturalmente, ao interesse da ora Recorrida neste procedimento, nem se entende, na verdade, com que fundamento pode tal vir alegado pelo Recorrente.

HHH) O interesse da Recorrente prende-se, isso sim, com a legítima reacção a um acto manifestamente ilegal, que a impediu, na prática, de participar no procedimento de contratação ora em apreço; está em causa, em suma, a eficaz tutela jurisdicional de uma legítimo direito da Recorrente.

III) Conforme já supra apontado, o Tribunal Central Administrativo Norte, no seu Acórdão de 23.09.2016, realçou "(...) que "o perigo de constituição de uma situação de «facto consumado», em caso de não suspensão do procedimento pré-contratual, encontra-se aqui, por definição, preenchido, já que, se o contrato for celebrado e executado na pendência da acção, se e quando for proferida sentença favorável ao autor, já não haverá qualquer procedimento pré-contratual para retomar nem qualquer contrato para executar; haverá antes uma impossibilidade de reconstituição da situação actual hipotética em que o autor se encontraria caso o acto ilegal não tivesse sido praticado, o que esvazia a tutela primária do autor e o remete para uma tutela meramente indemnizatória, secundária face à reparação natural" (Marco Caldeira, "Novidades no domínio do contencioso pré-contratual", in O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate, 2014, pág. 173)." (realces e sublinhados nossos).

JJJ) Está em causa, para além do mais, o direito de Recorrente a participar num procedimento que lhe permita, em respeito pelos mais basilares princípios da Contratação Pública, apresentar, em tempo útil, o seu melhor preço.

KKK) A este respeito, reforce-se que estamos perante um processo de impugnação judicial que, de momento, se revela o único e último meio capaz de evitar a consolidação de um procedimento de contratação repleto de vícios, nulidades e irregularidades que a todos deveria - e, em especial, ao Ministério da Defesa Nacional - repudiar.


Subiu o recurso em separado e com efeito suspensivo a este Tribunal em 02-01-2018, instruído com certidão das peças processuais atinentes ao incidente de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA (cfr. fls. 53, 73, 93).
Neste, notificado a Digna Magistrada do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, emitiu Parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, que se passa a transcrever na parte relevante:
«(…)
Sobre a modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artº 712º do Cód. Proc. Civil e, de acordo o artº 685º-B do mesmo código, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
É nosso entendimento que o recorrente satisfez o ónus que sobre si impendia, de acordo com o artº 685º-B do CPC e a que acabámos de referir-nos; no que diz respeito aos concretos pontos de facto e no que concerne aos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa. Efetivamente o recorrente alega discriminadamente quais os pontos de facto incorretamente considerados não provados, os constantes das alíneas a) a l) dos factos não provados (cf. Decisão recorrida) e invoca, concretamente, quais os meios de prova que deveriam ter sido considerados provados, seja por documento seja pelo acordo ou não impugnação pelas partes.
Por esta razão, entendemos que, de acordo com o artº 685º-B mencionado, deve o recurso ser provido no que se refere à impugnação da matéria de facto.
Quanto ao mais, afigura-se-nos que tem razão o recorrente ao defender que os interesses públicos, no caso, se devem sobrepor aos interesses privados em presença, sendo que estes não são de difícil quantificação e reparação.
Estabelece o artº 103º-A, nº 4 do CPTA que o efeito suspensivo é levantado quando ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.
Nos termos previstos no nº 2 do mesmo preceito o Juiz aprecia o pedido de levantamento do efeito suspensivo aplicando os critérios previstos no artº 120º do CPTA.
Dispõe o artº 120º nº 2 do CPTA que a adoção da providência é recusada quando devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
Ora, resulta dos elementos no processo que o procedimento contratual em causa foi levado a efeito tendo em vista a realização do serviço com custos consideravelmente menores.
Nesta perspetiva, andou mal o tribunal a quo ao considerar que o requerente, ora recorrente, não logrou provar o que alegou sobre a invocada gravidade da lesão do interesse público que prossegue decorrente do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação, como era seu ónus e que a não observância do exigido na primeira parte do nº 2 do citado artigo 103º-A do CPTA, obsta à ponderação dos interesses em presença, prevista na parte final da mesma norma, não deferindo o incidente.
Consideramos, assim que o tribunal a quo analisou incorretamente os factos e interpretou e aplicou incorretamente o direito aplicável e vigente, razão por que deve a decisão recorrida ser alterada.
Em face de todo o exposto somos de parecer que deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a sentença recorrida, por esta merecer a censura que lhe vem feita.»

Sendo que dele notificadas as partes, apresentou-se a responder a recorrida V.............. PORTUGAL, renovando, com a argumentação ali expressa, a posição já defendida nas suas contra-alegações no sentido do recurso não dever merecer provimento.

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Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir

1. Da questão prévia da inadmissibilidade/rejeição do recurso
Nas suas contra-alegações a recorrida V.............. P………….. começou por invocar ser o recurso inadmissível, devendo ser rejeitado, quer por a decisão recorrível constituir um despacho interlocutório recorrível a final, quer por se encontrar mal instruído – (conclusões A) a F) das contra-alegações de recurso).
Exercendo o contraditório o Recorrente pugnou pela admissibilidade do recurso.
Vejamos.
O presente recurso vem interposto pelo MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL da decisão de 14-06-2017 do Tribunal a quo, que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA, que por ele havia sido requerido no âmbito do Processo de Contencioso Pré-contratual em que é réu.
Consubstancia o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático um incidente do processo de contencioso pré-contratual, atentos os termos como o mesmo se mostra ali configurado. Cabendo da decisão que recaia sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, previsto no artigo 103º-A do CPTA revisto, recurso de apelação autónoma, com subida imediata e em separado, nos termos dos artigos 644º nº 1 alíneas a) e h), 645º nº 2 do CPC e artigos 140º nº 3 e 142º nº 5 do CPTA revisto, como tem sigo uniforme e reiteradamente entendido (vide, designadamente, os acórdãos deste TCA Sul de 04-10-2017, Proc. nº 1329/16.1BELSB; de 09-11-2017, Proc. nº 1268/16.6BESNT; de 19-12-2017, Proc. nº 205/17.5BEPRT, in, www.dgsi.pt/jtcas).
Normativos que o Tribunal a quo aliás corretamente aplicou no despacho de admissão do recurso. Sendo neste, aspeto, irrelevante, que o recorrente não tenha indicado essas normas no seu requerimento de interposição. Posto é que o interpôs em tempo, e que o mesmo é admissível, devendo subir em separado e com efeito suspensivo, como sucedeu.
Por outro lado note-se que o presente recurso vem instruído com certidão das peças processuais necessárias para a sua decisão.
Sendo que, ainda que tal não sucedesse não seria, obviamente, motivo para a sua rejeição, já que a lei processual, seja o CPTA seja o CPC, não contempla a falta de certidão das peças do processo que devessem instruir o recurso com subida imediata e em separado, como causa da sua rejeição.
O presente recurso é, pois, admissível, não havendo motivo para a sua rejeição.
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2. Do objeto do recurso/das questões a conhecer
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
O presente recurso vem dirigido à decisão do Tribunal a quo que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA, sendo as questões essenciais nela a decidir as seguintes:
- saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto - (conclusões A) a R) das alegações de recurso);
- saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento (de direito) quanto à solução jurídica - (conclusões S) a DD) das alegações de recurso).
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos:
1. O MDN, representado pela sua Secretaria-Geral, ao abrigo do Acordo Quadro de Serviço Móvel Terrestre (AQ-SMT/2012), Lote 3, Serviço Combinado Móvel de Voz e Dados e Móvel Dados, dirigiu Convite à Apresentação de Proposta, designadamente, às aqui A. e CI, no procedimento de contratação à prestação dos referidos serviços às entidades adjudicantes adquirentes identificadas no Anexo A (cfr. doc. 1, cujo teor aqui se dá por reproduzido);

2. Apresentadas as propostas, o MDN dirigiu Convite à Participação em Sessão de Leilão Electrónico, às aqui A. e CI, a realizar em 8.3.2016 (por acordo);

3. Na sequência de reclamações pelas CI, o Júri procedeu à anulação do leilão que antecede (por acordo);

4. O MDN dirigiu Convite à Participação em Sessão de Leilão Electrónico, às aqui A. e CI, a realizar em 24.5.2016, das 10H às 11h (cfr. doc. 2, idem);

5. Na data indicada ocorreu o 2º Leilão, tendo as aqui A. e CI apresentado licitações (cfr. doc. 11, dado que os docs. 3 e 4 não se encontram legíveis);

6. No Relatório Final o Júri desconsiderou a pronúncia, em audiência prévia, da aqui A. no sentido da anulação do 2º leilão, e propôs a adjudicação à proposta apresentada pela CI M... (cfr. doc. 5, ibidem);

7. Por despacho do Sr. Secretário-Geral, de 21.10.2016, foi adjudicada a prestação de serviço a concurso à CI M... (cfr. art. 40º da contestação do MDN);

8. Em 10.11.2016 foi instaurada a presente acção, pedindo a A., designadamente a anulação da decisão de adjudicação que antecede;

9. Citada, a Entidade demandada veio deduzir o presente incidente de levantamento do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação;

10. Após a cessação do anterior procedimento de centralização para a prestação de serviço móvel terrestre para todos os organismos do MDN, este tem vindo a recorrer à celebração de ajustes directos com o mesmo operador, a V.............. (confessado nos artigos 17. e 18. do requerimento do incidente e por acordo, face à pronúncia da aqui A. no incidente).

E considerou não provados os seguintes:
a. O anterior procedimento de centralização cessou a sua vigência em 30.1.2016;

b. A diminuição do poder negocial por cada uma das entidades do MDN, na celebração de ajustes diretos, com a aqui A., em termos de oferta de preços praticados no mercado e, as condições contratuais fornecidas, nomeadamente, no que diz respeito ao fornecimento de equipamentos;

c. Não existe no mercado um operador de comunicações móveis que aceite celebrar contratos por períodos de vigência curtos;

d. Os custos com a cedência de equipamentos (telemóveis), em número estimado de cerca de 6000 cartões número;

e. As dificuldades das Forças Armadas na substituição dos equipamentos avariados por novos ou na aquisição de equipamentos para os militares destacados em missões, dadas as objeções a estas trocas ou a novas aquisições de equipamentos suscitadas pelo operador V..............;

f. A sugestão da V.............., em alguns casos, para que as entidades suportassem por si os custos da aquisição dos equipamentos;

g. O procedimento de centralização, em análise nos presentes autos, foi lançado com um preço base de 1 856 001,88€;

h. Os valores base, por item, correspondem aos valores adjudicados na anterior centralização e os que têm vindo a ser cobrados até à presente data;

i. O preço apresentado, pelo concorrente M..., em sede de 2.º leilão eletrónico é de 923.098,90€;

j. O que equivale a uma poupança de 932 902,98€, representando em termos de redução de despesa pública quase um milhão de euros para o erário público;

k. Mantendo o recurso ao ajuste direto, conforme situação presente, o MDN irá suportar o pagamento mensal no montante estimado de 77 333,41€ à V.............., com base nos preços adjudicados na anterior centralização;

l. Com a nova centralização, decorrente da negociação obtida com o presente procedimento, o MDN passaria a pagar o montante estimado de 38 462,45€ por mês.


Após o que explicitou o seguinte:
«Os factos enunciados nos pontos a) a l), deram-se como não provados, por falta de prova documental necessária ou de qualquer outro meio de prova, que ateste/comprove o alegado».

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B – De direito

1. Da decisão recorrida
Pelo despacho de 14-06-2017 a Mmª Juíza do Tribunal a quo indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA, que por ela havia sido requerido pelo réu MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL. Decisão que assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«Dispõe o nº 1 do artigo 100º do CPTA que: “Para os efeitos do disposto na presente secção, o contencioso pré-contratual compreende as ações de impugnação ou de condenação à prática de atos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços.”
Se a impugnação visar o ato de adjudicação, prevê-se no referido artigo 103º-A que a mesma “(…) faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.” (nº 1).
Podendo, nessa situação, a entidade demandada e os contra-interessados “(…) requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 120.º” (nº 2).
Sendo que nº 2 do artigo 120º determina “Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”.
Acresce que, ouvido o demandante, conforme dispõe o nº 3 do mesmo artigo, “O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.” (nº 4).
Assim,
A impugnação de um ato de adjudicação tem efeito suspensivo automático do ato impugnado ou da execução do contrato (sem que, para tanto, seja necessário instaurar providência cautelar, como acontecia na versão anterior do CPTA).
Efeito suspensivo que opera ope legis a partir do momento da instauração da ação de contencioso pré-contratual.
Para obstar a esse efeito suspensivo, deve a entidade demandada requerer o respetivo levantamento, invocando que a sua manutenção será gravemente lesiva do interesse público ou será geradora de consequências lesivas gravemente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
E provando o que alega.
Neste sentido já se pronunciou o TCA Sul, designadamente, no acórdão proferido no processo nº 13444/16, de 14.7.2016 (in www.gde.mj.pt), sumariado nos seguintes termos:
“I. Do art. 103.º-A, do CPTA revisto, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação – cumulativa – dos seguintes requisitos: a) alegação e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos e, b) ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.
II. O requisito enunciado no antecedente ponto I, alínea a), implica a alegação da pertinente factualidade, cujo ónus probatório recai sobre a entidade demandada e os contra-interessados, os quais deverão oferecer a competente prova com o requerimento em que é deduzido o incidente (cfr. art. 293.º nº.1, conjugado com o art. 292.º, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).
III – Não basta à entidade demandada e aos contra-interessados alegarem – e provarem – a existência de prejuízo para o interesse público e para outros interesses envolvidos, sendo necessária a alegação – e prova – da existência de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas e claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
IV – O requisito acima enunciado no ponto I, alínea b), significa que a manutenção ou o levantamento do efeito suspensivo depende de um juízo de ponderação de danos, devendo o efeito suspensivo ser levantado quando os danos com a manutenção de prejuízos sejam superiores aos danos com o levantamento, este último a alegar pelo autor na resposta ao incidente, na qual também deverá oferecer a competente prova (cfr. art. 293º n.º 1, conjugado com o art. 292º, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1.º do CPTA)”.
Por sua vez, na pronúncia sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo, a autora/impugnante do ato de adjudicação tem de invocar os danos que terá de suportar caso não se mantenha a paralisação da execução do ato ou do contrato celebrado.
Em face do alegado por cada uma das partes, o tribunal decidirá aplicando o critério da ponderação dos interesses em litígio, nos termos do referido nº 2 do artigo 120º do CPTA.
Sendo que, ao contrário do que sucedia no âmbito das providências cautelares relativas a procedimentos de formação de contratos, o critério da ponderação dos interesses não releva para suspender a eficácia do ato de adjudicação, através da adoção da providência (v. nº 6 do anterior artigo 132º do CPTA) mas para decidir do levantamento do (retirar o) efeito suspensivo automático, previsto no nº 1, nos termos da parte final do nº 2 e do nº 4 do artigo 103º-A do CPTA atual (com as devidas consequências daí advenientes ao nível do ónus de alegação e prova).
Nos presentes autos a Entidade demandada veio requerer o levantamento do efeito suspensivo automático, previsto no artigo 103º-A do CPTA, invocando a grave lesão do interesse público que prossegue, através das entidades adjudicantes, designadamente, as Forças Armadas, para as quais as comunicações móveis são essenciais e imprescindíveis ao cumprimento das suas obrigações e missões, permitindo uma projeção de forças em teatros de operações, assegurando-se o garante de um bem supremo que é a salvaguarda da vida humana e ainda o cumprimento de outras missões que instrumentalizam a política externa do Estado português.
Alegando, em suma, que o deferimento da execução do ato de adjudicação irá: forçar, para evitar quebras nas prestação dos serviços em referência, à manutenção dos ajustes diretos, que têm vindo a ocorrer desde que o anterior procedimento de centralização cessou a sua vigência em Janeiro de 2016, situação que é prejudicial para o interesse público prosseguido, dada a diminuição do poder negocial em termos de oferta de preços praticados no mercado e, as condições contratuais fornecidas, nomeadamente, no que diz respeito ao fornecimento/substituição de equipamentos; impedir a otimização de recursos financeiros, que esteve na base da nova adjudicação, cujo procedimento foi lançado com um preço base de 1 856 001,88€, sendo os valores base por item correspondentes aos valores adjudicados na anterior centralização e os que têm vindo a ser cobrados até à presente data; impedindo uma poupança total para o erário público de 932 902,98 €, por o valor da proposta da concorrente adjudicatária ser de 923 098,90 €; potenciar os prejuízos decorrentes no atraso na conclusão do procedimento.
Conclui, defendendo que, no confronto dos interesses em presença, o público terá de se sobrepor sobre o privado da A., que se traduz na mera obtenção de benefícios económicos/lucros inerentes à manutenção da celebração de contratos de prestação de serviços, por recurso a ajustes diretos, o qual é manifestamente desproporcional ao prejuízo público que daí resulta.
Para prova do alegado, a Entidade demandada nada juntou.
Significa que, não logrou provar o que, de uma forma genérica, alegou sobre a invocada gravidade da lesão do interesse público que prossegue decorrente do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação, como era seu ónus.
A não observância do exigido na primeira parte do nº 2 do citado artigo 103º-A do CPTA, obsta à ponderação dos interesses em presença, prevista na parte final da mesma norma.
Em face do que o presente incidente não pode ser deferido.
Por ser parte vencida no presente incidente, ficam as custas a cargo da Entidade demandada, nos termos dos nºs 1 e 2 artigo 527º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, e nº 4 do artigo 7º e Tabela II, do RCP.
Termos pelos quais indefiro o pedido de levantamento do efeito suspensivo do ato de adjudicação em referência nos autos.»
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2. Da tese do recorrente
Propugna o recorrente pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que levante o efeito suspensivo automático.
Sustenta, em primeira linha, que o Tribunal a quo andou mal ao dar como não provada a factualidade elencada em a. a l. dos factos não provados, pugnando dever a mesma ser dada como provada quer documentalmente quer por acordo (vide conclusões A) a R) das alegações de recurso). E em segunda linha, que aqueles factos devem ser considerados bastantes para demonstrar o grave prejuízo que para o interesse público resulta da suspensão do ato de adjudicação (vide conclusões S) a DD) das alegações de recurso).
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3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 Do enquadramento normativo
Com vista a enfrentarmos as questões trazidas em recurso, comecemos por atentar no seu enquadramento normativo. No que acompanharemos, aqui, o já expandido, designadamente, nos acórdãos deste TCA Sul de 04-10-2017, Proc. nº 1329/16.1BELSB, de 09-11-2017, Proc. nº 1268/16.6BESNT e de 19-12-2017, Procº nº 205/17.5BEPRT de que fomos relatores.
3.1.2 As ações de impugnação ou de condenação à prática de atos administrativos (ou equiparados, para tal efeito) relativos à formação de contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços, seguem a forma de processo de contencioso pré-contratual prevista e regulada nos artigos 100º ss. do CPTA.
3.1.3 Sempre que o processo de contencioso pré-contratual seja intentado com vista à impugnação de atos de adjudicação, a sua instauração suspende automaticamente os efeitos do ato de adjudicação ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado. É o que resulta do artigo 103º-A nº 1 do CPTA, introduzido pelas alterações resultantes do DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, que dispõe o seguinte: “A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado”.
Trata-se do designado efeito suspensivo automático da impugnação dos atos de adjudicação. Solução acolhida pelo legislador nacional, em transposição das Diretivas Recursos, como aliás, é mencionado no preâmbulo do diploma. Recorde-se que a Diretiva n.º 2007/66/EC, do Parlamento Europeu e do Conselho, publicada no JO L n.º 335, de 20-12-2007, prevê no seu artigo 2º nº 3, para no caso de “recurso de uma decisão de adjudicação de um contrato para um órgão que decida em primeira instância, independente da entidade adjudicante, os Estados-Membros devem assegurar que a entidade adjudicante não possa celebrar o contrato antes de a instância de recurso ter tomado uma decisão, quer sobre o pedido de medidas provisórias, quer sobre o pedido de recurso”.
3.1.4 Este efeito suspensivo automático do ato de adjudicação (ou do contrato, caso tenha sido celebrado) pela mera decorrência da instauração do processo de contencioso pré-contratual em que o mesmo seja impugnado, agora acolhido no CPTA neste nº 1 do seu artigo 103º-A, conduz a que atualmente, o autor impugnante não precise de lançar mão do mecanismo da providência cautelar de suspensão de eficácia para impedir a execução do ato de adjudicação, ou do contrato, caso este entretanto já houvesse sido celebrado, estar a entidade adjudicante obrigada.
3.1.5 Porém, esse efeito suspensivo automático pode ser levantado por decisão judicial, a requerimento da entidade adjudicante ou dos contra-interessados.
É o que resulta do nº 2 do artigo 103º-A do CPTA, que dispõe que “…no caso previsto no número anterior, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos…”.
Quando tal seja requerido, o demandante dispõe do prazo de sete dias para responder ao pedido de levantamento, findo o qual o juiz decide (no prazo máximo de dez dias) (nº 3), sendo o efeito suspensivo automático levantado “…quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento” (nº 4).
3.1.6 A introdução do mecanismo do efeito suspensivo automático agora previsto no artigo 103º-A nº 1 do CPTA, operada pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, visa dar cumprimento à Diretiva Recursos (Diretiva 2007/66/CE), no que tange ao disposto no seu artigo 2º nº 3, a qual prevê no seu artigo 2º nº 3, que no caso de “recurso de uma decisão de adjudicação de um contrato para um órgão que decida em primeira instância, independente da entidade adjudicante, os Estados-Membros devem assegurar que a entidade adjudicante não possa celebrar o contrato antes de a instância de recurso ter tomado uma decisão, quer sobre o pedido de medidas provisórias, quer sobre o pedido de recurso”.
Este normativo comunitário determina um efeito substantivo, sobre o ato de adjudicação, na decorrência da sua impugnação: o da suspensão dos seus efeitos, impedindo a celebração do respetivo contrato, até que a impugnação do ato de adjudicação seja decidida.
3.1.7 A imposição do efeito suspensivo automático operado por aquela norma comunitária (artigo 2º nº 3 da Diretiva 2007/66/CE), deverá, assim, ser enquadrada com a cláusula standstill tal como plasmada no artigo 2º-A da mesma Diretiva, nos termos da qual, com vista a assegurar-se que os interessados dispõem “…de um prazo suficiente para assegurar um recurso eficaz das decisões de adjudicação de contratos tomadas por entidades adjudicantes” (nº 1), a celebração do contrato “…não pode ter lugar antes do termo de um prazo mínimo de 10 dias consecutivos a contar do dia seguinte à data em que a decisão de adjudicação do contrato tiver sido enviada aos proponentes e candidatos interessados, em caso de utilização de telecópia ou de meios eletrónicos, ou, em caso de utilização de outros meios de comunicação, antes do termo de um prazo mínimo, alternativamente, de 15 dias consecutivos, a contar do dia seguinte à data em que a decisão de adjudicação tiver sido comunicada aos proponentes e candidatos interessados, ou de 10 dias consecutivos a contar do dia seguinte à data de receção da decisão de adjudicação do contrato” (nº2) (acolhida na ordem interna no artigo 104º nº 1 alínea a) do Código dos Contratos Públicos).
3.1.8 O contexto destes normativos é-nos dado com clareza por António Cadilha, in, “Contencioso Pré-Contratual”, Revista Julgar, nº 23, Coimbra Editora, 2014, consultável in, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/05/10-Ant%C3%B3nio-Cadilha.pdf, A Diretiva 2007/66/CE, nos seguintes termos:
“A Diretiva 2007/66/CE teve por principal finalidade corrigir ou atenuar uma situação — que se entendeu subsistir um pouco por toda a Europa — de défice de tutela jurisdicional dos participantes em procedimentos de contratação pública, em particular no que respeita à possibilidade de impugnação, em momento útil, do ato decisivo deste tipo de procedimentos (o ato de adjudicação). Tal défice resultava de algumas deficiências que atingiam, em termos de configuração e eficácia, os sistemas de contencioso em matéria de contratação pública que vigoravam nos vários Estados-membros no início do processo de revisão da Diretiva “Recursos”. Uma das principais deficiências prendia-se com a extrema dificuldade em obter uma sentença judicial de anulação de um contrato público. Com efeito, mesmo nos Estados-membros em que, embora em moldes diferenciados, se admitia que a ilegalidade de certos atos do procedimento pré-contratual se projetasse sobre a (in)validade do contrato celebrado subsequentemente (como sucede em Portugal), a verdade é que a morosidade associada aos processos impugnatórios tornava, na prática, extremamente difícil obter uma sentença judicial desse tipo. Fosse porque (i) quando o tribunal se pronunciava sobre a questão, o contrato já estava plenamente executado, fosse porque (ii) se entendia que a sua anulação representava um prejuízo inaceitável para o interesse público subjacente ao contrato ou fosse, ainda, porque (iii) o decurso do tempo tornava os tribunais mais sensíveis à posição do co-contratante alicerçada nos valores da segurança e estabilidade jurídica, a prática demonstrava que a “anulação de contratos públicos na sequência da anulação de atos pré-contratuais da entidade adjudicante era uma situação claramente excecional”. A celebração e início de execução do contrato tendia a tornar material ou juridicamente irreversíveis as infrações ao direito da contratação pública — pelo menos no plano da sua reparação natural, por via da reconstituição da situação jurídico-procedimental existente antes de tais infrações. (…)
O quadro que acabamos de descrever, no que respeita à (in)eficácia dos meios de tutela previstos na Diretiva 89/665/CEE, acabou por redundar na adoção, pelas entidades adjudicantes, de um conjunto de práticas particularmente nocivas para o objetivo de garantir o efetivo cumprimento do direito da contratação pública. Uma delas respeita à tendência para essas entidades, após a prática do ato de adjudicação, procederem rapidamente à celebração do contrato público visado, por forma a evitar que uma eventual ação judicial — já intentada ou a intentar por algum dos concorrentes vencidos — possa ter consequências relevantes sobre o desfecho do procedimento adjudicatório (fenómeno que ficou conhecido por “corrida à assinatura do contrato”). É que, pelos motivos aduzidos, a outorga do contrato “torna [tendencialmente] irreversíveis os efeitos da adjudicação, colocando a empresa sucumbente na situação de apenas poder reclamar um eventual ressarcimento dos danos (nos casos restritos em que consiga provar a existência de prejuízos efetivos), e sendo-lhe retirada a possibilidade de ser adjudicatária em caso de sucesso do recurso”. Sabendo que o único “risco” que corriam era o de eventualmente virem a ser condenadas a pagar uma indemnização — condenação que dificilmente seria em montante elevado e, que em qualquer caso, só sucederia muito tempo depois, dada a morosidade dos processos indemnizatórios –, o incentivo era para as entidades adjudicantes precipitarem a celebração do contrato, frustrando, assim, a tutela judicial dos concorrentes (ilegalmente) preteridos.
Foram estas circunstâncias que em grande medida motivaram a Diretiva 2007/66/CE, levando o legislador comunitário a introduzir um conjunto de inovações destinadas a reforçar a efetividade dos mecanismos de recurso pré-contratuais, de modo a garantir que estes estejam efetivamente disponíveis num momento prévio à celebração do contrato, e que as entidades adjudicantes não possam livremente restringir a sua eficácia, conseguindo, através da simples celebração antecipada do contrato, evitar o pleno alcance da tutela jurisdicional. Essas inovações traduziram-se essencialmente na previsão de um “complexo de termos suspensivos mínimos que devem decorrer antes que seja possível [à entidade adjudicante] celebrar o contrato em causa”. O primeiro é um termo suspensivo obrigatório, de natureza procedimental, que deve necessariamente decorrer entre a notificação do resultado do procedimento pré-contratual aos interessados e a celebração do contrato público (cfr. artigo 2.º-A, n.º 2). Trata-se da consagração legal do “período de standstill”, ou seja, de “um impedimento temporário à celebração do contrato, que opera ex lege por um determinado período de tempo, independentemente da proposição de qualquer ação judicial” — e que entre nós foi introduzido, em 2008, com o CCP, que fixou esse período em 10 dias (artigo 104.º, n.º 1, alínea a)).
Mas o intuito de fortalecer a tutela pré-contratual dos participantes num procedimento de formação de um contrato público não se esgotou na imposição de uma obrigação de “standstill”, que se destina a garantir àqueles participantes tempo suficiente para avaliarem a legalidade do ato de adjudicação e (se for caso disso) ativarem aqueles mecanismos, sem correrem o risco de o contrato ser, entretanto, outorgado. Com efeito, o legislador comunitário teve a noção de que esta medida isolada não representaria qualquer significativo acréscimo de eficácia do sistema se, ao mesmo tempo, não se garantisse que, sempre que um dos concorrentes preteridos decida efetivamente impugnar o ato de adjudicação, o tribunal pudesse dispôr do tempo indispensável para apreciar a viabilidade desse pedido, antes da celebração do contrato (ou pelo menos para prolongar a suspensão ex lege). Se não se avançasse nesse sentido, a possibilidade de tutela jurisdicional que a paralisação ex lege do procedimento proporciona revelar-se-ia meramente teórica, dada a impraticabilidade de obtenção dessa tutela no curto espaço de vigência do “standstill”. Para acautelar esta situação, a Diretiva 2007/66/CE veio impor, no seu artigo 2.º, n.º 3, que os Estados-membros estabelecessem um prolongamento automático do efeito suspensivo decorrente do “standstill” sempre que, no decurso deste, seja deduzida uma pretensão contenciosa — principal ou cautelar — contra o ato de adjudicação. Ficou consignado assim um segundo termo suspensivo, que se distingue do “standstill” por se tratar de uma suspensão não obrigatória mas facultativa, na medida em que depende da utilização, pelo interessado, de meios de reação judicial contra o ato de adjudicação.(…)
3.1.9 E foi perspetivando que o mecanismo de suspensão automática previsto no artigo 3º nº 2 da Diretiva, acolhido na ordem interna no nº 1 do artigo 103º-A do CPTA, poderia gerar situações em que a paralisação dos efeitos do ato de adjudicação e do próprio contrato (caso entretanto já tivesse sido celebrado) afetasse, de forma desproporcionada, a prossecução do interesse público por ele visado (ou outros interesses em presença), que o legislador nacional consagrou no nº 2 do artigo 103º-A do CPTA a possibilidade de ser levantado o efeito suspensivo automático, a requerimento das partes interessadas, alegando para tanto “…que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos” (nº 2), efeito suspensivo que é levantado “…quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento”.
É a seguinte a redação do artigo 103º-A do CPTA:
Artigo 103º-A
Efeito suspensivo automático
1 - A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.
2 - No caso previsto no número anterior, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 120.º
3 - No caso previsto no número anterior, o demandante dispõe do prazo de sete dias para responder, findo o que o juiz decide no prazo máximo de 10 dias, contado da data da última pronúncia apresentada ou do termo do prazo para a sua apresentação.
4 - O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”

3.1.10 Em face da redação constante da parte final do nº 2 deste artigo 104ºA e do nº 4 do mesmo artigo, aparentemente não coincidente e contraditória, poderão resultar dúvidas quanto ao critério da decisão do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático. Havendo, de todo o modo, que descortinar o critério que o legislador, pretendeu e fez estabelecer.
3.1.11 A doutrina não deixa de fazer referência a tal dificuldade, que tem tentado resolver.
Rodrigo Esteves de Oliveira, in, “A tutela "cautelar" ou provisória associada à impugnação da adjudicação de contratos públicos”, CJA 115, Janeiro-Fevereiro 2016, pág. 24 ss., diz, a este respeito, o seguinte: “A questão que se coloca é saber se, no juízo de ponderação de interesses, o tribunal apenas pode ou deve atender a danos dessa valia ou gravidade do lado da entidade demandada ou dos contrainteressados, confrontando-os com os danos invocados pelo demandante, ou se, pelo contrário, do lado da entidade demandada e contrainteressados, são invocáveis quaisquer danos, mesmo os que não se subsumam nesses conceitos legais. Como bem observa Vieira de Andrade, os conceitos utilizados pelo legislador «operam, em regra, como limites absolutos», sendo duvidoso que isso seja «compatível com o "princípio da prevalência do interesse preponderante no caso concreto").» Com efeito, numa pura lógica de ponderação de interesses, como a que está inscrita no art. 103.º-A, n.º 4, os demandados não teriam de provar a verificação dos "requisitos" do n.º 2, mas apenas que os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo (sejam eles quais forem) são superiores, em valor e peso, aos que resultam do seu levantamento. O diferimento da execução do ato poderia, portanto, não ser gravemente prejudicial para o interesse público, mas apenas prejudicial, e poderia também não ser gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, mas apenas de consequências lesivas desproporcionadas, e ainda assim se justificar o levantamento, desde que, repete-se, fossem superiores aos danos invocados pelo demandante. Seria um sistema equilibrado.
No entanto, a ideia do legislador pode também ter sido a de replicar aqui uma solução próxima daquela que existe no art. 128.º do CPTA – em que também só se admite o levantamento administrativo da proibição provisória de executar o ato administrativo, mediante resolução fundamentada, quando o "diferimento da execução [seja] gravemente prejudicial para o interesse público" -, fazendo, portanto, com que apenas fossem considerados "candidatos positivos" à ponderação do n.º 4 do art. 103.º-A os danos que se subsumissem no seu n.º 2.
Admitimos que seja esta a única solução que compatibiliza a letra do n.º 2 com a letra do n.º 4, mas temos dúvidas se ela corresponde verdadeiramente à intenção do legislador.
Em segundo lugar, salvo se se tratar de um pequeno lapso, não se percebe muito bem a remissão que se faz no n.º 2 do art. 103.º-A para o n.º 2 do art. 120.º (critério da ponderação de interesses), quando do próprio art. 103.º-A consta o critério relevante para o efeito, a saber, no n.º 4, quando aí se estabelece (no contexto também de uma ponderação de interesses) que "o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento".
Em terceiro lugar, sendo seguro que não jogam aqui considerações sobre a aparência do bom direito”, há dúvidas, que o legislador não tinha de esclarecer, sobre quais são os danos atendíveis do lado do demandante (que ele deve fazer constar da pronúncia referida no art. 103.º-A nº 3).”
Margarida Olazabal Cabral, in, “O contencioso pré-contratual no CPTA revisto – algumas notas”, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, Fevereiro, 2017, pág. 58 ss., consultável em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_Contencioso_Precontratual.pdf, diz, a este mesmo propósito, o seguinte: “A lei também não é clara quanto aos critérios de decisão do juiz acerca do levantamento, ou não, dos efeitos suspensivos. Na verdade, e como tem vindo a ser assinalado, existe uma duplicação da parte final do n.º 2 (“havendo lugar na decisão à aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 120.º”) e o n.º 4 (“o efeito suspensivo é levantado quando ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento”), ambos do artigo 103.º-A. Em bom rigor, a diferença fundamental que existe entre as duas previsões é a possibilidade de substituir o levantamento da suspensão por outras providências. Embora existam interpretações diferentes, estou convencida que o n.º 4 se manteve no CPTA por mero lapso: numa versão do anteprojeto tratava-se do único número onde se regulava o critério de decisão, e, quando esta matéria passou a ser integralmente tratada no n.º 3, o legislador material não reparou e manteve o n.º 4. Em qualquer caso, dizendo o n.º 2 mais do que o n.º 4 parece-me que deve prevalecer.
Sem grande novidade diria que o legislador estabeleceu aqui uma lógica de ponderação de interesses, exigindo ao demandado e aos contrainteressados um especial cuidado no pedido de levantamento – quer solicitando-lhes que alegue que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público, quer que as consequências lesivas da manutenção da suspensão seriam claramente prejudiciais para o interesse público – e exigindo-lhes que provem (através de prova a oferecer na resposta ao pedido de levantamento nos termos do artigo 293º n.º 1, conjugado com o artigo 292º, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA) – os prejuízos que decorreriam do levantamento do efeito suspensivo.
Embora o legislador qualifique o tipo de prejuízo (grave) e a natureza da desproporção (clara) a alegar e provar, a remissão para o n.º 2 do artigo 120.º leva-me a concluir que a tarefa do juiz será, a partir daí, de uma ponderação de danos verdadeira (entre os que decorreriam do levantamento e os que adviriam da suspensão), devendo a suspensão ser levantada se os prejuízos para o interesse público e privado em presença decorrentes da manutenção do efeito suspensivo forem superiores aos danos para os interesses em presença decorrentes do levantamento. Essa é a única interpretação que garante a proteção igual dos vários interesses em presença, não se vendo como seria constitucionalmente admissível privilegiar a proteção dos interesses do demandante face aos interesses da entidade demandada e dos contrainteressados (sem esquecer as exigências da Diretiva Recursos a este propósito).
Entendo as referências da primeira parte do n.º 2 do artigo 103.º-A como pondo um ónus no demandado e nos contrainteressados no tipo de alegação que devem fazer, no sentido de afastar a pré-compreensão que vigorou durante tantos anos de que o interesse público será sempre prejudicado com a suspensão, pelo que deveria sempre prevalecer o interesse da entidade adjudicante na execução do ato. Trata-se também de afastar a ideia de que o único prejuízo do Requerente que seria relevante seria o risco de insolvência decorrente da frustração da execução do contrato, como tantas vezes a jurisprudência exigia.
O legislador deixa assim uma nota no que se refere à tutela pré contratual no sentido de afastar algum “facilitismo judicial” na valorização dos prejuízos para o interesse público (em que pouco se exigia da entidade demandada em termos de alegação e ponderação). Agora requer-se que a entidade demandada invoque prejuízos concretos e graves, ou desproporcionados. Não basta o mero atraso na celebração do contrato ou na sua execução.
Mas não é mais do que isso o que se prevê no artigo 103.º A quanto ao prejuízo decorrente da manutenção de suspensão, tendo o juiz que decidir, ponderando todos os danos em pé de igualdade.
Acresce que nessa ponderação o juiz tem obviamente de considerar a resposta do demandante que tanto pode ter invocado o prejuízo que para si advirá do levantamento da suspensão, como também ter rebatido os prejuízos alegados pela entidade demandada e/ou contrainteressados, para que estes possam ser ponderados pelo juiz.(…)”.
Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2017, 4ª edição, págs. 643 ss., dizem: No que diz respeito aos pressupostos de que depende a concessão do levantamento do efeito suspensivo automático, afigura-se da maior importância notar que, ao exigir um grave prejuízo para o interesse público ou uma clara desproporção das consequências lesivas para outros interesses envolvidos (aqui se incluindo os interesses do adjudicatário), o preceito faz depender o levantamento do efeito suspensivo automático do preenchimento de pressupostos exigentes, no que diz respeito aos danos que podem resultar da manutenção do efeito suspensivo: a regra é o efeito suspensivo automático, que só deve ser levantado em circunstâncias particularmente exigentes. (…)
A referência, no nº 2, ao “grave prejuízo para o interesse público” e à lesão “claramente desproporcionada dos outros interesses envolvidos” tem, entretanto, o alcance de clarificar que, para a obtenção do levantamento do efeito suspensivo, não é suficiente a invocação abstrata pelos requerentes de prejuízos genéricos, sendo antes exigível a demonstração em concreto dos danos que a manutenção do efeito suspensivo acarreta para o interesse público ou os interesses privados relacionados com a adjudicação, para o que haverá que atender à natureza do contrato que é objeto do procedimento pré-contratual, à sua efetiva importância para a satisfação de necessidades coletivas, ao período de tempo que previsivelmente decorrerá até ao julgamento da ação e, se for caso disso, à situação em que se encontra a execução do contrato e as prestações e investimentos já realizados.”
3.1.12 Temos para nós que a interpretação consentida pela concatenação dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA é a de que o efeito suspensivo automático (previsto no nº 1) deve ser levantado quando se demonstre (por alegação e prova) que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (nº 2) quando na ponderação com os danos que podem resultar do seu levantamento aqueles se mostrem superiores (nº 4).
Trata-se, de um duplo grau de exigência, como de certo modo já se entendeu no acórdão deste TCA Sul de 14-07-2016, Proc. nº 13444/16, in, www.dgsi.pt/jtcas, ao considerar-se que «Do art. 103º-A, do CPTA revisto, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação - cumulativa - dos seguintes requisitos: a) Grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. b) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.», e se reiterou, designadamente, no acórdão de 04-10-2017, Proc. 1329/16.1BELSB, de que fomos relatores, disponível in, www.dgsi.pt/jtcas.
Interpretação que é, a um tempo, consentida pelo elemento literal dos dispositivos em causa, e a outro pelo espírito da lei, enformada pelo direito comunitário subjacente. O direito comunitário, pretende, através da Diretiva, a suspensão automática do ato de adjudicação em caso de recurso, com o que visa impedir o efeito de facto consumado decorrente da celebração e execução do contrato (que possa vir a ser reconhecido como ilegal), como já se viu supra. Se a norma nacional permite o levantamento desse efeito suspensivo quando, sob alegação da entidade adjudicante ou dos contra-interessados, se constate que o diferimento da execução do ato seja não tão somente prejudicial para o interesse público (que sempre será), mas gravemente prejudicial, que naturalmente exige uma qualificação (agravada) desse prejuízo, no sentido de sério, intenso ou elevado. O mesmo com as consequências lesivas para os outros interesses envolvidos, que a lei exige deverem ser claramente desproporcionadas. Pelo que só nesse caso deve a imposição ope legis do efeito suspensivo ceder, determinando o Tribunal o seu levantamento.
Assim o entendem também Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª Edição, 2017, pág. 845, afirmando em conclusão que “…numa interpretação conjugada do n.º 2 com o n.º 4, o levantamento do efeito suspensivo só pode ser decretado quando se verifique, comprovadamente, que da manutenção desse efeito resultaria um desequilíbrio desproporcionado entre os interesses envolvidos, em desfavor da entidade demandada ou dos contrainteressados”.
Trata-se afinal, como diz, António Cadilha, in, “Contencioso Pré-Contratual”, Revista Julgar, nº 23, Coimbra Editora, 2014, consultável in, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/05/10-Ant%C3%B3nio-Cadilha.pdf, pág. 213, de solução legal que “…garante a integral conformidade do direito processual nacional com o artigo 2.º, n.º 3, da Diretiva Recursos, indo ao encontro dos interesses jurídicos que esta Diretiva procura tutelar: i) Por um lado, o interesse em garantir que o direito à tutela jurisdicional dos concorrentes preteridos nesse procedimento — e, reflexamente, o interesse pelo respeito da ordem jurídica comunitária e pelos valores concorrenciais que ela pretende implementar na contratação pública — não são postergados pela celebração do contrato público logo após o fim do período de “standstill”, assegurando-lhes que, caso pretendam impugnar o ato de adjudicação durante esse período, a outorga do contrato não pode ocorrer sem que a sua pretensão seja objeto de algum tipo de apreciação judicial; ii) Por outro, o interesse em evitar que se produzam danos desproporcionados ao interesse público e especialmente nos interesses da celeridade dos procedimentos de formação dos contratos públicos e da eficiência da atuação administrativa.”
3.1.13 Em sentido confluente já se pronunciou este TCA Sul, designadamente, nos seguintes acórdãos:
- de 14-07-2016, Proc. nº 13444/16, onde se sumariou que: «I - Do art. 103º-A, do CPTA revisto, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação - cumulativa - dos seguintes requisitos: a) Grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. b) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade. II - O requisito enunciado no antecedente ponto I, alínea a), implica a alegação da pertinente factualidade, cujo ónus probatório recai sobre a entidade demandada e os contra-interessados, os quais deverão oferecer a competente prova com o requerimento em que é deduzido o incidente (cfr. art. 293º n.º 1, conjugado com o art. 292º, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA). III – Não basta à entidade demandada e aos contra-interessados alegarem – e provarem – a existência de prejuízos para o interesse público e para os outros interesses envolvidos, sendo necessária a alegação – e prova – da existência de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. IV – O requisito acima enunciado no ponto I, alínea b), significa que a manutenção ou levantamento do efeito suspensivo depende de um juízo de ponderação de danos, devendo o efeito suspensivo ser levantado quando os danos com a manutenção sejam superiores aos danos com o levantamento, estes últimos a alegar pelo autor na resposta ao incidente, na qual também deverá oferecer a competente prova (cfr. art. 293º n.º 1, conjugado com o art. 292º, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).»
- de 24-11-2016, no Proc. 13747/16, onde se sumariou que: «(…) ii) Do artigo 103.º-A, do CPTA, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a. Alegação e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos; b. Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade. iii) Para efeitos de verificação do primeiro daqueles requisitos não basta a existência de mera prejudicialidade para o interesse público, nem a existência de apenas consequências lesivas desproporcionadas, na medida em que o legislador terá, ele mesmo, necessariamente ponderado a possibilidade da existência de um prejuízo desse tido (não qualificado) e não o afastou do alcance do efeito suspensivo;
- de 24-11-2016, Proc. nº 919/16.7BELSB, em que se sumariou: «(…) IV - O fim ou o objetivo do efeito suspensivo automático constante do artigo 103º-A/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos é a tutela jurisdicional efetiva da posição jurídica do autor, evitando o facto consumado resultante da “corrida ao contrato” e favorecendo ex legis a apreciação jurisdicional útil ou consequente da legalidade do ato administrativo de adjudicação. V - O regime que resulta dos nº 2 e nº 4 do artigo 103º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos é o seguinte: 1º- o “critério decisório”, ou melhor, a metodologia decisória do juiz passa pela ponderação racional e expressa, num juízo de prognose, de todos os interesses em presença e de todos os danos respetivos à luz da máxima metódica da proporcionalidade (com os seus três testes ou exames: adequação ou idoneidade, necessidade ou exigibilidade, proporcionalidade em sentido estrito ou equilíbrio); 2º- os dois pratos da balança do juiz, para ponderação ou sopesamento, são constituídos, (i) num lado, pelos prejuízos a causar pela continuação do efeito suspensivo automático e, (ii) por outro lado, pelos prejuízos a causar pela retoma do prosseguimento do procedimento pré-contratual na fase pós-adjudicatória; 3º- o juiz decidirá levantar o efeito suspensivo da interposição da ação (iniciado com a citação da entidade pública demandada) se - e só se – concluir que os prejuízos que resultarão da manutenção do efeito suspensivo se mostram claramente superiores aos prejuízos que possam resultar da retoma do prosseguimento do procedimento pré-contratual na fase pós-adjudicatória.»;
- de 12-09-2017, Proc. nº 27/17.3BELSB-A, onde se sumariou que «I – Para que a regra do efeito suspensivo automático prevista no nº 1 do artigo 103-A do CPTA ceda é necessário que o diferimento da execução do acto seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionada para outros interesses envolvidos. II – Não se verifica grave lesão do interesse público, nem consequências lesivas desproporcionadas para outros interesses envolvidos, se a entidade adjudicante celebrou, com o adjudicatário do procedimento concursal visado nos autos, contrato de prestação de serviços com objecto igual ao do referido procedimento, contrato esse com a duração de um mês, que se renova automaticamente por iguais e sucessivos períodos até à decisão do Tribunal que levante o efeito suspensivo ou até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal quanto à questão de fundo no processo»
- de 04-10-2017, Proc. nº 1904/16.4BELSB-A, em que se sumariou que: «I -Nos termos do artigo 103.º-A, do CPTA, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos (i) alegação e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos e (ii) ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade. II - Da concatenação do art. 103.º-A, n.º 2, do CPTA, com o disposto no art. 342.º n.º 1, do C. Civil, decorre que recai sobre a entidade demandada e os contra-interessados o ónus de alegar e provar que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. III - A suspensão do ato de adjudicação impugnado e a consequente suspensão do procedimento tendente à celebração do contrato, que impede a imediata execução do serviço de fornecimento de Gás Natural a um conjunto de 50 veículos de recolha de resíduos sólidos num universo de 172 viaturas, embora constitua um prejuízo para o interesse público, consubstancia tão-somente um mero prejuízo – o efeito normal – decorrente do retardamento do início do fornecimento do GN a uma parte dos veículos que vêm efetuando a recolha de resíduos sólidos, os quais continuam a ser garantidos pelos serviços municipais –, e não um prejuízo anormal, extraordinário ou, no dizer da lei, “gravemente prejudicial para o interesse público” e que, como tal, deva ser imperiosa e urgentissimamente acautelado por via do incidente previsto no artigo 103.º, n.º 2, do CPTA.»
- de 04-10-2017, Proc. 1329/16.1BELSB, em que se sumariou, entre o demais, o seguinte: «IX - A interpretação consentida pela concatenação dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA revisto é a de que o efeito suspensivo automático (previsto no nº 1) deve ser levantado quando se demonstre (por alegação e prova) que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (nº 2) quando na ponderação com os danos que podem resultar do seu levantamento aqueles se mostrem superiores (nº 4), consubstanciando, assim, um duplo grau de exigência.»;
- de 19-12-2017, Proc. 205/17.5BEPRT, em que se sumariou, entre o demais, o seguinte: «I – Sempre que o processo de contencioso pré-contratual seja intentado com vista à impugnação de atos de adjudicação, a sua instauração suspende automaticamente os efeitos do ato de adjudicação ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado, nos termos do artigo 103º-A nº 1 do CPTA revisto (DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro). II – A interpretação consentida pela concatenação dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA é a de que o levantamento do efeito suspensivo automático está sujeito um duplo grau de exigência, na medida em que só deve ser levantado quando resulte que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (nº 2) quando na ponderação com os danos que podem resultar do seu levantamento aqueles se mostrem superiores (nº 4). (…)»
3.1.14 Simultaneamente importa atender que a decisão que recai sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA revisto consubstancia a decisão de um incidente do processo de contencioso pré-contratual, atentos os termos como o mesmo se mostra configurado. Incidente esse que é processado nos próprios autos de processo de contencioso pré-contratual, seguindo a tramitação ali prevista, em termos que, formulado pela entidade demandada ou pelos contra-interessados o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático (nº 2) o autor na ação pode a ele responder, no prazo de sete dias, após o que o juiz decide (nº 3).
3.1.15 Não se prevê, na tramitação contida nos nºs 2 a 4 do artigo 103º-A do CPTA para o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, qualquer fase de instrução e prova.
Porém, tratando-se, como se trata, de um incidente, devem aplicar-se supletivamente, nos termos do artigo 1º do CPTA, as normas para os incidentes da instância contidas nos artigos 292º ss. do CPC novo.
O que significa que no requerimento em que se suscita o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, e nos articulados de resposta que sejam apresentados, podem as partes oferecer os respetivos meios de prova, seja documental ou outra, inclusive a testemunhal, ainda que, neste caso, com um número máximo de cinco testemunhas (cfr. artigos 293º nº 1 e 294º nº 1 do CPC novo) –vide a este respeito o Acórdão deste TCA Sul de 09-11-2017, Proc. n.º 1268/16.6BESNT, de que fomos relatores.
3.1.16 Mas, como se entendeu já nesse referido Acórdão deste TCA Sul de 09-11-2017, Proc. n.º 1268/16.6BESNT, «…a circunstância de terem sido oferecidas testemunhas em qualquer dos articulados atinentes ao incidente não implica que o juiz tenha que, obrigatoriamente, levar a cabo diligência de inquirição das testemunhas. O Tribunal só deve levar a cabo diligências de instrução e prova, se se deparar com matéria de facto controvertida relevante para a decisão do incidente, pois só ela estará e deverá ser sujeita a prova, devendo, pois, recusar, por impertinente, a produção de prova requerida, designadamente a testemunhal, se for de concluir, em face do objeto do incidente, não existir matéria de facto controvertida com relevância para a respetiva decisão (cfr. artigos 6º nº 1, 3º nº 1 e 5º nº 1 do CPC novo e artigo 90º nº 1 do CPTA revisto).»
Assim, tendo sido requerida, por qualquer das partes, a produção de prova testemunhal, tal não implica, por si e automaticamente, que o Tribunal tenha que proceder, forçosamente, à sua inquirição. E, concomitantemente, o facto de o Tribunal não levar a cabo a inquirição das testemunhas oferecidas por qualquer das partes, não consubstanciará uma nulidade processual, por omissão de ato processual, nos termos do artigo 195º nº 3 do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA.
3.1.17 A circunstância de o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA revisto consubstanciar um incidente do processo de contencioso pré-contratual, atentos os termos como o mesmo se mostra ali configurado, conduzir a que lhe sejam supletivamente aplicáveis, nos termos do artigo 1º do CPTA, as normas para os incidentes da instância contidas nos artigos 292º ss. do CPC novo, implica também a sua sujeição ao disposto no artigo 293º nº 3 do CPC novo, nos termos do qual “…a falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigora na causa em que o incidente se insere”.
O que nos remete para o atualmente disposto no artigo 83º nº 4 do CPTA revisto, nos termos do qual “…a falta de impugnação especificada nas ações relativas a atos administrativos e normas não importa a confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios”.
3.1.18 Vale neste âmbito, portanto, a regra que já existia no âmbito da antiga ação administrativa especial. A tal respeito, já se entendeu, entre outros, no acórdão deste TCA Sul de 16-12-2015, Proc. 12693/15, in, www.dgsi.pt/jtcas, de que fomos relatores, que « (…)II – Nos termos do segmento inserto na última parte do nº 4 do artigo 83º do CPTA, na falta de contestação ou de impugnação especificada “o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios”, o que só pode significar que por efeito daquela regra, válida para a ação administrativa especial e aqui aplicável, perante a falta de contestação fica a valer o princípio da livre apreciação da prova. III – Ficando a alegação factual, feita na petição inicial, sujeita ao princípio da livre apreciação da prova de acordo com o normativo contido no artigo 83º nº 4 do CPTA, o Tribunal haverá de ter em consideração o acervo probatório produzido no processo conjugado com o comportamento processual (silente) do réu.».
O que se reiterou no acórdão deste TCA Sul de 19-12-2017, Proc. 205/17.5BEPRT, in. www.dgsi.pt/jtcas.
3.1.19 O que atualmente implica que no âmbito do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA revisto, perante a falta de resposta ao pedido de levantamento desse efeito suspensivo automático, a alegação factual feita no respetivo requerimento fica sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 83º nº 4 do CPTA e artigo 293º nº 3 do CPC novo, pelo que o Tribunal haverá de ter em consideração o acervo probatório produzido no processo conjugado com o comportamento processual (silente) das contra-partes.
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Tudo o que se viu e explanou supra tem relevância para a situação presente, em face das questões trazidas em recurso pela recorrente ré.
Vejamos, pois, se há motivo que justifique a revogação da decisão recorrida, seja quanto ao julgamento da matéria de facto, seja quanto à respetiva solução jurídica, em termos que, ao invés de ter sido indeferido, o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-a do CPTA revisto deva ser deferido.
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3.2 Do imputado erro de julgamento da matéria de facto
3.2.1 Sustenta o recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao dar como não provada a factualidade elencada em a. a l. dos factos não provados, pugnando dever a mesma ser dada como provada quer documentalmente quer por acordo - (vide conclusões A) a R) das alegações de recurso).
3.2.2 Sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas pelo Tribunal de recurso relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras de direito probatório material, como refere Abrantes Geraldes, in, “Recursos no Novo Processo Civil”, Almedina, 2014, pág. 238 ss., não é exigido ao Tribunal de recurso que, de motu proprio, “se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova”. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar, em primeiro lugar, o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscreverem o objeto do recurso.
De modo que a modificação da decisão da matéria de facto está dependente da iniciativa da parte interessada e deve limitar-se aos pontos de facto especificamente indicados, com observância dos respetivos requisitos formais, atualmente previstos no artigo 640º do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013 (correspondente ao anterior artigo 685º-A do CPC antigo).
3.2.3 A primeira precisão que há, assim, a fazer, é a de que não obstante o recorrente genericamente indicar que todos os factos dados como não provados pelo Tribunal a quo deviam ter sido considerados provados (factos a. a l.), na verdade apenas impugna operativamente tal julgamento quanto à factualidade elencada nas alíneas b., c., e., f., g., h., i., j. e k. (vide conclusões A) a R) das alegações de recurso), ficando, por conseguinte, de fora dessa impugnação, os factos elencados nas alíneas a., d. e l..
3.2.4 A segunda é a de que a Mmª Juíza do Tribunal a quo não considerou, como a alegação do recorrente parece querer fazer entender, que os factos vertidos nas alíneas b., c., e. e f. teriam que ser provados por documentos (vide conclusões B), D), H), I) e O) das alegações de recurso). O que a Mmª Juíza do Tribunal a quo explicitou, em sede de motivação do julgamento da matéria de facto, foi que os factos enunciados nos pontos a) a l) foram dados como não provados «por falta de prova documental necessária ou de qualquer outro meio de prova, que ateste/comprove o alegado» (sublinhado nosso).
O que significa que entendeu não ter sido produzida qualquer prova nos autos, seja documental, seja outra, no sentido do alegado.
3.2.5 Conforme já se referiu supra (pontos 3.1.14 e 3.1.15), o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA revisto consubstancia um incidente do processo de contencioso pré-contratual, atentos os termos como o mesmo se mostra configurado, ao qual devem aplicar-se supletivamente, nos termos do artigo 1º do CPTA, as normas para os incidentes da instância contidas nos artigos 292º ss. do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), significando que às partes cabe oferecer no requerimento em que se suscita o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático (e nos articulados de resposta que sejam apresentados), os respetivos meios de prova, seja documental ou outra, inclusive a testemunhal (ainda que, neste caso, com um número máximo de cinco testemunhas) - (cfr. artigos 293º nº 1 e 294º nº 1 do CPC novo).
E compulsado o requerimento do réu, ora recorrente, pelo qual requereu o levantamento do efeito suspensivo automático, constata-se que nele não foi oferecida nem requerida qualquer prova para o alegado.
3.2.6 Por outro lado, tal como se disse supra (pontos 3.1.17, 3.1.18 e 3.1.19) a aplicação supletiva das normas para os incidentes da instância contidas nos artigos 292º ss. do CPC novo, implica também a sujeição do incidente decorrente do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático ao disposto no artigo 293º nº 3 do CPC novo nos termos do qual “…a falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigora na causa em que o incidente se insere”. Acarretando que perante a falta de resposta ao pedido de levantamento desse efeito suspensivo automático, a alegação factual feita no respetivo requerimento fica sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 83º nº 4 do CPTA e artigo 293º nº 3 do CPC novo, pelo que o Tribunal haverá de ter em consideração o acervo probatório produzido no processo conjugado com o comportamento processual (silente) das contra-partes.
O que significa que do comportamento silente do autor da ação pré-contratual perante o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA (isto, é, a falta de resposta a que alude o nº 3 daquele artigo) não resulta, automática e forçosamente, a aceitação da factualidade alegada, não valendo aqui o efeito cominatório previsto no artigo 574º nº 2 do CPC novo para a ação declarativa (nos termos do qual se consideram “admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito) que também vigora na ação administrativa quando esta não respeita a atos administrativos ou normas (cfr. artigo 83º nº 4 do CPTA, a contrário).
3.2.7 De todo o modo sempre se diga que a autora respondeu ao pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, tendo na sua resposta, entre o demais, expressamente impugnado o alegado nos artigos 26º, 28º a 30º, 39º e 40º do respetivo requerimento (vide artigo 23º do articulado de resposta). Para além da invocação, que fez, de que o alegado nos artigos 21º, 25, 26º, 27º in fine, 28º, 30, 32º a 40º e 43º do requerimento se subsumia a considerações meramente conclusivas (vide artigo 7º do articulado de resposta).
O que tem como consequência inevitável a de que não poderia ser considerado aceite por acordo a factualidade enunciada nas alíneas g., i., j. e k., as quais respeitam ao alegado nos artigos 28º, 29º, 30º e 38º, respetivamente, do requerimento, mas que foram expressa e diretamente impugnadas pelo autor no seu articulado de resposta.
E se bem que o recorrente também invoque que os factos elencados em g. e i. se mostram provados documentalmente (vide conclusões K), L), M), N) das alegações de recurso), a verdade é que sempre implicariam operações de cálculo conjugadas com o conceito normativo de preço base, tal como previsto no Código dos Contratos Públicos, uma vez que apenas são apresentados preços unitários, como é o caso (cfr. artigo 47º do CCP). Não tendo sido sequer explicitada a respetiva demonstração, que sempre seria exigida quando o teor dos aludidos documentos não permite ou possibilita a sua apropriação direta. Implicando, consequentemente, o referido em j. e k., um juízo conclusivo, que sempre teria de decorrer da verificação dos factos em que assenta.
3.2.8 Não se mostra, pois, que a decisão recorrida incorra em erro de julgamento quanto à matéria de facto nos termos apontados. Julgamento, que é, assim, de manter.
Pelo que improcede, nesta parte, o recurso.
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3.3 Do imputado erro de julgamento quanto à solução jurídica
3.3.1 O recorrente defende, em segunda linha, que os factos elencados em a) a l) do probatório são bastantes para demonstrar o grave prejuízo que para o interesse público resulta da suspensão do ato de adjudicação (vide conclusões S) a DD) das alegações de recurso).
3.3.2 Resultou infrutífero o recurso no que tange ao julgamento de «não provado» que recaiu sobre aqueles factos. Pelo que a base factual a que deve atender-se para a resposta à questão de saber se andou bem ou mal o Tribunal a quo ao recusar o levantamento do efeito suspensivo automático, é a que resulta da factualidade dada como provada na decisão recorrida.
3.3.3 Como se viu supra a interpretação consentida pela concatenação dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA é a de que o efeito suspensivo automático (previsto no nº 1) deve ser levantado quando se demonstre (por alegação e prova) que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (nº 2) quando na ponderação com os danos que podem resultar do seu levantamento aqueles se mostrem superiores (nº 4), no que constitui um duplo grau de exigência (pontos 3.12 e 3.13).
3.3.4 Ora a situação presente não permite, efetivamente, perspetivar essas consequências lesivas claramente desproporcionadas para os interesses da entidade pública, se o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático se fundou na circunstância alegada pelo réu, mas que não foi demonstrada, de que a suspensão do ato de adjudicação implica o recurso a adjudicações diretas para o fornecimento dos serviços de comunicações móveis (Serviço Combinado Móvel de Voz e Dados e Móvel Dados) muito mais dispendiosas do que as resultantes das decorrentes da adjudicação suspendenda.
O que inevitavelmente tem como consequência que a decisão de indeferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, decidida pelo Tribunal a quo, tem que se mantida.
O que se decide.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 28 de fevereiro de 2018


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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)




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Maria Cristina Gallego dos Santos




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Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho