Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10642/13
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:10/23/2014
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA
ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ARTº 6º DA LEI Nº 12-A/2008
Sumário:1. A sentença só é nula quando não se pronuncie sobre questões das quais deva obrigatoriamente conhecer, não se verificando a nulidade da decisão quando não tenham sido analisados todos os argumentos invocados pelas partes.
2. O artº 6º, em conjugação com o artº 54º, da Lei 12-A/2008 consagra precedências no provimento de lugares dos quadros de pessoal, quando os concursos se destinem a preencher lugares que se encontram previstos e não ocupados nos quadros de pessoal aprovados, podendo suceder que a vaga posta a concurso seja preenchida por candidato não classificado em primeiro lugar no concurso aberto para provimento da mesma.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

A……, intentou contra o Município de Almada acção administrativa especial na qual peticionou a anulação de acto praticado pela Presidente da Câmara Municipal de Almada, em 29 de Dezembro de 2010, que determinou o provimento da concorrente graduada em 3º lugar no concurso externo de ingresso para ocupação de 1 posto de trabalho, em regime de contrato de contrato em funções públicas por tempo indeterminado, na categoria de Educador de Infância.

Por Acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, em 26 de Junho de 2013, foi julgado improcedente o pedido.

Inconformado com o decidido, a A. recorreu para este TCA Sul, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – O acórdão impugnado, não se mostra fundamentado, contrariando o disposto nos artigos 158º e 659º da C.R.P.
2 – O Acórdão impugnado aplicou incorrectamente o artigo 6º da Lei nº 12-A/2008, de 27/02, porquanto tal preceito não era aplicável;
3 – E aplicou o disposto no artigo 54º, nº 1 alínea d) do mesmo diploma legal ao arrepio do ali prescrito, já que do mesmo resultava que, estando a Recorrente classificado em primeiro lugar tinha direito ao provimento.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso



II) No Acórdão recorrido foram dados como assentes os seguintes factos:

a) O R. abriu concurso externo de ingresso, por tempo indeterminado, para o provimento de um posto de trabalho de educador de infância, publicitado através de Aviso nº 21554/2009, publicado no Diário da Republica, II Serie, nº 231, de 27 de Novembro de 2009 - cfr. P.A.;
b) O procedimento concursal foi aberto para preenchimento de posto de trabalho que ficou vazio por aposentação de uma educadora de infância - cfr. despacho de 30/03/2009 da Presidente da Câmara Municipal de Almada, que consta do P.A.;
c) Em 22/1 1/20 10, o Júri do concurso elaborou a seguinte lista de graduação final dos concorrentes:
1º – A…..............................….16,32 valores
2º – D….............................. 14,16 valores
3º - C.................................... 13,90 valores*
4º– H...................................... 13,52 valores*
5º– V……...............................12,70 valores
6º– J…....................................12,62 valores
7º– V…………….………......12,60 valores
8º– M…………..................... 12,44 valores*
9º– A ……………….........… 12,28 valores
10º- C.................................... 12,20 valores
11º- P................................... 12,04 valores
12º-M.....................................11,78 valores*
13º-V......................................11,56 valores
14º- A................................... 11,52 valores
15º- Z………….................. 10,84 valores
16º- V.................................. 10,72 valores
17º- C.................................... 10,50 valores*
18º- A.....................................09,92 valores
19º- A.....................................09,86 valores
d) Em 29/12/2010, a Presidente da Câmara Municipal de Almada, homologou a referida lista e autorizou a contratação do concorrente graduado em terceiro lugar - cfr. P.A.;
e) O R. considerou que “o recrutamento se realiza pela ordem decrescente da ordenação final dos candidatos aprovados tendo prioridade os detentores das seguintes relações jurídicas: situação de mobilidade especial; contratado por tempo indeterminado; contrato por tempo determinado ou determinável ou sem qualquer relação jurídica de emprego público, nos termos dos números 3 a 7 do artigo 6.° conjugado com a alínea d) do n.° 1 do artigo 54.° da Lei n.° 12-AJ2008 de 27 de Fevereiro” - cfr. P.A.;
f) Em 10/01/2011, o R. celebrou contrato de trabalho por tempo indeterminado com a concorrente graduada em terceiro lugar, C…………… - cfr. P.A..

III) Fundamentação jurídica

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações importa conhecer do mérito do presente recurso.

Começou a recorrente por referir que o Acórdão recorrido não se encontra fundamentado, contrariando o disposto nos artigos 158º e 659 do C.P.C., sendo como tal nulo.

Nos termos do artigos 158º nº 1 do C.P.C. (versão anterior à actual) “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.”, prevendo a segunda das supra referidas normas – concretamente o nº 2 – que, após a identificação, na sentença, das partes, do objecto do litígio e da fixação das questões que ao tribunal cumpre solucionar, se seguem os “…fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.”

Ao contrário do sustentado pela recorrente o Acórdão recorrido encontram-se devidamente fundamentado, sendo no mesmo tratadas todas as questões determinantes para a resolução do litígio levado a Tribunal – a invocada violação dos artigos 6º e 54º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro – questões que foram apreciadas no Acórdão recorrido de forma clara a suficientemente fundamentada, importando apenas referir serem realidades distintas as questões que devem ser apreciadas pelo Tribunal e os argumentos invocados pelas partes, sendo que apenas a falta de análise de todas as questões submetidas a Tribunal é geradora de nulidade, devendo as decisões dos Tribunais ter em atenção não apenas os argumentos esgrimidos pelas partes mas também e sobretudo a maior ou menor complexidade das questões que lhe são submetidas, pelo que se concluiu pela improcedência da invocada nulidade do Acórdão recorrido.

Entrando agora na bondade da solução plasmada no Acórdão recorrido, para o que importa transcrever o disposto nos artigos 6º e 54º da Lei nº 12-A/2008 (1), de 27 de Fevereiro, diploma que definiu os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.”

Artigo 6.º
Gestão dos recursos humanos em função dos mapas de pessoal
1 - Face aos mapas de pessoal, o órgão ou serviço verifica se se encontram em funções trabalhadores em número suficiente, insuficiente ou excessivo.
2 - Sendo insuficiente o número de trabalhadores em funções, o órgão ou serviço, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1 e nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte, pode promover o recrutamento dos necessários à ocupação dos postos de trabalho em causa.
3 - O recrutamento referido no número anterior, para ocupação dos postos de trabalho necessários à execução das actividades, opera-se com recurso à constituição de relações jurídicas de emprego público por tempo indeterminado, excepto quando tais actividades sejam de natureza temporária, caso em que o recrutamento é efectuado com recurso à constituição de relações jurídicas de emprego público por tempo determinado ou determinável.
4 - O recrutamento para constituição de relações jurídicas de emprego público por tempo indeterminado nas modalidades previstas no n.º 1 do artigo 9.º inicia-se sempre de entre trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida.
5 - O recrutamento para constituição de relações jurídicas de emprego público por tempo determinado ou determinável nas modalidades previstas no n.º 1 do artigo 9.º inicia-se sempre de entre trabalhadores que:

a) Não pretendam conservar a qualidade de sujeitos de relações jurídicas de emprego público constituídas por tempo indeterminado; ou
b) Se encontrem colocados em situação de mobilidade especial.
6 - Em caso de impossibilidade de ocupação de todos ou de alguns postos de trabalho por aplicação do disposto nos números anteriores, o órgão ou serviço, precedendo parecer favorável dos membros do Governo responsáveis pelas finanças e pela Administração Pública, pode proceder ao recrutamento de trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo determinado ou determinável ou sem relação jurídica de emprego público previamente estabelecida.
7 - O sentido e a data do parecer referido no número anterior é expressamente mencionado no procedimento de recrutamento ali em causa.

8 - Nas condições previstas no n.º 4 do artigo anterior, sendo excessivo o número de trabalhadores em funções, o órgão ou serviço começa por promover as diligências legais necessárias à cessação das relações jurídicas de emprego público constituídas por tempo determinado ou determinável de que não careça e, quando ainda necessário, aplica às restantes o regime legalmente previsto, incluindo o de colocação de pessoal em situação de mobilidade especial.
9 - O recrutamento previsto no n.º 5 pode ainda ocorrer, quando especialmente admitido na lei, mediante selecção própria estabelecida em razão de aptidão científica, técnica ou artística, devidamente fundamentada.
Artigo 50.º
Procedimento concursal
1 - Decidido pelo dirigente máximo da entidade empregadora pública, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 e dos nºs 3 e 4 do artigo 7.º, promover o recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de todos ou de alguns postos de trabalho previstos, e não ocupados, nos mapas de pessoal aprovados, é publicitado o respectivo procedimento concursal, designadamente através de publicação na 2.ª série do Diário da República.
2 - O procedimento concursal referido no número anterior observa as injunções decorrentes do disposto nos nºs 3 a 7 do artigo 6.º
3 - Da publicitação do procedimento concursal consta, com clareza, a referência ao número de postos de trabalho a ocupar e a sua caracterização em função da atribuição, competência ou actividade a cumprir ou a executar, carreira, categoria e, quando imprescindível, área de formação académica ou profissional que lhes correspondam.
4 - Para os efeitos do disposto no número anterior, a publicitação do procedimento faz referência:
a) À área de formação académica quando, nos casos da alínea c) do n.º 1 do artigo 44.º, exista mais do que uma no mesmo nível habilitacional;
b) À área de formação profissional quando, nos casos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 44.º, a integração na carreira não dependa, ou não dependa exclusivamente, de habilitações literárias.
Artigo 54.º
Tramitação do procedimento concursal
1 - O procedimento concursal é simplificado e urgente, obedecendo aos seguintes princípios:
a) O júri do procedimento é composto por trabalhadores da entidade empregadora pública, de outro órgão ou serviço e, quando a área de formação exigida revele a sua conveniência, de entidades privadas;
b) Inexistência de actos ou de listas preparatórias da ordenação final dos candidatos;
c) A ordenação final dos candidatos é unitária, ainda que lhes tenham sido aplicados métodos de selecção diferentes;
d) O recrutamento efectua-se pela ordem decrescente da ordenação final dos candidatos colocados em situação de mobilidade especial e, esgotados estes, dos restantes candidatos.
2 - A tramitação do procedimento concursal, incluindo a do destinado a constituir reservas de recrutamento em cada órgão ou serviço ou em entidade centralizada, é regulamentada por portaria do membro do Governo responsável pela área da Administração Pública ou, tratando-se de carreira especial relativamente à qual aquela tramitação se revele desadequada, por portaria deste membro do Governo e daquele cujo âmbito de competência abranja órgão ou serviço em cujo mapa de pessoal se contenha a previsão da carreira.”

Vejamos então o regime que decorre das normas em apreço, começando por chamar à atenção para a circunstância de o artigo 50º - tal como sucede com o artigo 54º - se encontrar inserido no Capítulo III – “Recrutamento” – do Título IV – “Regime de carreiras”, resultando do nº 1 que decidido, nos termos do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 e dos nºs 3 e 4 do artigo 7º, promover o recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de todos ou de alguns postos de trabalho previstos, e não ocupados, nos mapas de pessoal aprovados é publicitado o respectivo procedimento concursal, procedimento esse que observa as injunções decorrentes do disposto nos nºs 3 a 7 do artigo 6º, conforme expressamente resulta do disposto no nº 2 do artigo 50º, pelo que o sentido da parte final contida na alínea d) do nº 1 do art 54º “…e esgotados estes, dos restantes candidatos”, só pode ser um: o de que o recrutamento se efectua pela ordem decrescente de ordenação final dos candidatos colocados em situação de mobilidade especial e esgotados estes deve seguir, se for um procedimento concursal destinado a promover o recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de todos ou de alguns postos de trabalho previstos, e não ocupados, nos mapas de pessoal aprovados, as injunções decorrentes do disposto nos nºs 3 a 7 do artigo 6º.

O concurso em apreço foi aberto, recorde-se, para preenchimento de posto de trabalho que ficou vazio por aposentação de um educadora de infância, pelo que o recrutamento é feito da seguinte forma: em primeiro lugar de entre trabalhadores sujeitos de relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, preferindo aqueles que se encontrem em situação de mobilidade especial – cfr. nº 4 do artº 6º e artº 54, nº 1 alínea d) – seguindo-se os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho a termo certo ou incerto e depois os que não são sujeitos de qualquer relação jurídica de emprego público – cfr. artº 6º nº 6 – regime que, ao contrário do sustentado pela recorrente é aplicável ao procedimento concursal em apreço, face ao disposto no nº 2 do artº 50º, nos termos supra referidos.


Assim, a A. por não ser sujeita de qualquer relação jurídica de emprego público e não obstante ter ficado classificada em primeiro lugar viu o posto de trabalho objecto do procedimento concursal em apreço ser preenchido pela concorrente classificada em terceiro lugar – a melhor classificada das concorrentes já detentoras de relação jurídica de emprego público – sem que tal acarrete qualquer violação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que improcedem os fundamentos do presente recurso.
III) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em julgar improcedente o recurso,
Custas pela recorrente, em ambas as instâncias.
Lisboa, 23 de Outubro de 2014


Nuno Coutinho


Carlos Araújo


Rui Belfo Pereira

(1) Diploma revogado pela Lei 35/2014, de 20 de Junho