Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04955/11
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/23/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:ARTIGO 19º, N.º 3 DO CIVA
IVA- DEDUÇÃO – PREÇO SIMULADO
Sumário:I. Não confere direito à dedução de IVA o imposto que resulte de simulação do preço constante da factura ou documento equivalente, de acordo com o n.º 3 do artigo 19º do CIVA, e ainda que, eventualmente, o mesmo tenha sido entregue nos cofres do Estado.
II. Nos termos do artigo 82.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (na redação então em vigor à data dos factos ajuizados) a rectificação das declarações do sujeito passivo ocorreria quando a administração tributária fundadamente considerasse que nelas figurara um imposto superior ou uma dedução superior à devida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I.RELATÓRIO

O REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (adiante Recorrente) veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 15 de abril de 2011, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por …………………………, LDA., contra as liquidações adicionais nº ....................... e nº ..................., do exercício de 2003.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) Perante a confissão do emitente da facturação posta em crise, no sentido da simulação do valor das operações facturadas à sociedade impugnante, a AF desencadeou acção inspectiva no âmbito da qual reuniu fortes indícios e provas que confirmavam a exactidão das declarações do emitente.
B) Determinando o art. 75º da LGT que quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, se deve presumir a veracidade dos seus dados e apuramentos, excepciona contudo as situações em que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que aquela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.
C) Nesta situação em particular, a lei fiscal impõe que a AF demonstre fundados indícios, bastantes para fazer cessar a presunção de que beneficiava o contribuinte, sobre o qual passa a recair o ónus de demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilisticamente inscritos.
D) Demonstração que, com todo o respeito por opinião contrária, não vem efectuada.
E) Acresce que, no caso vertente a AF entendeu que a sociedade impugnante não tinha direito
à dedução do IVA mencionado nas facturas em crise, assente nos indícios recolhidos em sede inspectiva que evidenciavam que os valores constantes dos originais daquelas facturas resultavam de simulação de preço dos serviços adquiridos.
F) Assim, a sociedade impugnante pretendia exercer o direito à dedução do IVA, e a AF não reconheceu tal direito, por via indicies reunidos e atestadores de que as operações facturadas não foram realizadas pelo preço nelas mencionado.
G) Pois que o art. 19°/3 do CIVA só confere direito a dedução do IVA que tenha onerado aquisições de bens e serviços destinados ao exercício da actividade tributável real da pelo sujeito passivo, não conferindo direito à dedução do imposto que não se reporte a efectivas transmissões de bens ou prestações de serviços ou, na formulação claríssima da própria norma, "não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente".
H) O art. 19º/3 do CIVA aplica-se assim tanto em casos de simulação absoluta, como em situações de simulação relativa, como será o caso dos autos em que se verifica uma simulação do valor das operações facturadas.
I) Pelo que sempre recai sobre a sociedade impugnante o ónus de comprovar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito.
J) Demonstração que, respeitosamente, não vem obtida.
K) A prova recolhida pela AF (fundados indícios), revela-se suficiente e idónea à evidência de que o preço dos serviços subjacentes à facturação posta em causa era simulado.
L) Aceite a prova efectuada pela AF, finda a presunção da veracidade da declaração do contribuinte, bem como a veracidade da operação subjacente à factura, passando a recair sobre este o ónus de demonstrar que ao conjunto de facturas em causa correspondeu o preço efectivamente facturado.
M) Ora, a sociedade impugnante não exibiu documentos aptos a produzir tal prova e a prova testemunhal produzida não foi conclusiva, uma vez Que aquelas não conheciam concretamente os serviços facturados, limitando-se a depor no sentido da sua convicção pessoal, bastante subjectiva se nos lembrarmos que as três testemunhas têm relações profissionais com a sociedade impugnante (empregadas por sua conta ou responsável pela sua contabilidade), situações que lhes ministra, ou é susceptível de ministrar, algum tipo de interesse e que compromete a total isenção dos depoimentos prestados.
N) Competindo à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação, lograda tal demonstração, recaía sobre a sociedade impugnante o ónus de demonstrar a verificação de erro sobre a existência e a quantificação, o que, com todo o respeito, não terá conseguido.
O) Pelo que a dúvida fundada a que se refere o art. 100º/1 do CPPT não pode assentar na inércia probatória da sociedade impugnante.
P) Existe erro de julgamento consubstanciado na deficiente avaliação da prova produzida.
Q) A mui douta sentença sob recurso fez desacertada interpretação dos normativos aplicáveis, designadamente dos artigos 19°/3 do CIVA, 77º da LGT a 100º/1 do CPPT, pelo que não deve manter-se.


Termos em que, com o sempre mui douto suprimento da Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre
JUSTIÇA”


A Recorrida, apresentou contra-alegações, conforme seguidamente expendido.
«1. Salvo melhor opinião sequer estamos no âmbito - como a recorrente pretende - do instituto do ónus da prova (argumento que, igualmente, não vingaria).
2. O que determinou o sentido da decisão que veio a ser proferida foi falta de fundamentação e não qualquer ausência de elementos cuja invocação pertenceria à AT ou à ora recorrida e impugnante.
3. O que o Douto Tribunal concluiu - e que a recorrente não compreende - é que os elementos recolhidos pela AT não são suficientes e idóneos para permitir alcançar o resultado que veio a ser por esta acolhido.
4. E quanto a essa parte, da invocada falta de fundamentação, o recurso e as suas conclusões (que o balizam) são totalmente omissas, devendo fixar-se o já decidido.
5. A factualidade dada como provada e não provada na Douta Sentença não foi posta em causa, razão pela qual deverá ser a mesma considerada como definitivamente fixada.
6. A recorrente defende que lhe basta demonstrar fundados indícios de que a contabilidade do contribuinte não reflecte a matéria tributável efectiva para que sobre este passe a recair o ónus de demonstrar o inverso.
7. Na verdade o n.º 1 do art.º 75.º da LGT estabelece urna presunção legal (art.º 350.º do CC), ou seja, as presunções legais são as que estão previstas na própria lei.

8. Em regra (só aqui se concordando com a recorrente), é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
9. Logo era á recorrente que incumbia demonstrar a verificação de factos suficientes para fundamentar o sentido da decisão que veio a ser adoptada e não apenas - corno pretende fazer crer - suscitar indícios.
10. É pois manifesta a falta de fundamentação das correcções efectuadas, razão pela qual se impõe a manutenção do decidido na Douta Sentença, devendo ser negado provimento ao recurso interposto e que nesta sede se responde.


Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão deverá ser negado provimento ao Recurso interposto pela Fazenda Nacional, mantendo-se, a decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo.”

O QUE SE PEDE E É DE INTEIRA JUSTIÇA!”

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A Exmª. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber:
(i) se a sentença errou no julgamento de direito, violando os artigos 19º, n.º3 do CIVA e 77º da LGT;
(ii) se a sentença errou na aplicação do direito, por ter feito actuar o artigo 100º, nº1 do CPPT.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
1- FACTOS:
Atenta a prova produzida, dou por provados os seguintes factos, com interesse para a presente decisão:
A) A Administração Tributária (AT) efectuou uma acção inspectiva, através de exame à escrita do exercício de 2003, em sede de IVA e IRC, da impugnante, "……………………………, Lda" (………………..), com o NIPC ………….., com domicílio fiscal na Rua ……………, …………, 2430- ……., Marinha Grande, com base na ordem de serviço interna no ……………., emitida pela Direcção de Finanças de Leiria, em 11/10/2007, tendo sido iniciada em 12/10/2007 e ficado concluída em 29/10/2007, cfr. relatório de fls. 44/ss;
B) A acção inspectiva à impugnante, referida em "A", surgiu na sequência da acção inspectiva realizada à contabilidade da "………………………, Lda" (…………), em que foram detectados indícios de fraude fiscal por emissão de facturas com simulação de preço, do ano de 2003, entre elas as três facturas ora em crise com os n° s 77, 81 e 84, a seguir especificadas - fls. 45 e 46;
C) As referidas facturas n° s 77, 81 e 84 foram emitidas pela "…………………, Lda" à "………………………………….., Lda", com datas de 31/07/2003, 31/08/2003 e 31/08/2003, nos valores totais, incluindo o IVA, de € 89,25, € 107,10 e € 95,20, respectivamente, num total de 291,55 €- cfr. fls. 46, 47, 52, 53 e 54;
D) Averiguada a situação na contabilidade de ...................(fls.50), verificou-se que na contabilidade desta as referidas facturas n°s 77, 81 e 84 emitidas pela "…………………………., Lda" à "…………………………, Lda", constam com datas de 15/07/2003, 16/08/2003 e 30/08/2003, nos valores totais, incluindo o IVA, de 4.760,00€, 5.355,0€ e 5.712,00€, respectivamente, num total de 15.827,00€ - fls. 46, 47, 55;
E) A impugnante ....................., para pagamento das referidas facturas n°s 77, 81 e 84, nos valores totais, incluindo o IVA, de 4.760,00€, 5.355,0€ e 5.712,00€, num total de 15.827,00€, emitiu o cheque n° ……………… do …… , no valor 10.115,00 €, com data de 03/09/2003, que foi levantado por Sara………………………, que era funcionária da "……………….", que era empresa do grupo a que a impugnante "……………." também pertencia; e o cheque n°………….. do ……, no valor de € 5.712,00, com data de 23/10/2003, que foi levantado pelo titular do Bl no ………….. Bl que não é do Carlos………………… da ………, cfr. fls. 47, 56, 57/ss;
F) A impugnante ………… apresentou - "a título de exemplo" em como o seu fornecedor, Carlos…………, "foi subcontratado pela …………." para lhe prestar "serviços de maquinação de zonas moldantes e a serviços de torneamento de peças, serviços cujos foram acordados"--- em anexo ao exercício do direito de audição, cópia da factura no 164 de 25/09/2004, referente a serviço de torneamento de 62 peças em aço e alumínio para a estrutura no 1229 - obra 5450, assim como cópia do orçamento, apresentado pela ………, para realização, entre outros, do trabalho ali descrito, no valor de 3.050,00€, e cópia do cheque no ……………, no valor de 6.128,50€, que foi depositado na conta ……………… do …… , da …………, e que serviu para liquidação das facturas no 161 e 164, nota de pagamento no 779 de 20/04/2004, emitida pela impugnante, cujo ano e cujas facturas e demais ora referidos não estão em causa nestes autos nem fizeram parte da inspecção (a 2003) nem do acto de liquidação ora impugnado -fls. 50, 51 e PA anexo.
G) A descrição dos serviços prestados, constante nas facturas n° 77, 81 e 84 são "Torneamentos diversos", "tornear peças diversas por orçamento", não tendo a impugnante apresentado à AT os orçamentos ou outros documentos dos mesmos fls. 51;
H) Segundo declarações, escritas e assinadas pelo sócio gerente da Carlos declarou, por escrito e assinou, que os valores das facturas emitidas à impugnante ............... (originais e duplicados) estão sobrevalorizados, sendo os valores reais os constantes nos triplicados registados na sua (da ………..) contabilidade - fls.47;
I) A AT fez diligências, nomeadamente junto do emitente das facturas da Carlos, e concluiu que "o mesmo não possui estrutura empresarial suficiente para prestar a totalidade dos serviços constantes na contabilidade da ……………." - fls. 47;
J) Considerando que "Face aos factos já descritos, tendo o respectivo IVA sido objecto de dedução indevida nos termos do n.º 3 do art. 19° do CIVA (extracto em anexo nº 4), apuraram-se os valores a corrigir em sede de IVA, considerando o período de imposto em que as facturas foram contabilizadas" (fls. 48), a AT procedeu aos seguintes actos tributários ora impugnadas:
--Liquidação oficiosa adicional n.º………….., de IVA no valor de 1.583,65€, por correcções ao IVA no período 03.08, e desconsideração de deduções ao imposto liquidado, corrigindo o IVA, nesse montante de 1.583,65€ --fls. 63; e
--Liquidação oficiosa adicional n°………….., de IVA no valor de 896,80€ por correcções ao IVA no período 03.08, e desconsideração de deduções ao imposto liquidado, corrigindo o IVA, nesse montante de 896,80€ --fls. 64; e
Cujo prazo para pagamento voluntário, quanto a ambas, terminou em 31101/2008- fls. 63 e 64.
K) Dou por reproduzida a certidão permanente do registo comercial da impugnante, de fls. 65 e 66;
L) Dou por reproduzido os documentos de demonstração de compensação de IVA de fls. 101 a 103; bem como o ofício de fls. 43, de 13/11/2007, do qual se destaca o seguinte: «Fica (… ) por este meio notificado (s), nos termos do art.º 77° da LGT e do art º 62° do RCPIT, do Relatório de lnspecção Tributária e do teor do despacho que sobre ele recaiu, que se anexa como parte integrante da presente notificação, relativamente ao seguinte. Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou ao imposto, sem recurso a métodos indirectos, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da DGCI procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá (...)» -destaques nossos;
M) Em 2003, a impugnante .................... esteve ligada a um projecto de construção de um helicóptero e a encomendas da ……….. (aviação); e subcontratou à ………… serviços de torneamentos, fresagens para moldes e serviços similares, o que aconteceu, designadamente quando teve "picos" de encomendas.

Factos não provados:
Com interesse para a presente decisão não se provaram outros factos além dos fixados.
Motivação:
O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica dos documentos referidos em cada ponto do probatório, tudo ponderado e conjugado com as regras da experiência comum da vida. Fundou-se ainda no depoimento das seguintes testemunhas:
José………………………., técnico fabril, com o curso geral mecânico e o antigo 5º ano (9ºAE); referiu não ser amigo nem inimigo de qualquer pessoa ligada à impugnante; apenas ser empregado da impugnante, não ter interesse na causa e nada o impedir de dizer a verdade. Reportou o objecto da impugnante, a prestação de serviços pela ……………, em 2003; os serviços que este oferecia; os preços que a …………. meteu nas facturas em causa não são compatíveis com os elevados valores dos serviços pedidos pela impugnante; "isso nem para um pingo de solda dava; é sempre tudo para cima de 1000€"; o projecto de helicóptero; as estruturas e a subcontratação da ……….; nunca foi á ………… e admite que a ……… tenha executado o serviço pedido noutro lado, mas não sabe, nem tem ideia das peças concretas; mas os preços das peças, a que se dedicam, são de centenas e milhares de euros, por peça, e não aquilo; conhece de vista A Sara da …………... Depôs com espontaneidade, coerência, lógica, razões de ciência, sem evasivas ou contradições, merecendo credibilidade.
Luís………………………, responsável da parte financeira do grupo de empresas da ……………., possui o 12" ano; referiu não ter relações de parentesco ou afinidade, nem é amigo ou inimigo; só tem relações profissionais com a impugnante, não tem interesse na causa e nada o impede de dizer a verdade. Foi confrontado com os documentos de fls. 52 a 54 dos autos. Depôs na linha da anterior testemunha, reportando os serviços prestados de moldes e tomo, técnicos; que nesta indústria de "moldes" são muito caros "100€ é nada"; os preços das facturas da ……….. são impossíveis: a impugnante pagou à …………; "os dinheiros devem andar por ai..", (pois que pagaram pagaram); as encomendas da ………; acontecem vários casos de clientes que pedem para pagarem em "caixa", a dinheiro; a subcontratação a outros pela ………. ; os cheques levantados; tudo registado; ele (Carlos…………..) está a mentir ao dizer que não recebeu o dinheiro; os valores dele não têm que ver com o tipo de serviços, são "baixinhos". Depôs com espontaneidade, coerência, lógica, razões de ciência, sem evasivas ou contradições, merecendo credibilidade.
Rui……………………., responsável da contabilidade do grupo de empresas da ………………. é TOC de algumas destas, licenciado em economia; referiu que não é amigo ou inimigo de qualquer pessoa ligada a impugnante, embora existam relações próprias de vizinhança, não tem interesse na presente acção e nada o impede de dizer a verdade. Foi confrontado com os documentos de fls. 52 a 54; Reportou o recurso à subcontratação de serviços nos "picos de trabalho"; torneamentos, peças, cavidades, moldes, etc; as facturas e sua validação; os preços apresentados nas facturas da ……… "são incompatíveis, irrisórios" "não são "preço", para não qualificar de outra forma; nunca tiveram problemas com este tipo de descritivos das facturas; em 2003 a ………….; os valores; admite que a ……… subcontrate os serviços a que se comprometa, não sabe e nem conhece a estrutura nem a oficina; "eu tenho que acreditar que os trabalhos foram realizados" - estas facturas foram pagas em dinheiro (através de cheques levantados); como fazem nos casos em que lhes é pedido pelos fornecedores; .. para mim é o sr. Carlos…………., que está a mentir; estes dinheiros foram-lhe pagos; eu conheci os valores pelos extractos e não pelas facturas; (…) preços incompatíveis; parecem de restaurante; factura que ficou na posse do Carlos …………., é que terá feito falcatrua"; não tenho dúvida que alguma falsificação terá feito o sr. Carlos ……... Depôs com espontaneidade, coerência, lógica, razões de ciência, sem evasivas ou contradições, merecendo credibilidade.
Margarida ………………………………, inspectora tributária, licenciada em gestão de empresas; referiu que apenas conhece a impugnante no âmbito da sua actividade profissional e nada a impede de dizer a verdade. Foram-lhe exibidos os documentos juntos nesse dia, pela impugnante. Reportou as razões e diligências da inspecção; o que o sr. Carlos (……….) alegou; o levantamento dos cheques; o processo crime contra o Carlos …………; "ele (Carlos) era evasivo; depois de notificado veio incluir a ………….."; foi lá, em 2007, à oficina, "piquinina" com maquinaria obsoleta"; um torno com mais de 20 ou 30 anos e sem computador, em 2007; sem trabalhadores; "em 2003 não estive lá"; a contabilidade da ……….. "não revela contratos"; teve o testemunho de vários clientes dele (Carlos………..) e muitos assumiram a subfacturação (vinte e tal); as facturas; os pagamentos e reembolso. Depôs com espontaneidade, coerência, lógica, razões de ciência, sem evasivas ou contradições, merecendo credibilidade.

A.1 Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto
Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, a coberto do estatuído no artigo 662º, nº.1, do CPC ex vi artigo 281º do CPPT ao probatório, a seguinte factualidade:

N) Consta do Relatório de Inspecção a que alude a al. B) do probatório, além do mais o seguinte:
« Elementos recolhidos na contabilidade de ………………………….., Lda
Na contabilidade de ……………………….. Lda verificou-se que este emitiu à firma …………………………….., Lda, no ano de 2003, três facturas, cujos elementos se discriminam no quadro seguinte:




Os pagamentos das facturas foi contabilizada pelos mesmos valores, movimentando-se a conta 11 Caixa, não havendo registo da forma de pagamento.

- Elementos recolhidos na contabilidade de ……………………………., Lda
Com base no despacho DI200701652, procedeu-se à recolha de extractos c/C relativos ao fornecedor ……………………., Lda ( anexo n.º2), bem como de todos os documentos de suporte, nomeadamente facturas, documentos de pagamento e extractos bancários com desconto de cheques supostamente utilizados para o pagamento.

Os elementos das facturas recolhidos, discriminam-se no quadro abaixo:


(…)
Segundo declarações escritas e assinadas pelo sócio gerente da firma ………………………… Lda, os valores das facturas emitidas à firma …………. (originais e duplicados), estão sobrevalorizados, sendo os valores reais os constantes nos triplicados na sua contabilidade.
(…) Face ao exposto propõe-se a correcção pela diferença de valores, quer em sede de IVA, quer em sede de IRC, uma vez que os valores constantes dos originais das 3 facturas resultam de simulação de preço dos serviços adquiridos.» (Doc. fls. 43/51 dos autos.)

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B.DE DIREITO

A liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) que foi objecto de impugnação judicial por parte da Recorrida resultou de correcções meramente aritméticas à matéria tributável por si declarada relativamente ao exercício de 2003, determinada pela desconsideração de três facturas ( n.ºs 77, 81 e 84) emitidas por “………………………, Lda” por as mesmas reunirem fortes indícios de simulação de preço.
O Tribunal «a quo» julgou a impugnação improcedente, com a seguinte argumentação:

« A impugnante questiona por que razão a AT atribui e desconfia da sua palavra e acredita na do interessado, suspeito e arguido criminal, Carlos …………...
E era aqui que se impunha a fundamentação que falta. Na verdade dos factos apurados na inspecção, em síntese, de que as facturas da ……… tem valores baixos e na escrita da Impugnante têm valores e datas diversos e mais elevados e foram passados cheques levantados por pessoas funcionárias da Impugnante, e outros assumiram a sobrefacturação através da ……… (premissas) não se segue a conclusão necessária de que quem fez a "falcatrua", na expressão que foi usada num depoimento, foi a impugnante.
O uso de cheques evidencia o caminho do dinheiro; e portanto, milita a favor da isenção da impugnante, o facto de pagar com cheques e não através do levantamento do próprio numerário, o que igualmente podia fazer. Se quisesse fugir à prova, melhor seria não ser pessoa dos seus, nem usar cheques, a levantá-los. É evidente que só por si o uso de cheques não impede "conluios" (expressão usada na audição) nem evasões ou fraudes. Mas, esse facto com os demais, permite concluir no sentido oposto ao tirado pela AT. Depois trata-se de 3 facturas, averiguadas, de início, até pelo telefone, como reza o relatório e não de outros indícios da parte da impugnante. Acresce que o Carlos…………. além de interessado no depoimento que fez, e só depois de ser notificado foi incluir a impugnante, e mostrou-se evasivo, como resulta do relatório e do testemunho da Exma. lnspectora (que o ouviu); e também o comprovam os restantes cerca de 20 que incriminaram e até alguns assumiram a fraude com o Carlos…………. O testemunho destes milita contra a ………… mas não necessariamente contra a impugnante.
O facto de as facturas não terem um descritivo detalhado, pode constituir eventual falta de cumprimento do alegado artigo 35, do CIVA e a não entrega de orçamentos. Mas, daí não se segue que a impugnante não tenha contratado serviços e pago os mesmos através dos cheques. E tanto assim que a AT não utilizou métodos indirectos ou presumidos da matéria colectável, mas sim usou os exactos valores constantes da escrita da impugnante, para as liquidações. Deu-lhes, portanto, credibilidade. Neste quadro, não pode concluir-se pela penalização da impugnante, que, de algum modo representa a correspectiva desculpabilização absolutória do Carlos………….. Para tal imputação, seriam necessários bem mais elementos, eventualmente de um outro tipo de inspecção, se os houvesse. Há, pois, no raciocínio lógico-dedutivo da fundamentação do acto impugnado o vício de contradição insanável e de carência do referido "iter" cogniscitivo. No mesmo sentido indica o facto dos elevados valores das peças e demais serviços requeridos pela impugnante e os insignificantes, para o caso e volume de negócios e preços do ramo, apresentados nas facturas da …………..
Por fim, como resulta do quadro normativo supra e também do artigo 100, do CPPT (embora este no quadro dos métodos indirectos), as expressões legais que o legislador usou, remetem para o princípio de que a dúvida fundada milita a favor do impugnante. Tendo a impugnante invocado as razões e suspeições à AT, também se impunha que a fundamentação fosse desenvolvida "adequadamente" no sentido da ponderação lógica, mas objectiva, dos factos e provas, para mostrar por que razão a versão da impugnante, (sendo objectivamente mais consistente e verosímil) não prevaleceu perante a do comprovado suspeito e formalmente arguido criminal.»
Por aqui se vê, que tendo o Mmº Juiz «a quo» construído (supra transcrito) o seu discurso, todo ele, em volta de saber se as facturas consideradas pela ATA como simuladas respeitam a operações efectivamente realizadas alheou-se, como é evidente da fundamentação que suporta o acto tributário de liquidação impugnado.
Com efeito, da simples leitura do Relatório de Inspecção, enquanto acto que suporta a correcção, se constata que a ATA considerou que as operações constantes das facturas não se realizaram pelo preço aí referido, e não já que as mesmas não ocorreram. Disso mesmo, nos dá conta o mesmo Relatório ao não desconsiderar totalidade do IVA deduzido nas facturas.
Isto posto, vejamos então do acerto da correcção.
A Recorrente não se conforma com o decidido, alegando que a Impugnante não tem direito à dedução do IVA constante das facturas em causa, face aos indícios recolhidos, os valores constantes dos originais das facturas em causa resultavam de simulação de preço de serviços adquiridos.
Assim, a questão a decidir é a de saber se os valores reportados nas facturas resultam ou não de simulação de preços.
Dispõe o artigo 19º, nº 3 do CIVA (redacção à data dos factos) que “Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que esteja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”.
Esse princípio vai na linha de defesa dos interesses da Fazenda sendo seu escopo fundamental a manutenção da cadeia das deduções ao frustrar as tentativas de obtenção da dedução de imposto não suportado mediante a exigência de facturas de aquisição de bens e serviços pelos sujeitos passivos, travando o passo à evasão fiscal.
Com efeito, não há direito à dedução quando a operação é simulada ou se o preço constante da factura ou documento equivalente é simulado, o que o mesmo é dizer que nessas situações não é admitido o direito à dedução do imposto respectivo a fim de não se obter dedução de um imposto que não foi suportado pelo sujeito passivo.
Neste particular, é sabido que, como tem sido jurisprudência uniforme e, quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua actuação constantes do artigo 82º, nº 1 do CIVA, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as facturas em causa não correspondem à realidade, terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.
Daí que a ATA tenha o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar uma determinada operação que se encontre relevada na contabilidade do contribuinte, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso ordenamento jurídico), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
Todavia, não é necessário que a ATA prove os pressupostos da simulação previstos no artigo 240º do C.C. (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo bastante a prova de elementos indiciários que levem a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais.
No caso presente, após uma análise e cruzamento efectuado entre a contabilidade da sociedade “ ……………………., Lda” e da Impugnante, a ATA concluiu estarmos numa situação de sobrefacturação, que se consubstancia na prática de simulação dos valores das operações facturadas pelas facturas em causa, não questionando desde modo a materialidade das operações tituladas nas facturas.
Isto dito, importará, em primeiro lugar, analisar se a ATA fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que os valores constantes nas facturas contabilizadas pela Impugnante e emitidas pela sociedade “ ……………………………….., Lda” resultaram de simulação de preço.
No âmbito das diligências inspectivas levadas a efeito pela ATA para, além da análise à contabilidade da sociedade emitente das facturas ouviu em declarações o seu sócio-gerente que terá referido que: «os valores das facturas emitidas à firma ..................... (originais e duplicados) estão sobrevalorizados, sendo os valores reais os constantes nos triplicados, registados na sua contabilidade».
A ATA indicou, ainda, no seu Relatório indícios referentes aos meios de pagamento dos serviços referidos nas facturas, e neste sentido, apurou que os cheques n.º ………… e ………………. respectivamente nos valores de € 10.115,00 e € 5.712,00 se tratam de cheques ao portador, s/……., tendo sido o primeiro levantado por uma funcionária da ……………., empresa a que a sociedade impugnante estava ligada e no segundo o Bilhete de Identidade constante do verso do cheque não corresponde ao do sócio gerente da sociedade emitente das facturas.
Ora, face aos elementos de que a ATA dispunha pode-se considerar que havia fundamento para rectificar a declaração, considerando que nela consta dedução superior à devida.
E, contrariamente à posição espelhada na sentença recorrida, inexiste quanto a nós, insuficiência na actividade instrutória desenvolvida pela ATA em sede do procedimento inspectivo, uma vez que para, como já demos nota, e vem reflectido no Relatório de Inspecção que fundamenta a liquidação em crise, foi efectuada a análise à contabilidade da sociedade emitente das facturas, ouvido em declarações o respectivo sócio gerente e solicitadas as cópias da frente e verso dos cheques indicados mas notas de pagamento das referidas facturas.
Em face do que fica dito, devemos dizer muito claramente, em resposta ao thema decidendum, que a Impugnante, ora Recorrida, não tem direito à discutida dedução de IVA.
A sentença recorrida, que assim não decidiu, enferma, portanto, do erro de julgamento que a Recorrente lhe imputa, devendo ser revogada.

IV.DECISÃO
Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial.

Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.

Lisboa, 23 de Abril de 2015.

[Ana Pinhol]

[Joaquim Condesso]

[Cristina Flora]