Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06028/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EFEITOS DO RECURSO.
PROCESSO ESPECIAL DE DERROGAÇÃO DO DEVER DE SIGILO BANCÁRIO.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
AMPLITUDE DA ÁREA DE TUTELA DA NORMA IMPOSITIVA DO SIGILO BANCÁRIO.
ARTº.63-B, DA L.G.TRIBUTÁRIA, NA REDACÇÃO DA LEI 55-B/2004, DE 30/12.
ARTº.63-B, Nº.8, DA L.G.T.
TERCEIROS QUE SE ENCONTREM EM RELAÇÃO ESPECIAL COM O CONTRIBUINTE INVESTIGADO.
Sumário:1. Em processo tributário, a regra é a de que os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil do recurso, como decorre do disposto no artº.286, nº.2, do C.P.P.T., sendo situações enquadráveis nesta última hipótese prevista pelo legislador aquelas em que a execução imediata da decisão possa provocar uma situação irreparável.

2. Há, pelo menos, duas situações em que ao recurso jurisdicional de decisões judiciais proferidas no processo especial de derrogação do dever de sigilo bancário deve ser atribuído efeito suspensivo. Em concreto, reportamo-nos aos casos em que o recurso interposto pelo contribuinte produz efeitos suspensivos automáticos (cfr.artº.63-B, nºs.3 e 5, da L.G.T.) e nele é proferida decisão judicial de indeferimento. A outra situação reconduz-se à existência de pedido de autorização formulado pela Administração Tributária (cfr.artº.63-B, nº.8, da L.G.T.), o qual é objecto de decisão judicial de deferimento. Ambos os casos que acabámos de enunciar têm em comum o facto de as decisões judiciais se mostrarem favoráveis ao acesso da Administração Tributária à documentação bancária. Nestes casos, parece-nos evidente que a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso jurisdicional, possibilitando a execução imediata da decisão judicial, afecta gravemente o seu efeito útil, provocando uma situação irreparável, permitindo aquilo que o contribuinte, através da interposição do recurso, pretendia impedir: o acesso da Administração Tributária a dados cobertos pelo segredo bancário.

3. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

4. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr.artº.655, nº.1, do C.P.Civil). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

5. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.

6. O dever de sigilo bancário a que se encontram adstritas as instituições de crédito e as sociedades financeiras, tem subjacente, na nossa ordem jurídica, a salvaguarda de interesses públicos e privados. Os interesses públicos prendem-se com o regular funcionamento da actividade bancária, o qual pressupõe a existência de um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem. Os interesses privados com a perspectiva que consiste na finalidade do instituto do segredo bancário ser também do interesse dos clientes, para quem o aspecto mais significativo do encorajamento e tutela do aforro se consubstancia na garantia da máxima reserva a respeito dos próprios negócios e relações com a banca. Com o sigilo bancário o legislador pretende, pois, rodear da máxima discrição a vida privada das pessoas, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais a eles ligados.

7. A questão central que se coloca nesta matéria parece residir, porém, na maior ou menor amplitude com que se delimite a área de tutela da norma impositiva do sigilo bancário. Considerando-se que o bem jurídico protegido é a privacidade no seu círculo mais extenso poderá melhor compreender-se uma compressão do seu âmbito em função de valores ou interesses supra-individuais. Pelo contrário, colocando-se o assento tónico do dever de segredo na esfera mais intensa da intimidade da vida privada, apenas se justificará uma intromissão externa nos casos especialmente previstos e em articulação com os mecanismos do direito processual.

8. Actualmente, caminha-se claramente no sentido da flexibilização das situações em que o sigilo bancário pode ser afastado por via administrativa, por parte das autoridades fiscais, sempre que estejam em causa situações de suspeita de fraude ou evasão fiscal, lesivas do erário público, no limite pondo em causa a satisfação das necessidades colectivas, mas igualmente dos próprios interesses dos particulares não relapsos, devido a violação do princípio da igualdade e do dever fundamental de pagar impostos.

9. A decisão de derrogação do sigilo bancário, de acordo com o regime previsto no aludido artº.63-B, da L.G.Tributária, na redacção da Lei 55-B/2004, de 30/12, pode basear-se em uma de duas situações. Em primeiro lugar, uma situação em que se permite o acesso directo, através da emissão de uma decisão administrativa, que se verifica nos casos previstos nos nºs.1, 2 e 3 da norma. Em segundo lugar, uma outra situação em que o acesso da Administração Tributária depende de autorização judicial e que corresponde às situações definidas no nº.8 do mesmo artigo.

10. Especificamente em relação ao regime previsto no artº.63-B, nº.8, da L.G.T., aplica-se o mesmo às situações em que a Fazenda Pública, na pendência de um procedimento especial de derrogação do segredo bancário, pretende ter acesso a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem em relação especial com o contribuinte investigado. Nesse caso, estabelece o nº.8, do artº.63-B, da L.G.T., que tal só será possível mediante autorização judicial e após audição do visado, mais obedecendo aos requisitos previstos no nº.4 do mesmo artigo. E não basta respeitar os requisitos procedimentais previstos no nº.4 do preceito. Na verdade, o acesso a elementos bancários relativos a familiares ou a terceiros, só é possível quando, simultaneamente e relativamente ao contribuinte - cuja situação tributária determinou a abertura de um procedimento especial de derrogação do segredo bancário - se verifique algum dos requisitos enunciados nos nºs.1 a 3 do artº.63-B, da L.G.T.

11. Existindo no nosso ordenamento jurídico-tributário uma definição de “relações especiais”, oferecida para efeitos da disciplina legal de preços de transferência, originariamente aplicável para efeitos de I.R.C., mas igualmente válida para a cédula do I.R.S. (“ex vi” do artº.32, do C.I.R.S.), entendemos que aquela definição, por via do artº.2, al.b), da L.G.T., ainda que sujeita às necessárias adaptações, pode ser aproveitada para efeitos de determinação do sentido e alcance dos poderes da Administração Tributária em matéria de acesso a informação bancária relativa a terceiros. Especificamente, os sócios e/ou administradores duma empresa que está a ser alvo de uma inspecção não podem deixar de considerar-se, para este efeito, terceiros que se encontram numa relação especial com aquela.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
RUI …………………, com os demais sinais dos autos, deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.216 a 226 do presente processo, através da qual julgou procedente o pedido de autorização, estruturado ao abrigo do artº.146-C, do C. P. P. Tributário, para aceder à informação e documentação bancária atinente à conta nº…………….. de que é titular o recorrente e relativamente ao período de 1 de Janeiro de 2007 a 5 de Setembro de 2009.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.231 a 262 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
A - Do efeito do recurso
1-Deve ser fixado o efeito suspensivo ao presente recurso por força do disposto no artº.63-B, nº.5, da L.G.T., já que, com a decisão sob recurso se visa aceder aos documentos bancários de terceiros que se relacionam com a contribuinte, a saber, o filho do sócio gerente daquela, que são pessoas juridicamente distintas da sociedade que é o sujeito passivo da relação jurídico-tributária;
2-Isso porque, consoante o disposto no nº.1, al.b), do citado preceito, a Administração Tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível, dispondo o seu nº.5 que os actos praticados ao abrigo da competência definida no nº.1 são susceptíveis de recurso judicial com efeito meramente devolutivo e os previstos no nº.2 dependem da audição prévia do familiar ou terceiro e são susceptíveis de recurso judicial com efeito suspensivo, por parte destes;
B - Do errado julgamento da matéria de facto
3-O Tribunal autorizou o acesso à informação e documentação bancária relativamente à conta nº………….., titulada pelo recorrente, relativamente ao período de 01/01/2007 a 05/09/2009;
4-Porém, como resulta do relatório em que se baseou o pedido de acesso e terá sido pela A.T. constatado no pacto social da empresa, o ora recorrente era um mero sócio e para aquela conta, como resulta do mesmo relatório, foram transferidas pelo sujeito passivo os montantes € 248.850,03, em 2007, e € 50.791,54, em 2008;
5-O fundamento para decretar a presente medida está justificado no facto de nos exercícios de 2009, 2010 e 2011, o sujeito passivo - a sociedade - continuar a efectuar transferências bancárias nos montantes dos TPA's com omissão das vendas efectuadas na Caixa 4, não reflectindo na contabilidade as receitas dos TPA's associados, desconhecendo-se a(s) conta(s) de destino dessas receitas;
6-Da sentença recorrida decorre que foi decisivo para o decretamento da referida medida o facto de o ora recorrente se encontrar numa relação especial com o contribuinte - que é a sociedade e não o seu pai, sócio gerente desta! - unicamente por ser sócio da dita sociedade;
7-Todavia, qualquer esclarecimento útil sobre as questões que o agente inspectivo pretendesse obter do ora recorrente não lograria sucesso pelo simples facto de ser o seu pai quem tinha conhecimento efectivo da situação económico-contabilística da empresa e se ele não os prestou foi devido ao seu crítico estado de saúde que foi atestado clinicamente e só pelo facto de a A.T. desconhecer as contas de destino das verbas referidas, sem qualquer outro indício que aponte no sentido de que essa conta foi utilizada para tais fins, torna desproporcionada, inadequada e desnecessária a medida ora decretada pois seria e é possível dispor de outras formas de aceder à informação pretendida, designada e mormente os esclarecimentos que o sócio-gerente podia efectivamente prestar quando estivesse em condições para esse efeito;
8-E o ora recorrente não pode sofrer a medida decretada pois é falso que tenha exercido funções de gerência na “D…………..”, pois, nos anos em causa, não passava de um mero sócio, não tendo por isso uma relação com a mesma que justifique aquela e a relação familiar que tem é com o sócio gerente da sociedade e não com esta!
9-A sentença incorre pois em erro de julgamento sobre os pressupostos de facto que permitam a subsunção aos requisitos previstos no artº.63-B, nºs.1,al.b), e 2, da L.G.T., e que justificaram a medida gravosa decretada na decisão recorrida;
10-Na verdade, estando perfeitamente determinados os valores depositados na conta nº……………….. nos períodos indicados - 2007 e 2008 - e não havendo indícios que apontem para que a mesma conta foi utilizada no período de 1 de Janeiro de 2007 a 5 de Setembro de 2009 (o que é contraditório, pois já se determinou que o foi e pelos valores determinados em 2007 e 2008), era possível a comprovação e quantificação do total dos proveitos realizados nos exercícios em causa - 2007 e 2008 - inverificando-se, por isso, indícios da falta de veracidade do declarado em que se baseou a decisão recorrida para fundamentar a derrogação do dever de sigilo bancário de modo a viabilizar o acesso às informações e documentos bancários de que o ora recorrente é titular, sendo certo que a identificação de tais contas bancárias são facilmente detectáveis na contabilidade da empresa e do sócio gerente da mesma, utilizadas pela sociedade no decurso da sua actividade comercial sendo facilmente identificável o beneficiário das receitas;
11-Na verdade - e isto é o mais importante! - o ora recorrente não é nem nunca foi titular da questionada conta como se vê do documento - cheque - que se junta como documento nº.1 e do qual também resulta que a conta sempre pertenceu única a exclusivamente à empresa “D…………… - Supermercados, Lda.”;
12-E quem movimentava tal conta era e sempre foi o sócio gerente, o Sr. Francisco ………….., pai do recorrente, sendo que, após integração do Banco …………. no Banco ……….., a mesma conta passou a ter o nº…………….., conta à ordem, continuando sempre a ser movimentada pelo Sr. Francisco ……………….;
13-É assim absurdo que se pretenda retirar efeitos fiscais ou outros de alegada titularidade de uma conta que não pertence ao recorrente mas antes à empresa da qual ele não era sócio até 17 de Novembro de 2008 (data em que foi aumentado o capital social da empresa) e da qual nunca foi gerente;
14-Importa ainda referir que nessa conta e no período de 1/01/2007 a 5/09/2009, foram transferidos para a referida conta os valores a que se reportam os extractos bancários que ora se juntam como documento nº.2, e que permitem esclarecer as situações nos termos pretendidos pela medida decretada e ora posta em crise;
15-Donde que a medida decretada, não pode ser autorizada porque não se demonstra qualquer conexão da conta em apreço com a actividade da empresa no período em causa, não servindo a mesma medida para obter tais mesmos indícios, o que significa que a sentença errou ao sufragar a tese da A.T. no sentido de que “existem factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado” quando é manifesto que inexistem tais factos e que a A.T. procura obtê-los através da medida ora posta em crise;
C - Do errado julgamento de direito
16-Foi porque se considerou na sentença recorrida louvando-se na fundamentação da A.T. e ainda porque no decurso do procedimento inspectivo o recorrente não fez prova de que corresponde à realidade a sua situação tributária por falta de colaboração do sujeito passivo, que se conclui pela impossibilidade de comprovação e quantificação do total dos proveitos realizados nos exercícios em análise, pela existência de contas bancárias tituladas pela sociedade não reflectidas na contabilidade, bem como de contas bancárias tituladas pelo sócio gerente, utilizadas pela sociedade no decurso da sua actividade comercial, pela impossibilidade de identificar o beneficiário das receitas e, ainda, pela impossibilidade em concretizar o acesso aos documentos bancários referentes aos exercícios de 2007 a 2009 com a colaboração do sujeito passivo;
17-No entanto, da própria fundamentação retira-se que é possível a comprovação e quantificação do total dos proveitos realizados nos exercícios em causa relativamente aos valores depositados na aludida conta, não se verificando, por isso, indícios da falta de veracidade do declarado em que se baseou a decisão recorrida para fundamentar a derrogação do dever de sigilo bancário para viabilizar o acesso às informações e documentos bancários de que o recorrente é titular, quando é certo que a identificação de tais contas bancárias é facilmente detectável na contabilidade da empresa e do sócio gerente da mesma, utilizadas pela sociedade no decurso da sua actividade comercial e através da prova produzida é facilmente identificável o beneficiário das receitas e os respectivos movimentos;
18-Da prova constante dos autos, vê-se claramente que os rendimentos declarados pela empresa correspondem à realidade e que as contas utilizadas foram as que a A.T. mencionou e acima identificadas e que através das mesmas é possível determinar directa e exactamente a totalidade dos proveitos realizados nos exercícios em causa;
19-Não é legitima a conclusão da A.T. e da decisão recorrida no sentido de que deixou de se verificar a presunção de veracidade e de boa fé da declaração da contribuinte, que está consagrada no artº.75, da L.G.T., já que foi cumprido o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que as transferências bancárias que se realizaram, foram as que se documentam nos autos e pelos motivos e com a destinação ora invocados pelo recorrente, documentalmente comprovadas, não passando de meras conjecturas ou infundadas suspeitas os “fundamentos” aduzidos para derrogar o sigilo bancário só porque o recorrente é filho do sócio gerente e presumível titular de uma conta - que se mostra agora que não era, pois a mesma é titulada pelo sujeito passivo - para onde a empresa nos períodos que estão perfeitamente delimitados fez movimentos de quantias certas e determinadas;
20-Na verdade, o artº.104, nº.2, da Constituição proclama que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real” pelo que o regime de derrogação do sigilo “quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado” está igualmente sujeito àquelas restrições pois, no fundo, o que se visa com a derrogação é criar possibilitar a aplicação do método indiciário ou indirecto de tributação, e que, quer no procedimento administrativo, quer no processo judicial, o que há-de relevar é o princípio da verdade material do facto tributário que gera o direito à arrecadação do imposto, provado directamente pela declaração e (ou) contabilidade do contribuinte ou pela Administração Fiscal, nos casos tipificados na lei, através dos meios gerais e especiais de prova legalmente admissíveis;
21-Face à matéria de facto apurada nos autos, não são sustentáveis quaisquer indícios para aceder às pretendidas informações ou documentos bancários porque não ocorre a falta de veracidade do declarado, sendo que o fundamento mais consistente aduzido na decisão recorrida acolhendo a posição da A.T., é o de que “no caso concreto dos autos, encontra-se naquela relação especial o sócio da sociedade, neste caso o ora requerido...”, “no caso em apreço esta suficientemente comprovado que no decurso dos exercícios de 2007 e 2008 o sujeito passivo...omitiu vendas cobradas através de uma das caixas do estabelecimento que não foram reveladas na sua contabilidade e que foram canalizadas para a consta bancária nº………………. titulada pelo sócio..., filho do sócio gerente à data da pratica dos factos” pressuposto falso, como supra consistentemente se demonstrou, sendo a prova produzida suficiente no sentido de demonstrar que o não há razões para pôr em causa o valor global transferido para aquela conta;
22-Tanto mais que, tendo em conta o estado de saúde do gerente da empresa, devidamente comprovado, não procede o fundamento da medida impugnada consistente na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e de mais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição;
23-Sendo ainda certo que existem diversos documentos que contrariam a necessidade de aceder às pretendidas informações ou aos documentos bancários tendentes a justificar a falta de veracidade do declarado com vista à aplicação dos métodos indirectos, e afastam a evidência dos indícios (não demonstrados) de uma discrepância entre o volume de negócios e os valores encontrados pela A.T., é forçoso concluir que a escrituração comercial reportada aos anos em causa como a documentação de suporte dos lançamentos contabilísticos da empresa de que o recorrente é apenas sócio, se apresentam de acordo com os requisitos legalmente tabelados que permitem a quantificação directa e exacta da matéria tributável;
24-Ora, só se o recorrente, que nem sequer é gerente, mas mero sócio, e o próprio sujeito passivo, não lograssem fazer a aludida prova é que se poderia considerar que se verificavam indícios da falta de veracidade do declarado;
25-Sendo assim, como é, o recorrente logrou infirmar aqueles pretensos indícios relativamente aos rendimentos declarados nos exercícios em causa, pois logrou provar que foi feita a demonstração de ele não era titular da conta visada mas sim o sujeito passivo (a sociedade Distrialmada) e de que as transferências bancárias dos valores especificados na informação prestada pela A.T. e em que ancora a decisão recorrida e os que agora se revelam através dos extractos bancários cuja junção se requer, correspondem exactamente aos proveitos que tinham de ser declarados;
26-Ademais e atentas as circunstâncias, “...não carecia a Contribuinte, para efeitos de ilidir a referida presunção, de demonstrar a forma como adquiriu esses capitais, pois o que está em causa é apenas averiguar se estes foram ou não omitidos na declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2008 e não a outros. (...) a lei não foi tão longe, ficando-se pela inversão do ónus da prova da veracidade dos rendimentos declarados no ano em causa..." - cfr. na senda do Acórdão do TCAS de 04/03/08, no Recurso nº. 2259/08;
27-Mas o recorrente também demonstrou que é terceiro em relação à contribuinte podendo ser alvo da medida ora decretada apenas no caso de se ter recusado a exibir os documentos bancários ou a autorizar a sua consulta, o que, manifestamente não corresponde à verdade pois não era seu sócio-gerente, não podendo a medida sob censura ser determinada;
28-Tanto mais que na informação em que ancora a decisão recorrida, para justificar o incumprimento do princípio da colaboração, ainda se diz, visando o mesmo sócio, ora recorrente, que “tendo-se verificado que o seu filho, o sócio e funcionário, senhor Rui …………………… tem exercido funções de gerência, foi solicitada a sua presença, não tendo sido possível qualquer contacto por alegadamente não se encontrar nas instalações da empresa”;
29-Acresce que é desprovida de qualquer sentido a afirmação de que alegadamente o recorrente não se encontrava nas instalações da empresa porque se essa justificação foi dada, foi porque, efectivamente, o recorrente lá não se encontrava, não passando aquela afirmação de uma insinuação maliciosa, sendo certo que, qualquer esclarecimento útil sobre as questões que o agente inspectivo pretendesse obter do ora recorrente não lograria sucesso pelo simples facto de ser o seu pai quem tinha conhecimento efectivo da situação económico-contabilística da empresa e se eles não os prestou foi devido ao seu crítico estado de saúde;
30-Num tal contexto, não pode atribuir-se ao ora recorrente a qualidade de gerente de facto pois era seu pai que efectivamente representava e vinculava a contribuinte, dando ordens ao pessoal, celebrando contratos com este e com o clientes, fazendo pagamentos e encomendas, enfim, praticando todos os actos necessários a assegurar o giro societário;
31-Tendo em conta tudo quanto vem dito, constata-se que a lei prevê um regime diferenciado, sendo que, em relação aos exercícios de 2007 a 2009, vigorava o art.63-B da L.G.T. (que fora aditado pela referida Lei 30-G/2000, de 29/12, e rectificado pela Declaração de Rectificação nº.8/2001, de 13/3, e, posteriormente, alterado pelo DL 320-A/2002, de 30/12, veio de novo a ser alterado pela Lei 55-B/2004, de 30/12, que lhe introduziu a redacção seguinte, no que aqui interessa:
“Acesso a informações e documentos bancários”
“1 - A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
a)...
b) Quando existam factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado.”;
32-Ora, é jurisprudência pacífica que no tocante às normas de direito material e não adjectivo, em harmonia com o preceituado no artº.12, do C.Civil, será de aplicar o regime consignado por aquela em cuja vigência se tenham verificado os respectivos pressupostos pelo que, face aos períodos temporais em causa, logo se conclui ser aplicável o regime estatuído no artº.63-B referido no precedente artigo em relação aos anos de 2007 a 2009 e o artº.63-B (Lei 94/2009), seu nº.1, al.b), que consente o referido acesso “Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível” em relação aos demais exercícios;
33-Daí que o artº.63-B na redacção actual (e tendo em conta as que se sucederam no tempo) só seria aplicável aos exercícios anteriores ao da sua entrada em vigor se fosse essa a vontade expressa do legislador e essa vontade não está inequivocamente afirmada, devendo resolver-se a dúvida, se a houvesse - e não há - com a ressalva de retroactividade constante do artº.12, nº.1, do C.Civil;
34-Assim, aplicando tal doutrina ao caso dos autos, ficou determinado na ordem jurídica que o recorrente poderia beneficiar dos regimes de derrogação do sigilo bancário vigorantes em cada exercício pois que a própria lei não ressalvou a aplicabilidade imediata das alterações que se sucederam, sendo inequívoca a vontade do legislador no sentido de que a partir da vigência da Lei Nova não fosse aplicada às situações constituídas anteriormente, terá, pois, de assentar-se que a Lei Nova não atribui eficácia retroactiva às suas normas como decorre do disposto no artº.12, nº.1, do C.Civil, ao estabelecer que a lei só dispõe para o futuro, presumindo-se ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. E também ao nº.2 do mesmo preceito legal que estatui que quando a lei dispuser sobre os efeitos dos factos, a lei nova só visa, em caso de dúvida, os factos novos;
35-Deve, por isso, concluir-se que ao não distinguir tais situações, a decisão recorrida contraria frontalmente o artº.12, da L.G.T., assim como o artº.12, do C.Civil, e os princípios da legalidade, da segurança jurídica e da confiança ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático, da não retroactividade da lei restritiva de direitos liberdades e garantias e da não retroactividade da lei fiscal, inscritos nos artºs.2, 18, nº.3, e 103, nº.3, respectivamente, todos da Constituição da República Portuguesa;
36-No caso de derrogação do sigilo bancário a utilização da via judicial, por parte da A.T., é facultativa, desde que estejam reunidos os pressupostos previstos no artº.63-B, da L.G.T., na redacção aplicável;
Pelo que,
37-Reconhecendo-se na figura do sigilo bancário, duas vertentes, uma de salvaguarda de interesses privados, impedindo a devassa da intimidade da vida privada (artº.26, da C.R.P.), outra, de salvaguarda de interesses públicos, garantindo o clima de confiança necessário ao regular funcionamento da actividade bancária, a “ratio” do preceito que permite o acesso à informação bancária dos contribuintes, não pode e não deve, porque não foi essa a intenção do legislador, permitir o acesso irrestrito à documentação bancária dos cidadãos sob pena de violação de direitos, liberdades e garantias consagrados constitucionalmente, nomeadamente no artº.26, nº.1, da C.R.P.;
38-Nesta perspectiva, a derrogação do sigilo bancário, enquanto limitação a um direito fundamental, deve ser balizada pelas normas da L.G.T. que a permitem, sem esquecer a unidade do sistema jurídico, conformado superiormente pelas normas constitucionais e é por isso mesmo que a decisão sob recurso, não pode fundar-se em meras suspeitas, mas sim em factos concretos, e, já se viu, que não foram concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado na informação e despachos em que se ancora a decisão recorrida;
39-Donde que a interpretação que a sentença recorrida faz dos factos e do regime da derrogação do sigilo bancário segundo o regime ao caso aplicável, afronte o artº.103, nº.2, da C.R.P., que estabelece: “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”;
40-É que existe um princípio de “numerus clausus” em matéria de impostos que tem ainda como decorrência a completa descrição nos tipos legais dos elementos necessários à determinação do montante da prestação devida e das garantias dos contribuintes;
41-E o desrespeito de tal princípio é sancionado nos termos do artº.104, nº.3, da C.R.P., ao determinar que: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição...”, consequência jurídica que já derivava daqueloutros princípios da constitucionalidade e da conformidade dos actos do Estado com a Constituição insítos no artº.3, nº.3, da C.R.P.;
42-Vigorando no Direito Fiscal o princípio da legalidade que se traduz no brocado “nullum tributum sine lege” e, uma das decorrências do princípio da legalidade fiscal, como se disse já, é a proibição de pagamento de impostos que não tenham sido estabelecidos de harmonia com a Constituição, que se inscreve no quadro das garantias individuais, por isso revestindo as normas atinentes carácter preceptivo (cfr.artº.18, da C.R.P.);
43-Donde que, de acordo com o princípio da legalidade, só podem ser cobrados os impostos quando se verificam os pressupostos aos quais a lei condiciona a existência de uma obrigação fiscal, observadas as garantias dos contribuintes na lei estabelecidas como modo de reacção, não sendo lícito e legal proceder a derrogações de tais garantias como direitos adquiridos na vigência de certa lei (a LA, ou seja Lei Antiga) pois isso quebra a unidade sistemática do direito fiscal;
44-Normas Jurídicas violadas:
- Artºs.63 - B, nº.1 e nº.5, 75, 87 e 89, da L.G.T.;
- 104, nºs.2 e 3; 266, nº.2; 277; 207; 2; 3; 18, nº.3; 103, nº.3, 26, nº.1, e 168, todos da C.R.P.;
-Artº.51, do C.I.R.C.;
-Artº.3, do C.P.A.;
-Artº.12, do C.Civil;
45-Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provada e, em consequência, revogar-se a sentença que autorizou o acesso à informação e documentação bancária relativa à conta nº……………, por dela não ser titular, relativamente ao período de 01/01/2007 a 05/09/2009, com as legais consequências.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.316 e 317 dos autos) no sentido de se negar provimento ao recurso e manter-se a douta sentença recorrida.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.146-D, nº.1, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.218 a 221 dos autos):
1-Com data de 16/11/2011, foi elaborada pela Divisão de Inspecção Tributária III, da Direcção de Finanças de Setúbal, informação relativa à sociedade “D……….. - ……………….., Lda.”, como consta de fls.15 a 172 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e na qual foram assinaladas as seguintes conclusões:

“No procedimento de inspecção a decorrer ao sujeito passivo acima mencionado, apuraram-se os seguintes factos:
- Nos exercícios de 2007 e 2008, o sujeito passivo omitiu vendas efectuadas através da utilização da modalidade "Modo formação" na Caixa 4;
- As receitas dessas vendas realizadas através do TPA (Terminal de Pagamento Automático) 251961, totalizaram o montante de € 200.388,39, em 2007, e € 178.665,08, em 2008;
- Desconhece-se o montante global das vendas omitidas por se desconhecer o montante recebido em numerário;
- O sujeito passivo transferiu para a conta pessoal do seu sócio gerente, conta "…………..", o montante de € 248.850,03, em 2007, e € 50.791,54, em 2008;
- A partir de Maio de 2008, o sujeito passivo passa a utilizar a mesma conta de destino das receitas de TPA's dos Multibancos e do Visa - a conta de depósitos à ordem "………….." titulada pela sociedade e revelada na contabilidade;
- De Maio de 2008 a Janeiro de 2009, efectua transferências bancárias nos montantes dos TPA's não reflectidos na contabilidade, para outra conta da sociedade que utiliza para fins particulares e que não se encontra revelada na contabilidade - conta "……………….";
- Nos exercícios de 2009, 2010 e 2011, continua a efectuar os mesmos procedimentos relativamente à omissão das vendas efectuadas na Caixa 4, não reflectindo na contabilidade as receitas dos TPA's associados, desconhecendo-se a(s) conta(s) de destino dessas receitas;
Face ao exposto (...) entende-se que se encontram reunidos os condicionalismos previstos na alínea b), do nº.1, do artigo 63-B, da Lei Geral Tributária, para que a Administração Tributária desenvolva os mecanismos legais ao seu alcance para aceder a todos os documentos bancários do sujeito passivo, bem como o seu alargamento a todos os documentos bancários do gerente "Francisco ………………, e do sócio Rui ……………….. (...) Propõe-se ainda, com base nos fundamentos constantes da alínea b) do nº 1 do artigo 63º-B da Lei Geral Tributária, autorização para aceder a todas as informações ou documentos bancários do gerente, Francisco ……………., e do sócio Rui ……………., ao abrigo do nº8 do artigo 63º-B da Lei Geral Tributária (redacção da lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro), relativamente ao período de 01.01.2007 a 05.09.2009, e ao abrigo do nº 2 do artigo 63º-B da Lei Geral Tributária (redacção do artigo 2 da Lei nº 94/2009, de 1 de Setembro), relativamente ao período de 06.09.2009 à data actual (2011).(...)” (cfr.cópia de relatório da Divisão de Inspecção Tributária III, da Direcção de Finanças de Setúbal junto a fls.15 a 26 dos presentes autos);
2-A informação referida na alínea anterior foi objecto de parecer da coordenadora daqueles serviços, datado de 17/11/2011, com o seguinte teor: “Confirmo o teor da presente informação, elaborada com o objectivo de solicitar superiormente autorização para nos termos do disposto no art° 63-B da Lei Geral Tributária, aceder aos documentos bancários da sociedade, do gerente Francisco ………….. e do sócio Rui ………………, face à impossibilidade de acesso aos mesmos com a colaboração dos respectivos titulares. (...)" (cfr.documento junto a fls.14 dos presentes autos);
3-Também em 17/11/2011, foi proferido pelo Director de Finanças Adjunto, despacho concordante, exarado na referida informação (cfr.idem);
4-Em 28/11/2011, foi elaborado pelo Director-Geral de Impostos o projecto de decisão constante de fls.11 dos presentes autos;
5-Com data de 12/12/2011, foi emitido o ofício nº.036516 dos Serviços de Inspecção, dirigido ao ora requerido, para efeitos de notificação do exercício de direito de audição, nos termos do artº.60 e artº.63-B, nº.3, da L.G.T., o qual veio devolvido (cfr.documentos juntos a fls.12 a 13 v. dos presentes autos);
6-Em 3/01/2012, foi proferida pelos Serviços de Inspecção Tributária a “Informação posterior à audição prévia”, constante de fls.9 e 10 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
7-Com data de 16/01/2012, foi proferido despacho pelo substituto legal do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, com o seguinte teor:
“1-Nos termos e com os fundamentos constantes da Informação da Divisão de Inspecção Tributária III, da Direcção de Finanças de Setúbal, bem como do parecer e despachos nela exarados, que suportam o projecto de decisão de 28.11.2011, e atendendo a que Rui …………………. não exerceu o direito de audição prévia, dado que a notificação veio devolvida, presumindo-se a sua notificação nos termos do artigo 43, do RCPIT - Regime Complementar de Procedimento e da Inspecção Tributária, conforme consta da presente informação daquela Direcção de Finanças e respectivos despachos, verificando-se os condicionalismos previstos na alínea b) do nº1 do artº.63-B da Lei Geral Tributária, relativamente à sociedade “D …………, Supermercados.”, ……………., ao abrigo do disposto no nº 8 do citado normativo, na redacção da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, requeira-se autorização judicial nos termos do artº.146-C, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para acesso a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que seja titular o sujeito passivo Rui ……………, NIF ……………….., com referência ao período de 01 de Janeiro de 2007 a 05 de Setembro de 2009. (...)”(cfr.documento junto a fls.8 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão da causa, em face das possíveis soluções de direito…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, e, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e que o recorrente impugna parcialmente a mesma, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
8-Da informação identificada no nº.1 supra igualmente consta o seguinte:

“Em 17/11/2008, foi efectuado um aumento de capital da sociedade “D…………. - S………., L.da.”, ficando o capital social igual a € 300.000,00, sendo o sócio Rui ……………. detentor de quota no valor de € 171.238,00.
(…)
A sociedade “D………….. - S………………., L.da.”, em sede de I.R.C. encontra-se enquadrada no regime geral de tributação. Para efeitos de I.V.A., no regime normal de periodicidade mensal.
(…)
Embora não conste como gerente de direito, pode comprovar-se que o sócio Rui …………….. exerceu nos exercícios em causa actos de gerência, tendo sido recolhidas cópias de diversos cheques das contas tituladas pela sociedade, emitidos a terceiros e onde consta a assinatura do Sr. Rui ………….., nomeadamente:
a)Cheque emitido em 21/5/2008, no montante de € 150.298,23, à ordem de “Regional de Mercadorias”;
b)Cheque nº……………., emitido em 21/1/2011, no montante de 473,78, à “A.M.G. …………….., L.da.”, para pagamento de factura de reparação de viatura da empresa;
c)Assinatura em nome da sociedade de autorização de débito em conta para pagamento dos salários dos funcionários do mês de Agosto de 2011.
(…)
Face aos factos evidenciados nos pontos anteriores, nomeadamente as relações de parentesco existentes com o sócio-gerente Sr. Francisco ……………., considera-se que o sócio maioritário, Sr. Rui ………………, se encontra na situação prevista no artº.63-B, nº.2, da L.G.T., tendo sido notificado para no prazo de dez dias conceder autorização à A.T. para aceder a todos os documentos bancários das contas por si tituladas, relativas aos movimentos ocorridos nos exercícios de 2007 a 2011, através de ofício datado de 23/9/2011, registado e com aviso de recepção, enviado para o domicílio fiscal do contribuinte, entretanto devolvido a estes serviços com a indicação “Não atendeu” e “Objecto não reclamado”. Em cumprimento do disposto no artº.39, nº.5, do C.P.P.T., foi enviado novo ofício datado de 11/10/2011, registado e com aviso de recepção, também devolvido a estes serviços com a indicação “Não atendeu” e “Objecto não reclamado” (cfr.cópia de informação junta a fls.15 a 26 dos presentes autos; documentos juntos a fls.27 a 29 e 188 a 190 dos presentes autos; certidão permanente da sociedade “D …………… - S …………, L.da.” junta a fls.201 a 210 dos presentes autos);
9-A conta bancária identificada no nº.1 supra, com o nº………………., não se encontrava reflectida na contabilidade da sociedade “D…………. - S………., L.da.”, da qual a mesma empresa era titular, estando sediada no Banco ………. e sendo movimentada pelo sócio gerente Sr. Francisco …………… (cfr.cópia de informação junta a fls.15 a 26 dos presentes autos; documentos juntos a fls.37 a 53 e 265 a 267 dos presentes autos);
10-No requerimento inicial que originou o presente processo visando autorização para aceder a informação bancária, a Fazenda Pública termina efectuando o seguinte pedido:
“(…)autorização para aceder a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo e sócio da sociedade supra identificada, Rui …………………, com referência ao período de 1/1/2007 a 5/9/2009 (cfr.requerimento junto a fls.1 a 7 dos presentes autos);
11-Do dispositivo da sentença recorrida, datada de 24/8/2012, consta o seguinte conteúdo:
“Nestes termos e em face do exposto, autorizo o acesso à informação e documentação bancária relativa à conta nº……………., titulada pelo requerido Rui ……………, relativamente ao período de 1 de Janeiro de 2007 a 5 de Setembro de 2009. (…)”;
12-Em 10/9/2012, através de correio registado, foi enviado para o T.A.F. de Almada o requerimento de interposição de recurso tendo por objecto a sentença exarada a fls.216 a 226 dos presentes autos, no qual, além do mais, se pede a atribuição de efeito suspensivo ao mesmo salvatério, ao abrigo do artº.63-B, nº.5, da L.G.T. (cfr.requerimento de interposição de recurso junto a fls.230 e seg. dos presentes autos);
13-Em 18/9/2012, foi exarado despacho de admissão do recurso identificado no nº.10, além do mais, com efeito meramente devolutivo da decisão recorrida (cfr.despacho exarado a fls.305 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar procedente o pedido de autorização formulado pela Fazenda Pública, estruturado ao abrigo do artº.146-C, do C. P. P. Tributário, para aceder à informação e documentação bancária atinente à conta nº………………. de que é titular o recorrente e relativamente ao período de 1 de Janeiro de 2007 a 5 de Setembro de 2009.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando desde logo, como supra se alude, que ao presente recurso deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso por força do disposto no artº.63-B, nº.5, da L.G.T., já que, com a decisão sob recurso se visa aceder aos documentos bancários de terceiros que se relacionam com a contribuinte, a saber, o filho do sócio gerente daquela, que são pessoas juridicamente distintas da sociedade que é o sujeito passivo da relação jurídico-tributária (cfr.conclusões 1 e 2 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo entendemos, a ilegalidade do despacho de admissão de recurso no segmento relativo ao efeito meramente devolutivo da decisão recorrida que foi fixado ao mesmo.
A título de questão prévia, o recorrente, no âmbito do presente recurso, suscita o tema do efeito a atribuir ao recurso, sustentando que o mesmo deverá ser suspensivo, para tal chamando à colação a norma do artº.63-B, nº.5, da L.G.T.
Em processo tributário, a regra é a de que os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil do recurso, como decorre do disposto no artº.286, nº.2, do C.P.P.T., sendo situações enquadráveis nesta última hipótese prevista pelo legislador aquelas em que a execução imediata da decisão possa provocar uma situação irreparável (cfr.ac.T.C.A. Sul, 3/3/2009, proc.2759/08; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.832 e seg.).
Por outro lado, será também de estender o alcance desta regra sobre a atribuição de efeito suspensivo ao recurso nos casos em que a lei, independentemente de prestação de garantia, atribui efeito suspensivo ao uso de um determinado meio processual, na sua totalidade, como sucede nos processos de reclamação de actos praticados em execução fiscal, nas situações de subida imediata (cfr.artº.278, nºs.3 e 5, do C.P.P.T.). Nestes casos, deverá ser aplicada a regra geral subsidiária que estava prevista no artº.740, nº.1, do C.P.C., de que têm efeito suspensivo os recursos que sobem imediatamente nos próprios autos (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.835 e seg.).
Especificamente quanto ao processo especial de derrogação do dever de sigilo bancário, na falta de disposição em sentido contrário, das decisões proferidas neste processo especial cabe recurso jurisdicional, tanto do contribuinte, como da administração tributária, o qual deve ser apresentado por meio de requerimento, juntamente com as alegações, no prazo de dez dias, dado que nos encontramos perante processo urgente (cfr.artºs.146-D e 283, ambos do C.P.P.T.).
Passemos ao exame dos efeitos do recurso deduzido de decisão de 1ª. Instância no âmbito do processo especial de derrogação do dever de sigilo bancário.
Recorde-se que se aplica ao caso “sub judice” a versão do artº.63-B, da L.G.T., com a redacção que lhe foi transmitida pela Lei 55-B/2004, de 30/12 (cfr.artº.12, do C.Civil).
Conforme mencionado supra, em processo tributário, a regra é a de que os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil do recurso, como decorre do disposto no artº.286, nº.2, do C.P.P.T., sendo situações enquadráveis nesta última hipótese prevista pelo legislador aquelas em que a execução imediata da decisão possa provocar uma situação irreparável.
Para o caso, não tem relevo a excepção decorrente da prestação de garantia, uma vez que esta tem apenas lugar quando estejam em causa recursos interpostos de decisões judiciais que determinem o pagamento de uma determinada quantia, o que, seguramente, não é o caso das decisões judiciais proferidas neste processo especial, que apenas encerram um juízo sobre a validade da decisão de acesso da administração tributária a documentação bancária.
Afastada a hipótese de atribuição de efeito suspensivo ao recurso jurisdicional mediante prestação de garantia, resta apenas a excepção do efeito útil do recurso. Para que esta excepção se verifique é necessário que o efeito devolutivo, traduzido na execução imediata da decisão, provoque, ou possa provocar, uma situação irreparável como se acabou de referir.
Tendo em conta este critério, consideramos que há, pelo menos, duas situações em que ao recurso jurisdicional de decisões judiciais proferidas no processo especial de derrogação do dever de sigilo bancário deve ser atribuído efeito suspensivo. Em concreto, reportamo-nos aos casos em que o recurso interposto pelo contribuinte produz efeitos suspensivos automáticos (cfr.artº.63-B, nºs.3 e 5, da L.G.T.) e nele é proferida decisão judicial de indeferimento. A outra situação reconduz-se à existência de pedido de autorização formulado pela Administração Tributária (cfr.artº.63-B, nº.8, da L.G.T.), o qual é objecto de decisão judicial de deferimento.
Ambos os casos que acabámos de enunciar têm em comum o facto de as decisões judiciais se mostrarem favoráveis ao acesso da Administração Tributária à documentação bancária. Nestes casos, parece-nos evidente que a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso jurisdicional, possibilitando a execução imediata da decisão judicial, afecta gravemente o seu efeito útil, provocando uma situação irreparável, permitindo aquilo que o contribuinte, através da interposição do recurso, pretendia impedir: o acesso da Administração Tributária a dados cobertos pelo segredo bancário.
De modo que, nos casos expostos, a única via de salvaguardar o efeito útil do recurso jurisdicional e de, assim, evitar a verificação de uma situação irreparável é, sem dúvida alguma, a atribuição de efeito suspensivo. No mesmo sentido vai, de resto, a opção actual do legislador, visto que, na versão resultante da Lei 94/2009, de 1/9 (cfr.artº.63-B, nº.5, da L.G.T.), se consagra, além do mais, que nas situações de acesso directo a documentação bancária de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, verificando-se a recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, o recurso tem efeito suspensivo, o que tem como corolário a impossibilidade de execução imediata da decisão (cfr.Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.324 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.570).
No caso “sub judice”, conforme resulta da matéria de facto provada (cfr.despacho identificado no nº.13 da matéria de facto supra exarada), ao presente recurso foi atribuído efeito meramente devolutivo no despacho de admissão exarado em 1ª. Instância.
Atento o referido supra, o Tribunal “ad quem” não pode concordar com o conteúdo de tal despacho de admissão, no segmento relativo à fixação do efeito meramente devolutivo ao recurso, antes se devendo fixar ao presente recurso o efeito suspensivo (cfr.artº.685-C, nº.5, e 703, do C.P.Civil; artº.286, nº.2, do C.P.P.T.).
Concluindo, tem fundamento a pretensão do recorrente de ver alterado o efeito fixado ao presente recurso (efeito suspensivo da decisão recorrida) e enquanto questão prévia que se acaba de examinar, a tal alteração se procedendo na parte dispositiva do presente acórdão.
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O apelante discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se alude, que o Tribunal autorizou o acesso à informação e documentação bancária relativamente à conta nº……………, titulada pelo recorrente, relativamente ao período de 01/01/2007 a 05/09/2009. Que não pode sofrer a medida decretada visto que não é nem nunca foi titular da questionada conta, a qual sempre pertenceu única a exclusivamente à empresa “D……….. - S…………., Lda.”, e quem movimentava tal conta era e sempre foi o sócio gerente, o Sr. Francisco ……………, pai do recorrente (cfr.conclusões 3, 11 e 12 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
Mais se dirá que o erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um citério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
“In casu”, conforme se retira da matéria de facto aditada ao probatório (cfr.nº.9 do probatório), o recorrente não é titular da conta bancária com o nº……………, a qual se encontrava sediada no Banco ……….., antes sendo titular de tal conta bancária a sociedade “D…………. - S………….., L.da.”, mais sendo a aludida conta movimentada pelo sócio gerente da mesma empresa, Francisco ……………..
Face ao exposto, deve este Tribunal concluir pela existência de erro de julgamento de facto de que padece a sentença recorrida no que se refere à alegada conta bancária com o nº………………… (a qual não é da titularidade do recorrente), assim sendo forçoso julgar procedente este fundamento do recurso.
Também aduz o apelante que a sentença recorrida, louvando-se na fundamentação da A.T. e ainda porque no decurso do procedimento inspectivo o recorrente não fez prova de que corresponde à realidade a sua situação tributária por falta de colaboração do sujeito passivo, conclui pela impossibilidade de comprovação e quantificação do total dos proveitos realizados nos exercícios em análise, pela existência de contas bancárias tituladas pela sociedade não reflectidas na contabilidade, bem como de contas bancárias tituladas pelo sócio gerente, utilizadas pela sociedade no decurso da sua actividade comercial, pela impossibilidade de identificar o beneficiário das receitas e, ainda, pela impossibilidade em concretizar o acesso aos documentos bancários referentes aos exercícios de 2007 a 2009 com a colaboração do sujeito passivo. Que o recorrente logrou infirmar aqueles pretensos indícios relativamente aos rendimentos declarados nos exercícios em causa, pois logrou provar que foi feita a demonstração de ele não era titular da conta visada mas sim o sujeito passivo (a sociedade D…………….) e de que as transferências bancárias dos valores especificados na informação prestada pela A.T. e em que ancora a decisão recorrida e os que agora se revelam através dos extractos bancários cuja junção se requer, correspondem exactamente aos proveitos que tinham de ser declarados (cfr.conclusões 16 e 25 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
Antes de mais, diremos que a decisão de derrogação do sigilo bancário em exame nos presentes autos deve ser apreciada ao abrigo do regime consagrado no artº.63-B, da L.G.Tributária, na redacção resultante da Lei 55-B/2004, de 30/12, a aplicável ao caso concreto (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.T.).
A primeira concretização legislativa do sigilo bancário, no nosso país, data de 1967 e surgiu com o dec.lei nº.47909, de 7/9/1967. Mais tarde, a matéria do segredo bancário passou a ser disciplinada pelo dec.lei nº.729-E/75, de 22/12/1975. Seguidamente, surge-nos o dec.lei nº.2/78, de 9/1, diploma que pretendeu instituir um regime de segredo bancário de âmbito geral, de molde a abranger também as instituições de crédito não nacionalizadas, operando, em consequência, a revogação do diploma de 1975. O dec.lei nº.2/78, de 9/1, foi, entretanto, revogado pelo dec.lei nº.298/92, de 31/12, diploma este que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, cujos artºs.78 a 84 vieram reformular a disciplina jurídica do segredo bancário (cfr.para uma resenha histórica do segredo bancário poderá ver-se em Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2.ª edição, Coimbra, pág.346 e seg.; uma extensa abordagem da evolução legislativa do segredo bancário, também no acórdão do Tribunal Constitucional nº.278/95, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Julho de 1995; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.229 e seg.).
O dever de sigilo bancário a que se encontram adstritas as instituições de crédito e as sociedades financeiras, tem subjacente, na nossa ordem jurídica, a salvaguarda de interesses públicos e privados. Os interesses públicos prendem-se com o regular funcionamento da actividade bancária, o qual pressupõe a existência de um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem. Os interesses privados com a perspectiva que consiste na finalidade do instituto do segredo bancário ser também do interesse dos clientes, para quem o aspecto mais significativo do encorajamento e tutela do aforro se consubstancia na garantia da máxima reserva a respeito dos próprios negócios e relações com a banca. Com o sigilo bancário o legislador pretende, pois, rodear da máxima discrição a vida privada das pessoas, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais a eles ligados (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 16/2/2005, proc.35/05; ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/3/2011, proc.196/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/4/2012, proc. 5523/12).
Sustenta-se a necessidade de compatibilizar o segredo bancário com os deveres inspectivos da administração fiscal, partindo-se da ideia de que a tributação segundo o lucro real, constituindo a concretização de um princípio constitucional de igualdade (artº.104, da C.R.P.), exige uma distribuição justa dos encargos tributários entre os contribuintes e implica necessariamente a possibilidade de investigação administrativa dos elementos contabilísticos e documentais respeitantes às operações bancárias (cfr.Saldanha Sanches, Segredo Bancário e Tributação do Lucro Real, Ciência e Técnica Fiscal, nº.377, Janeiro-Março de 1995, pág.23 e seg.). Nesta perspectiva, poderia entender-se que os artºs.134, do C.I.R.S. e 125, do C.I.R.C., na medida em que facultam o livre acesso dos funcionários da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos aos locais destinados ao exercício de actividades tributáveis e ao exame dos livros e documentos que as suportam, representam, desde logo, um regime de excepção ao dever de segredo profissional por parte das entidades que disponham de informação relevante relativamente aos sujeitos passivos de imposto. Consentindo em considerar que o segredo bancário se fundamenta no direito à reserva da privacidade dos cidadãos e representa um instrumento necessário à dinâmica da actividade bancária e do sistema financeiro, justifica-se o dever de cooperação das instituições de crédito para com a administração fiscal com base na necessidade de harmonizar esses valores com o dever fundamental de pagar impostos e com as exigências sociais de arrecadar justa e atempadamente as receitas fiscais.
Em reforço deste entendimento poderia, ainda, apontar-se a extensão da regra de confidencialidade aos funcionários da administração tributária, relativamente aos dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes, instituída pelo artº.64, da L.G.T., que poderia significar o reconhecimento implícito, por parte do legislador, da necessidade de preservar o sigilo bancário na relação interna entre a banca e fisco.
A questão central que se coloca nesta matéria parece residir, porém, na maior ou menor amplitude com que se delimite a área de tutela da norma impositiva do sigilo bancário. Considerando-se que o bem jurídico protegido é a privacidade no seu círculo mais extenso poderá melhor compreender-se uma compressão do seu âmbito em função de valores ou interesses supra-individuais. Pelo contrário, colocando-se o assento tónico do dever de segredo na esfera mais intensa da intimidade da vida privada, apenas se justificará uma intromissão externa nos casos especialmente previstos e em articulação com os mecanismos do direito processual. O Tribunal Constitucional pronunciou-se já sobre esta matéria, tomando clara posição em favor da segunda alternativa. A situação económica do cidadão espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, fazem parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada condensado no artº.26, nº.1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia desse direito. Numa época histórica caracterizada pela generalidade das relações bancárias, em que grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes, designadamente, às contas de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente garantido. Não sendo um direito absoluto, e podendo ceder perante a necessidade de salvaguardar o interesse público da cooperação com a justiça e outros interesses constitucionalmente protegidos, é de aceitar que as restrições ao segredo bancário apenas possam derivar de lei formal expressa e que a sua aplicação concreta possa ser objecto de um adequado controlo jurisdicional (cfr.ac.Tribunal Constitucional nº.278/95, publicado no Diário da República, II Série, de 28/7/1995; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.316 e seg.).
Nestes termos, caminha-se claramente no sentido da flexibilização das situações em que o sigilo bancário pode ser afastado por via administrativa, por parte das autoridades fiscais, sempre que estejam em causa situações de suspeita de fraude ou evasão fiscal, lesivas do erário público, no limite pondo em causa a satisfação das necessidades colectivas, mas igualmente dos próprios interesses dos particulares não relapsos, devido a violação do princípio da igualdade e do dever fundamental de pagar impostos. O novo equilíbrio entre os valores mencionados assenta no reconhecimento de que a perspectiva mais garantística e restritiva do sigilo bancário pode dar cobertura a situações pouco transparentes, tanto para a A. Fiscal, a qual se vê privada de elementos essenciais para o apuramento do imposto, como para os próprios particulares, dado que o eventual benefício do instituto do segredo bancário pode gerar uma desigual repartição da carga tributária (cfr.Maria Eduarda Azevedo, O Segredo Bancário, Fisco, nº.33, Julho de 1991, pág.14; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.127 e seg.).
Independentemente de se tomar partido por uma das posições que ficaram expressas acima, o sigilo bancário não se apresenta hoje, na ordem jurídica portuguesa, com carácter absoluto, podendo sofrer compressões impostas pela necessidade de salvaguardar determinados direitos ou princípios (v.g.combate à fraude e evasão fiscais de que é expoente a Lei 30-G/2000, de 29/12).
“In casu”, a decisão de revogação do sigilo bancário objecto do presente processo foi efectuada, conforme mencionado supra, ao abrigo do artº.63-B, da L.G.Tributária, na redacção da Lei 55-B/2004, de 30/12.

Era a seguinte a redacção do preceito em exegese:

Artigo 63º.-B
“Acesso a informações e documentos bancários”

1. A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
a)Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária;
b) Quando existam factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado.
2. A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder directamente aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta:
a) Quando se trate de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada;
b) Quando o contribuinte usufrua de benetïcios fiscais ou de regimes fiscais privilegiados, havendo necessidade de controlar os respectivos pressupostos e apenas para esse efeito.
3. A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder a todos os documentos bancários, excepto às informações prestadas para justificar o recurso ao crédito, nas situações de recusa de exibição daqueles documentos ou de autorização para a sua consulta:
a) Quando se verificar a impossibilidade de comprovação e qualificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88º., e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta;
b) Quando se verificar a situação prevista na alínea f) do artigo 87º. ou os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente, para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de riqueza evidenciadas pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 89-A;
c) Quando seja necessário, para fins fiscais, comprovar a aplicação de subsídios públicos de qualquer natureza.
4. As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e são da competência do director-geral dos Impostos ou do director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação.
5. Os actos praticados ao abrigo da competência definida no número anterior dependem da audição prévia do contribuinte nos casos previstos nos nºs. 2 e 3 e são susceptíveis de recurso judicial com efeito meramente devolutivo, excepto nas situações previstas no nº.3, em que o recurso possui efeito suspensivo.
6. Nos casos de deferimento do recurso previsto no número anterior, os elementos de prova entretanto obtidos não podem ser utilizados para qualquer efeito em desfavor do contribuinte.
7. As entidades que se encontrem numa relação de domínio com o contribuinte ficam sujeitas aos regimes de acesso à informação bancária referidos nos nºs. 1, 2 e 3.
8. O acesso da administração tributária a Informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte depende de autorização judicial expressa, após audição do visado, obedecendo aos requisitos previstos no nº.4.
9. O regime previsto nos números anteriores não prejudica a legislação aplicável aos casos de investigação por infracção penal e só pode ter por objecto operações e movimentos bancários realizados após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do regime vigente para as situações anteriores.
10. Para os efeitos desta lei, considera-se documento bancário qualquer documento ou registo, independentemente do respectivo suporte, em que se titulem, comprovem ou registem operações praticadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras no âmbito da respectiva actividade, incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito.

Haverá, portanto, que examinar se estão reunidos os pressupostos legais da decisão de derrogação do sigilo bancário objecto do presente recurso, de acordo com o regime previsto no aludido artº.63-B, da L.G.Tributária, na redacção da Lei 55-B/2004, de 30/12.
Na exegese da norma deve mencionar-se, desde logo, que o conceito de documento bancário utilizado pelo preceito se encontra previsto no artº.63-B, nº.10, da L.G.Tributária.
Adoptando o critério da forma como se processa o acesso por parte da Administração Tributária às informações e documentos bancários, podemos distinguir duas situações. Em primeiro lugar, uma situação em que se permite o acesso directo, através da emissão de uma decisão administrativa, que se verifica nos casos previstos nos nºs.1, 2 e 3 da norma. Em segundo lugar, uma outra situação em que o acesso da Administração Tributária depende de autorização judicial e que corresponde às situações definidas no nº.8 do mesmo artigo.
Com a distinção operada pela nova redacção dada ao nº.1 do artigo sob exame ficou claro que a Administração Fiscal, a partir da entrada em vigor da Lei 55-B/2004, pode ter acesso a elementos protegidos pelo segredo bancário sempre que, na pendência ou na sequência de acções desenvolvidas num determinado procedimento tributário e da apreciação levada a cabo relativamente aos factos apurados, conclua pela existência de indícios de crime em matéria tributária (doloso ou não) ou de contra-ordenação (simples ou grave), neste último caso suportados em factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado. Mais se dirá que as informações bancárias obtidas pela Administração Tributária, ao abrigo deste regime jurídico, não se destinam a ser utilizados em processos criminais, nem mesmo contra-ordenacionais, tendo antes como destino fins meramente administrativos, designadamente a instrução de procedimentos tributários que tenham como objectivo a correcta quantificação da matéria colectável e a liquidação de tributos.
Especificamente em relação ao regime previsto no artº.63-B, nº.8, da L.G.T., aplica-se o mesmo às situações em que a Fazenda Pública, na pendência de um procedimento especial de derrogação do segredo bancário, pretende ter acesso a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem em relação especial com o contribuinte investigado. Nesse caso, estabelece o nº.8, do artº.63-B, da L.G.T., que tal só será possível mediante autorização judicial e após audição do visado, mais obedecendo aos requisitos previstos no nº.4 do mesmo artigo. E não basta respeitar os requisitos procedimentais previstos no nº.4 do preceito. Na verdade, o acesso a elementos bancários relativos a familiares ou a terceiros, só é possível quando, simultaneamente e relativamente ao contribuinte - cuja situação tributária determinou a abertura de um procedimento especial de derrogação do segredo bancário - se verifique algum dos requisitos enunciados nos nºs.1 a 3 do artº.63-B, da L.G.T. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 16/2/2005, proc.1395/04).
Esta norma suscita alguns problemas quanto ao seu sentido e alcance. Problemas esses que são tributários da utilização de conceitos vagos e imprecisos, como é o caso do conceito de “terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte”. O conceito de “relação especial” é uma concepção com alguma tradição no direito fiscal português. A ele se referia o artº.51-A, do Código da Contribuição Industrial, o qual, não obstante a revogação, se manteve no artº.57, do C.I.R.C. Actualmente, o nº.4, do artº.58, do C.I.R.C., considera que “existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra”. Ora, existindo no nosso ordenamento jurídico-tributário uma definição de “relações especiais”, oferecida para efeitos da disciplina legal de preços de transferência, originariamente aplicável para efeitos de I.R.C., mas igualmente válida para a cédula do I.R.S. (“ex vi” do artº.32, do C.I.R.S.), entendemos que aquela definição, por via do artº.2, al.b), da L.G.T., ainda que sujeita às necessárias adaptações, pode ser aproveitada para efeitos de determinação do sentido e alcance dos poderes da Administração Tributária em matéria de acesso a informação bancária relativa a terceiros. Especificamente, os sócios e/ou administradores duma empresa que está a ser alvo de uma inspecção não podem deixar de considerar-se, para este efeito, terceiros que se encontram numa relação especial com aquela (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 26/4/2007, proc.187/07; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.280 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.564 e seg.).
Voltando ao caso concreto, é óbvia a impossibilidade de procedência da autorização de levantamento do dever de sigilo bancário ordenado pela decisão do Tribunal “a quo” e objecto do presente recurso. Assim é, porquanto, a conta bancária cujo levantamento do respectivo sigilo bancário foi ordenado em 1ª. Instância não é da titularidade do terceiro ora recorrente, tudo conforme já examinado supra aquando da constatação do erro de julgamento de facto da decisão recorrida, para onde se remete.
Ora, não tendo a Fazenda Pública deduzido recurso da sentença do T.A.F. de Almada (cfr.artº.684-A, do C.P.Civil), levando em consideração o trânsito em julgado da sentença da 1ª. Instância na parte relativa a todas as outras eventuais contas bancárias de que seria titular o recorrente Rui ………………… e não identificadas no seu dispositivo (cfr.nºs.10 e 11 do probatório), e também devido ao princípio da proibição da “reformatio in peius” (cfr.artº.684, nº.4, do C.P.Civil), não deve este Tribunal apreciar a sentença recorrida no mencionado trecho não objecto da presente apelação.
Por último, refira-se a desnecessidade de conhecimento dos restantes fundamentos do recurso intentado, devido a nexo de prejudicialidade.
Sem necessidade de mais amplas considerações, o recurso merece provimento, não podendo manter-se a decisão recorrida, a qual será revogada e substituída por acórdão que julgue improcedente a autorização de levantamento do dever de sigilo bancário identificada no seu dispositivo, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-ATRIBUIR AO PRESENTE RECURSO O EFEITO SUSPENSIVO;
2-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a autorização de levantamento do dever de sigilo bancário identificado no seu dispositivo (cfr.nº.11 do probatório).
X
Condena-se a Fazenda Pública em custas somente em 1ª. Instância.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 6 de Novembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)